Imagem publicada – uma fotografia em preto branco, recuperada e digitalizada, de minha mãe, Ana, comigo no colo, com seu sorriso terno e eterno gravados em minha mente e no coração; assim como devem estar gravados, em sépia ou colorido, os doces momentos vividos que muitas mães têm como direito e memória. Mulheres que nunca deveriam ser desaparecidas em nós. Minha nova homenagem às mães que não conseguem esquecer. Para as mães que tem no presente muito mais passado do que futuros, e que seu melhor presente seria saber onde estão os seus filhos (?).
Há mães que nunca desaparecem. Não são fadas, muito menos bruxas, são apenas mulheres re-existentes. São apenas seres humanos, sem distinção, estão para além do bem e do mal. São expressões vivas de uma ética sobre Vidas Nuas. Apenas amam e muitos nem se lembram delas.
Seriam as mães de desaparecidos? Sim, são as mulheres, algumas que já conheci outras que aprendi respeitar. Hoje, agora, são as muitas que não são lembradas. Onde será que a mãe de um dos Amarildos sumidos do mapa está sendo homenageada, presenteada e torna-se presença que grita a ausência cruel dos filhos?
Estarão sendo pauta de algum Fantástico show da Sociedade do Espetáculo? Agora mesmo estou pensando nelas, mas o faço por que as vi bem de perto. Conheci suas dores infinitas e suas chagas incuráveis. Olhei e tentei perceber que mulheres existiam e re-existiam dentro de seus corações feridos brutalmente. Onde encontravam tanta força, tanto desejo de verdade e de justiça?
Sim, elas existiram, e, lamentavelmente, as continuamos obrigando existir. As mães de Cláudias ou de Maio, assim como as de Sônias e Stuarts Angels, equiparam-se às avós e às mães de uma praça lá na Argentina, em Realengo, na Zona Leste ou na Maré. São da mesma fibra, do mesmo e intenso desejo de busca de quem elas ajudaram chegar a esse mundo que exige também tanta resistência. Com lenços ou com nomes escritos com sangue em suas mentes , persistem, reclamam os corpos de seus desaparecidos.
Sejam eles ditos políticos ou não. Afinal todos são, e, infelizmente, serão politicamente exterminados. A sua presença mais forte é exatamente a sua ausência física, mesmo que seja com a sua ossada ou sua cova, rios, florestas ou mares, onde foram despojados de todos os seus direitos humanos.
Não, não são fadas e muito menos bruxas... Entretanto os Estados e os poderes, com suas biopolíticas e suas exceções, muitas vezes, até pela sua ausência legal e constituinte, justificam, a exemplo das Fabianes, julgamentos populares e justiciamentos que repetem e reproduzem o que já foi, é e ainda será o ato de torturar um corpo. Um corpo que precisaria desaparecer. E faltou pouco para que uma fogueira medieval fosse acessa...
Elas, essas mães são para muitos indesejáveis, transhistoricamente incômodas. Com suas falas, suas presenças, suas diferenças ou suas manifestações fazem a denúncia de nossos conluios com os macros poderes. Por isso, podem, quase sempre, lograr serem depositárias de um discurso mal dito, de um estigma e de uma chaga que se quer esconder da História.
Muitas delas, ainda vivas, mantêm-se desejantes de poderem prantear e se despedir de seus filhos mortos, uma herança que não desejaram, deixada por Anos de Chumbo. Os seus prantos ou homenagens não lhes foram, como a outras mães, permitido.
Aos que me perguntarem por que escrevo para nos lembrar dessas mulheres, sem pressa ou dúvida, responderei que há a minha própria mãe em cada uma delas. Com certeza, como parte de minha implicação, nessa História, também está a memória de uma mãe que perdeu a mesma. Somos, todos e todas, um pouco de cada uma dessas mulheres, mesmo que negando ou ao fingir esquecê-las.
A estas que trago na memória, à minha que não me deixou sem traços ou lembranças, às mães que não poderei tocar nas lágrimas, assim como àquelas que nunca lerão este texto, dedico minhas palavras, sabedor de sua insuficiência como bálsamo ou resposta.
Aos que podem ter acesso a esse texto só peço que não apaguem os nomes escritos com giz, quase ilegível pela rapidez do esquecimento, dessas que ainda buscam, reivindicam e não conseguem esquecer os filhos que lhes são desaparecidos...
Só para estas e outras mães que não esquecem dedico um poema, que espero escrever e reescrever, pois essa memória das mulheres da nossa História não poderá jamais ser esquecida.
Mãe te encontrei, como todos os dias,
O outro dia nas velhas fotos.
O papel desbotou, a imagem não era nítida,
A deusa da memória quase te apagou.
Mas, surpreso embora triste,
Encontrei o seu sorriso, as suas suaves presenças,
Relembrei os seus passos e os que tentou me indicar;
Mãe, distraído, não encontrei o bilhete que me escreveu,
O lembrete ou o aviso de que há sempre surpresas
Para quem ousa dobrar as esquinas e viver as encruzilhadas.
Sem temor ou tremor...
O velho baú de esquecimentos é de um fundo mais fundo que a memória,
É nele que muitas vezes tentamos esconder, de nós próprios,
Do Outro e da Vida, o que mais temeríamos:
Tornamos a ser não vida, não viventes, muito menos sobreviventes,
Se o teu útero mundo e desejo não tivessem me acolhido...
Pior ainda se nenhuma de suas lágrimas sobre mim derramastes.
Avanço, então, mais intenso, re-existente,
vividamente intenso, como um devir mulher,
Avanço?
Ou avançaremos, juntos, com suas doces memórias, mais resilientes?
Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2014-2015 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação com, para e de massas. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)
Páginas para não serem apagadas das redes e das mentes –
Mães de Maio - https://www.facebook.com/maes.demaio?fref=ts
Asociación Madres de Plaza de Mayo - https://www.madres.org/navegar/nav.php
Leiam também no blog-
MÃES, ALZHEIMER E MÚSICA. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/05/maes-alzheimer-e-musica.html
TODO ÚTERO É UM MUNDO... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/03/todo-utero-e-um-mundo.html
AS BRUXAS RE-EXISTEM? COMO MANTER OU DEMOLIR UM PRECONCEITO. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/11/as-bruxas-re-existem-como-manter-ou.html
MULHERES PODEM SE TORNAR DEVIR, NÃO SÃO E SERÃO UM DEVER.... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/03/mulheres-podem-se-tornar-devir-nao-sao.html
MULHERES, SANGUE E VIDA, para além de sua exclusão histórica https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html