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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Os Desastres, os Haitis e as Serras no Hipercapitalismo

Imagem publicada - uma fotografia de um dos milhares de acampamentos de haitianos, com milhares de tendas militares ao fundo, que têm em um enorme telão a projeção de uma ''novela'', ao centro, para que possam continuar sonhando/acreditando na Sociedade do Espetáculo, e, talvez, esquecer todas as corrupções, explorações, humilhações e escravagismos a que o povo do Haiti foi e continua sendo submetido. O Haiti 01 ano após ainda é um país em ruínas, com disputas macropolíticas que determinarão quando e quem irá ''doar'' dinheiro para sua reconstrução. Um país de milhares e incontáveis mutilados e novos membros da multidão de pessoas com deficiência do mundo... E no telão vemos o rosto de uma criança negra... (Acampamento de Carradeux, New York Times)

"Todos os dons recebidos pelo homem através de seu profundo conhecimento da natureza - os progressos da sua tecnologia, de sua química, de sua medicina -, tudo aquilo que parecia poder atenuar o sofrimento humano, tendem por um espantoso paradoxo, arruinar a humanidade..." Konrad Lorenz

Quando li pela primeira vez, há muitos anos, Civilização e Pecado de Konrad Lorenz, não tinha a ideia de seu caráter de ''futurologia ". A gente não olha para o futuro como possibilidade, principalmente quando falamos de Desastres, Calamidades, Catástrofes, ou melhor de cenários de destruição. 

Como Lorenz era apenas um etólogo, aliás um ramo científico por ele formulado como "um estudo científico e comparativo do comportamento instintivo e aprendido dos animais", sua visão é datada e contextualizada. Este cientista, para além de controvérsias ideológicas,  concluiu que a liberdade raramente existe sem perigo. Acrescento não há vida sem risco. Há sim a perpetuação aética de nossos "erros capitais".

Hoje, bombardeado pela incessante midiatização do sofrimento dos afogados, dos soterrados e dos desabrigados, por chuvas, represas abertas, descaso e imprevisão política, fiquei "atolado". Fiquei me sentindo preso entre ideias de Lorenz e de Naomi Klein, cuja atualização já fiz quando escrevi sobre O Aprendizado do Desastre, há um ano atrás.

As teorias de Lorenz são fundamentadas na "análise dos processos que ameaçam o ocaso da civilização e o fim da humanidade, ditados pelas leis naturais...". Em 1973 esse cientista ganhou o Prêmio Nobel de Medicina, tendo lançado um grito de alerta sobre a urgência, já naquela época, de se preservar e conservar o Meio Ambiente para que em breve este "não se torne inadequado à sobrevivência" de seres humanos.

O que estamos fazendo com nossos ''dons"? apenas aplicando à contabilidade de uma máquina cruenta de calcular corpos soterrados? ou nossa matemática de mortos e vidas destroçadas ainda não é suficiente para a naturalização da Doutrina do Choque, com nos afirma Naomi Klein? 

Para muitos a culpabilização do volume de água que os céus nos derramam é a única explicação. E aí podemos cantar que: "olha lá vai passando a procissão, eles acreditam nas coisas lá do Céu...", e apenas ''orar" ou "chorar" perante as perdas de vidas humanas e o arrasamento das cidades. Aparece, como mostram as telas, nossa solidariedade que se, potencializada coletivamente, poderá ser transmitida para a proposta das 3 Ecologias de Guattari.

A mudança que desejamos diante dessas devastações naturalizadas é urgente. Não deveríamos esquecer de nossos semelhantes haitianos, após 1 ano de terremoto. Ainda tremem as pernas e pés desses negros e negras diante da Cólera e do abandono das promessas de reconstrução de seu país, suas casas, suas vidas.

Como podemos nos reaproximar desse Haiti Vivo que sumiu por um longo período das telas e dos noticiários, retornando quando a Dona Morte atinge mais de perto os nossos vizinhos estaduais?. Nos distanciamos, processo humano de proteção de si e dos narcisismos, de quaisquer sofrimentos intensos que atingem, primeiramente, o Outro ou os Outros.

Precisamos rever a nossa construção de uma Ecosofia e de uma Ecologia Humana. Para Lorenz: "a ecologia humana se transforma muito mais rapidamente que todos os outros seres vivos. O ritmo lhe é ditado pelo progresso de sua tecnologia, sempre acelerado e em progressão geométrica..." Para ele isso é responsável, ao modificarmos profundamente nossos meios ambientes, até mesmo por nossas ruínas das "biocenoses nas quais vive e das quais vive".

Reforçamos a teoria de que criamos as condições e meios através dos quais podemos criar ou destruir a Vida, muito mais na direção de ''manipulação'' dos desastres do que na direção de outros modos ecosóficos de viver e TRANSMITIR A VIDA.

Por isso digo que não estou ''chocado" com as imagens que atolaram nos meios televisivos. Estou apenas mais consciente da urgência de analisarmos quais são os nossos "pecados", ou melhor nossas "armadilhas", que mantemos, macropoliticamente, em construção e recriação, do que chamamos, eufemisticamente, de Civilização. Seremos transmissores de Vida em 2011, insisto na pergunta?

Me interrogo: - seremos apenas os "homo homini lupus" (o Homem é o Lobo do Homem)? ou podemos, micropoliticamente, re-inventar a liberdade e a crítica, através de uma Bioética e Ecosofia de mãos dadas, desmontando as artimanhas do Hipercapitalismo, encontrarmos as saídas para um mundo sem Arcas de Noé ou Naves, "made in China" e privatizadas de 2012?

Qual é a distância (humana) entre Porto Príncipe, Itatiaia, Nova Friburgo, Concepción, Franco da Rocha, Santiago, Três Corações, Temuco, Petrópolis, Brisbane, e onde vivo? Será que terei a resposta do poderoso computador Tupã do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), instalado na cidade com nome de água cheia de força e intensidade: Cachoeira Paulista?

copyright jorgemarciopereiradeandrade (2010-2021 - favor citar o autor e as fontes em republicações livres na Internet ou outros meios de comunicação de massa, todos direitos reservados -2025)

Leia também no Blog -

O APRENDIZADO DO DESASTRE - O Hai di Ti é em qualquer lugar - https://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Capitalismo%20do%20Desastre

GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE -


AS MASSAS E OS SOBREVIVENTES - Terra Trêmula - https://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Haiti

O HAITI NÃO ERA AQUI - A Terra Queimada -

Indicações/referências bibliográficas:

CIVILIZAÇÃO E PECADO, os oito erros capitais do Homem - Konrad Lorenz - Círculo do Livro, São Paulo, SP - 1977.

A DOUTRINA DO CHOQUE - A Ascenção do Capitalismo de Desastre - Naomi Klein - Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ, 2009.

AS TRÊS ECOLOGIAS - Felix Guattari - Ed. Papirus, Campinas, SP, 1990.

ARTIGO - LA VALORACIÓN ECONÓMICA DE LOS DESASTRES: UNA APROXIMACIÓN METODOLÓGICA -Dra. Ana Fernandez-Ardavín &Dra. Carmen Calderón Patier, Dra. Monserrat Cabello Muñoz y Dra. Isabel Martínez Torre-Enciso

terça-feira, 2 de março de 2010

GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE


imagem publicada - uma mulher olha e segura a Terra com as duas mãos, garantindo que possamos buscar um outro olhar ecosófico para com nossa Terra mãe.

- Nas águas de Março, quando a Terra ainda é trêmula...

O Haiti nos avisou. O Chile nos alerta mais um pouco. A terra continua se movendo, sob nossos pés, como um bicho que se move sob a areia. E nós precisamos nos lembrar de nossa frágil, ora triste, ora alegre e bárbara figura sobre ela. Ao menor ruído de seu ventre e mudanças de suas placas tectônicas, nós viramos frágeis corpos que temem e tremem com a GAIA.

Estou me lembrando de dois nomes poéticos e vivos em meu coração. Os dois ecoam o Chile em minha própria história, sendo ecos de um tempo em que poesia tinha caráter militante e de revolta. Me lembro primeiro de uma mulher que nos legou uma das mais belas canções latino-americanas: Gracias a la Vida.

Me refiro a Violeta Parra (Violeta del Carmem Parra Sandoval), uma artista quase completa, indo da música, como compositora e cantora, até às artes plásticas como ceramista. A ela associamos, os que viveram os Anos de Chumbo das Américas Latinas amordaçadas por ditaduras e outras violências políticas institucionalizadas. Muitos cantaram Gracias a La Vida como um hino de resistência e de resiliência diante dos muitos momentos de tristeza ou frustação gerados nos anos 70.

Violeta foi uma madre chilena que nunca se afastou de seus dois filhos, e só abandonou a vida pela dupla decepção com o seu projeto não realizado de um espaço comunitário e rico, assim como um amor pleno de paixão. Uma tenda comunitária, onde a cultura e o folclore do povo chileno seriam e teriam sua própria vida. Um amor que não se cansasse de amar e de cantar a vida. Sua memória é um bom lembrete para o caminho rumo ao Dia Internacional da Mulher que se aproxima. Ela cantou e recantou a Vida.

Mas para cantar a terra, o charco, o deserto e também o momento de terra trêmula do Chile é preciso convocar outra paixão poética: Pablo Neruda. Ainda não vi ou ouvi ninguém lembrando que a terra que agora foi, novamente, arrasada pelo terremoto e os tsunamis é a pátria deste homem e da mulher cantante. E não posso deixar de lembrar uma poesia, traduzida por Thiago de Mello, que tenho em um velho ( e guardado a sete chaves) livro de ANTOLOGIA´POÉTICA de Neruda.

A VOCÊS E AO POVO DO CHILE dedico este espaço, pedindo licença ao homem do Chile que confessou ter vivido, para espalhar seu canto e poesia:

QUANDO DE CHILE (Pablo Neruda)

Ò Chile, larga pétala
de mar, de vinho e neve,
ai quando
ai quando e quando
e quando
me encontrarei contigo
me enrolarás tua fita
de espuma branca e negra na cintura,
desencadearei minha poesia
sobre o teu território...
...Existem homens,
Metade peixe, metade vento,
outros homens existem feitos de água.
Eu estou feito de terra.
Vou pelo mundo
cada vez mais alegre:
cada cidade me dá VIDA NOVA. O MUNDO ESTÁ NASCENDO...
...Ai pátria sem farrapos,
ai primavera minha,
ai quando
ai quando e quando
despertarei nos teus braços
empapado de mar e orvalho...


Posso então Volver a los 17..., e quem sabe sofrer de outros Tremores e Temores
. Meu momento é de cantar a vida, para além da imobilidade e das restrições e sofrimentos ou penúrias. É o momento de um CANTO GERAL, que ecoe sobre toda a Terra. Um canto lembrando Parra/Neruda e seu desejo que o Chile não volte aos seus anos de Pinochet ou de opressão, avançando na direção de uma nação/povo que saiba também renascer de seus próprios escombros...

E se, na minha imaginação, Neruda pudesse ser o Carteiro de Violeta..., a história de amor à vida desta sensível poetisa e cancioneira poderia ter outro desfecho?

E O HAITI CONTINUA PRECISANDO DE UM MOVIMENTO VIVA O HAITI VIVO... e eu canto GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE,,,

(jorgemárciopereiradeandrade copyright and left ad infinitum, todos os direitos reservados 2025)

FONTES:
VIOLETA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Violeta_Parra
GRACIAS A LA VIDA = MERCEDES SOSA -
https://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I
PABLO
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda
https://www.fundacionneruda.org/
O Carteiro e o Poeta
https://pt.wikipedia.org/wiki/Il_postino

publicação do INFOATIVO DEFNET 4355 - Ano 14 

Antologia Poética - Pablo Neruda - Editora Letras e Artes - Rio de Janeiro - 1964 ( tradução Thiago de Mello)

LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A MATEMÁTICA CRUENTA - Um povo amputado

Imagem publicada: Foto de Samira Makhmalbaf, jovem cineasta iraniana, para o filme de seu pai, Mohsen Makhmalbaf, O CAMINHO PARA KANDAHAR, exibido no Brasil em 2001, com muitos homens afegãos amputados, com suas muletas, correndo em direção a um paraquedas lançado pela Cruz Vermelha, com 'pernas de pau', ou seja próteses rudimentares, para esta multidão de mutilados pelas minas terrestres nas guerras do Afeganistão.

Minha filha, de 09 anos, levou uma calculadora para a escola. Recentemente eu a usara para calcular dívidas e imposturas, e ela, agora, precisa aprender a matemática e outras operações realistas. Eu continuarei calculando, como é de costume, o que devo, só que agora pedirei a calculadora emprestada a ela. Minha relação com os números nunca foi muito fácil, sempre preferi outras matérias. Portanto, os cálculos que pretendo fazer me preocupam...

Ela voltou a me solicitar um uso da máquina de calcular que eu não tinha aprendido. Era para somar 05 + 03 = = = = =, e no seu caderno de escola tinha a pergunta do que resultava dessa soma, e mais ainda, o que significava? intrigou-me os iguais = em seguida. Fiquei matutando e ela me ensinou, dizendo que aprendera que ao somar os números e depois clicar no símbolo igual, na sequência descrita, teríamos o número 20.

Ficou-me, então, a pergunta o que significa isso aplicado à Vida? Apenas soma ou multiplicação?. Ao ler hoje que a média de AMPUTAÇÕES no HAITI, por dia, era de 40 a 50 cirurgias realizadas nos hospitais de emergência pós-terremoto, havendo há alguns dias até 100 amputações/dia, segundo relato da Radio ONU  pensei novamente na matemática e na calculadora. 

E, triste, fiz a aplicação de uma matemática sinistra e terrificante. Se somarmos a cada amputação o mais + de uma outra forma de incapacidade ou deficiência, teremos uma chamada PROGRESSÃO GEOMÉTRICA do número de seres humanos a serem chamados, em breve, de pessoas com deficiência por lá.

Multipliquem os dias do ano de 2010, que ainda restam, 365 - 35 = 330 dias, por cada dia de mais amputações e novos mutilados. Ainda bem que é só uma Matemática 'cruenta". Mas se aplicássemos a regra da calculadora, hoje aprendida, teríamos milhares de sujeitos com deficiência em 31 de dezembro de 2010. 

Deixo para as máquinas de de singularização, que devemos construir, o resultado dessa conta. Deixo para a reflexão de cada um o que acontecerá com os meninos e meninas que, se não forem amputados, tornar-se-ão 'emocionalmente amputados' e traumatizados em meio à multidão dos sem-pernas.

Fiz na calculadora uma aplicação deste modelo matemático e cheguei a uma possível resposta: em 31 de dezembro de 2010 poderíamos contar e enumerar uma população de, aproximadamente, 825.000 (OITOCENTOS E VINTE E CINCO MIL) PESSOAS COM ALGUMA FORMA DE LIMITAÇÃO DE FUNCIONALIDADE OU INCAPACIDADE, se epidemiologicamente estiverem sendo registrados todos os mutilados do terremoto.

Isso se aplicarmos a CIF (Classificação Internacional de Incapacidade, Funcionalidade e Saúde), que considera que: "A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.) e os fatores contextuais (fatores ambientais e pessoais) (CIF, OMS, 2001). Para esta classificação uma incapacidade não é um atributo da pessoa, mas sim um conjunto complexo de condições que resultam da interação pessoa-meio".

 Não se simplificando a apenas o que está sendo gerado POR UMA OUTRA FORMA DE OPERAÇÃO, no momento numérica e de caráter biomédico: A AMPUTAÇÃO DE MEMBROS (SEJAM BRAÇOS, PERNAS OU ENTÃO SIMPLIFICANDO APENAS AS MÃOS/DEDOS) NO HAITI.

Outro dia estava jantando com minhas filhas, Isadora e Yasmin, e pensava com os meus botões sobre o mundo que elas vivem e o que estamos deixando para os nossos filhos e filhas como futuro planetário. Me dei conta de que olhava para um grão de arroz que estava fora do meu prato. Era apenas um grão de arroz. 

Me veio imediatamente a imagem do que vira à tarde na televisão. Eram haitianos disputando com pedaços de paus alguma forma de comida. Ainda se completava com a outra imagem que me tocou estes dias: os paraquedas norte-americanos lançando comida presa a eles, e, em seguida, milhares de haitianos correndo para pegar a preciosa carga lançada dos céus...

Agora se lançam suprimentos, mas houve um tempo em que os paraquedas traziam pernas de pau. Um tempo que quem sabe ainda está acontecendo, com o despejamento aéreo de próteses rudimentares para mutilados por minas terrestres no Afeganistão. Esta cena foi muito bem retratada no filme no Caminho para KANDAHAR, de Mohsen Makmalbaf, merecedor de uma atenta crítica e atenção no Brasil. 

Um filme que traz a visão de um país arrasado pelas repetidas invasões e guerras ali realizadas. É o olhar de uma mulher, Neloper Pazira, jornalista e atriz que passeia e registra, atrás da burca, em busca de uma humanização dos estragos físicos e éticos a que o Afeganistão foi submetido no regime Taleban. Esse olhar debaixo daquela vestimenta repressiva tem o sentido humanitário do cineasta acerca da fome e dos terrores daquele povo, onde a mutilação de membros virou rotina e naturalização para o resto do mundo.

Minha permanência no tema Haiti é na esperança de que não tenhamos a repetição da cena de Kandahar. E que tenhamos, o mundo espectador, um maior engajamento na reabilitação de todos haitianos que se tornarem necessitados de próteses, órteses e demais ajudas técnicas em suas deficiências. 

Espero continuar olhando para o futuro desse povo e nação com respeito e afeto. E, sonho que não haja um só grão de arroz, como pensei naquele jantar familiar, sendo desperdiçado dos pratos de comida globalizados em reverência à fome e a miséria que lá permanecem provocando as massas sobreviventes, e podem continuar intensas. Escolheremos outros CAMINHOS?

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2021 - ad infinitum, todos os direitos reservados (favor citar a fonte para a livre difusão e multiplicação por quaisquer meios de comunicação de massa - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)
( publicado e difundido peloInfoAtivo DefNet -Nº 4339 - fevereiro de 2010 -Ano 14.)

FONTES:
Mohsen Makhmalbaf -
https://www.makhmalbaf.com/persons.php?p=4
https://www.makhmalbaf.com/gallery.php?g=32
https://publifolha.folha.com.br/catalogo/livros/135570/

Sobre o trabalho com socorro a vítimas do Terremoto pela HANDICAP INTERNATIONAL ver:
https://www.handicap-international.fr/

Milhares de pacientes amputados são prioridade da OMS no Haiti
26/01/2010 https://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/175703.html

De acordo com a agência da ONU, alguns hospitais chegam a realizar 100 amputações por dia; cuidados especiais são necessários para evitar infecções.
Julia Borba, da Rádio ONU em Nova York*

A Organização Mundial da Saúde divulgou nesta terça-feira que está priorizando os cuidados com pacientes amputados, conforme decisão do governo do Haiti. Até então, as cirurgias de emergência eram o foco dos atendimentos hospitalares.O porta-voz da OMS, Paul Garwood, informou que milhares de haitianos sofreram a retirada de algum membro. Alguns postos de atendimento chegam a realizar de 30 a 100 amputações por dia.

Cuidados
Segundo Paul Garwood, também há urgência no tratamento pós-operatório, para evitar as infecções.O objetivo é dar atenção e tratamento fisioterápico aos pacientes com lesões traumáticas e amputações, para que a recuperação deles seja mais rápida.

A OMS aponta ainda a reabilitação adequada como peça fundamental para evitar deficiências a longo prazo, e assim, reduzir as consequências econômicas para as famílias.

A agência da ONU afirma que 48 das 59 instituições hospitalares do Haiti estão funcionando, mas encontram dificuldade de suprir a demanda.
*Apresentação: Leda Letra, da Rádio ONU em Nova York.

LEIA TAMBÉM SOBRE O TEMA NO BLOG - 
OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

AS MASSAS E OS SOBREVIVENTES - TERRA TÊMULA - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/as-massas-e-os-sobreviventes-terra.html

domingo, 31 de janeiro de 2010

AS MASSAS E OS SOBREVIVENTES - Terra Trêmula

"O corpo humano apresenta-se nu e frágil, exposto a todo e qualquer ataque. O que lhe está próximo e que, com arte e esforço o homem logra manter afastado de seu corpo pode no entanto atingi lo de longe ...Assim, o homem inventou o escudo e armadura, e construiu muros e fortalezas inteiras em torno de si. Mas a segurança que ele mais deseja é o sentimento de invulnerabilidade." Elias Canetti - Massa e Poder (pág. 228-229)

imagem publicada - homens e crianças haitianos gritam e se empurram durante distribuição em massa de alimentos, em cima da carroceria de um caminhão. (Reuters).

Retomei a leitura de Canetti estes dias pela visão das massas famélicas do Haiti. As imagens de pessoas disputando com vigor e agressividade os sacos de comida despejados dos caminhões, e os soldados tentando conter estes esfomeados e sedentos me tem afetado nos últimos dias. Canetti ao reforçar nossa fragilidade corporal coincide com um outro pensador que também reflete sobre a mesma: Giorgio Agamben, que também revisitei nestes dias. Ambos me trazem a questão dos que sobrevivem em situações limites, e em especial a forma como tele-reagimos diante das mortes coletivas.

Em Massa e Poder encontro os referenciais para compreender porque há até uma ética de sobrevivência dos homens e mulheres do Haiti. Muito embora possam parecer até com um 'bando' primitivo e ameaçador pelas imagens televisivas e sua exploração midiática. Aparecem, então, estas hordas de negros famintos saqueando ou buscando alimentos, pedaços de pano, objetos ou água. Eles podem ser chamados de 'ladrões"? se adotarmos a leitura criteriosa de Canetti entenderemos que essas massas estão compostas de indivíduos que sobreviveram entre amontoados de mortos, e, em seus âmagos, confusamente, 'a morte foi desviada para os outros'.

A morte provocada pela Terra Trêmula nos reativou um medo líquido que vem nos atormentando: não é mais distante de cada um o risco de alguma coisa mortífera nos surpreender. Seja um furacão, um tornado, uma inundação, um atentado, uma explosão, um estouro de boiada da Natureza, como nos filmes de aventura e de ficção científica.

 Tentamos afastar esse temor de nossas mentes e inconscientes, porém ele está lá,ele está mais perto e nossas defesas, agora fragilizadas pelo 'reality show' dos tsunamis, nos faz crer e temer que " a casca da civilização sobre a qual caminhamos é sempre da espessura de uma hóstia. Um tremor e você fracassou, lutando por sua vida como um cão selvagem..." (Thimothy Garton Ash)

Os que sobrevivem aos anunciados e provocados movimentos catastróficos da Terra se sentem como? Somos os atuais sobreviventes? ao que estamos sobrevivendo? estas perguntas são hoje, a meu ver indispensáveis para uma firme e bioética reflexão sobre ao processo de vulneração a que estamos, seres humanos, sendo submetidos. 

O momento biopolítico e anatomopolítico, que as catástrofes e desastres naturais propiciam, têm gerado um campo fértil para o exercício destas práticas de controle de populações. Se pudermos nos colocar no campo da resistência à disciplinarização e controle dos nossos corpos nus e frágeis, talvez possamos ainda garantir que não sejam tomados apenas como Vida Nua (Agamben), pois que o campo que nos é reservado, após o cataclismo, é o dos 'sobreviventes e refugiados'.

Em uma terra que faz homens, mulheres e crianças continuarem a gostar de 'biscoitos de barro', para afastar o fantasma cruento da fome, o que se produz como Massa? Estes negros e negras saídos dos escombros, continuam vivendo perto do limite da sobrevivência, sem morfina para a dor da amputação, sem abrigo, sem água potável. Estamos tele-assistindo a criação do modelo hobbesiano de uma guerra de todos contra todos. É a hora da volta da barbárie? 

A nossa civilização escorre pelos bueiros quando a correnteza de uma massa com fome surgir e nos arrastar. Por estar, então, diante dessa fragilidade, que não é do nosso corpo apenas, mas também do corpo civilizado e social, é que temos de reconhecer, sem nossos escudos ou fortalezas da distância e da neutralidade, a nossa vulnerabilidade.

É hora de se fazer escolhas e de buscar uma afirmação da urgência de não rompermos a casca de ovo da serpente, que sempre foi a opção pelos micro-fascismos. A busca de ordem e de filas pode ser um dos modelos para 'salvar' os sobreviventes, muito embora dentro de cada um deles permaneçam os princípios da massa... A massa que quer sempre crescer, sem limites e sem rumo.

As massas de sobreviventes talvez pudessem ser menos tristes, pois a melancolia é o que sedimentava nos campos de concentração a criação da figura dos ''MULÇUMANOS", que eram os prisioneiros judeus que "havia(m) abandonado qualquer esperança...", tornando-se cadáveres ambulantes, como Zombies possuídos por um Vudu nazi-fascista. 

Bastaria, ao mundo dito civilizado, ter visitado a favela Cité Soleil antes do terremoto levando mais água, menos violência institucionalizada, mais educação e comida, menos desprezo e negação da miséria, e, indispensavelmente, dignidade. Continuo bradando: VIVA O HAITI VIVO, para além da simples sobrevivência.

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FONTES
MASSA E PODER - Elias Canetti, Companhia das Letras
https://www.livrariaresposta.com.br/v2/produto.php?id=2424

O QUE RESTA DE AUSCHWITZ - Giorgi Agamben, Boitempo Editorial - https://www.boitempo.com/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-120-8

Notícias do Haiti:

ONU pede cancelamento da dívida externa do Haiti
https://br.noticias.yahoo.com/s/reuters/100129/mundo/mundo_haiti_onu_moratoria

Polícia denuncia estupro de mulheres e crianças - no Haiti
EUA ampliam esforços contra o Tráfico de Crianças
https://br.noticias.yahoo.com/s/29012010/25/mundo-eua-ampliam-esforcos-trafico-criancas.html

Haiti: terremoto atinge país em meio a crises política e humanitária - https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/14/haiti-terremoto-atinge-o-pais-em-meio-a-crises-politica-e-humanitaria-entenda.ghtml

LEIAM TAMBÉM NO BLOG -

OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

O HAITI NÃO ERA AQUI ( a Terra Queimada) -

O APRENDIZADO DO DESASTRE ( O Hai di Ti é em qualquer lugar ) -https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/01/o-aprendizado-do-desastre-o-hai-di-ti-e.html

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O APRENDIZADO DO DESASTRE - O hai di ti é em qualquer lugar,,,

Imagem publicada: Uma da série de fotos tiradas por soldados americanos de prisioneiros do Iraque em Abu Ghraib. O prisioneiro com capuz (Satar Jabar) teve as duas mãos e o pênis amarrados com arame, e seria, segundo notícias, eletrocutado se ele caísse da caixa sobre a qual estava de pé. No momento em que esta foto veio a público, oficiais americanos declararam que o arame não estaria eletrificado. Isto foi negado depois pela pessoa da foto que declarou em uma entrevista que o arame estava eletrificado e estava "acostumado" a levar choques, para não perder todos os equilíbrios. A naturalização e a exibição das imagens pelos soldados tem uma finalidade de desmoralização de suas vítimas, assim como um alerta para todos os que se opuserem às suas técnicas de dominação, sejam políticas, econômicas ou mesmo as militares...

"...Mas países estilhaçados são atraentes para o Banco Mundial também por outra razão: eles acatam as ordens docilmente. Após um evento cataclísmico, os governos habitualmente fazem seja o que for para obter ajuda em dólares — mesmo se isso significa assumir dívidas enormes e concordar com políticas de reformas arrasadoras. E com a população local a lutar para obter abrigo e comida, a organização política contra a privatização pode parecer um luxo inimaginável". ( Naomi Klein - A Ascensão do Capitalismo do Desastre - 2005 )

A afirmação acima é feita por Naomi Klein, uma jornalista canadense, uma mulher inquieta e lúcida que traz, há anos, um pouco de luz às trevas ocultas sob as entranhas do Hipercapitalismo. Ela é autora de um livro de 592 páginas, que desnudam a face obscura de ações de guerras e de intervenções militaristas, em especial dos EUA, em países considerados "com soberania limitada". O Afeganistão, o Timor Leste, e, para um refresco de memória, o devastado HAITI, foram e são exemplos notórios.

Em seu texto a autora, em 2005, já denunciava: "O mesmo se passou no Haiti, a seguir à derrubada do presidente Jean-Bertrand Aristide. Em troca de um empréstimo de US$ 61 milhões, o banco está exigindo "parceria público-privado e governabilidade nos setores da educação e da educação", segundo os documentos do Banco (Mundial - World Bank) — ou seja, companhias privadas passam a administrar as escolas e os hospitais. 

Roger Noriega, ao secretário de Estado Assistente dos EUA para os Negócios do Hemisfério Ocidental, deixou claro que o governo Bush compartilha esses objetivos: "Também encorajaremos que o governo do Haiti avance, no momento apropriado, com a restruturação e a privatização de algumas empresas públicas", disse ele ao American Enterprise Institute em 14 de Abril de 2004".

Mais um desastre se tornou espaço de intervenção globalizada. Mais um povo deverá, no futuro, pagar as contas de todos os 'investimentos' e, quiçá, as ' doações' generosas e indispensáveis para a reconstrução da velha terra queimada, que para esta jornalista é, portanto, uma excelente oportunidade para a aplicação de " A Doutrina do Choque ". Este seu livro tem um sugestivo subtítulo, que utilizo com outras possibilidades: " A Ascensão do Capitalismo do Desastre", já traduzido e nas livrarias brasileiras.

Tomei contato com a pesquisa e ideias dela, que não são infundadas ou mero panfleto anticapitalista, em um vídeo do YouTube onde a aplicação de eletrochoques(ECT), são historicamente lembrados da psiquiatria, de Cerletti e Bini, aos dias de hoje, e são a base sobre a qual, segundo Klein, a CIA elaborou uma teoria sobre o seu uso e aplicação no campo macropolítico. Veja o vídeo em: http://www.youtube.com/watch?v=jKU3jm4sjZE . No Iraque esta 'teoria' foi aplicada em Abu Ghraib.

Transcrevo um trecho do livro que por si só deixará para nós uma reflexão sobre as vítimas do terremoto no Haiti, ou melhor o que será feito desse país devastado e re-colonizado, pois o fura Katrina afetou especialmente um povo negro: "Tragédia em Nova Orleans, 2005. Enquanto o mundo assiste ao flagelo dos moradores com as inundações causadas por tempestades que estouraram os diques da cidade, o economista Milton Friedman apresenta no jornal The Wall Street Journal uma ideia radical. 

Aos 93 anos de idade e com a saúde debilitada, o papa da economia liberal das últimas cinco décadas vislumbrava, naquele desastre, uma oportunidade de ouro para o capitalismo: “A maior parte das escolas de Nova Orleans está em ruínas”, observou. “É uma oportunidade para reformar radicalmente o sistema educacional”

Para Friedman, melhor do que gastar uma parte dos bilhões de dólares do dinheiro da reconstrução refazendo e melhorando o sistema escolar público, o governo deveria fornecer vouchers para as famílias, que poderia gastá-los nas instituições privadas. Estas teriam subsídio estatal. A privatização proposta seria não uma solução emergencial, mas uma reforma permanente. A ideia deu certo. Enquanto o conserto dos diques e a reparação da rede elétrica seguiam a passos lentos, o leilão do sistema educacional se tornava realidade em tempo recorde".

Nossos pequenos desastres, nossas vítimas mais próximas nos aproximam dos mais de 200 mil mortos no Haiti. A nossa compreensão do desastre do Outro deveria passar pela visão bioética de pertencimento à mesma Terra. Mas, lentamente, no nosso modo hipermidiático de ser, vamos retirando das manchetes o Haiti e seu povo.

 Lentamente, esqueceremos ou não. Se a terra aqui não fosse tão pluvial e tropical, se a terra tivesse cobrido, não uma pousada a beira mar e casas humildes, mas invadisse a Usina em Angra, talvez agora estivéssemos agradecendo a chegada de mais uma leva de Marines... Dizem por aí que God is a Brazilian?...

Mas ainda há, espero, as revoluções moleculares e a resistência aos neocolonialismos, mesmo os travestidos de humanismo e de generosidade dos mais 'desenvolvidos', e os soterrados e sob controle nos campos de refugiados sobreviventes de Vida Nua ressurgirão dos destroços para assustar e expulsar os neo-invasores de seus territórios. VIVA O HAITI VIVO E LIVRE...

Lá estará, mundialmente, por enquanto, um privilegiado espaço para uma 'extreme makeover", como o programa da ABC, onde 'voluntários' passam por cirurgias e reformas radicais de seus corpos, que modificam plasticamente esses sujeitos e depois os devolvem para uma família, amigos e telespectadores maravilhados com a mudança de seu visual fashion... Aparentemente é tudo de graça, é tudo free..., com as melhores das boas intenções.

Portanto, 'hai di ti' que crê estar em um mundo longe desta possível aplicação de uma reforma radical, por interesses macropolíticos e econômicos, se o seu córrego ou riachinho virar uma inundação... E conheceremos a 'parte social do Capitalismo' tão cara ao encontro de Davos.

Não ficamos chocados com as imagens do Haiti? Qual será nosso aprendizado? Esperamos outros ''choques''?

(jorgemarciopereiradeandrade -Copyright and left ad infinitum, 2021, todos direitos reservados TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

FONTES = indicações de leitura crítica e letramento

 A DOUTRINA DO CHOQUE -  A Ascenção do Capitalismo de Desastre - Naomi Klein, Nova Fronteira, 2006, Rio de Janeiro, RJ.







LEIAM TAMBÉM NO BLOG - 

OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html 

O HAITI NÃO ERA AQUI - A TERRA QUEIMADA 

domingo, 17 de janeiro de 2010

O HAITI NÃO ERA AQUI - A TERRA QUEIMADA

Imagem publicada: foto de uma mulher negra, coberta de uma fuligem cinza, que se confunde com seus cabelos embranquecidos, emergindo entre os destroços e desmoronamentos provocados pelo terremoto que varreu a capital do Haiti, Porto Príncipe.

Em 1969 o cineasta italiano Gillo Pontecorvo realizou o lançamento do filme QUEIMADA (Burn!), que foi rodado na Colômbia.

 Lembro-me desse filme visto nos anos de chumbo, no período Médici. O filme foi censurado e retirado de cartaz por sua crítica política, pois sua base ficcional ocorre em uma ilha do Caribe. Uma ilha colonizada por 'portugueses', com maioria populacional de escravos negros, produtora do ouro branco da época: o açúcar. Este filme seria uma boa maneira de conhecer um pouco do que ocorreu com a colonização e os colonizados nas ilhas do Caribe. Teremos, talvez, a compreensão do que foi o primeiro "terremoto social e político" da terra haitiana.

Este filme tem Marlon Brando no papel de um agente inglês de nome Walker, ele vem à ilha para, primeiramente, insuflar um processo de rebelião dos escravos negros. Ele teria a função de oferecer apoio britânico à massa de trabalhadores escravizados pelos colonizadores, que seriam fora das telas os espanhóis, mas no filme, por questões políticas, são os nossos colonizadores: os portugueses.

Mantenho na memória a imagem do ar de arrogância britânica e colonialista que Marlon Brando empresta ao seu personagem. Era a imagem de um 'suposto salvador' dos miseráveis e incultos escravos daquela ilha açucareira. Na primeira parte do filme ele conquista a confiança de um escravo destemido, Jose Dolores, nome nada português, interpretado por um ator negro não-profissional: Evaristo Marquéz. Marcou-me na época em que assisti o filme a cena que viria próximo do fim do filme: a terra arrasada pelo fogo. A queimada foi a solução para caçar os insurgentes.

O mesmo agente inglês, Walker, teria retornado à ilha para combater os revolucionários. O napalm(1) da época, a queimada, foi utilizado para derrotar e depor quem ele ajudara a combater: os 'colonialistas' portugueses... A ironia feita pelo diretor do filme vem com a indagação de que ética pautaria o personagem de Brando, que de acordo com o momento político-econômico faria dele também um colonialista disfarçado, como alguém que entedia a escravidão como mero comércio e negócio lucrativo, hipocritamente hipercapitalista.

Hoje assistimos e revisitamos a ilha imaginária de Pontecovo. Estamos abalados pelo terromoto e não pelo fogo no Haiti. Aquela ilha sem fantasia, coberta de negrume e de miséria, foi arrasada, mais uma vez, só que agora por forças 'naturais'. E penso se a queimada dos canaviais do período colonialista, retratados politicamente no cinema, não foi prenúncio do que aconteceria com os primeiros negros que se rebelaram, os primeiros que romperam os grilhões torturantes do trabalho escravo nas Américas.

Em um primeiro tempo histórico ficaram cobertos de fuligem e cinzas, hoje experimentam novamente o cinza dos escombros e das tristes imagens de sua terra que treme... Continuam escravos? não sei, mas com certeza continuam sobre o efeito dos "tonton macoutes", os bicho-papões, uma escolta de torturadores que protegia seu ditador: Papa Doc, que hoje se reproduzem em milícias paramilitares que devem estar administrando a nova miséria.

Esta ilha devastada, não somente pela miséria, pelo analfabetismo, pela fome, foi esquecida por longo tempo. Não mais se produzia ouro branco por lá, só foi rememorada pelas recentes e novas rebeliões.

Novamente a ex-colônia precisava de uso da força, mesmo para impor a 'paz', com uma intervenção dos capacetes azuis (Onu) em 2004, capitaneada pelo Brasil. A ilha e seu povo, nesse momento, e quem sabe até agora, era uma ameaça para a paz internacional e a segurança da região. Era a hora de chamar novamente o agente Walker...

Algum tempo atrás vi alguns cartazes na rua que protestavam contra a permanência militar do Brasil no Haiti. Ocorriam concomitantemente à revelação de um suicídio de um militar brasileiro na ilha, o general que comandava a MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti).

Hoje assistimos as famílias de militares brasileiros pranteando jovens que foram soterrados com o uniforme de nosso país. A ilha e sua terra queimada continua tendo suas vítimas de outros países. E ainda tremendo ela poderá continuar sendo objeto de intervenção internacional, só que agora com novo objetivo: a solidariedade humanitária.

Estou entre contente, pensativo e preocupado com a ajuda que dizem ser de milhões de dólares, inclusive do Brasil, para o povo haitiano. Será que agora teremos a possibilidade deste povo e país se tornar realmente livre?

A imprescindível mulher e médica, Zilda Arns, acreditava que sim, mas com um trabalho micropolítico e árduo de revolucionar as condições de saúde materno-infantil, alimentação e de educação básica da população mais pobre do Haiti. Ela tentava capacitar outros que acreditavam como ela na sua Pastoral. Ela estava lá para agenciar outros tipos de agentes, não os que abandonam os revolucionários e negam a revolução molecular quando ela se torna macro politicamente inoportuna.

Se fizéssemos um remake do filme Queimada a Doutora Zilda não poderia interpretar o papel de Marlon Brando, estaria mais próxima do homem negro escravizado e desejante de liberdade e justiça social.

Enfim, como já difundi em sua memória, e também em homenagem a todos os que estão sofrendo, ou sofreram como os brasileiros por lá soterrados e mortos, teríamos de lembrar que: CADA UM PODE SER MAIS UM, SE CADA UM FOR MAIS UM NA BUSCA DE UM MUNDO DE MUITOS QUE OLHAREM PARA UM SÓ MUNDO DE TODOS… O HAITI NÃO É LÁ, JÁ FOI, É, E PODE SER AQUI…

O hino nacional do Haiti, La Dessalinienne, nos diz: "...pour la patrie Mourir, mourir, mourir est beau Pour le drapeau, pour la patrie", ou seja: "Pela Pátria morrer, morrer, morrer é belo Pela bandeira, pela pátria", mas são os nacionalismos extremados, associados aos desejos fascistantes de massas, que geram os piores fascismos.

Há, nos tempos atuais, uma retomada silenciosa de microfascismos e de atitudes conservadoras em nosso cenário macrossocial. Vejamos as resistências, de alguns setores governamentais e do mundo empresarial, que um Plano Nacional de Direitos Humanos está gerando em nosso país.

Não devemos esquecer que a morte de qualquer ser vivo não deve ser justificada ou naturalizada..., e seja em Porto Príncipe ou nos mais longíguos e remotos locais deste planeta, com dizia John Donne( 1572/1631): a morte de um ser humano me interessa e me afeta, "porque sou parte (indivisível) da humanidade, portanto, não me perguntem por quem os sinos dobram... eles dobram por ti...".

Os negros e negras haitianos são, historicamente, tão pardos como a noite global (2) gostaria que fossem, mas seus olhos tristes de hoje são tão produtores de uma paixão humanitária que, esperançoso, desejo que, sensibilizados, possamos resgatar sua dignidade e porvir.

O Haiti como uma fênix negra pode e deve renascer de suas próprias cinzas libertárias e antiescravagistas. Liberté!, mesmo que tardia, seria uma palavra indispensável junto com a frase inscrita na bandeira haitiana: "L'union fait la force" ("A união faz a força") se reconhecermos o direito à Vida desses outros que durante tanto tempo submetemos à força e/ou à alienação do esquecimento. A Terra, depois de queimada, ainda precisa tremer para que lembremos dela?

copyright jorgemarciopereiradeandrade ad infinitum, 2011-2021, todos direitos reservados - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025.

(1) Napalm - bomba incendiária, à base de gasolina gelificada, utilizada pelos EUA na guerra do Vietnã

Fontes: 




2) VER MATÉRIA SOBRE FRANTZ FANON neste blog - https://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Frantz%20Fanon

LEIA TAMBÉM SOBRE O HAITI  NO BLOG - 
OS DESATRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMOhttps://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

O APRENDIZADO DO DESASTRE - O Hai de Ti é em qualquer lugar (é Aqui) 
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/o-aprendizado-do-desastre-o-hai-di-ti-e.html