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domingo, 8 de março de 2015

OS DES(z)-MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO

Imagem publicada–uma foto,que fiz recentemente, da exposição comemorativa em homenagem à "Mafalda", personagem criada pelo cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino, pelos 50 anos dessa doce, mordaz e crítica invenção em quadrinhos. Nela vemos a Declaração dos Direitos das Crianças, do UNICEF, comentada por Mafalda e seus amigos, onde se lê, à direita, no décimo artigo: “A criança deve ser protegida contra influências que possam induzi-la a qualquer forma de discriminação racial, religiosa ou de outro gênero. Ela deve ser educada num espírito de compreensão, tolerância, amizade para com todos os povos, paz e fraternidade universal, e na consciência de que deverá colocar a sua energia e talento a serviço do próximo”. À sua esquerda estão Mafalda e um globo terrestre, onde a menina, apontando seu dedo de forma firme e decidida, diz: “E VAMOS TRATAR DE RESPEITAR ESSES DIREITOS, TÁ? VAMOS VER SE ELES NÃO FAZEM COM ELES O QUE FIZERAM COM OS DEZ MANDAMENTOS”. Uma referência de como o humor, do mais suave ao mais irônico, poderá nos ajudar a compreender como responder, principalmente às nossas meninas, o porquê continuamos tratando-as como o “segundo sexo”, ou melhor, o corpo negado e explorado, desde a infância ultrajada, sem que nenhum novo “des-mandamento” tenha realmente sido efetivado e vivenciado por elas.

“Sendo a própria substância das atividades poéticas do homem, compreende-se que a mulher se apresente como uma inspiradora: as Musas são mulheres... É através da mulher, cujo espírito se acha profundamente ligado à Natureza, que o homem sondará os abismos do silêncio e da noite fecunda. A Musa não cria nada por si mesma; é uma Sibila ajuizada que docilmente se faz serva de um senhor...” (ou melhor, se finge de servidão e submissão, quando se tornar realmente uma mulher livre) – Simone de Beauvoir (1949).

 A ELAS, para as quais devo proclamar novos des-mandamentos, questionando essa universalidade apenas por escrito, é que pergunto: Como lhes provocar, nova e insistentemente, o espanto e a revolta? Como lhes estimular a que não se tornem veículos, físicos ou até tecnológicos, da moda, hoje midiática, da discriminação ou do ódio? Como reinventar seus passos em direção à verdade sobre o amor e sobre o sexo? Como, enfim, ao falar ou escrever, tarefa quase impossível, e não interpretar o desejo feminino, mas sim torná-lo mais uma das forças desejantes de uma possível revolução molecular?

Para que os e as que me acompanham os meus pensamentos e divagações envio um texto-quase-bomba-afectiva, envio, quiçá, o que me demandam estes tempos tão pastorais e de novas repressões ou fanatismos. Envio um pouco de desmando, desmanche e desatino. Uma proposta de inverter e subverter todas as imposições que ainda recaem sobre um corpo-diferença que se tem tornado mais um corpo serializado na produção de Vidas Nuas.

A vocês, e aos que se sentem no feminino ao se deixarem tocar, envio estes DES-MANDAMENTOS, sem nenhum caráter oficial, macropolítico ou de cunho religioso. Pelo contrário peço que os leiam do fim para o começo, do meio para o depois, do hoje que já é amanhã para todas as mulheres daqui e do resto do mundo espetacularizado e sob controle.

Imaginem, como uma pré-visão, o Comando Central dos Exércitos dos Guardiões das Crenças e das Ilusões Masculinas promulgando uma série de des-mandos dirigidos às perigosas e, possivelmente, ameaçadoras (com certeza) mulheres que podem sabotar todas as imposições e todos os projetos de controle e de submissão de seus corpos femininos.

Eis alguns deles, como pura invencionice ou loucura:

1º - TODA MULHER não nasceu, não nasce e nem nascerá LIVRE!
Parágrafo único – Por isso e mais aquilo, por serem, por decreto das biopolíticas e psicobiologias, consideradas o oposto e a falha binária, é que urge afirmar todas, incontestavelmente, LIBERDADES... Caminhando nas estradas abertas contra todas as ‘MARCHAS RÉS’, principalmente aquelas que usam sempre o discurso instituído da defesa da família, seus falsos Estatutos, ou aquelas que reificam e glorificam Impérios, Estados ou divindades neo-capitalistas.

2º TODA MULHER não teve, não pode ter e não terá um verdadeiro “corpus” político!
Parágrafo único – portanto caberá a todos os votantes-que-não-votam, mas pensam que sim, o dever de lhes assegurar, não só no cenário e palco oficial, as suas múltiplas formas de exercício da Política, com participação inebriante no que chamamos de VIDA /POLÍTICA...

3º TODA MULHER, principalmente o que chamamos de “mulherzinhas perigosas e desviantes”, pode e deve, como no passado e nas Histórias, ser considerada uma VIDA NUA!
Parágrafo único – ao serem assim catalogadas e destituídas de suas humanidades, vistas apenas como seres biológicos, sob uma visão criacionista ou fascista, precisam ser/ter os seus ÚTEROS E SEUS CORPOS sob proteção inestimável, já que são e serão os maiores “focos” e “fogos” de re-existência possível, portanto, não se poderá prendê-los, negociá-los, trafica-los, comercialmente ou como cobaias, nos novos e sutis “campos de concentração das novas subjetividades assujeitadas”, inclusive pelas MEDICINAS BIOTECNOCRÁTICAS. Não poderão, a partir desta data, inclusive para o olhar psi, VIR A SEREM consideradas seres mal-castrados ou de castração possível.

4º TODA MULHER E TODAS AS MULHERES, inclusive aquelas que frequentam a Escola de Safo, NAS NOVAS ILHAS DE EDUCAÇÃO SÓ PARA CORPOS FEMININOS, será monitorada e VIGIADA, individual e coletivamente, COM O USO IRRESTRITO das câmeras e dos monitores, de seus desvios  ou DI-VERSÕES SEXUAIS!
Parágrafo único – como tal, dentro da nova FALSA FILOSOFIA que se baseia nos TONS, todas as MULHERES SEMPRE MENINAS devem E DEVIR SÃO, desde os seus berços, serem educadas e ensinadas sobre sonhos libertadores, ou melhor, sobre as infinitas possibilidades dos seus corpos, desde suas vaginas até as suas mentes divertidas, para além das funções e funcionalidades permitidas aos seus úteros visíveis. Devem ser alertadas, previamente, de que o CINZA SOLITÁRIO, SEM OUTRAS CORES OU SABORES, TENDE SEMPRE PARA A MORNO-TONIA VITAL, mesmo quando lhe aplicamos o molho SAZON-MASOQUISTA. Lembrar que nestas portas que se querem sempre escancaradas aos poderes masculinos, jamais foi possível impor, inclusive pelo medo ou temor, a suposta castidade, os cinturões e os vetos ao gozo e ao prazer.

5º TODA MULHER E MULHERES NÃO TERÃO acesso igualitário, assim como sua permanência e sucesso, aos espaços (inclusive os inacessíveis), sejam públicos ou privados, aos cargos, funções, status, e, principalmente, ao que já se naturalizou como O PODER MASCULINO!
Parágrafo único – tais, como gênero, assim catalogadas, dito feminino, podem e poderão ULTRAPASSAR os muros e barreiras, visíveis e invisíveis, INCLUSIVE AS MURALHAS DA CHINA, quando lhes propiciarmos , não a equiparação,  mas também os seus direitos aos sonhos e suas inerentes poesias corporais, aquelas que desmontam quaisquer das forças que lhes oprimem. Todas terão direito ao LETRAMENTO, das letras, das ideias, das críticas, das artes, das ÉTICAS e das mulheridades impossíveis.

6º- TODAS AS MULHERES OU MULHER, sejam singulares ou se pretendam plurais, são e serão INTERDITADAS, baseando-se em suas condições humanas de “menores” e por suas "IN-CAPACIDADES” inatas, e, cientifica e religiosamente, reconhecidas ”mundialmente”, assim como por alguns LEGISLADORES e EVANGELIZADORES DA CONSERVAÇÃO, COMO TARAS E DEFEITOS HEREDITÁRIOS. Passados de mães para filhas desde os tempos de EVA E LILITH.
Parágrafo único – ÁS MENINAS, tão fisicamente diferentes dos meninos e outras orientações, principalmente às que nasceram ou nascerão nos chamados locais de minorias ou marginalidades, deve e deverá ser garantido o exercício libertário dos desafios aos limites e limitações, sejam estas VISÍVEIS (impostas) ou IMAGINÁRIAS (resultantes da colonização de seus corpos e inconscientes). E se tornem DES-OBEDIENTES, ALGUMAS DES-VAIRADAS, OUTRAS DES-LUMBRANTES E A MAIORIA DES-MONTADORAS DEMOLIDORAS DE MITOS, PRECONCEITOS E ESTIGMAS.

7º- TODA MULHER, NASCIDA e assim determinada pela LEI, será acompanhada, como uma mercadoria valiosa ao Estado, desde seu berço, família, crenças ou ideologias, a fim de impedir DESVIOS MORAIS OU FUGAS PARA FORA DOS TEMPLOS E TEMPOS OFICIAIS!
Parágrafo único – às SUBMETIDAS, a estas judicializações e vigilâncias, será garantido, além da defesa, o prazer de transgredir e de violar quaisquer das PRÉ-DETERMINAÇÕES sobre o VIVER e a sua EXPANSÃO CARTOGRÁFICA e RIZOMÁTICA, com rompimento de todos os parâmetros, latitudes ou longitudes dos mapas pré-fabricados pela Sociedade do Espetáculo e do Controle.

8º- TODA MULHER deve e deverá obedecer a DISCIPLINARIZAÇÃO de seus corpos e de suas mentes/imaginários!
Parágrafo único – como há falhas nessa afirmação de suas condições de falta e não-falos, a elas será estimulado o alegre descobrir de suas MULTIPLICIDADES e SINGULARIDADES, incentivando as suas desmontagens dos papéis  e da identidades do Mesmo e das falsas igualdades.

9º-TODAS AS MULHERES NÃO terão re-conhecidas as suas potencialidades, para além dos já delimitados espaços domésticos e domesticados, sob o risco e riso da desconstrução do RESPEITO À HONRA dos homens pré-fabricados como “MACHOS”!
Parágrafo único – sabedores da permanência dessa fabricação, agora por meios mais eficientes e sutis, em especial pela midiatização do Viver, às mulheres será permitido ousar quebrar os tabus e as tábuas bíblicas, assim como algumas das cadeiras de ferro a elas destinadas pela HISTÓRIA OFICIAL e sua HISTORIOGRAFIA.

10º- TODA MULHER, ASSIM CONSIDERADA, deve não deixar de SER MULHER, PADRONIZADA E OFICIALIZADA, segundo os Princípios de todas as burcas e todas as algemas ideológicas das SOCIEDADES DO CONTROLE E  DA ORDEM, e, lógico, do PROGRESSO!
Parágrafo único e a ser demolido – como TODAS AS MULHERES trazem em si muitas outras, e algumas são e serão sempre OCULTAS E SECRETAS, a elas deve ser facultado o aprendizado das DIFERENÇAS e das PLURALIDADES, tornando obsoletos e descartáveis, não seus corpos, agora não mais VIDAS NUAS, todas as formas de IMPOSIÇÃO DA NUDEZ autorizada pelo Capital e pela Capital. TODAS AS FORMAS DE DES-MANDAMENTOS, aqui inventados ou sonhados, SERÃO QUEIMADOS EM PRAÇA PÚBLICA, assim como na Santa Inquisição, nos fascismos e nos diversos fundamentalismos APERFEIÇOADOS. E NÃO SERÃO MAIS REPRODUZIDOS, POR QUAISQUER MEIOS OU MÍDIAS, EM ESPECIAL PELAS REDES ONDE IMPERAM OS BOATOS, A INFÃMIA, A CALÚNIA E A DISTORÇÃO. E, como finalidade, RETIRAR O ESTIGMA DE FEITIÇARIA E BRUXARIA DOS CORPOS FEMININOS, que ELAS possam inverter sua posição, todas as posições, e continuar nos dando nossas impotentes ilusões de PODER...

Os e as que aqui se manifestarem poderão encontrar, de minha parte, como corpo autorizado pelo modelo/gênero masculino em nós naturalizado, uma “brutal e inconsciente” REVOLTA E REPRESSÃO afinal ter de se reinventar e desconstruir é quase uma tarefa, humana, IM-POSSÍVEL. E as POLÍCIAS DO PENSAMENTO, MESMO DISFARÇADAS DE LIVRE COMUNICAÇÃO, continuam e continuarão a nos castigar. E as multidões, como fogueiras, poderão vir, elas são ditas ou ditadas no feminino...

E, eu, um simples proclamador desses des-mandamentos também quero descobrir os outros CINQUENTA que  SE TORNAM DES-TOANTES das NORMAS E DAS NORMALIZAÇÕES sobre o viver... Se possível ainda CONTAMINADO E CONTAGIADO pelo MISTÉRIO e pelo INSONDÁVEL QUE É SER E ESTAR MULHER.

Copyright/left – jorgemarciopereiradeandrade 2015-2016 (favor citar o autor, no masculino, em todas as republicações livres pela Internet e outras formas de midiatização, inclusive as hipócritas, para as massas que não serão multidões. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Para LEITURAS CRÍTICAS
Sobre a história dos feminismos – O SEGUNDO SEXO- Vol. 1 FATOS E MITOS e Vol. 2 A EXPERIÊNCIA VIVIDA – Simone de Beauvoir, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ, 1980.

Sobre nossas tonalidades e des-coloridos afectivos e sexuais – SACHER&MASOCH – O frio e o cruel, Gilles Deleuze, Zahar Editores, Rio de Janeiro, RJ – 2009.

Sobre novas cartografias e suavidades do Feminino – CARTOGRAFIA SENTIMENTAL – Transformações contemporâneas do desejo, Suely Rolnik, Ed. Estação Liberdade, São Paulo, SP, 1989.

SOBRE O PERSONAGEM DE QUADRINHOS – MAFALDA - Conheça 'O Mundo Segundo Mafalda' em exposição gratuita e interativa (até 15 de março) em SP - https://catracalivre.com.br/sp/agenda/gratis/conheca-o-mundo-segundo-mafalda-em-exposicao-gratuita-e-interativa/

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

MULHERES, SANGUE E VIDA, PARA ALÉM DE SUA EXCLUSÃO HISTÓRICA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html
MULHERES, DIREITOS HUMANOS HOJE E SUA EXCLUSÃO, EM TEMPOS PASTORAIS... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/03/mulheres-direitos-humanos-hoje-e-sua.html
MULHERES PODEM SE TORNAR UM DEVIR, NÃO SÃO E NÃO SERÃO UM DEVER https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/03/mulheres-podem-se-tornar-devir-nao-sao.html
O MARTELO NAS BRUXAS – COMO “QUEIMAR”, HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/o-martelo-nas-bruxas-como-queimar-hoje.html


domingo, 7 de setembro de 2014

PSICANÁLISE, MACROPOLÍTICA, RELIGIÃO E O ‘’PONTO MORTO’’.

Imagem publicada - Sigmund Freud em 1938, já em Londres, após ser resgatado das garras cruéis e mortais do Nazismo, mas mostrando na face o efeito de mais de 30 cirurgias para o tratamento de seu câncer de palato e da mandíbula direita. Está de óculos redondos, de olhar firme e sereno, enfrentando todas as barreiras que lhe foram interpostas.  Está sem o tradicional charuto na boca. A barba  já está totalmente branca e o rosto emagrecido, por "sua" neoplasia. Apenas um homem, um homem visionário e persistente. Entretanto, por sua postura, não foi e nem deveria ser vilipendiado nem pela política e muito menos pela religião. Ambas não responderam ao seu desejo de outro futuro diante do mal estar na civilização da humanidade. (fotografia com a letra de Freud abaixo dela, com sua assinatura junto com a data 1938)

“Se eu governasse um povo de judeus, restabeleceria o templo de Salomão” (Napoleão, citado por Gustave Le Bon – Psicologia das Multidões, 1895).

E, a Universal, que não é a do cinema ou da tv, e cada dia mais utiliza de todos os meios e mídias, mas das salvações histriônicas, reconstruiu e se “fingiu” e mimetizou como se judaica fosse lá em São Paulo... O Napo Edir demonstrou-se ao seu ‘povo eleito’ e ungido. E foi louvado?

Após uma notícia sobre o uso da Psicanálise para fins de “evangelização” fui lançado novamente a um tema que pesquisei. Estas investigações e pesquisas foram a base de minha aprovação no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Lá nos anos 70, mais precisamente em 1979, com a tese: Psiquiatria, Psicanálise e Religião podem coexistir?

Repito agora, nesses novos tempos pastorais, a interrogação. Apenas modifico com a inclusão da palavra POLÍTICA. E insistirei na busca de outra resposta: macro política, psicanálise e religião podem coexistir?

Segundo a matéria publicada recentemente há, para alguns oportunistas e mistificadores, uma nova utilidade dos conhecimentos descobertos e inventados por Sigmund Freud.

 Os pastores evangélicos utilizariam psicanálise para “cativar fiéis”. Digo que gostei dessa provocação, pude retomar um tema já estudado, e, mais ainda demonstrar a ambivalência que o termo “cativar” nos pode significar. Para mim não coexistimos e muito menos compartilhamos quando presos, iludidos, amarrados a quaisquer messianismos.

Torna-se cativo ou cativar fiéis pode ser também aproximado de cativeiro. Um local, que pode se o Templo de Salomão, onde mantem-se aprisionados e seduzidos milhares de pessoas. Uma massa ávida da salvação e de milagres. Um grupo humano que para O Futuro de uma Ilusão (Freud, 1927) pode estar buscando a repressão: “Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de ... coerção e renúncia às pulsões. ".

Não é por menos que alguns Pastores, como Mala&Faia, Marco Feliciano e cia, fazem uma cruzada homofóbica, tornando-se, neuroticamente, histéricos e vociferadores diante dos avanços dos direitos humanos para as diversidades sexuais no país. Como ocupam, cada dia mais, cargos de poder político torna-se necessário buscar o seu utilitarismo presente e futuro, inclusive nos discursos eleitorais recentes.

 Assim as Macropolíticas e a Religião passam a andar de braços dados. Quem sabe não estamos vendo aí “o retorno do reprimido”? Tenho a certeza científica de que, historicamente, desejamos nos nossos âmagos essa forma de controle. Entretanto também, em alguns corpos e mentes, as repudiamos, a elas estamos resiliente e ativamente combatendo.

Uma forma de controle que passa tanto pelas sutis biopolíticas assim como novos micros lugares onde os poderes serão exercitados e produzidos (Foucault). Reprimimos tanto quanto fomos reprimidos pelo Estado, como o caso brasileiro dos Anos de Chumbo, que ainda passam como verdade alguns discursos políticos de salvação da Ordem e do Progresso. Oferecem e prometem um lugar neutro e apolítico.

Este é o discurso que mais temo. Se procurarmos suas raízes histórico políticas encontraremos o “Vital Center” (Arthur Schlesinger, 1948). Um modelo de passeia entre a democracia e totalitarismo, hoje, também próximo dos fundamentalismos, que foi chamado de “meio da estrada”.

O modelo que foi abraçado por Ronald Reagan e Bill Clinton, tentando eliminar as competições entre o liberalismo e o conservadorismo, mas mantendo, para tal, uma postura “em cima do muro”, nem esquerda, nem direita. Muito pelo contrário uma forma de governabilidade que geraria e gerou um “ponto morto”. O ponto que não é de mutação, e, mesmo negando, é conservador e hipercapitalista.

Esse ponto foi também o que gerou algumas das crises econômicas que saíram do bojo do Império, nascente histórica de novas recessões, novos horrores econômicos. Horrores que justificam e justificaram a busca de posturas fascistas ou totalitárias, ou em sua máscara usada e velha com o acréscimo do termo NEO. O Neoliberalismo aí se cultiva, e, a muitos e muitas, cativa. Os “pontos mortos” são areias movediças para a História.

Há, então, que compreender e buscar respostas diante das novas estratégias de controle seja pela política, aqui como bio, das novas ondas de fundamentalismo religioso ou até mesmo pelos usos midiáticos ou evangelizadores da Psicanálise, mais uma vez anunciados.

Freud não teve a pretensão de que a psicanálise pudesse ser uma alternativa à política. Entretanto, deve se sentir ofendido pelos que usurpam sua Terra Psicanalítica com bíblias nas mãos. Ele, com certeza, se sabia e se sentia um judeu, mas não um rabino.

Apropriações ideológicas ou mistificadoras de quaisquer conhecimentos devem ser por princípio rechaçadas. O que faria Sigmund entrando ou participando de uma festa de reinauguração do Templo da Universal? Duvido que muitos achem que ele aceitaria. Eu digo que não. A sua vida e obra caminham em outra direção, buscam solver outros mistérios, outras verdades. Os novos vendilhões seriam expulsos do Templo? Ou com o Tempo?

Segundo Chemouni:”... Freud era um explorador modesto. Elaborou com tanta paixão a ‘sua’ psicanálise  que, mesmo se tivesse desejado, não teria tido tempo para entregar-se a outras tarefas”. E, vivendo em uma virada de séculos, com o recrudescimento do antissemitismo, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Comunista e muitos “ismos” surgindo, não se tornou um ‘sionista’.

Hoje, acho eu, ele não autorizaria um massacre genocida da Palestina para que a Declaração de Balfour (1897) em seu objetivo de “encorajamento da colonização da Palestina por fazendeiros, camponeses e artesãos (judeus)”, utilizasse a guerra e a invasão como recentemente tele assistimos. Freud desconfiava da política. Nós somos treinados para desconfiar dos políticos e sua representatividade.

Ele teria, hoje, que reconhecer os desvios teóricos que a Psicanálise vem, historicamente, padecendo e/ou reproduzindo. O “Pai da Psicanálise” teria que re-conhecer as demolições de conceitos feitas por Guattari e Deleuze. Ambos seriam iconoclastas?  Quem sabe o criador, para além dos freudismos, leria com outros olhos o Anti-Édipo? Aceitaria a afirmação deleuziana “de que não devia considerar o desejo uma superestrutura subjetiva mais ou menos no eclipse”? O desejo e suas máquinas não cessam, não se limitam, podem transbordar, mas podem ser capturados pelas políticas.

Na sua Ilha Deserta, Deleuze, nos lembra, em debate com François Chatelet, Pierre Clastres, Roger Dadoun, Serge Leclaire e outros, a visão Guattari-deleuzeana de que “o desejo não para de trabalhar a história, mesmo nos seus piores períodos. As massas alemãs acabaram por desejar o nazismo...”. E, em nossos debates macro políticos atuais que desejo estamos pressentindo das nossas massas? O do ressentimento?

Ainda somos os mesmos daquelas massas, não-multidões, que foram para as ruas em Junho de 2013? Onde foi parar a nossa indignação e revolta? Guattari e Deleuze no debate citado nos dizem: “- Em certas condições as massas exprimem a sua vontade revolucionária, os seus desejos varrem todos os obstáculos, abrem horizontes inauditos, mas os últimos a se darem conta disso são as organizações e os homens que se supõem representá-las...”.

Repetirei ou não o convite à interrogação, no texto de 14 de junho de 2013: A PRAÇA É DO POVO? AS RUAS SÃO DOS AUTOMÓVEIS E ÔNIBUS? E DIREITOS HUMANOS SÃO DE QUEM? Ou vou convidá-los a uma posição mais ativa e participante, micro e macro politicamente? Vamos retornar, retroceder, ceder e optar pela chamada “Nova Política”?

Um recente manifesto do Clube Militar, que abre os braços para esta “nova política”, afirma que a candidata evangelizadora será a melhor opção para não tocarmos nas feridas abertas pelos Anos de Chumbo.

Vamos realmente reconhecer que são os corpos torturados, destruídos e lançados no Cemitério de Perus? E os responsáveis, inclusive o Governo da época, seus generais, almirantes, comandantes, seus subordinados ou seus algozes autorizados irão ser julgados, para além da Anistia? Por que estes senhores de pijamas com estrelinhas aposentadas estão com o poder de se afirmar os herdeiros da Ditadura Militar?

Acredito que eles desejam a manutenção de um Estado repressor, um Estado que possa ser tão sedutoramente “novo” que suas antigas repressões políticas sejam “esquecidas”. Volto, então, a Deleuze e Guattari que nos indagam: “Se é verdade que a revolução social é inseparável de uma revolução do desejo, enquanto a questão desloca-se: em que condições poderá a vanguarda revolucionária libertar-se da sua cumplicidade inconsciente com as estruturas repressivas e frustar as manipulações do desejo das massas pelo poder...?”

Estamos ávidos de servidão ou de salvação? E os pastores políticos serão nossos salvadores ou nossos “novos” senhores? Na vida política, seja nas macro ou micro políticas, ou nas psicanálises não deve haver espaço para neutralidades, mitificações ou mistificações.

Vamos acordar, ou seja, vamos colocar nossos corações e mentes em sintonia, e aí a Psicanálise talvez possa contribuir, mas nunca poderá substituir nossa busca de vontade política e de outras cartografias para o viver.

Para a resposta sobre a coexistência das práticas políticas, das psicanálises e das religiões, instigo a todos e todas buscarem as implicações que cada campo do viver citado propõem. Olhemos as fotografias ou imagens maquiadas com outras visões e pontos críticos. 

A de Freud, lá em cima, nos traz alguém que resistiu, com determinação, tanto ao Nazismo/Fascismo quanto ao próprio câncer do palato e de mandíbula. Sua memória fotográfica aí é a da re-existência que tanto falo e escrevo. Photoshops, há outros sendo midiatizados, seja de candidatos, candidatas, pastores ou não, mas que nos anunciam ‘novas-já velhas máquinas de Poder’ ou de “Glória”.

Concordo aí com Debray que nos diz que: “Reconhecer que existe algo mais do que a máquina na máquina destinada a transmitir é sugerir que, na arte de governar, há menos arte do que se possa presumir e mais mecanismo do que o próprio artista possa imaginar...”. Somos a Sociedade do Espetáculo, do Controle e da Hipermidiatização do viver?

Por isso, olhando para o nosso futuro sem ilusão, novamente, me/nos pergunto: - somos apenas espectadores televisivos, marionetes midiáticos, fanáticos religiosos ávidos da Salvação e da imortalidade, ou tornamos insondáveis que somos como um Inconsciente Maquínico, apenas criticamente mais e mais humanos que não abrem mão e negociam seus princípios éticos e seus direitos?

Copyright/left – sem estar no centro, muito pelo contrário jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação para e com as massas) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025.

Matérias citadas e “visíveis” da Internet


Vital Center - Arthur Schlesinger, em "Introdução à Operação Edition" de The Vital Center https://en.wikipedia.org/wiki/Vital_Center

FREUD NÃO EXPLICA! Pastores brasileiros usam psicanálise para cativar fiéis evangélicos https://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=6&cid=209189

E para a “revelação” ou “insight” sobre o momento político-pastoral - VEJAM O VÍDEO, REFLITAM E COMPAREM COM VIDEOS DO PASSADO DOS QUE PROPUSERAM O FASCISMO COMO SOLUÇÃO: Pastora Ana Paula Valadão, "muito louca", profetiza a chegada da hora da igreja na política COMO UM EXÉRCITO? ou COM O EXÉRCITO?) https://www.geledes.org.br/pastora-ana-paula-valadao-muito-louca-profetiza-chegada-da-hora-da-igreja-na-politica/#axzz3CdwTGJik

Indicações para leitura crítica e reflexiva –

O FUTURO DE UMA ILUSÃO /TOTEM E TABU/ MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO – Sigmund Freud, Editoras Imago e Companhia das Letras, com edições diferenciadas pelas traduções e pelos tradutores.

FREUD E O SIONISMO (Terra Psicanalítica Terra Prometida) – Jacqui Chemouni, Editora Imago, Rio de Janeiro, RJ, 1992.

A ILHA DESERTA e outros textos – Gilles Deleuze, Editora Iluminuras, São Paulo, SP, 2006.

DIFERENÇA E REPETIÇÃO – Gilles Deleuze, Editora Graal, Rio de Janeiro, RJ, 1988.
O ESTADO SEDUTOR (As Revoluções Midialógicas do Poder) – RÉGIS DEBRAY, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1994.

LEIA TAMBÉM NO BLOG –

A COREIA DO FANATISMO POLÍTICO E O FANATISMO RELIGIOSO DO PASTOR – estamos no Século XXI? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/04/a-coreia-do-fanatismo-politico-e-o.html

FUNDAMENTALISMO, FASCISMO E INTOLERÂNCIA SÃO INCURÁVEIS? E OS GAYS? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/fundamentalismo-fascismo-e-intolerancia.html

Para não se esquecer do Pastor/Deputado - A ILHA DE FELIZ SEM ANO E SEU INTRUSO, E, NÓS TAMBÉM. (apenas um re-conto) 

MOVIMENTOS, MASSAS, MANIFESTOS E HISTÓRIA: POR UMA MICROPOLÍTICA AMOROSA, URGENTE. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/movimentos-massas-manifestos-e-historia.html

O CORPO ULTRAJADO ONTEM SERÁ O CORPO NEGADO AMANHÃ? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/03/o-corpo-ultrajado-ontem-sera-o-corpo.html

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O SUICÍDIO, ADENTRANDO AO MAR E AO NÃO HÁ MAR...

Imagem publicada – a capa do filme Mar Adentro com o rosto do ator Javier Bardem, usando uma blusa de lã de gola alta, e com um leve sorriso nos lábios. Ele está interpretando o marinheiro Ramón Sampedro, no filme de Alejandro Almenábar. Ramón (Javier Bardem) é um tetraplégico que está preso a uma cama há trinta anos. A sua única janela para o mundo é a do seu quarto, perto do mar, mar em que tanto viajou. O mar onde teve o acidente que lhe roubou a juventude e a vida. Desde então que Ramón luta pelo direito a pôr termo à vida dignamente, luta pelo direito à eutanásia através de um suicídio assistido. Uma história verídica que nos instiga à reflexão sobre o viver e sobre o morrer, com dignidade.

Texto para os seres humanos que se cansam de esperar outro diálogo com a Senhora Vida... Outro encontro acolhedor... Outra saída para a Dor.

Em 2005, exatamente no dia 18 de fevereiro, me afetei e “assisti” um suicídio assistido. Não, não estava presente a este ato. Estive, para além da identificação projetiva, é vendo-o através do magnífico filme: Mar Adentro. Estive intensamente presente sim ao ver Ramón San Pedro sair voando pela janela, como seu desejo e sobrevoar, imaginariamente, até praias e um possível amor.

Ramón Sampedro é uma boa referência para este momento onde o tema do suicidar-se retorna às manchetes e à hipermidiatização. Estes dias o ator Robin Williams e seu suicídio, levou-nos à manifestações sobre o tema e o ato. Esse ato que nos obriga a pensar sobre a finitude do viver e/ou desejo dela. Um tema ao qual negamos a devida atenção e reflexão. Estaria eu e nós todos/todas pensando sobre o assunto sem o nosso ‘professor’ que nos estimulava para o Carpe Diem?

O assunto sempre me foi importante, e se tornou mais ainda quando conheci a vida e obra de Florbela Espanca. É dela uma das mais contundentes afirmações sobre quem escolhe morrer por suas convicções ou dores profundas. A poetisa que se suicidou aos 36 anos, quem sabe por profundo amor, nos disse: “Quem foi que um dia ousou lançar a um papel as letras ultrajantes da palavra covardia, essa suprema afronta, esse insultante escarro, à face dos que querem morrer!?...”. Ela também se despediu de nós, em 07 de dezembro de 1930, desejando repousar perto do oceano.

Ela nos diz também da ‘coragem desdenhosa’, da ‘altiva serenidade’, do ‘profundíssimo desprezo’, às ‘almas que partiram por querer’. E sabemos que qualquer morte nos assusta, surpreende e desgosta.

A Dona Morta que vive passeando em nossas varandas da morada do corpo, sempre fiel e presente, só entra em nossos mais íntimos sótãos ou cama se a convidarmos, insistentemente. Vivemos negando a sua convivência e coexistência com a Senhora Vida.

O espanhol Ramón ficou paraplégico ao mergulhar no mar. Era o dia de maré baixa. Ele passou então, aos 25 anos, a lutar pelo direito à própria morte. Enfrentou todas as instituições, pois depois de 30 anos utilizando-se de sua boca deixou-nos também poesia e indignação em seu livro Cartas do Inferno.

Somente 30 anos depois em 1993, com auxílio de amigos e amigas, conseguiu um suicídio assistido. O que ele acreditava como dignidade para o morrer era o protesto contra sua forma de viver, e o cineasta Alejandro Amenábar o imortalizou, através de Javier Bardem, com o cinema e para além deste.

Ao assistir o filme, lá em 2005, fui mais uma vez lançado ao angustiante tema bioético do direito à morte com dignidade. Propus-me, então, uma metáfora com o título do filme: adentrando no mar, Morto! Muitas vezes é possível que ao se matar o sujeito já se considere ou se sinta de modo fúnebre, já falecido. E esquecido...

Esta metáfora é porque creio que estamos vivendo, todos, na chamada modernidade líquida e aniquiladora, a viver em estados quase paralisados, um tempo de alta salinidade de desamor, com uma dose de estagnação afetiva. Estamos imersos no novo e global mundo Mar Morto. Sobrenadamos, boiamos e continuamos superficiais, inclusive sobre o suicídio.

Pior ainda é quando o banalizamos e o ridicularizamos temerosos, usando discursos fanáticos para apressadamente o conectarmos com um desapego à Vida. Não podemos reduzir esse ato de tanta ousadia ou desespero ao modelo sociológico de Durkeim, apenas à anomia. Precisamos ir além da psiquiatria, da psicologia ou da psicanálise. Precisamos encará-lo como uma questão de saúde e bioética.

O século XXI, assim como o que passou, provocou enormes buracos negros em nossas singularidades. Disse-me em 2005 e repito: estamos em um mar sem ondas, sem pedras ou areias no percurso, um mar onde não pudéssemos ou poderemos nos suicidar pelo afogamento, pois, como já disse, nele boiamos e persistimos superficiais eternamente.

A palavra, e não apenas o ato, ”suicídio” ainda continua um tabu, um dogma ou uma ameaça. Temos de direito e também o dever de ampliar nossas visões, ideias, convicções ou conhecimentos sobre o suicidar-se. Temos de ir além, buscar, além do coletivo, o que faz o sujeito buscar seu próprio assujeitamento à Dona Morte. Quais são os diálogos possíveis com a Senhora Vida que nos levariam a seu pré-conhecimento e, quiçá, novos afetos que não deixariam secar o desejo de viver em nós? Há o direito de sua versão eutanásica?

As estatísticas de ocorrência de suicídios no Brasil dizem ser uma média de 25 pessoas por dia, há, então, alguma outra causa mortis tão presente ao mesmo tempo em que tão invisível? Podemos dizer que o tema é mais grave do que o número de pessoas com chamados transtornos mentais?

Estas são as pessoas que estão, na maioria dos casos, em situação de vulneração e vulnerabilidade para as tentativas e para o suicídio. Entretanto, não devemos ter como principal causa apenas as depressões graves ou persistentes. Há outras situações que nos empurram para a varanda, para convidar a Dona Morte, como solução ou resposta, por exemplo, às desilusões em nossos amores e outros dissabores do viver com intensidade ou tensão.

Há ainda que discuti-lo quando a terminalidade do viver está no ápice do sofrimento e da dor, seja ela psíquica ou física. Os estados terminais, onde os cuidados paliativos não mais aliviam, podem nos tornar ainda mais próximos do que chamo da “visitante da varanda”.

O morrer e a morte não devem ter o mesmo significado, muito embora esteja transversalizados ou subjacentes, um ao outro. Compreendemos e aceitamos os testamentos vitais dos nossos moribundos? Os náufragos sem nenhuma tábua ou resto de seus navios, aqueles que onde não há mais o mar e nem o amar?

Não tenho estas respostas, como não acho que nenhum filósofo já as tenha como certeza, mesmo concordando com Albert Camus. Podemos nos afogar em imensos oceanos de debates sobre Thanatós, Eutanásia, Ortotanásia ou Distanásia. Só não podemos fugir da perspectiva e expectativa de que a Dona Morte ainda é o mais “democrático” de todos os acontecimentos, escapando, como areia no mar, de todas nossas explicações ou teorias.

Para alguns deixo a provoca-ação de vida e ideias de Deleuze, para quem nada há para interpretar ou compreender, mas sim para experimentar, intensamente viver, deixando-se no “mar à deriva”, novos argonautas Pessoanos(como Álvaro de Campos) que se indagam: “Se queres te matar, porque não te queres matar?”.

Então vejamos que ‘Pontes’ para o futuro estamos construindo para os que se suicidam ou tentam morrer. Vejamos nossas multiplicidades, bem como as singularidades. Aquelas que o Mar Adentro pode provocar diferente e multiculturalmente, pois até o Gilles também escolheu se despedir de nós, após lenta e sofrida escalada de sua doença e sofrimento, assim como o fez Freud, que pediu ao seu médico, Max Schur, um único e último alívio. Ambos podem ser tomados como suicídio, os meios e métodos é que foram diferentes: um solitário e o outro assistido.

O SUICÍDIO NÃO É UM FIM,NEM PRECISARIA SER, SÓ QUANDO NEGADO, INVISIBILIZADO, NATURALIZADO.

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2014/2015 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação para as massas, TODOS OS DIREITOS RESERVADOS 2025 ,,,)

Onde procurar ajuda quando o suicídio passar pela cabeça e pelo coração

Sociedade Amigos da Vida (Campinas e região) - https://www.sociedadeamigosdavida.org.br/estatisticas.htm

Indicações de leituras ligadas ao texto

Cartas do Inferno – Ramón Sampedro , Editora Planeta, São Paulo, SP, 2005.

Diário do Último Ano – Florbela Espanca, Ed. Publicações D. Quixote, Lisboa, Portugal, 1985.

Manual de Prevenção de Suicídio – dirigido a profissionais das equipes de Saúde Mental

Suicídio - Os Desafios para a Psicologia – CFP – Conselho Federal de Psicologia – (pdf) https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2013/12/Suicidio-FINAL-revisao61.pdf

O Suicídio (estudo sociológico) – Emile Durkheim – versão em PDF -  https://minhateca.com.br/atilamunizpa/Documentos/DURKHEIM+Emile+O+Su*c3*adcidio,3015822.pdf

Suicídio (ver fatores predisponentes e alguns mitos) https://oficinadepsicologia.com/depressao/suicidio

Indicações de filme para reflexão e discussão:
Mar Adentro, Alejando Amenábar, Espanha, 2005 (DVD) – dublado: https://www.youtube.com/watch?v=9boX5jeckrA
A Ponte, Eric Steel, Documentário,  Eua, Imagem Filmes, 2006 (legendado): https://www.youtube.com/watch?v=OCfhdVArDnI
Solitário Anônimo, Debora Diniz,  Documentário, 2007 (DVD)

Sobre os citados no texto –

Leiam também no blog –

O SUICÍDIO E A DOR - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/09/o-suicidio-e-dor.html

A DONA MORTE É GLOBAL, MAS NOSSO TESTAMENTO PODE SER VITAL. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/09/a-dona-morte-e-global-mas-nosso.html




OS NOSSOS CÃES desCOLORIDOS - Nossas "depressões" e o Dia Mundial da Saúde Mental https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/10/os-nossos-caes-descoloridos-nossas.html

No INFONOTÍCIAS DEFNET:
BIOÉTICA/SUICÍDIO - Na Inglaterra está em discussão o suicídio assistido como direito - Luta de britânicos por suicídio assistido vai a Parlamento https://infonoticiasdefnet.blogspot.com.br/2014/06/bioeticasuicidio-na-inglaterra-esta-em.html 

sábado, 8 de março de 2014

MULHERES PODEM SE TORNAR DEVIR, NÃO SÃO E SERÃO UM DEVER....

Imagem publicada – fotografia que fiz da capa da Revista Caros Amigos, de novembro de 2004, há quase 10 anos atrás, quando Cecília Maria Bouças Coimbra, então presidente do Grupo Tortura Nunca Mais RJ, concedeu uma entrevista que recebeu a manchete: “Abram os arquivos da Ditadura”, na qual ela já pedia o exercício de uma busca da memória e da história do Brasil. Ela afirmava, então: “Nunca se chegou publicamente a dizer: - ‘o Estado foi terrorista’ e o Estado covardemente assassinou, sequestrou, desapareceu com corpos.”. Muitos desses corpos eram de mulheres, como Sônia Stuart Angel, que acreditavam na re-existência feminina à qualquer forma de totalitarismo, mesmo que isso implicasse no risco de suas próprias vidas. Afirmaram o quanto é preciso de coragem e determinação na defesa de direitos humanos, nos quais se incluem, hoje, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Hoje, para além das conquistas legais, muitas ainda terão de lutar pelos seus direitos...

Mulheres, como lembrar, para homenagear, o que significa um ser, um gênero, uma diferença humana, singularidades que nem mesmo Freud ousou decifrar?

 Lembrar, então, de modo mais simples e nada profundo, que já houve, como vida, na existência de qualquer um a presença feminina. Indecifráveis. Elas..., mães, singulares mulheres de todos e todas...

Eu, aqui, recentemente recuperei uma histórica e importante presença delas que me povoa e alicerça. Reencontrei uma velha reportagem da revista Caros Amigos, de 2004. Nela, relembrei, afetuosamente, uma antiga companheira de lutas: Cecília Coimbra.

Ela, na época contava sua história pessoal e de seu ativismo político, revelando a ‘caixa-preta da Ditadura’, mas também a dura experiência de seus porões e seus torturadores, a serviço de um Estado terrorista e de exceção.

Passei um tempo a refletir sobre mulheres que, para além da Ditadura, persistem na direção oposta do retrocesso histórico. Estiveram como Cecílias, caminhando, sem marchar militarescamente, para se tornarem devir e, por isso, continuam questionando os “deveres” impostos à condição feminina.

Reencontrei-me, também, com meu tempo de ‘bendito o fruto’(embora não ‘abençoado’ e único) em um grupo majoritário de mulheres. Fui, na minha memória já falha, de volta ao criativo e pensante grupo de mulheres do Núcleo. Estas “psis”, psicólogas e psicanalistas, que desejavam uma Klínica para além das instituições oficiais.

Sim, um núcleo dissidente destas instituições, nos anos 80 para os 90. O Núcleo Psicanálise e Análise Institucional. Foi lá que pude me aproximar de alguns conceitos que me nutrem até os dias de hoje. Foi, então, com as minhas amigas de debates e de buscas instituintes, que tentei entender o significado do “devir-mulher”.

Esta possibilidade pequena, sensível e diferenciada, a partir da leitura de Deleuze e Nietzsche, e, suavemente, com Suely Rolnik e Felix Guattari, que nos obrigava muitas outras grandes e profundas leituras, muitos outros caminhos à moda de Heráclito. Nada era totalmente conhecido, nossos passos conjuntos criavam e inventavam novos passos, novos caminhos, novas veredas. Novas interrogações sem certezas.

O devir-mulher, assim como outros devires (devir-animal, devir-invisível, devir-molécula,...), é uma resultante de seres que estão em permanente e intenso fluxo. Constroem-se, a partir de alianças onde há uma suavidade e amizade, alianças afetivas que fazem sempre escapar das políticas de identidades.

Fazem também escapar do modelo de dever ser mulher ou homem. O dever de estar de acordo com o desejo de um Outro onipresente, aquilo que foi chamado de falocracia. Um modelo machista, que também pode atingir e contaminar o corpo feminino, quando este fica tão próximo do poder e da violência.

Os pensadores Brucker e Finkielkraut nos interrogam ao afirmar que: “... homens e mulheres, vocês acreditam estar falando, a nova linguagem da liberação, mas ainda há muitos obeliscos em seus fantasmas,..., vocês são objetivamente culpados da Cârencia (falta) que se acreditam subjetivamente isentos...”.

Os filósofos, mais que os psicanalistas, têm nos advertido da permanência do falocentrismo. A sua invisível presença, já o disse antes, se faz com as macropolíticas enrijecedoras e castradoras ao mesmo tempo. Não bastará termos ‘presidentas’ ou ‘senadoras’. Ainda mais quando se tornam ‘damas de ferro’ ou sósias da solidão do poder.

Revi, estes dias, o filme “Hannah Arendt”, de Margareth Von Trotta,  pude ver na história da filósofa e suas ideias o quanto é possível esse devir-mulher superar quaisquer dos deveres impostos ao feminino. Foi lendo seus textos sobre os riscos de nossos fascínios pelos modelos totalitários, que encontrei esta possibilidade. A sua leitura da violência é fundamental.

Ao lembrar-se da lúcida Cecília e das outras amigas ficou mais claro ainda que não poderemos silenciar a História dos Anos de Chumbo no Brasil. Como nos diz Arendt: “...Não há dúvida de que é possível criar condições sob as quais os homens são desumanizados – tais como os campos de concentração, a tortura, a fome -, mas isso não significa que eles se tornem semelhantes aos animais...”.

Não há raiva e revisionismo em quem foi torturado, como esta amiga, há é uma indignação quando “há razão para supor que as condições poderiam ser mudadas, mas não o são’’. E não serão as marchas retrógradas, com ou sem a Família, que trarão o regime e o pavor militar como solução final para o Brasil.

Lá, nos tempos nuclêicos, como gosto de lembrar estes encontros rizomáticos, aprendíamos que o devir-mulher, como parte de nossa luta libertária para não reproduzir os jogos de poder, nos poderia criar/inventar possíveis novas subjetividades ainda não capturadas pelas formas de existir do hipercapitalismo.

Essas amigas eram implicadas, de corpo e ‘alma’, com outras lutas, nos mais diversos espaços, da Universidade aos consultórios privados. Como Cecília Coimbra, com o Grupo Tortura Nunca Mais. Essas mulheres me mostraram, também, que não há e nem pode haver a dicotomia entre a nossa micropolítica e nossos desejos de trans-formação do mundo.

Fiquei e ficarei, portanto, com as suas marcas indeléveis, suas novas suavidades, suas poéticas lembranças e uma indestrutível amizade e cumplicidade, para além do Tempo.

Hoje, quando reflito ou assisto esse novo mundo dito líquido moderno, vejo e sinto a retomada de um corpo feminino que, do evangélico pastoral ao banal carnavalizado, ainda não rompeu com as correntes que podem aprisionar seus devires.

Por isso fui buscar as antigas companheiras, in memoriam também a que chamou afetuosamente de ‘capitão’ de nossa nau de insensatos corações, Maria Beatriz Sá Leitão, como alento e esperança para as mulheres a quem desejo um novo devir. Um novo mundo Outro, com os úteros como força transformadora de subjetividades capturadas e alienadas.

Somente as linhas de fuga, como diziam Guattari e Deleuze, podem romper os modelos binários e dicotômicos com o devir-mulher. Este devir não flui somente nas mulheres. Aliás, não deveria ser tomado como ‘privilégio’ ou ‘característica’ do feminino. A potência de criar vida está em todos os corpos. Sem a distinção sexista e binária de gênero masculino/feminino.

Em tempos de recrudescimento e de apologia da violência, tanto a social, com os justiciamentos e os racismos, assim como a do Estado, na criação de leis de ‘endurecimento’ contra manifestações populares, apelando para o autoritarismo e novas micro fascistações (os fascismos em nós), é a hora de apontar para novos devires.

Sós ou grupalizados, seres humanos afetados uns pelos outros podem, nas ruas, nas redes sociais, nos blocos ou em outros carnavais buscar como a Cecília, ao historicizar a relação entre a Psicologia e os Direitos Humanos, entender que “ é no nível das práticas cotidianas, micropolíticas, que podem estar alguns caminhos...”.  Segundo ela: “Aprendemos a caminhar neste mundo guiados por modelos. Estes nos dizem o que fazer e como fazer, ocultando sempre o ‘para quê fazer’...”.

Nessa homenagem a estas e todas as mulheres nos meus des-caminhos, como desejo de contaminar outras do desejo de novas cartografias, é que reafirmo Nietzche: - “Diz-se que a mulher é profunda- por quê? Se nela jamais chegamos ao fundo. A mulher não é nem sequer (ou se deseja) plana...”.

(A todas as outras ‘nuclêicas’: Cecília, Ana, Heliana, Tânia, Janne, Denise, Azoilda, Regina(s), Elaine, Leila, Maria Cristina, Isabel, Vera, Zelina, Kátia, Maria Lúcia, Ana Lúcia, Andréa, Cristina, Lília (terna parceira de ideias e textos, na dupla pós-68), e às outras que a Dona Memória não me permitiu recordar, envio, hoje, amanhã e no por vir meu mais doceabraçocomdevirmulhersempre...
E, como docelembrança, ficará para sempre Maria Beatriz Sá Leitão no coração do seu ‘capitão’ da Nau das Insensatas).

Copyright/left –jorgemarciopereiradeandrade 2014/2015 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação coma as massas. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Cecília Maria Bouças Coimbra - Psicóloga, professora adjunta da Uff (Universidade Federal Fluminense), Pós-doutora em Ciência Política pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Ex-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, Ex-presidente da Comissão de Direitos humanos do Conselho Federal de Psicologia.

ALGUMAS LEITURAS CRÍTICAS INDICADAS –

Micropolítica. Cartografia do desejo: Felix Guattari & Suely Rolnik, Petrópolis, Ed. Vozes, 1989.

Clio-Psyché/Paradigmas: Historiografia, Psicologia, Subjetividades – Ana Maria Jacó-Vilela, Antônio Carlos Cerezzo, Heliana de Barros Conde Rodrigues, Rio de Janeiro, Ed. Relume Dumará, Faferj, 2003.

A Nova Desordem Amorosa – Pascal Bruckner e Alain Finkenkraut, São Paulo, SP, Ed. Braziliense, 1981.

Revista Caros Amigos, Ano VIII nº 92, Novembro de 2004 – “Abram os arquivos da Ditadura” – Entrevista explosiva: Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais.
Sobre a Violência – Hannah Arendt, 3ª edição, Rio de Janeiro, RJ, Ed. Civilização Brasileira, 2011.

Crepúsculo dos Ídolos ou a Filosofia a Golpes de Martelo, F. Nietzsche, São Paulo, SP, Ed. Hemus, 1976.

PARA VER, ASSISTIR E REVER –

Hannah Arendt – Margarethe Von Trotta (atriz Barbara Sukova), Ano 2012: 

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

TODO UM ÚTERO É UM MUNDO

AS BRUXAS RE-EXISTEM? COMO MANTER OU DEMOLIR UM PRECONCEITO.

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