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domingo, 17 de maio de 2015

O MANICÔMIO MORREU? PARA QUE O MANTEMOS VIVO EM NÓS?

Imagem publicada- uma foto de uma pintura de Rugendas, o pintor alemão que viajou o Brasil de 1822 a 1825, retratando costumes e hábitos instituídos pela Escravidão, como na cena com título CASTIGOS DOMÉSTICOS, onde aparecem diferentes personagens, à direita vemos os senhores e senhoras da fazenda, com mulheres brancas sentadas, uma que cata piolhos nos seu rebento, outra traz um bebê ao colo, com um cachorro que pula em sua direção, outra em pé, ao lado de um capitão do mato branco, tendo ao centro o Senhor branco sentado em uma cadeira e com uma palmatória na mão, tendo à sua frente três escravos: um negro que é castigado, uma criança negra nua e uma mulher negra puxada por outro capitão do mato branco que tem um açoite nas mãos. No canto esquerdo estão, embaixo de uma árvore, observando e se distanciando da cena central, cinco outros escravos negros, apoiando-se em uma roda de carro de bois. A cena não é de um manicômio, mas sim de uma Casa Grande. A cena não demonstra encarceramentos ou correntes. A cena apenas traz o mesmo instrumento que foi usado de forma DISCIPLINAR tanto nas escolas como nos hospícios: a PALMATÓRIA. Estendam as suas mãos!

“Somos todos loucos. Alguns o sabem, outros o ignoram. A maioria teme a sua própria loucura e corta-lhe as asas” (Jacques Lesage de La Haye – in A Morte do Manicômio)

O manicômio, ou melhor, os manicômios morreram ou morrerão? Eis uma pergunta que deveríamos nos comprometer com ela. Uma implicação que temos de buscar. Um entregar-se de corpo e alma, principalmente a última, na resposta sobre nossas necessidades de encarceramento, isolamento e exclusão do Outro.

Já sabemos como se constroem arquitetonicamente colônias, hospícios e os hospitais para os alienados. A sua história, historiografia e gênese já nos foram demonstradas. A lógica e a finalidade de exclusão do que é e era considerado Loucura têm muitos escritos sobre elas. Ainda cabe um maior aprofundamento na pesquisa e no investigar sobre a sobrevivência dos manicômios em nossos imaginários, seja no individual como no coletivo?

Uma ponte explicativa possível, nesses tempos da Idade Mídia, é seu vínculo com o Poder e as Violências institucionalizadas. Naturalizadas como instituições se tornam e são demandas e tem suas gêneses em biopolíticas.  Como diz Eugene Enriquez, o poder surge nas e das instituições, esse ‘conjunto formador que se refira a um saber teórico legitimado e que tenha por função garantir a ordem e um determinado estado de equilíbrio social’.

O que são essas ditas, benditas ou malditas “instituições”? Para os que só as veem, quando querem enxergar, além dos olhos e das visões autorizadas, como os que não se sabem seus reprodutores, podemos dizer que são as modalidades cristalizadas das relações sociais, ou seja, o sistema de poder. Estão, por exemplo, nos alicerces das leis, das políticas, da educação e dos inconscientes.

Há dois dias, por exemplo, midiatizou-se uma das mais importantes das instituições: a família. Por ter também o seu ‘Dia’, milhares de postagens a homenageavam e ‘glorificavam’ nas redes sociais. Onde está a família no quadro de Rugendas? Quais são os que ameaçavam a sua estrutura e normalidade nessa pintura?

Eis, pois uma das formas sutis de nossas instituições sagradas e seculares. Não lhes atribuem ‘poder’ ou ‘poderes’ sobre nós? Elas se perpetuam por nós e para nós. Nosso quadro pintado pós modernamente é outro? Ou apenas dizemos que vivemos agora uma “nova” multifacetada e plural família? Nossos ritos e nossas tradições familiares permanecem intocáveis e imutáveis? Ou mudaram suas funções e papéis? A palmatória pós moderna virou o que? E que ninguém ouse questionar sua sacralidade.

 A sua desmitificação será, para muitos, tomada como uma demolição ou iconoclastia.  Porém, eis uma das formas instituídas que legitimaram a retirada, de seu meio e seio, aqueles que dela se desviaram ou divergiram. Muitos ‘loucos’ e outros desviantes ou transgressores de normas foram e ainda são motivo desse desejo de segrega-los, de encontrar uma instituição /organização que dê conta de sua desordem ou desequilíbrio.  Entretanto, dizemos, no passado, que a família, instituída como normal, era parte da doença, por isso poderia ser a cura dos seus loucos e suas anormalidades?

Como uma ‘grande família’, em datas especiais, devia e deve ser re-unida. A indagação que deve continuar principalmente no Dia Nacional de Luta Antimanicomial é sobre seus fundamentos e alicerces políticos, sociais e religiosos, já que se sucede aos outros Dias, se alinha às datas comemorativas de outras instituições. Bem perto da Abolição da Escravatura.

Hoje, por ser um momento de crise de governamentabilidades da Vida, recrudescem  as politicas do medo. E, saindo de suas Casas Grandes, muitos senhores e senhoras, aliadas das novas/velhas instituições, marcham em nome da pátria, da família e da moral. E de suas propriedades.

Surgem ou são inventadas novas formas de assujeitamento e de alienação. Agora com os novos aparatos e novos meios/recursos/alianças no campo da Saúde Mental? A hora é de conter, aplicar a palmatória ou incitar as manifestações contra os poderes constituídos e representativos na Política?

Diante das agitações ou das desordens, especialmente as políticas, reinventamos, primeiro, os muros, as portas e as grades visiveis. Quando institucionalizados e naturalizados se tornam invisíveis e ‘comuns’. Depois passamos às ‘terapêuticas’’ medidas de tratamento, desde o banho gelado. Hoje reapresentado como o esfriamento de quaisquer interações pessoais ou coletivas. É preciso que mantenhamos distância do Outro e da Diferença. Passamos, em seguida, pelas jaulas giratórias ou correntes. Hoje é natural e incentivado o aprisionamento eficaz em teias invisíveis e autorizadas dos espaços chamados redes sociais neo panópticas. Chegamos aos leitos de contenção e as celas solitárias. Hoje, os nossos Leitos de Procusto, foram aprimorados com os recursos tecnológicos, novas vigilâncias, novos modos de controle, novas drogas lícitas. Somos a um só tempo: Espetáculo, ou Ameaça e seu Controle.

Nesse novo cenário ou distopia, assim atemorizados ou momentaneamente heroicos, caso nenhuma verdadeira força instituinte consiga romper nossas repetições históricas, como, realmente, demolir tão sutis manicômios que não assim se denominam? Como então reconhecer nossas próprias Casas Verdes agora com novas maquiagens, novas fachadas e falsas cores? Desterritorializamos para reterritorializar? Como nos incluir nos espaços que dizemos serem ideais apenas para os que devem ser afastados de nosso convívio? Como desnaturalizar os nossos próprios preconceitos acerca do enlouquecimento e do que chamamos de ‘doenças’ mentais?

Quem sabe se nos remetermos às nossas próprias profundezas psíquicas, como em ‘cavernas de Platão’ ou ‘ tocas de Freud’, lá encontraremos nossos Totens psicanalíticos e nossos Tabus psiquiátricos. Encontraremos os nossos ‘demônios’ institucionais?

Diante dessas demonizações do Outro, como perigo ou anormalidade ou diferença,  poderíamos repensar o que estamos inventando para justificar nossas novas fascistações e velhas cruzadas para a caça às bruxas. Novos modos de produção de subjetividades amedrontadas, com temor transfundido, surgem a despolitização do viver, a banalização das violências e esse se distanciar das paixões e dos encontros. Afaste-se de mim ou cale-se.

 Agora é o momento de escolher o melhor bode expiatório e aceitar quaisquer retrocessos, até mesmo as diferentes ditaduras ou totalitarismos, sejam elas ou eles desde o que não sou Eu, me considerando normal e puro, até aqueles Outros que pensam ou desejam diferentemente, inclusive politica e ideologicamente.

Atualmente a moda e o mais midiatizado é expor esses microfascismos publicamente, com hiperexposição, pessoal ou grupal, como se fosse um desejo de “limpar a Sociedade” do Mal, da Corrupção e dos Governos...

Esquecendo-se da senzala ou dos periféricos, se tornaram naturalizadores e banalizadores de suas próprias violências, usam de todos os meios ou estratégias, até as mais vis ou covardes para vencer ou derrotar esses males. Distorcem suas realidades, vitimizam-se. Reinventam os mesmos muros eletrificados e cercas de arame farpado.

O Panóptico atual precisa de câmeras, conspirações, falsos delatores, policias grotescas e políticos mais que conservadores, racistas, homofóbicos e fundamentalistas. Revivemos os confinamentos ou as marginalizações. Agora as ‘camisas de força’ são para esses novos infames. Gritam nos seus nacionalismos de ocasião: - Cadeia neles! E os seus legisladores mancomunados exultam na criação de ‘leis mais duras’. E, para tantos novos prisioneiros não há contêineres suficientes. Então, menos medrosos, gritarão: - Viva o manicômio!

Os manicômios, portanto, como formas ocultas ou manipuladas de poder instituído, permanecem como recalque de nossas próprias pulsões e internalizações das Normas. Vivem e sobrevivem de nossas banalizações das mais cruentas e violentas formas de dominação. Alimentam-se de nossa paranoia e nossos histéricos modos de enfrentar, individual ou coletivamente, as crises e as mudanças sociais ou culturais. Um exemplo recente e cheio de instituídos ocorreu no Paraná. Mesmo com a agressão a direitos e a repressão, primeiro política e depois policial, de quem tem a tarefa de educar para o questionar e a cidadania, os nossos professores e professoras, as bombas e as balas de borracha, no meio dessa rixa, podem ser naturalizadas e autorizadas.

Por esses acontecimentos e essas reflexões é que interroguei e continuo me perguntando, motivado pelos 13 de Maio, data oficial da Abolição da Escravatura. Podemos, como exercício da desmitificação da historiografia, buscar no nosso passado da Princesa Isabel, que muitos institucionalizaram como Áurea, a história da construção das leis, desde o ‘ventre livre’ à suposta liberdade dos escravos, as formas de ‘reparação de prejuízos econômicos’ aos que utilizavam essa mão de obra dos negros?

 Então vamos relembrar que lá no Império, pressionado pela Inglaterra, encontramos os barões, condes e parlamentares senhores de terras e latifúndios. Estes foram os seus idealizadores biopolíticos. Estes construíram as ferrovias que abasteceram de Vidas Nuas, majoritariamente negras, as chamadas ‘colônias agrícolas’. Lá, também, está a nascente de todos os liberalismos e trabalho escravo que ainda não erradicamos.

Em texto de 15-05-1888, há uma pérola de discurso do Senador Dantas: afirmando que a abolição "não marcará para o BRASIL uma época de miséria, de sofrimentos, uma época de penúrias" como alguns parlamentares pensavam, porque, em 17 ANOS, 800.000 (OITOCENTOS MIL) ESCRAVOS tinham DESAPARECIDO DO BRASIL e, nesse período se notou "MAIOR RIQUEZA NO PAÍS, grande aumento de trabalho e com ele maior produção e, como consequência considerável AUMENTO DA RENDA PÚBLICA". DEFENDE AINDA REFORMAS LIBERAIS. (AS. V.I, pp 42 - 44) - no volume II, 1823-1888 - A ABOLIÇÃO NO PARLAMENTO - 65 anos de lutas - 2ª edição - pág. 506.

Transhistoricamente, nessa mesma linha dos trens, também podemos ligar, ou ‘linkar’, a construção de novos manicômios, visíveis e invisíveis, pois que a maioria dos ‘ocupantes’ dos hospícios era constituída dos descendentes ou dos próprios negros ex-escravos. Procurem nos arquivos da Loucura.

É no alvorecer do século XX que Juliano Moreira, que era negro, o nosso Philippe Pinel, consegue a promulgação de uma lei de reforma da assistência a alienados. Ele remodelou o Hospício Pedro II (1903) com a retirada das grades, dos coletes e das camisas de força. A passagem do instituído pela Psiquiatria a um novo modelo também traz o Manicômio Judiciário do Brasil em 1919. Afinal, tínhamos muitos negros alienados ou alienados negros?

Essa interrogação me traz à memória manicomial uma visita ao Franco da Rocha. O complexo manicomial que teve incendiado (2005) os seus arquivos e perdeu suas memórias. Há alguns anos atrás, com alguns médicos residentes, para os quais fui preceptor, lá estivemos, lá sentimos. Foi em uma grande mesa no caminho da ‘rotunda’ dos alienados, onde não pudemos entrar que pude ver um documento histórico que me comprovou como se pode naturalizar um manicômio.

Lá se encontra, a salvo, espero, o registro da primeira internação do hospício: uma mulher negra, pobre, que para lá foi mandada de trem no Século XIX, na inauguração (em 1898), e lá permanece ‘sem diagnóstico’ até os anos 30 do Século XX. Franco da Rocha, o fundador do manicômio e outro ‘Pinel brasileiro, afirmava que as mulheres negras, em contraponto às mulheres brancas, eram maioria por lá, devido a que: ‘estas se expõe não somente aos trabalhos como aos desvios de conduta e às extravagâncias de toda espécie’...”.

Em mim permanecerá a visão deste documento, assim como há a permanência ainda de muitos ‘remanescentes’ de sua institucionalização numa das maiores colônias psiquiátricas do país. Entretanto, a visita às suas grades e enfermarias, não extirpou todos os grilhões de minha própria formação, mas eu esperava que removesse ou abalasse os que estavam invisivelmente presos às mentalidades de meus jovens colegas.

Reflitam, assim os convido, como se instalam em nós os sutis modos de educação e de doutrinamento sobre a necessidade dos encarceramentos. Seriam ainda os resquícios da escravidão, das biopolíticas nascidas no Século XVIII, das higienizações do Século XX, das políticas de guerra e de dominação desse século XX e seus labirintos?

Não tenho ainda as respostas e nem sei se terei o fôlego necessário para busca-las. Incito, como o fiz lá no Juquery, aos mais jovens ou antigos que as busquem. Aos que me seguem e leem tenho tentado, inclusive nossos espaços enredados e hiper expositores das redes sociais, provocar alguma reflexão.

Entre estas está o uso da poesia. No dia 14 de maio, o dia seguinte, que não é o dia 18, Dia Nacional da Luta Antimanicomial assim como do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, me propôs algumas perguntas em poema: - NOS NOSSOS 14 DE MAIO, O DIA SEGUINTE, O QUE NOS ACONTECE? OU ACONTECERÁ? 
Deixarei aos amigos e amigas docemente um novo poema indagação -

DES/ABO/LIÇÕES (14 DE MAIO DE 2015 ou será 1888)

Quem me concede a liberdade da escrita,
Aquela que faço no mais fluídos instantes,
e nos mais subterrâneos dos meus porões?
Quem me livra ou livrará desse ventre obscuro,
Ao tempo em que me torna branco por decreto,
Mas que ninguém ainda domina nem dominará?
Quem me dará como ressarcimento as novas terras,
Os novos espaços infecundos e as novas fronteiras,
Aquelas que não se delimitam e estão perdidas?
Quem me dirá ou dirão os Outros que pensam mandar
Que o sangue negro e antigo que me transborda
E trago com orgulho em mim e nessas letras,
Não se revoltará contra os mandantes tiranos um dia?
Quem me trará os novos alimentos invisíveis,
Os novos rizomas, as novas fugas e as novas semeaduras,
Que proliferam e não respeitam e nem respeitaram
As mais cruéis ditaduras?
Quem me aboliu ou abolirá dessa extensa,
Negada e ainda sutil escravatura?
E uma Eco desnorteada sussurra no ouvido do meu Narciso:
- ‘NINGUÉM, NENHUMA FORÇA INSTITUÍDA,
NENHUM ESTADO, NENHUMA DAS CRENÇAS OU IDEOLOGIAS,
NENHUMA FALSA LIBERTAÇÃO,
POIS AINDA TRAZEM APRISIONADAS,
ATRÁS DE SEU ESPELHO E MIRAGEM,
OUTRAS INFINITAS DES/ABO/LIÇÕES...
OUTRAS MOLECULARES REVOLUÇÕES’.

Por fim afirmo que há muitas loucuras em nós, pelo menos em mim.  Entretanto, como disse o autor, muitas ainda são ignoradas ou negadas, mas não deveríamos continuar as reprimindo e punindo com os muitos e imperceptíveis ardis, armadilhas e prisões, inclusive as de cunho subjetivo.

E que a desconstrução dos meus mini manicômios mentais ou inconscientes possam continuar sua jornada... E que todos e todas possamos nos aproximar/respeitar, sem medo do que são as psicoses, as neuroses, as esquizofrenias, as bipolaridades ou as depressões em nós..., aquelas que compunham a ‘Grande Saúde’ de Nietzsche e outros ‘loucos’ e ‘anormais’ da História.

E me respondam: - Os Manicômios ainda sobre-vivem em nós? Para que?

Copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-2016 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de difusão para e com as massas. TODOS DIREITOS RESERVADOS ...2025)

Matérias da Internet ligadas ao texto que postei no Facebook (algumas) –

SAÚDE MENTAL - EM PORTO ''VELHO'' - Aprovado o Projeto que autoriza a internação voluntária, involuntária e compulsória (e a palavra CAPS nem existe no texto e provavelmente na ''lei'' municipal) https://www.rondoniadinamica.com/arquivo/aprovado-o-projeto-que-autoriza-a-internacao-voluntaria-involuntaria-e-compulsoria-,92445.shtml

SAÚDE MENTAL - Deputado (Pastor) critica fechamento de clínicas psiquiátricas em Alagoas https://www.tribunahoje.com/noticia/141435/politica/2015/05/13/deputado-critica-fechamento-de-clinicas-psiquiatricas-em-alagoas.html

DIREITOS HUMANOS - Número de presos no RJ aumentou 32% em três anos, diz relatório
Em 2014, mais de 38 mil pessoas estavam presas, contra 29 mil em 2011.

Fontes históricas
JOHANN MORITZ RUGENDAS –


INDICAÇÕES DE LEITURA CRÍTICA –

ARQUIVOS DA LOUCURA – Juliano Moreira e a descontinuidade da história da psiquiatria – Vania Portocarrero, Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, 2002.

O ESPELHO DO MUNDO. Juquery a História de um Asilo – Maria Clementina Pereira Cunha, Editora Paz e Terra, São Paulo, SP, 1986.

A MORTE DO MANICÔMIO – História da Antipsiquiatria – Jacques Lesage de La Hage, Editora da UFAM – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, 2007.

A ABOLIÇÃO NO PARLAMENTO 1823-1888 -  65 anos de lutas -  Editora do Senado Federal, Brasília, Secretaria Especial de Editoração, 2ª edição, 2012.

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

RACISMO, HOMOFOBIA, LOUCURA E NEGAÇÃO DAS DIFERENÇAS: as flores de Maio.  https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/05/racismo-homofobia-loucura-e-negacao-das.html

ALÉM DOS MANICÔMIOS - 18 de maio/ Dia Nacional de Luta Antimanicomial https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/05/alem-dos-manicomios-18-de-maio-dia.html

OS MORTOS-VIVOS DO HOSPICIO QUE ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS! https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html

LOUCURA SEMPRE! DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NÃO É INTERNAÇÃO, MUITO MENOS COMPULSÓRIA .

SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se encontra com a Resiliência https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/10/saude-mental-quando-bioetica-se_11.html

sábado, 17 de maio de 2014

LOUCURA SEMPRE! A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NÃO É INTERNAÇÃO, MUITO MENOS COMPULSÓRIA.

Imagem publicada – uma foto de uma homenagem pintada há muitos anos atrás para mim, por uma artística cliente e ensinante, Maka, onde sou representado e cercado por frases: Freud explica, Winnicott também, Jung idem e Jorge ibidem..., no canto direito está escrita a nossa grande descoberta mútua: - “e eu tento entender...”.  Um terno e eterno aprender... Será que algum dia, em futuro longínquo, poderemos vir a “entender” sem querer enclausurar ou capturar, todas as nossas “loucuras”?

“Uma doente fala sozinha, será que não tens medo da imagem do teu corpo? Eu estava sempre à espreita da doutora. A vê-la um instante, falar com ela ser real... reencontrar-me... O grupo: trinta doentes com uma equipe médica, vão todos espiar-se, vigiar-se, insultar-se, odiar-se, amar-se, projetar uns nos outros, viver em conjunto a loucura. Pouco sei dos outros, estou sempre só...” (Emma Santos – O Teatro).

Habeas Corpus Insanus ad eternum!

Resgato essa poetisa, artista e sempre teatral Emma, direto dos mais antigos livros que guardo com carinho. Ela, que passou pelas agruras de mais de uma internação psiquiátrica em Portugal, nos anos 60/70, me ensinou a buscar o coração que foi pintado pela outra artista que me afetou.

Foi dela que aprendi que: “A manhã volta. A manhã volta sempre...”, por mais soníferos, ansiolíticos, antipsicóticos e antidepressivos que tenhamos ingerido, o amanhã virá, inevitável e, se for dentro do hospital psiquiátrico, mais duro ainda.

Na busca da suavidade necessária e do processo de humanização desses estabelecimentos e suas instituições me joguei de corpo e alma, muitos dias, muitas horas. As marcas do convívio com os espaços de tratamento ou confinamento das ‘loucuras’ não são só do corpo. Ficam também nos nossos corpos, para além dos outros, simbólicos ou não. Agora posso de corpo ferido e mente alerta, mesmo à distância física, ter outras implicações.

Hoje, perto de mais um momento de festa e bola rolando, me aviso e lembro-me dos que irão ver jogos apenas pela televisão. Distanciados e intocáveis. Isto se a televisão estiver ligada e permitida.

São os que permanecem e ficarão “fora dos estádios” normalizadores. São os ‘doentes mentais’ que, devido às suas infindas institucionalizações em clínicas, Caps ou outros resquícios de sanatórios e manicômios ou “minicômios reabilitadores”, “não batem bem da bola”, ou da “cachola”, ficam sempre com o cartão vermelho, expulsos de quaisquer partidas oficialmente normais, como o mercado de trabalho.

Aos inadvertidos digo: eu gosto de futebol, mas não sou mais um fanático. Eu amo/respeito/sinto os loucos de toda sorte, mas não sou fanático por nenhuma loucura, a não ser a minha própria... Não lanço nem privadas e muito menos bananas racistas...

Entretanto, para muitos de nós, os próprios psis e os que se denominam normais, somos classificados como loucos. Os ditos que não são tão malditos, afinal, de ‘médico e de louco todo mundo tem um pouco’. 

Integrantes de uma seleta seleção. Somos profissionais, os trabalhadores com e da dita Saúde Mental que não ganham como jogadores de futebol. Porém, mesmo assim, entramos em um campo minado, vestimos a camisa de um “time” que joga o tempo todo com os seus e os nossos inconscientes-multiplicidades.

Caso venhamos a passar por acidentes ou traumas, também adoecidos, penduramos as chuteiras. E, dizem, portanto, que também somos “ruins da cabeça’’, já que ficamos, como nossos pacientes, “doentes dos pés”, de “miolo mole”, mais para Garrinchas dopados do que para os que continuam equivocados como Pelés.

Por isso, aquilo e mais um pouco temos de aprender a sermos os meio-de-campo-Loucos... Nesses áridos não gramados campos abertos a placares inusitados, com jogos que devemos aprender a perder. Nunca seremos, aí nessas arenas fechadas e totais, os campeões. Apenas nos tornamos os espertos ao contrário, como já disse, sábia e vividamente a Estamira.

Ao viver nessa e dessa insanidade, como risco necessário desse trabalhar, oriundas de si próprio e do Outro é que precisamos nos tornar mais finitos. Um estar, mais que ser, na transitoriedade desses jogos inter-humanos, em permanente estado de desinstitucionalização. Abraçarmos a nossa suposta derrota: os loucos sempre vencem mesmo enclausurados. Por quê?

 Já nos foi dito: os muros que ainda não derrubamos estão dentro de nós... São as verdadeiras muralhas que nos protegem do que mais tememos: ensandecer como o espelho deles e de nós próprios. O seu sofrimento psíquico não nos é estranho ou estrangeiro. Faz parte de nossa história, seja social ou cultural, biográfica ou historiográfica.

Fomos, com a Medicina psiquiátrica, durante mais de um século os responsáveis por determinar a distância entre a sanidade e a loucura. Como medidores e avaliadores fisicalistas nos foram dadas ferramentas para incluir ou excluir. Foi-nos dado o aval, e ainda permanece como paradigma, a nossa capacidade de dizer quem está “doente da cabeça”. Os lunáticos que não andam sobre os pés. Os que dizemos estão fora do chão das nossas realidades.

Lá no século XVIII o mundo da loucura, que ainda recebe esse nome/estigma, segundo Foucault ‘vai tornar-se o mundo da exclusão’. Modificamos em quase três séculos esse modelo e paradigma excludente?

Nos meados daquele século é que foram criados os primeiros estabelecimentos para a grande internação. Não eram como os aprimorados equipamentos e hospitais de hoje dedicados apenas aos sofrimentos psíquicos graves e persistentes.

Os ‘Hospitais Gerais’ recebiam, como seus sucessores manicômios, toda uma série de sujeitos diferentes. Segundo Foucault lá, “pelo menos segundo os nossos  critérios de percepção: encerram-se os inválidos pobres, os velhos na miséria, os mendigos, os desempregados opiniáticos, os portadores de doenças venéreas, libertinos de toda espécie, pessoas a quem a família ou o poder real querem evitar um castigo público, pais de família dissipadores, eclesiásticos em infração, em resumo todos aqueles que, em relação à ordem da razão, da moral e da sociedade, dão mostras de ‘alteração’...”.

E a que discrepâncias sociais, anormalidades, desvios morais, atos infames e ‘alterações genéticas’ estaremos, generosa e piedosamente, nomeando, classificando e destinando para nossas ‘novas’ instituições dedicadas aos loucos?

Digo que são os ‘novos malditos’. São os que apesar de não serem tão ‘perigosos’ ocupam agora os antigos espaços dos hansenianos e dos amaldiçoados pelos soberanos. São as novas e sempre bem vindas, biopoliticamente, Vidas Nuas. Pergunte-se se não há na citada lista foucaultiana nenhum dos termos lá que empregamos ainda por cá e acolá. Naturalizamos suas modernas versões humanas?

A resposta é que ainda temos de continuar o que se denominou de ‘luta antimanicomial’. As velhas e carcomidas instituições arquitetônicas dos manicômios, das Barbacenas, perduram em novas e bem instrumentalizadas formas de encarceramento. Não são só os portões e grades que nos separam deles, dos loucos.
Separam-nos as novas terminologias, novos diagnósticos, novas medicações, novos meios de contenção física, novos/velhos falsos cuidados desses Outros.

Aí, com certeza e direito, Emma que nunca foi santa, nos cuspirá, no rosto maquiado dos nossos belos avanços, a verdade de nossa neurótica e desinstituinte repetição: o ontem sempre vem, e, extenuados, não construímos e nem vemos saídas, não há nenhum amanhã possível?

Pela necessidade de responder às muitas Emmas, Estamiras e outros Cids que, com seus delírios ou alucinações, compulsória e involuntariamente são serão internadas, desviantes que se tornam, é que faço essa afirmação da desinstitucionalização.

Urge caminhar para além das deshospitalizações, para além das desterritorializações dos sofrimentos dos Outros, sempre sujeitados e cada dia menos sujeitos, singulares, individual ou grupalmente.

Para além dos territórios já conhecidos e demarcados, digo que a Saúde Mental pode, amorosa e micropoliticamente, vir a ser revolucionária. A quebra de estigmas e preconceitos com a loucura, assim como com os racismos, as homofobias e outras discriminações também é tarefa dos atores e inventores/vetores dessas Outras Saúdes.

Como dados de realidade, para que não digam fanático pela demolição dos manicômios visíveis, posso citar o levantamento da situação de pessoas em sofrimento mental prolongado aqui em São Paulo, o Censo Psicossocial sobre Moradores de Hospitais Psiquiátricos, no ano de 2008.  Este censo perguntou a um morador de um hospital psiquiátrico se ele gostaria de morar fora do hospital.
Ele respondeu: “...quero ir embora... mas não tenho mala”.

Segundo essa mesma pesquisa estatística, a população internada em hospitais há mais de um ano era de 6349 internados em 56 hospitais psiquiátricos, em 38 municípios, e em 15 DRs. Dessa amostra populacional existiam 3930 homens e 2416 mulheres. Ressalte-se que quase 63% era de não alfabetizados, quando surgem então as crianças e jovens internados. Entre eles 42,1% possuíam ausência total ou parcial de dentes. Como sorrir, então, dentro desses cenários institucionalizantes?

Quantos estão agora ainda em processo de internação prolongada e sem perspectivas, sem mala, sem destino, sem respostas, sem novos caminhos ou futuros, mesmo que sejam residências terapêuticas?

O outro e alegado cenário, que aí surge, é o da ‘transinstitucionalização’, ou seja, os muitos que saíram de hospitais psiquiátricos fechados. Mudaram de ‘mala e cuia’, como dizem lá em MG, para novos ou velhos espaços medicalizados. Desse total pesquisado pelo censo 43% (2741 pessoas, ou melhor, cidadãos e cidadãs) tornaram-se “moradores” dos novos equipamentos. Ocupam os ‘leitos-noite’ que não tem dia seguinte, muito menos a desejada ‘alta’?

Nessa perspectiva é que ainda há que resolver as questões macropolíticas geradas e alimentadas pelo descaso dos gestores. Faltam os recursos, os trabalhadores, e, principalmente, a chamada política pública estruturante. Com estes números citados, apenas uma das pontas visíveis de um grande iceberg de ‘usuários’, é que devemos uma resposta desinstitucionalizante, uma afirmação de vida para além dos limites já inventados ou recém-instituídos.

Pelo já escrito, assim como pelo que me foi ensinado nos meus anos capsciosos, é que digo que a Psiquiatria, e não menos outras especialidades psi e próximas, se revelam, diante do dito louco e da loucura, portadoras de um instituído vertical e enraizado, mais que quaisquer outras instituições.

Nós, os benditos trabalhadores dessa saúde e pela ação biopolítica de nossos zelosos equipamentos de cuidado, interrogo se podemos e nos tornamos excelentes e eficientes administradores ‘daquilo e daqueles que sobram’, dos excedentes ou novos desfiliados sociais? Contribuímos, por exemplo, para a gentrificação e higienização das grandes ‘lândias’ das grandes cidades?

Seríamos, ou melhor, nos tornamos uma instituição residual, que detém ela mesma, em relação ao sistema instituído como Saúde Mental, um poder tanto insubstituível quanto um simulacro, ou seja, seríamos capazes de fazer o papel de quaisquer uma das outras instituições que nos transversalizam, seja a Justiça, o Governo ou mesmo a Família...

A desinstitucionalização dá trabalho, é árdua, exigente de uma Análise Institucional, ela própria que se coloca em implicação com seu próprio fim, finalidade ou demanda. Essa que lhes proponho tem que ir além das teorias e dos diagnósticos. Como dito lá em cima, vai além dos Freuds, dos Jungs e dos Winnicotts, e, com certeza, muito além de mim e do meu corpo/vida/máquina desejante.

Esse caminho árduo para a desinstitucionalização passaria pelo buscar soluções singulares, heterogêneas, realmente substituíveis (ou melhor, até descartáveis por sua temporalidade ligada à existência e vida do sujeito), com uma ‘intervenção prática que remonte a cadeia das determinações normativas, das definições cientificas, DAS ESTRUTURAS INSTITUCIONAIS, através das quais a ‘doença mental’(o irremediável problema chamado de Loucura) assumiu aquelas formas de existência e expressão...

Enfim, preciso e lhes desejo contaminar com uma necessidade de novos gestos, de novos e criativos contatos com esses Outros, em nós e nos Outros que denominamos mais loucos que nós próprios.

A vocês, todos e todas, em tempos de medos líquidos, deixo a poesia demolidora de desafetos de Max Pagès, que incluiria Reich entre os meus indicadores analíticos da pintura-interrogação de mim, o sujeito de um suposto saber psicanalítico ou psiquiátrico distanciador:

“... Cada gesto é necessário e leva a outros gestos
Desconhecidos, necessários também,
Que levam a outros gestos e a outros ainda desconhecidos.
Se se aceitarem os gestos que são necessários às pessoas
Elas podem viver, senão, arrebentam.
Amar é aceitar os gestos dos outros
Amar é fazer gestos que nos são necessários
Amar é arriscar ficar só, e é também arriscar destruir
Os outros e a si próprio”.

Por esse desejo, como um rizoma, de uma molecular revolução que nos desinstitucionalize, desmassifique e nos torne singularidades mutantes e amantes do viver, com toda intensidade que isso exige, é que digo e lhes docementeabraço: - estendam a mão, ofereçam o ombro, aceitem o olhar, mudem a escuta distanciada, fria, diagnosticadora, sensibilizem-se pelo corpo e pela diferença que sempre é o Outro e o próximo, para além do temor que nossas ou suas loucuras recônditas nos provoquem.

E, finalmente, que se manifestem como somos também: uma ou muitas multidões...
com um doceabraçoantimanicomialeresiliente...

. TODOS DIREITOS RESERVADOS)
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Leituras inquietantes para inquietos pensantes:
O Teatro – Emma Santos, Editor Assírio e Alvim, Lisboa, Portugal, 1981.

Doença Mental e Psicologia – Michel Foucault, Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, RJ, 1975.

O Trabalho Amoroso: Elogio da Incerteza – Max Pagès, Editora Veja Universidade, Lisboa, Portugal, 1986.

Filme que deveríamos sempre reapresentar e rever:
Estamira, um filme de Marcos Prado   https://www.youtube.com/watch?v=KFyYE9Cssuo

Fonte de pesquisa –

Desafios para a Desinstitucionalização - Censo Psicossocial dos Moradores de Hospitais Psiquiátricos no Estado de São Paulo, Sonia Bichaff & Regina Bichaff (orgs.), 2008 –

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quarta-feira, 18 de maio de 2011

ALÉM DOS MANICÔMIOS - 18 de maio/ Dia Nacional de Luta Antimanicomial


Imagem Publicada - uma foto colorida, com uma jovem haitiana, ela olha para a câmera, com sua mão esquerda sendo levada à boca, me parecendo um silenciamento imposto, que utilizo para lembrar as milhares de crianças e adolescentes que foram e estão esquecidas no Haiti, pós-terremoto e cólera, que, com certeza, estão precisando de muitos cuidados, inclusive de Saúde Mental, mas certamente não precisam de maiores exclusões ou marginalizações do que o já vivido em suas peles negras durante os tantos anos de isolamento ou miséria a que seu povo foi submetido. Talvez ela se pareça com a personagem B.H do meu texto abaixo, ainda quando era jovem e sonhava com a sua liberdade. (foto capturada na Internet)

O dia 18 de maio precisa ser, também, considerado um data para não esquecer. Além de ser um dia para combater as sutis tentativas de retomada do modelo nosocomial, principalmente quando as mídias insufladas por crimes cometidos por ''loucos'', ''maníacos'' ou '' paranóicos'' como o jovem Wellington aparecem ou explodem pedindo o retrocesso histórico. 


Mas o que não podemos esquecer? Não podemos esquecer a maioria dos que ainda estão sob tratamentos psiquiátricos segregantes, os que permanecem na Casa dos Mortos, os que compõem um imensa maioria dos que necessitam de cuidados psiquiátricos por vivenciarem os mesmos campos de exclusão que geraram um dos maiores manicômios do Brasil: o Hospital do Juqueri, em Franco da Rocha.

Foi lá que, há alguns anos atrás, como preceptor de um grupo de jovens residentes em psiquiatria, em visitação à moda de Freinet, tive contato com um dos mais importantes documentos de minha carreira. Eu vi o documento de internação da primeira paciente deste manicômio. Em 08 de novembro de 1885 era internada, no Hospicio de Juquery, São Paulo, uma mulher, preta, denominada B.H, solteira, cozinheira, católica, aos 50(?) anos, com nacionalidade Brazil(eira), e em cujo registro está escrito que a sua ''revisão'' foi realizada em janeiro de 1910. 

Esta temporalidade confirmada, na virada de século, com 25 anos sem nenhuma forma de cuidado ou real diagnóstico, lavrou o testemunho de seu sofrimento ou sua exclusão. Resta dizer que ela faleceu por lá mesmo, provavelmente não muitos anos depois deste tempo de reclusão. Porém em minha memória não deixarei nunca sua história desaparecer. E aos que me lêem solicito sua memorização crítica e desalienante.

Esta mulher negra fazia parte, à época de um grupo de cidadãos e cidadãs que precisavam sair do caminho do progresso paulistano. Eram os que mais incomodavam ao Império e sua biopolítica de higienização. Este grupo social de excluídos passou a ser um ''fardo social'', bem como um ''perigo'' também para a República. Eram os que foram lançados na marginalidade, nos cortiços e nas nova senzalas, de um espaço urbano. 

Cidades em expansão, como São Paulo, que tentavam conciliar ex-escravos, migrantes e outros habitantes de um país neorepublicano. E, assim nasce em 1885 (não em 1895 como está na Wikipédia) o Asilo de Alienados do Juquery, no mesmo tempo em que a negra B.H entra por seus portões para nunca mais sair.

A Psiquiatria nosocomial e asilar, é um dinossauro, nasceu no Brasil com um decreto imperial em 1841. O imperador Pedro II, pressionado pelos que criticavam o “abandono” em que se encontravam os alienados, incluindo-se aí os proxenetas, "débeis mentais e portadores de taras", assim chamados os loucos da época, determinou a criação de um hospício voltado ao tratamento destes alienados.

Este fato coincidirá com o surgimento da psiquiatria no país. Junto com ela um movimento de higienização social, com seus ranços históricos ligados à eugenia, quando: "os negros e os leprosos foram identificados como portadores de perigo em potencial, e foi providenciado o seu afastamento das principais vias públicas..."

A inauguração de dos primeiros hospícios brasileiros, só ocorrerá onze anos depois do decreto imperial. Institucionalizou-se a segregação, o hospital foi o melhor território panóptico para o isolamento biopolítico destas diferentes formas de excluídos e despossuídos. 

Os manicômios e as prisões andaram, então de braços dados, circulando à caça dos desviantes, nas vielas, nos bairros, favelas, entre os artistas, os boêmios, os proletários e os alcoolistas. Os tempos imperiais lusitano-brasileiros prenunciavam o que hoje vivemos com o novo modelo de Império hipercapitalista, só que agora aperfeiçoamos as técnicas em Guantanamo ou outros ''gulags'' pós-modernistas.

Portanto, mesmo com todas as críticas que se façam à Reforma Psiquiátrica, aos equipamentos substitutivos, que vão muito além dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), ou às políticas para resolutividade dos impasses em Alcóol e outras drogas, temos de reafirmar nossos compromissos com um mudança radical de paradigmas. A história do higienistas, dos fisicalistas e dos chamados organicistas atravessam e transversalizam a Psiquiatria brasileira. E, apesar dos muitos avanços científicos, como os gerados pelas Neurociências e novas tecnologias, muitos ainda se prendem a um modelo biomédico que só vê corpos-máquinas, quiça ainda apenas Vidas Nuas, no cuidado exigido pelos transtornos mentais.

Quando foi que aprendi a justificativa para a exclusão de B. H? Aprendi, há muitos anos atrás, na escola ''primária'' que os nossos (meus) ancestrais africanos eram trazidos para o Brasil, nos navios negreiros, para ''substituir a mão de obra indolente dos indígenas''. Aprendia, nas gravuras de Rugendas, que eles mereciam os castigos, com representações de negros amarrados e com as costas riscadas pelo açoite. Eles eram os ''negros fugitivos''. 

Este deveria ser o possível diagnóstico da cozinheira B. H, uma Tia Anastácia, que por algum motivo deve ter sido ''incluída'' entre os que deviam ser afastados do convívio social. Entravam em um trem, como aquele dos nazistas, e desembarcavam na estação de ferro do Juquery.

Será que podemos afirmar que B. H., ou seja as muitas mulheres, negras, pobres (hoje temos 10 milhões delas incluídas na pobreza extrema=miséria, dos 16 milhões recentemente recenseados), ainda estão sendo hospitalizadas, com todas as prerrogativas cientifico-psiquiátricas obedecidas, por estarem delirantes do desejo de um outro modo de ser, um outro de existir, um outra condição de viver e sobreviver em nosso tão progressivo e cruel mundo globalizado?

Em matéria recente sobre a presença do desemprego entre os negros e pardos, em afirmação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), constata-se a permanência das desigualdades sociais como gênese das exclusões. Diz a matéria: "A OIT indica que apesar dos avanços na legislação antidiscriminatória, as crises econômica e social estão na origem da rejeição contra vários grupos sociais e trabalhadores migrantes"...

E, lamentavelmente, os dados recentes do IBGE confirmarão . E, possívelmente, este será, trans-historicamente, o motivo para alguns afirmarem a necessidade de velhas técnicas de controle social e biopolítico, trazendo a cena, novamente, os velhos modelos e tecnologias de cuidado dos que enlouquecem ou tornam-se ''pacientes psiquiátricos''.

Precisaremos, em face deste revival e retomada de modelos hospitalocêntricos, lembrar a persistência de violências e os atentados aos Direitos Humanos de cidadãos e cidadãs ainda em hospitalizações forçadas e prolongadas. Lembrar e não deixar esquecer, que muitas pessoas com deficiências intelectuais (ainda chamados de ''retardados'' mentais pela psiquiatria) ainda são rotulados de 'doentes mentais', tornando-os passíveis do isolamento e do encarceramento judicializado.

Lembrar e continuar combatendo, bioéticamente, a negação da autonomia e dos direitos de quem é, sem respeito à Lei 10.216, mantido internado em hospícios e manicômios. Lembrar as medidas simplificadores, com apoio da Justiça e da Educação, com a medicalização e o internamento para jovens adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Ir além dos manicômios é caminhar mais ainda na sua desinstitucionalização, para além da deshospitalização, pois corremos o risco da substituição destes por "minicômios" com novas tecnologias engessadas pela total falta de recursos. Aos novos equipamentos substitutivos também cabe uma mudança paradigmática urgente, com uma permanente avaliação/análise institucional.

E, além dos muros visíveis dos manicômios, continuar a demolição de muros sutis e invisibilizados e alicerçados pelos processos de judicialização dos sofrimentos psíquicos graves, tal qual as dependências químicas, que justificam até a retomada "científica" das lobotomias ou das velhas práticas manicomiais, em especial nas Casas dos Mortos (manicômios judiciários).

Teremos, portanto, e temos o dever de reavivar, constantemente, nossas MEMÓRIAS adormecidas, atingindo o seu cerne que é a fomentação de preconceitos contra nossa própria e falível humanidade, nossa indiscutível existência na DIFERENÇA. Parodiando podemos dizer que NENHUM HOMEM PENDE INTEIRAMENTE PARA A "NORMALIDADE" e seus discursos competentes, ASSIM COMO NÃO PENDEMOS PARA OS ANJOS..., principalmente os incomodados com as Loucuras e a Diferenças, dos outros. A Saúde Mental também merece uma Comissão da Verdade...

Por 126 anos esquecemos a cozinheira no Juquery... Por quanto tempo mais devemos nos esquecer dos desviantes enlouquecidos, e, ativamente providenciar uma nova Nau dos Insensatos, agora com aprimoramentos panópticos da Sociedade do Controle e do Espetáculo?


copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011/2012 (favor citar o Autor e as fontes em republicação livre pela Internet e outros meios de comunicação de massa TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025 )

Referências para o texto:
HOSPITAL JUQUERY

18 de Maio - Dia Nacional de Luta Antimanicomial


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Criado computador para perceber melhor esquizofrenia - Um grupo de investigadores da Universidade do Texas, EUA, criou um modelo virtual de computador para compreender melhor a esquizofrenia nos pacientes humanos.

Taxa de desemprego no Brasil é maior entre negros e pardos, alerta OIT - Agência da ONU aponta novas tendências discriminatórias baseadas em estilos de vida -https://correiodobrasil.com.br/taxa-de-desemprego-no-brasil-e-maior-entre-negros-e-pardos-alerta-oit/240540/

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