Imagem - uma única mulher, pode com vigorosa tenacidade, enfrenta um batalhão de policiais armados, empurrando um obstáculo, uma telha, uma centelha? Uma mulher palestina, lutando com seu próprio corpo, transformado em barreira e resiliência, em um cenário de repressão policial a um protesto coletivo. Ao fundo da foto está uma multidão observando, de um ponto mais alto, saindo uma fumaça escura de dois pontos deste lugar, que podemos assemelhar a um acampamento de marginalizados sociais, e o esforço policial para sua desocupação. (fonte lukeprog.com, prêmio Pulitzer de fotografia em 2007).
"FICA DECRETADO QUE HOJE VALE A VERDADE..."
Hoje, dia 10 de Dezembro, deveríamos estar comemorando o Dia Internacional dos Direitos Humanos, com o mesmo espírito que comemoramos o Natal.
Hoje em milhares de situações ou condições de vida, em todos recantos da Terra, um número inimaginável de seres humanos estão sendo submetidos à Violação de seus Direitos Humanos.
Lembro, ecumenicamente, que aquele que é lembrado no dia 25 de Dezembro, por seu nascimento em uma manjedoura, terminou sua vida terrena em um calvário e sob tortura, na crucificação por um IMPÉRIO, com uma placa onde se lia ser ele o "rei dos judeus", e ao lado de transgressores da lei romana, apesar de sua origem e história como um proto-comunista e universalista dos direitos de todos.
Em tempos de um novo Império, lamentavelmente, vemos que uma discussão acalorada sobre os direitos humanos, quase sempre, caminha para a banalização de que seus defensores somente defendem criminosos, bandidos, violentadores ou meliantes, apenas os que transgredirem as nossas leis e os bons costumes. Diante desta já midiatizada e popularizada versão distorcida, não podemos deixar de contra argumentar sobre a ausência, quase que cotidiana, de uma educação sobre quais são, por quê e para quê os nossos direitos humanos existem e foram transformados em uma Declaração.
Para além da Declaração de 1948, que em sua própria história traz o pós-guerra e a necessidade de um concerto entre os vencedores, ao mesmo tempo que nascia as Nações Unidas (ONU), deveríamos compreender que a sua aparente e impossível universalidade é um fundamento que deveríamos abraçar e realizar.
Entretanto, nos chamam, os ditos defensores de direitos humanos, de utopistas ou de comunistas, ora um pouco sonhadores e em outras naturalizações de "socialistas demais" ou "xiitas"... São múltiplas e heterogêneas as formas de defesa destes direitos, militantes ou não. Porém, com certeza, não são pessoas anestesiadas pelo utilitarismo, pelo liberalismo e muito menos pelo conformismo.
Tentam apagar da nossa memória os nossos Anos de Chumbo. Negam a existência de Trabalho Escravo. Esquecem da cotidiana exclusão e marginalização de crianças e jovens em situação de rua. Suprimem a violência institucionalizada e legitimada dos órgãos oficiais de repressão policial. Renegam a existência de Racismos, intolerâncias étnicas, discriminações de gênero ou de caráter sexual, como a Homofobia. Fecham os ouvidos às vozes sufocadas pela permanência da Tortura e não condenação de torturadores reabilitados.
Mantêm invisíveis os milhares de cidadãos e cidadãs que convivem com a miséria ou a pobreza, que são mais graves quando associadas às muitas formas de ser estar com uma ou múltiplas Deficiências. Confirmam a necessidade de Manicômios ou de Asilos para loucos e velhos não-recicláveis, bem como outros considerados cidadãos de segunda categoria, a serem higienicamente isolados.
Enfim, referendam os que só enxergam, a partir do próprio umbigo, de forma individualista, neoliberal e narcisista, temendo, como única violência aquela que possa lhes afetar em suas intimidades ou modos domésticos e protegidos de viver...
Tudo isso, ao meu ver, pela profunda macrodespolitização a que estes princípios de direitos sofreram, geraram e podem gerar. O mundo globalizado, e a atual Conferencia na Dinamarca, nos ensina/confirma que ainda persiste, nos nossos Estados e estadistas, a divisão entre os ricos e os pobres, entre os que se desenvolvem capitalísticamente à custa do não-desenvolvimento de outrem, da segregação e restrição da possibilidade de crescimento e transformação das condições de vida, habitação, saúde e educação, da afirmação dos chamados direitos de 4ª (quarta) geração para os miseráveis da Àfrica, da Ásia ou da América Latina.
Retomo, diante deste panorama mundial, onde me parece que o futuro do planeta e seus habitantes fica novamente a reboque da Economia e do Hipercapitalismo, mesmo sob o risco de ficarmos todos, mundialmente, ou fritos ou afogados, a necessidade de uma busca do que Guattari chamou das Três Ecologias. Ao traçar o paralelo sobre a possibilidade de uma ecosofia de um novo tipo, ético-politica e estética, é que devemos ter em mente algumas ideias poéticas para o convívio entre os homens, suas culturas, etnias e diferenças sócio-político-econômicas.
Precisamos, segundo Guattari, nos tornar capazes de um "movimento de múltiplas faces dando lugar à instâncias e dispositivos ao mesmo tempo analíticos e produtores de subjetividade". Teremos de, rompendo alguns preconceitos e antigos "militantismos", nos tornar mais solidários, ao mesmo tempo que cada vez mais diferentes e múltiplos. Apesar do incômodo, toleraremos as presenças e diferenças de nossos "ESTRANHOS ÍMPARES", EMBORA DESIGUAIS, AFIRMANDO OS PRINCÍPIOS DE NOSSA IGUALDADE NO CAMPO DA DIGNIDADE E DO RESPEITO À VIDA.
Para atualizar meu desejo ecosófico com uma outra forma de afirmar os Direitos Humanos, trago o que considero uma das mais belas poesias sobre o que podemos vir a ser. Muito embora já devêssemos ter e ser nos tornado com esta suavidade poética, mais persistentes e resilientes.
E, então, realizar o compromisso inadiável, na nossa História, para com as mudanças nas três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e políticas, e, profundamente, a da subjetividade humana.
No campo da produção da subjetividade, tanto individual quanto coletiva, ainda podemos buscar seu 'transbordamento', qual as enchentes que estamos ajudando a provocar, para fora das posições herméticas e os enclausuramentos egoístas ou identificatórios. Talvez aí possamos, poeticamente, encarar nossas transitoriedades, finitudes, nossas dores, nossos amores e desejos, nossas limitações, nossa morte.
Trago, hoje dia 10 de dezembro, para nossa reflexão o poeta Thiago de Mello, que talvez agora esteja lá no meio de sua Amazonas, preocupado com o futuro de seu pequeno igarapé ou das águas escuras, vastas, profundas e, quem sabe, ameaçadas do Rio Negro. Pois o Sertão pode virar Mar e o Mar virar Deserto...
"ESTATUTOS DO HOMEM
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem".
FONTES:
FELIX GUATTARI - AS TRÊS ECOLOGIAS - Papirus Editora, Campinas, SP, 1993.
THIAGO DE MELLO - ESTATUTOS DO HOMEM - Martins Fontes Editora - São Paulo - SP - 1980
PARA OUVIR O POETA DECLAMANDO SUA POESIA , EM MP3 - https://www.4shared.com/file/91688850/b83bb724/thiago_mello_estatutos_homem.html
LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
ONDE NASCEM E MORREM OS DIREITOS HUMANOS?
A(s) Deficiência(s) é (são) uma QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS! https://infoativodefnet.blogspot.com/2018/12/as-deficiencias-esao-uma-questao-de.html
InfoAtivo.DefNet 4314 - Ano 13 - 10/12/2009
Infelizmente vivemos em um mundo onde a desigualdade,a violência,o desrespeito pelo ser humano,a falta de amor a vida predomina.Onde governos escondem de nos a verdade.A ambição acima de tudo.Obrigada Jorge Marcio Andrade por abrir paginas como essas cheias de infomações importantes.
ResponderExcluirJá trabalhei várias vezes com esse texto de Thiago de Mello em sala de aula, com meus alunos e os mesmos acham-no impossível de ser vivido, quer em partes e muito menos na integralidade, acham que quaisquer possibilidade seria pautada apenas sob a ótica da religião, entretanto os faço rever conceitos de solidariedade, respeito e principalmente o que podemos fazer em nosso cotidiano para minimizar as atitudes conflituosas e díspares vividas e praticadas em nossas sociedades! simplesmente conceitualizar e contextualizar fazem parte de tornar a ver o que dantes não foi visto... grata!
ResponderExcluirRECEBI DE DULCE SANTOS ( que não consegui postar via gmail)
ResponderExcluirMarcio, querido amigo, tudo o que escreve é tão belo e profundo, que preciso ler mais de uma vez para deglutir. Não tenho como engolir sem saborear lentamente, passando de leve pela língua, poder sentir o amargo, o sal, a pimenta... E essa poesia é de uma leveza e beleza indescritível. Obrigada, obrigadíssima!
Parabéns Doutor pelo texto! Me lembrei do escritor Eduardo Galeano, que já nos sinalizou que devemos correr sempre atrás da utopia. Um abraço fraterno.
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