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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

AS BRUXAS RE-EXISTEM? COMO MANTER OU DEMOLIR UM PRECONCEITO.


Imagem publicada – uma reprodução de uma pintura onde uma mulher nua, presa pelas pernas, de cabeça para baixo, nua, amarrada e com um peso pendente desse instrumento de tortura, tem ao seu lado uma figura de um monge, um inquisidor, que lhe aplica os seus instrumentos para arrancar desse corpo feminino as justificativas que lhe permitirão apresenta-la ao Tribunal, uma corte de representantes da Igreja, com as provas cabais de sua heresia e bruxaria. Um dos meios mais comuns no século XV, na Idade Média, da Inquisição obter as confissões das mulheres que iriam para sua punição redentora: as fogueiras. (imagem capturada em site sobre bruxas na Internet)

Não gosto de filmes com fogueiras crepitantes para os corpos femininos. Entretanto parece que mesmo com as sutis maquiagens ainda hoje os jogamos no fogo. Hoje tivemos de comprar uma nova fantasia para minha filha. É o HALLOWEEN. É o dia delas, aquelas que não ouso dizer o nome, pois sei que elas re-existem em nós todos, e mais ainda como fêmeas.

Isso mesmo é dessa palavra que deriva a melhor e mais profunda expressão do gênero Feminino. São estas que em 1233 o Papa Gregório IX, como parte do processo de perseguição às feiticeiras e bruxas, admitiu a existência do sabbat e esbat.  Espero que procurem os significados no Google e verão que não tem nada de satânico, diabólico ou de ‘missas negras’, que pelos adjetivos já demonstram os preconceitos aí enraizados há séculos.

Tenho, portanto, no meu desejo de luta contra os preconceitos, já iniciado em texto anterior, que reapresentar um pouco de história e dados para que possam também desejar a quebra dos paradigmas que ainda cerceiam, ‘castram’ e ‘perseguem’ o corpo e a vida das mulheres.

Em 1326, quase 01 século depois, o Papa João XXII, autorizou a perseguição às bruxas sob o disfarce de heresia. Iniciava-se a “caça às bruxas”, uma perseguição biopolítica e social. O filme O Nome da Rosa, baseado no romance homônimo de Umberto Eco, nos serve de uma breve alegoria do que atormentava a Igreja católica nesses tempos do ‘martelo nas bruxas’ (Malleus Maleficarum). Assistam e verão que a ‘verdadeira’ bruxa se escondia é na Biblioteca do mosteiro ou dos claustros.

Um dos grandes encontros da Igreja nesse período, o Concílio de Basileia (1431-1449) fazia um apelo contra os ‘males’ desviantes ou instituintes que pareciam, ou que eram, como hoje, usados para infundir o temor de que a grande instituição religiosa  tivesse o seu ‘fim’. Já disse outro dia e repito: as instituições seculares não desaparecerão, apenas podem é mudar de nome e do tipo de adeptos ou convictos. Ou então mudar de clientela.

Transformaram confissões em “convicções”. Estas transformadas em dogmas religiosos. A partir daí é que milhares, aproximadamente 200.000 (duzentas mil) mulheres foram queimadas, após longo e doloroso processo de tortura. Para tal exercício de poder forjaram-se manuais e tratados sobre a bruxaria, encantamentos e feitiços, assim como são hoje as propagandas midiatizadas de alguns pastores.

Hora de produzir novos instrumentos de tortura e ‘classificação’. Nascem os ‘documentos’ e normas que autorizavam esse massacre. Inventam-se os fundamentos da Inquisição. E, por temor ou fervor, legitimaram os sadismos dos inquisidores, como Torquemada.

Entretanto, a eficácia da construção e manutenção de um preconceito que justifique um extermínio não se dá apenas nos macro poderes instituídos. É preciso para sua durabilidade, e não apenas sua duração temporal, que muitas massas sejam envolvidas nesse processo de ‘condenação’ e justiciamentos. Precisamos dos desejos e cristalizações de massa para condenar, dividir, separar e, biopoliticamente, controlar o que denominarmos de um Outro ameaçador, transgressor ou desviante, no caso em questão, institui-se a demonização das mulheres.

Essa ameaça do devir-mulher perdura. Hoje milhares de meninas estão vestidas de ‘bruxinhas’. Vestir-se fantasiosamente, como passado, no presente é um excelente e lucrativo negócio há muito tempo. Vestir-se temporariamente de alguma coisa que já foi tão perseguida, proibida, violentada e explorada, como o corpo feminino dito luxurioso e pecaminoso, reedita uma carnavalização da vida e uma permissão ‘temporária’ para, nos tempos modernos e pós-modernos, se “brincar de bruxa”’, contanto que essas fantasias desapareçam até o dia dos Mortos.

Já escrevi sobre como ‘queimar’ as diferenças femininas na atualidade. Uma das formas sutis de manter esse preconceito e sua permanência é manter a “bruxalização” (um termo e ação que inventei) do feminino e das mulheres. Podemos também atualizar as ações de “histeria” coletiva que ocorreram, por exemplo, na Aquitânia (1453). Mulheres e a transmissão de doenças foram uma das ‘heresias’ que estes corpos perigosos e antros do pecado receberam como acusação para sua exclusão e castigo público.

Lá uma epidemia provocou muitas mortes que foram imputadas às mulheres da região, de preferência as muito magras e feias (hoje, além das já citadas, seriam as muito gordas ou muito pobres?). Presas, submetidas a interrogatórios e torturadas, algumas acabavam por confessar seus crimes contra as crianças (futuros crentes e população), assim como aos homens (aos quais contaminavam), e condenadas à fogueira pelo conselheiro municipal. As que não confessavam eram, muitas vezes, linchadas e queimadas pela multidão, irritada com a falta de condenação.

Por estamos novamente em tempos de multidões é que relembro estes dados de massas que se alimentavam, nas suas misérias humanas, de espetáculos de violências, inclusive sexuais, e de naturalização das mesmas. Ontem difundi um Relatório da ONU: "Maternidade na Infância: Enfrentando o Desafio da Gravidez Adolescente”. Nele encontramos um número: “todos os anos 7,3 milhões de meninas e jovens menores de 18 anos têm filho nos países em desenvolvimento”. E o que isso tem a ver com as bruxas e as Inquisições?

É que o mesmo preconceito que alimentava cárceres, torturas e fogueiras ainda é o que se utilizam, lamentavelmente, para a justificação de exploração, hiper erotização, vulgarização e banalização do corpo de meninas e jovens mulheres: são passíveis de serem apenas Vidas Nuas. Ou seja, passam para o campo das coisas, dos objetos ou das vidas matáveis.

O motivo de tantas meninas e jovens já na maternidade é, segundo a ONU, uma questão a ser enfrentada urgentemente é que pelo menos 02 milhões delas têm menos de 14 anos. A essa precocidade da maternidade, assim como as suas consequências sócio-culturais e econômicas, se conjugam as causas das mesmas: violências sexuais, pobreza e, em alguns países, a tradição ou obrigação de casamentos infantis, geralmente por razões religiosas, forçados pelas famílias.

Meninas que são proibidas de serem apenas meninas. Malala Yousafzai e Talebãs não são privilégios do longínquo Afeganistão, tão invadido, tão devastado como foi mostrado no filme A Caminho de Kandahar. As burkas mais invisíveis são as mais violentas. A negação do corpo feminino não se dá pelas camadas de tecidos que o escondem ou protegem. A negação se dá pela permanência transhistórica de seu “lugar” diminuído atrelado à suas diferenças, como tradições, privações, discriminações e, a se perenizarem bruxas, aos preconceitos que permitem sua vulneração.

Herdeiras de Lilith, obrigadas por séculos a caminhar alguns passos atrás da opressão masculina ou machista, são ainda os corpos que mais vendem, mais atraem e mais sofrem. Muitas vezes mais trabalham e menos ganham. Ontem me indaguei outro por quê? Porque no ‘Bolsa Família’, para além de suas questões mais visíveis, são as mulheres que tem a maioria dos cartões, 93%, e destas 63% são negras?

Será que estas também não são, além do arrimo de suas famílias, muitas das que começaram a ter filhos aos 13, 14, 15 anos, com as suas “carreiras” do lugar único de mães? O quanto e quando puderam viver outras fantasias que não as de ter um fogão e uma geladeira? Enfim, não quero ficar buscando estas perguntas-respostas já que também elas se tornam as que mais necessitam da Lei Maria da Penha.

Afinal não são apenas mulheres? Não, são apenas “bruxas” remodeladas e sem os tradicionais defeitos físicos, monstruosidades ou aberrações; se tornam, sim, milhares de Marias cujas penas a cumprir, em suposta liberdade, são serem capturadas por novas crenças, novos fundamentalistas, novos tabus, novas interdições e promessas de salvamento e vida eterna. E novas burkas lhes são aplicadas sutilmente, religiosa e evangelicamente.

Por isso espero que as meninas, como a minha, possam se educar e serem educadas em busca de outro modo de liberdade de uso dos seus corpos e vidas. Por isso desejo que, indo além do brincar de bruxa, possam aprender a se descolar desse secular e instituído pecado original.  Será que podem aprender a aprender como resistir?

Sim elas re-existem, as bruxas e as feiticeiras, mas já serão mais as donas das ‘perseguidas’, um nome popular para o seu sexo, primeiro lugar, para os inquisidores, da busca da maldição e da luxúria. A grande entrada de onde a vida brota, mas que tinha e tem o direito fundamental de escolha refinada do que lá pode ser colocado como vida, não como tortura ou violação.

 E, após entenderem como se criou o mito das vassouras voadoras, dos unguentos mágicos que alucinavam os homens, outras mulheres, outros sexos, ao serem submetidas aos estupros e outras violências sexuais, possam romper com esta simbologia fálica. Rompendo também as duras correntes que ainda estão invisivelmente aprisionando e mutilando suas posições desejantes, os ‘objetos muito claros’ e caros das atuais perseguições.

Quem sabe, então, na produção de suas subjetividades, não terão como único objeto de desejo obscuro se manter presas ao paradigma de que seu lugar é perto do fogo, do lado ou em frente ao fogão, entretanto complemente apagadas, nunca mais ardentes. Nunca mais erótica e livremente bruxas. Bruxas livres das bruxas já queimadas vivas.

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2013/2014, ad infinitum, todos os direitos reservados (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

LEITURA CRÍTICA INDICADA –
Biblioteca: Malleus Maleficarum — O Martelo das Bruxas (em português) https://mosaicum.org/2010/10/04/biblioteca-malleus-maleficarum-o-martelo-das-bruxas-em-portugues/

O Martelo das Bruxas ou O Martelo das Feiticeiras é uma espécie de manual de diagnóstico para bruxas, publicado em 1487, dividindo-se em três partes: a primeira ensinava os juízes a reconhecerem as bruxas em seus múltiplos disfarces e atitudes; a segunda expunha todos os tipos de malefícios, classificando-os e explicando-os; e a terceira regrava as formalidades para agir “legalmente” contra as bruxas, demonstrando como inquiri-las e condená-las.

Filmes Indicados:

A CAMINHO DE KANDAHAR - Mohsen Makhmalbaf
Trailer for "Kandahar" 

O NOME DA ROSA - livro e filme (1986) - Jean Jacques Annaud - https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa  https://www.adorocinema.com/filmes/nome-da-rosa/

Sobre citações na INTERNET
Malala Yousafzai: uma menina que queria apenas estudar https://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5511&id_coluna=20



LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

O MARTELO NAS BRUXAS – COMO QUEIMAR, HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/o-martelo-nas-bruxas-como-queimar-hoje.html

MULHERES, SANGUE E VIDA, para além de sua exclusão histórica https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html



EUGENIA – Como realizar a castração e esterilização de mulheres e homens com deficiência? 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O MARTELO NAS BRUXAS - COMO "QUEIMAR", HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS?

Imagem Publicada - uma gravura de tempos medievais onde, em primeiro plano, duas mulheres são mantidas em fogueiras, sendo alimentadas por um homem, vestido em azul e vermelho conforme vestimentas de autoridades, com outro homem em azul lhe auxiliando alimentar o fogo que queima estas ''bruxas''. Ao alto está representado um dragão com tetas que sufoca uma das mulheres condenadas a arder em chamas. Há outras figuras à distância e por um pórtico vê-se uma outra fogueira onde devem estar sendo eliminadas outras feiticeiras. Bem lá no fundo estão os magistrados, os fidalgos e os inquisidores, que mesmo não totalmente representados nessa gravura compõem o cenário para este genocídio feminino, por mais de 03 séculos.

"Se deseja saber se a acusada possui o poder maléfico de preservar o silêncio, que repare se ela é capaz de soltar lágrimas ao ficar em sua presença, ou quando estiver sendo torturada. Pois aprendemos tanto pelas palavras de velhos sábios quanto pela própria experiência que este é sinal inequívoco: verifica-se que mesmo quando a acusada é premida e exortada por conjurações solenes a derramar lágrimas, se for de fato uma bruxa não vai chorar..." (Malleus Maleficarum - Questão XV - Do prosseguimento da Tortura, e dos Meios e Sinais pelos quais um Juiz é capaz de identificar uma Bruxa... pág. 434)

Ontem estavam voando em vassouras, fálicas e poderosas, espalhando feitiços. Por isso sendo amaldiçoadas. Por isso muitas foram queimadas em praça pública. Hoje quem são e quais são seus encantos, filtros do amor ou ameaças que justificam sua condenação? São apenas as novas Liliths e outras que ainda são chamadas de bruxas, principalmente quando passam a ocupar espaços antes de total domínio masculino.

Ontem, quando nos perguntaram: travessuras ou guloseimas, pensamos nelas? No passado eram apenas as suas ''transgressões'' que contavam, preconceituosamente, para seu extermínio. A elas se destinavam as mais sutis formas de extração de todos os males de seu corpo feminino.

Por essa história é que 31 de Outubro é o All Hallows' Eve? E o que a Eva está fazendo nesse meio? Este novo nome de um "encontro secreto'' das Evas é que resultou na sua repressão? ou foi apenas uma tentativa da supressão de uma festa pagã antes de um feriado considerado ''cristão''? Eis o que encontrei ao procurar responder: por que 31 de outubro foi escolhido para comemorar o 'dia das Bruxas'? 

Uma das explicações históricas é a tentativa da Igreja Católica de erradicar o "Samhain", como a instituição de restrições na véspera do Dia de Todos os Santos. Mas, a meu ver, ao ser traduzido no Hallowen tornou-se apenas uma "festa", com abóboras que não assustam, principalmente as crianças em suas fantasias de terror. O verdadeiro horror foi edulcorado, adocicado, tornou-se um simulacro. E ainda dizemos: não acreditamos nas bruxas, mas que ''las hay, hay.''

Enquanto brincamos com vassouras de plástico e chapéus de magos, podemos nos "esquecer" das mais de 100 mil mulheres que, submetidas à tortura e à os ''autos de fé'' da Inquisição, foram queimadas para o exorcismo de seu desejo ora do conhecimento, privilégio do clero, ora por introduzirem brechas nos tabus sexuais como em o "Nome da Rosa". Ensinamos a magia de transformação das perigosas feiticeiras medievais em modernas babás: "Nanny Macphee".

Precisamos buscar outras fontes e respostas para as bruxas e as feiticeiras do passado? como estímulo para refrescar algumas memórias é preciso lembrar "o mais importante livro jamais escrito sobre o feminino" (conforme sua contracapa). O livro é o Malleus Malleus Maleficarum, ou melhor o "Martelo das Feiticeiras".

Também é conhecido com o "Martelo das Bruxas", daí trazê-lo para este texto e as indagações sobre as ''nossas bruxas que andam soltas por aí"... E também sabermos diferenciar as bruxas das feiticeiras, as segundas devem ter mais proximidade com a beleza e o seu enfeitiçamento para os homens...

Ele foi escrito em 1484, que lhe dá uma antecedência de 04 séculos ao Orwell com 1984 e o controle dos corpos desviantes. Ele, nasce na chamada alta Idade Média, como um manual escrito pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger. 

Tenho o meu exemplar desde 1990, e, à época, já estava na 7ª Edição pela Rosa dos Ventos, com um brilhante texto de apresentação histórica de Rose Marie Muraro, que se complementa pelo prefácio de Dr. Carlos Byington, que o ilustra com sua leitura simbólica e de fundamentação junguiana.

Considero este "manual" um aprendizado crítico sobre as manobras políticas e biopolíticas que já estavam em germinação no século XV. Basta lembrar que nosso ''descobrimento e/ou descoberta'' por Portugal vem a ocorrer apenas 06 anos após seu lançamento para toda a Europa cristã. 

Com ele se fundamentaram as idéias pré-cartesianas assim como os primeiros passos de uma tentativa de controle pelo Estado Teocrático de corpos a serem docilizados e domesticados: os corpos femininos, plenos da sexualidade, assim como dos perigosos úteros, a maior potência invejada pelos homens. Naquele tempo e ainda hoje.

Elas, as feiticeiras, possuiam e possuem uma potência que ainda continuará sendo, por mais que avancemos cientificamente, motivo da chamada ''inveja do útero". Ainda são consideradas capazes de heresias e blasfêmias, ou melhor ''blas-fêmeas", pois sua perseguição foi mais um ato eclesiástico de imputar às mulheres, geralmente as mais ousadas ou as mais ''defeituosas'', com suas deficiências físicas ou mesmo o crime da ''feiúra''. 

Mudamos as fogueiras e os métodos de violentação do corpo feminino, mas suas exclusões permanecem ativas, desde o Papa Gregório IX, que condenou seus ''sabbats", em 1233.

O corpo feminino, assim como a subjetividade produzida sutilmente, ainda é mantida no campo da repressão. Seja o Estado hipercapitalista ou a Nova Igreja, ou mesmo os fundamentalistas, continuam caçando bruxas em seus interiores. Mesmo quando tornado um objeto de exploração ou apelo sexual. Os novos-velhos inquisidores procuram em outros orifícios de seu corpo a presença do Mal ou do Demônio. Sejam Rosas, Salomés, de Salem, de Eastwick ou apenas submissas.

Em tempos de mulheres incluídas nas massas de revolução, há as que sofreram violências no Cairo ou ainda sofrem na Síria. Mas seu papel e gênero continua sendo submetido à visão ''familiar''. Devem abandonar as vassouras que voam na imaginação. Retroceder ao modelo meramente reprodutivo e sem direitos sobre o próprio corpo, eis a norma em atualização.

Não há apenas o reforço de seu papel no ''planejamento familiar", como foi abordado em recente Congresso Nacional promovido pela Igreja. O seu corpo, ora violentado, ora sacralizado, é ainda, apesar de avanços como a Lei Maria da Penha, um campo das diferenças que transgridem algumas normas ou leis. 

Não bastou, nem basta, domesticá-lo. É e era necessário ''purificá-lo'' e dele extrair os direitos, principalmente os sexuais e reprodutivos. Para tal lembremos as questões bioéticas ligadas às antecipações de parto por fetos anencefálicos e as moralizações sobre o aborto. 

Penso que as raízes preconceituosas do Malleus Maleficarum ainda persistem nos discursos moralistas ou conservadores. Em seu Capítulo XIII as orientações dos inquisidores sobre: "De que modo as parteiras cometem o mais hórrido dos crimes. O de matar e oferecer aos demônios crianças de forma execrável", há tantos séculos, ainda as condena como criminosas quando decidem abortar.

O que vivemos hoje é a substituição biomédica das parteiras, mulheres sempre meio bruxas do passado. Em pesquisa sobre os novos padrões para o nascer e o parto no Brasil, publicada pela USP, fica claro que, as mulheres, na atualidade brasileira, se não são cortadas por cima (cesarianas) ainda são cortadas por baixo (episiotomia). Os argumentos, agora re-encarnados sobre seu corpo, são de demanda estética(das próprias mulheres) ou de programação do parto, principalmente para fins privados. 

Mas há também a idéia de que o parto natural e vaginal provoca flacidez dos músculos, e compromete a vida sexual das mulheres. Elas precisam permanecer hipererotizadas. E a mortalidade materno-infantil continua sendo estatística, os traumas de parto naturalizados, os abortamentos clandestinos a norma, tornando a humanização do nascimento e do parto uma urgência e um direito humano imprescindível.

A releitura do Malleus Maleficarum, diante das mudanças que os úteros femininos nos impõem, é e deve ser compartilhada com as neo-bruxas que não podem mais ser queimadas vivas. Não nos esqueçamos das que arderam no passado. Precisamos hoje, refletindo sobre e para o futuro, re-conhecer seus direitos sexuais e reprodutivos. Há uma inserção do feminino em cada mínimo espaço da nossa Gaia. 

O Planeta Terra, que é feminino no nome, precisa de um resgate do prazer, da solidariedade, e de um re-encantamento com o corpo e o devir-mulher. Sem a paranóia e o temor dos inquisidores das Idade Média ou Mídia. Com elas podemos, suavemente, experimentar as revoluções moleculares e a criação de novas cartografias, novos vôos do imaginário, novas poesias, novas e doces amorosidades...

Não acreditamos nas bruxas, mas que elas re-existem, todos e todas, já sabemos...

Em vésperas de Finados não poderia deixar de pensar em mais uma Carta (missiva) para a Dona Morte, mas acho que ainda terei algum tempo para escrevê-la, afinal ela também é uma mulher, muitas vezes bruxa, quase sempre uma feiticeira irresistível... Outro dia, ou noite insone e de lua cheia lhe escrevo.

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet, ou em outros meios de comunicação de massa, todos direitos reservados ad infinitum, para além de todas as Pandemias - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Sites para consulta e consultados sobre o texto:
Dia das bruxas
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_das_bruxas

- Malleus Maleficarum (o Martelo das Bruxas )
https://pt.wikipedia.org/wiki/Malleus_Maleficarum

Bruxa https://pt.wikipedia.org/wiki/Bruxa

"O status moral do embrião está acima da vida da mulher?” (Dr. Cláudio Lorenzo)
https://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/2011/10/31/campanhas-antidrogas-mentem/

Brasília: Congresso Nacional de Planejamento Familiar https://www.oecumene.radiovaticana.org/bra/articolo.asp?c=533880

PESQUISA NASCER NO BRASIL: Inquérito Nacional sobre o Parto e o Nascimento - https://www.ensp.fiocruz.br/nascernobrasil

Livro analisa resultados da enquete “Sexualidade, reprodução e desigualdades de gênero”

https://correiodobrasil.com.br/livro-analisa-resultados-da-enquete-%E2%80%9Csexualidade-reproducao-e-desigualdades-de-genero%E2%80%9D/321340/

Filmes Indicados:
O NOME DA ROSA - livro e filme (1986) - Jean Jacques Annaud - https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa https://www.adorocinema.com/filmes/nome-da-rosa/

AS BRUXAS DE SALEM - (2003) - Joseph Sargent -
https://www.adorocinema.com/filmes/bruxas-de-salem-2003/

AS BRUXAS DE EASTWICK (1987) - https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Bruxas_de_Eastwick

Nanny MacPhee (2005) - https://pt.wikipedia.org/wiki/Nanny_McPhee

LEIA TAMBÉM NO BLOG:

AS BRUXAS RE- EXISTEM? Como manter ou demolir um preconceito - https://infoativodefnet.blogspot.com/2013/11/as-bruxas-re-existem-como-manter-ou.html