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Imagem publicada – foto em preto e branco, histórica, colhida na Internet, no link tvbrasil.ebc.com.br, sobre a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um movimento que reuniu milhares de brasileiros e brasileiras fervorosos; uma multidão, uma massa de brasileiros e brasileiras que carregam faixas, bandeiras e cartazes, sendo em primeiro plano vemos uma bandeira com uma cruz cercada de estrelas, com cartaz bem no centro que diz: “QUEREMOS GOVERNO CRISTÃO”, com outro em seguida que diz: “Despertai povo de Santos” ao lado de “ Verde Amarelo sem Foice nem Martelo”; A mais emblemática é apenas uma imagem de uma águia que pousa sobre uma cruz com a palavra LIBERDADE logo acima; com manifestações populares conservadoras em todo o País, e, que em 19 de março de 1964, em São Paulo, legitimavam o que viria ser o golpe de estado de 31 de março de 1964, que mudou a nossa história democrática, e, que com apoio de políticos, deputados, padres, cristãos, evangélicos, governadores, empresários privados e, intelectuais, ‘anti-comunistas’, consolidaram os futuros 20 anos de Ditadura Militar e Anos de Chumbo no Brasil. E a História registra o depois.
O título pode parecer um pouco confuso. E o é, pois retrata
os tempos de confusão politico-religiosas que estamos assistindo. A encenação
do Estado Espetáculo precisa de uma Sociedade do Espetáculo. E, atualmente, os
espetáculos mais midiatizados são o exagero de alguns “cultos”, porém não muito
cultos.
Não há teatro sem palco ou espectadores. Não há ou haverá representantes
políticos ou religiosos caso não haja ou houver seus partidários ou seus
seguidores.
E, em tempos de ameaça do sujeito autônomo e
mal-estar-na-civilização, proliferam os seus novos atores, as novas encenações:
os messianismos, os mistificadores e os apocalípticos. E reaparecem as paranoias.
O Brasil está assistindo a um grande espetáculo provido por
um Pastor. Eu, aqui na minha própria “crença” de não-crer à toa e
alienadamente, me recuso a dizer o seu “sacralizado” nome.
Ao me referir sobre seu “papel e representação política” pode
não ser muito pouco, como mídia. Porém,
o que já foi feito e divulgado por todo tempo de sua permanência na
presidência, contestada, de uma Comissão de Direitos Humanos é muito.
O que estou tentando quando falo da Coréia dos fanatismos não
apenas apontar meus mísseis de tinta digital para o culto à personalidade do
comunista norte-coreano.
Há outros cultos às personalidades pseudo-páticas que estão
também na primeira página dos jornais, capas de revistas e se tornam virais na
Internet. E são tão contagiantes como a música que fazia milhares de pessoas
dançarem de forma ‘’louca’’ e extravagante nos séculos XIV e XVIII, “espumando
pela boca e até desmaiarem de cansaço”, em êxtase.
Por isso resgato na etimologia da palavra Coréia a atualidade
dos fanatismos. Esta palavra, no grego, khoreia, nos remete à dança que em sua
origem mítica que se associava à dança do ventre e às mulheres, que, como a
dança dos “sete véus” de Salomé, enlouqueciam até os reis, e conquistavam até a
cabeça decapitada de João Batista. As coreias podiam e podem enlouquecer?
Como todos os termos
polissêmicos, também podem denominar deste uma terra dividida como as Coreias,
com uma Terra de Ninguém no meio, assim como doenças neuro degenerativas
incuráveis, e que ainda causam estranheza e preconceitos pelos sintomas, como
Huntington ou Sydenhann.
Os que sofrem destas doenças são acometidos de movimentos
semelhantes às danças gregas, com movimentos involuntários, irregulares e,
principalmente, repetitivos. Há também os que os associavam, nos cultos onde a
dança era predominante, com as possessões demoníacas. Alguns, profeticamente,
prometem curá-las, mas é preciso se alienar ou fingir que recebeu um milagre.
Hoje elas atacam muito mais a multidões. São as neo-coreias,
mais de cunho histeriforme, onde os mitos e ritos político-religiosos
predominam. Misturam com eficácia, como no passado: Deus e Democracia.
São massas humanas em busca de respostas para seus
sofrimentos, misérias e sua própria exploração hipercapitalista. São, na sua
maioria, o nosso “povo”, considerados incultos e privados de acesso ao conhecimento
de sua própria escravidão.
A Coréia, ou melhor, a dança dos fanatismos políticos é o
melhor termo para nos chamar a atenção para além das ogivas que são utilizadas
para uma nova corrida armamentista e bélica.
O que tememos realmente? O “terror atômico”? O “horror
econômico”? Ou uma nova “onda” fascistantes de escravidão e Vidas Nuas?
Há um fio invisível, porém duradouro, que une e fortalece
essa nova dança contagiante de um fanatismo político a um fanatismo religioso.
Uma nova “dançomania”. Os dois fanatismos se transversalizam há muitos anos...
Os fanatismos políticos, historicamente, sempre se
sustentaram em cima de símbolos não-pagãos. A suástica é apenas a
reapresentação de um símbolo muito mais antigo. As duas cruzes eram parte da “roda
da verdade” que os monges budistas, no Tibet, incluíam em mandalas, com outra
significação e simbolismo, muitos séculos antes de Hitler.
Por isso Castoriadis dizia que as religiões, no sentido
arcaico do ‘religare’, nos instituía e institui como seres heterônimos. Somos indivíduos
que inventam e dependem da existência de um Sagrado e da transcendência.
Para os atuais proliferadores e mistificadores da fé do outro
essa necessidade humana é um prato cheio. Estamos, sob pena de exclusão ou
danação, de não sermos mais os escolhidos, os ungidos, os eleitos para o Reino
dos Céus. Somos hereges?
Temos, então, de nos tornar todos e todas em “crentes”. Os
que não creem estão condenados ao fogo, assim como foram as mulheres, como
bruxas, na Idade Média.
Retomamos essas práticas inquisitórias? Melhor então render
homenagens e até oferecer cargos e privilégios políticos para quem possa nos
retribuir com votos ou graças divinas. Vamos, então, render graças pelos “direitos”
recebidos. Não há direitos adquiridos inerentemente por nossa condição de
humanos.
Para escapar de novas práticas sutis de tortura, os
fanatismos, com sua oferta sedutora, nos propõem uma redenção. Não importa se
afirmamos a separação entre os Poderes. Nosso corpo e sua suposta liberdade
nunca deixaram de ser do Estado.
Teríamos de afirmar como Fernando Pessoa que “a Liberdade é a possibilidade do isolamento.
Se te é impossível viver só, nasceste escravo...”.
E esse desassossegado
poeta nos causará, por isso, um enorme desassossego. Afinal, no primeiro artigo
de nossa Declaração não é dito que “... todos
os homens nascem livres...”?
Creio que os que utilizam as técnicas de poder e controle de
massas já descobriram o lado obscuro dessa afirmação do poeta. Temos ser
coletivos enquanto acreditamos, mas só somos individualistas que aplicam o
narcisismo das pequenas diferenças.
Por exemplo, agora, historicamente, estamos confirmando no
Brasil como a religião é consubstancial a todo o corpo social. E que toda a
forma de governar esse fragmentado e ameaçador corpo é, hoje, estimulada dentro
de templos evangélicos.
Lá ninguém
escapa de outro tipo de servidão sem crítica. E, de camarote, como meros
espectadores assistimos a sua bancada revogando ou criando novas leis para
todos e todas. Os seus partidos defendem o Pastor, mas muito mais ainda suas
posições ideológicas, que devem ser eternamente: conservadoras, intolerantes,
sexistas, homofóbicas, racistas, individualistas e segregadoras de quaisquer
diferenças.
Nessas templárias construções é que Pastores como o moço
feliz e vociferante afirmam que “Jesus
não é para enfeitar pescoço de homossexual ou pederasta”. E, como estas
condições ou diferenças podem levar às novas fogueiras, ou do Inferno ou dos
novos fornos crematórios, muitos preferirão optar pela sua conversão.
Estes cenários, com palcos amplos, com luzes bem
direcionadas, com microfones potentes e alto falantes que penetram na Alma são
hoje também o melhor palco para uma eleição. E lá vamos nós de novo para uma Coréia coletiva de mãos erguidas em busca da salvação. “Levanta-te, ser impuro,
e em mim deposita todos os seus votos”... E na minha conta bancária também.
Afinal, o que se chamou de “voto de cabresto” antigamente, é
hoje transformado em um voto de protesto e santo. Entre os que só são
apresentados como corruptos políticos e os que são livres desse pecado, em quem
o nosso povo in-crédulo poderia e poderá votar?
Hoje é mais seguro vender a alma. Houve um tempo que se
trocava por camisetas, sapatos ou dentaduras. Uma nova e eficiente máquina de
sedução e captura política nasce exatamente de nos tornamos tementes,
novamente. O que desejavam as massas que construíram os nazismos e os
fascismos? Diriam os marqueteiros: apenas uma suposta LIBERDADE e SUPREMA
FELICIDADE. E a Salvação é claro!
E não me venha dizer que Hitler era um “louco”. Não, assim
com os atuais mistificadores de massa ou pastores das maltas, era apenas mais
um Presidente Schreber. Era um paranoico, com uma massa ávida de encontrar um
alemão que falasse de e para uma “raça pura” e “superior”.
Schreber, um alemão que foi presidente do Senado de Dresden,
foi o mais clássico caso de paranoia descrito desde Freud. Em seu livro “Memórias
de um Doente dos Nervos”, apresentou-se ao mundo como um homem culto e
inteligente. Ficou internado por sete anos em várias clínicas psiquiátricas. Ao
sair escreveu o que pode nos ajudar a entender, ainda hoje, como funciona a
mente de um paranoico delirante.
Ele, como nos diz Elias Canetti em seu Massa e Poder: “...estava tão firmemente convencido da
exatidão e do significado de sua religião autocriada que assim que recebeu alta
(do hospital) mandou publicar seu texto...”. Schreber, como alguns hoje em
dia, diante de plateias ululantes, afirmava que seu corpo humano tratava-se de
um “corpo celeste”, quiçá celestial.
Ele escreve em 1903: “Um
relacionamento regular de Deus com as almas humanas somente ocorre após a
morte. Deus pode aproximar-se dos cadáveres sem perigo, para retirar seus
nervos do corpo e para despertá-los para uma nova vida celestial”.
Porém, como os paranoicos da modernidade, ele afirmava que
Deus só pode usar nervos humanos “puros”. Seria esse Deus um eugenista? Teria
Schereber (1842-1911) conhecido, como leitor/seguidor, as obras de Francis
Galton (1822-1911)? Para que, os seres mundanos pudessem atingir a via rumo ao
Céu seus “nervos” precisavam ser revistos e purificados. Tornar-se-iam superiores.
Este magistrado saído do hospício apresentava um sistema
delirante de uma pessoa perseguida por Deus. Seu discurso apontava para uma
existência terrível: sem estômago, laringe, perseguições de pássaros etc. Ele
se transformaria em uma mulher que engravidaria de Deus.
E, como nos discursos evangelizadores ou sedutores modernos,
este precursor dizia que alguns eram melhores e mais puros que outros. No seu
céu todas as pessoas esqueciam-se de que eram humanos, menos os homens
eminentes como Goethe ou Bismarck. Porém nessa “democracia” celestial até os
poderosos um dia esqueciam sua condição humana.
No ápice, ou melhor, na sua maior “clarividência” místico paranoica
ele, sob a influência de visões que eram “parcialmente de caráter terrificante, mas
em parte, também, de grandeza indescritível” convenceu-se da iminência
de uma grande catástrofe: o fim do
mundo.
Nas suas alucinações auditivas, as “vozes” lhe disseram que
todos os milênios da Terra vieram para nada, e só restariam mais 212 anos para
a humanidade. Porém, quando retornou à clínica do Dr. Flechsig, tornou-se
crente de que esse tempo já havia passado. Entretanto, ele seria o “único” homem se
salvaria desse Apocalipse.
Acredito, ou melhor, reflito que há quem ainda creia e jure que
há esta proximidade do Fim. Recentemente muitos temeram o fim do ano passado
como nossa terminalidade terrestre.
As mídias tonitruantes, as mesmas que concentram suas
atenções para as bravatas e os discursos do Pastor, ajudaram também a uma
multiplicação de protestos em massa. Portanto, há também o outro lado dessa
moeda. O único risco é de sua captura por outros fanatismos políticos
discriminatórios: as microfascistações em nós.
Hoje mesmo indaguei em uma rede dita social, acerca das
profecias do Pastor: O que dizer aos seus seguidores fanáticos? O que dizer aos
que ainda acreditam nessa ditadura dos termos retrógrados deste Exmo. Sr. que
pula e GRITA?
Os seus vídeos, que não são autobiográficos como o livro de
Schreber, mas passíveis de uma análise crítica, não apenas psicanalítica, também,
uma visão psicossociológica nos faz “crer” que há um movimento mais antigo e
enraizado que alinha os fanáticos políticos com os religiosos.
Assistam aos vídeos e
reflitam sobre os que estão atrás do Pastor e à sua frente na grande plateia do
seu “teatro” e a sua coreia histérica a falar de cantores, de Caetano a John
Lennon. Gravem bem estas imagens, pois esse passado de hoje ainda estará
presente no futuro, em outros novos políticos ou mistificadores religiosos.
As manifestações tiveram e têm seu papel na reivindicação dos
direitos humanos como direitos a serem efetivados. Devem e podem continuar, mas
não podem cair na “tentação” de ser também a única forma de revolução ou
rebeldia.
Quando lidamos com o ressurgimento de movimentos paranoicos,
de seus representantes, sejam políticos ou religiosos, ou as duas coisas, temos
de reler e refletir o que disse Canetti.
Gostaria de nos lembrar que Schreber dizia que a ‘humanidade’
toda seria exterminada pois ousou ficar ‘contra ele’: “Nisto ele não se mostra apenas como paranoico; é a tendência mais
profunda de todo ‘poderoso’ IDEAL ser o último a permanecer com vida. O
poderoso envia os demais à morte para que ele mesmo seja perdoado pela morte:
ele a desvia de si. A morte dos demais não lhe é apenas indiferente; tudo o
impele a provocá-la de maneira maciça...”.
E não devemos nos sentir convidados ou atraídos para estas
novas Coreias, para além das geopolíticas mundiais e capitalísticas, que apenas
estão maquiando velhos e consagrados meios de controle e biopolíticas. Portanto
não basta afirma a laicidade do Estado Espetáculo. É preciso confirmar a minha
livre e singular condição humana para além de todos os preconceitos.
Ao Pastor e suas hordas envio a minha 'vigilância' e gramática
civil: meus direitos não são desumanos quando o Outro é a minha/nossa diferença
e alteridade. Não busco a sua extinção. Só aceito seu convite à dança quando é
para não repetir os mesmos passos errados que já demos no Salão de DANÇAS da Vida, que, tenham certeza, não é nome de nenhum culto ou espaço de alienação política.
Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2013-2014 e depois AD INFINITUM (favor
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matérias/fontes na INTERNET –
Dançomania https://pt.wikipedia.org/wiki/Dan%C3%A7omania
Sobre a Marcha da Família associada ao Golpe Militar de 1964 - Opera Mundi/ UOL - https://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/34445/golpe+de+64+marcha+da+familia+com+deus+pela+liberdade+completa+50+anos+saiba+quem+a+financiou+e+dirigiu.shtml
FREUD, Sigmund. XII. O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e Outros
Trabalhos (1911-1913) (Volume XII) para Dowload https://pt.scribd.com/doc/68594953/FREUD-Sigmund-XII-O-Caso-Schreber-Artigos-sobre-Tecnica-e-Outros-Trabalhos-1911-1913-Volume-XII
Marcha da Família com Deus pela
Liberdade https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_da_Fam%C3%ADlia_com_Deus_pela_Liberdade
INDICAÇÕES PARA LEITURA
E REFLEXÃO CRÍTICA –
MASSA E PODER – Elias Canetti – Editora UNB,
Brasília,DF, 1983.
PSICOSSOCIOLOGIA -
Análise Social e Intervenção – André Levy, Andre Nicolai, Eugène Enriquez, Jean Dubost –
Editora Autêntica, Belo Horizonte, MG, 2001.
O CASO SCHREBER" E
OUTROS TEXTOS -
Obras completas volume 10 - Observações psicanalíticas sobre um caso de
paranoia relatado em autobiografia ("O caso Schreber"), Artigos sobre
técnica e outros textos(1911-1913) – Sigmund Freud, Editora Companhia das
Letras, São Paulo, SP, 2010.
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