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domingo, 11 de maio de 2014

MÃES QUE NUNCA DESAPARECEM... E NÃO CONSEGUEM ESQUECER.

Imagem publicada – uma fotografia em preto branco, recuperada e digitalizada, de minha mãe, Ana, comigo no colo, com seu sorriso terno e eterno gravados em minha mente e no coração; assim como devem estar gravados, em sépia ou colorido, os doces momentos vividos que muitas mães têm como direito e memória. Mulheres que nunca deveriam ser desaparecidas em nós. Minha nova homenagem às mães que não conseguem esquecer.  Para as mães que tem no presente muito mais passado do que futuros, e que seu melhor presente seria saber onde estão os seus filhos (?).

Há mães que nunca desaparecem. Não são fadas, muito menos bruxas, são apenas mulheres re-existentes. São apenas seres humanos, sem distinção, estão para além do bem e do mal. São expressões vivas de uma ética sobre Vidas Nuas. Apenas amam e muitos nem se lembram delas.

Seriam as mães de desaparecidos?  Sim, são as mulheres, algumas que já conheci outras que aprendi respeitar.  Hoje, agora, são as muitas que não são lembradas. Onde será que a mãe de um dos Amarildos sumidos do mapa está sendo homenageada, presenteada e torna-se presença que grita a ausência cruel dos filhos?

Estarão sendo pauta de algum Fantástico show da Sociedade do Espetáculo? Agora mesmo estou pensando nelas, mas o faço por que as vi bem de perto. Conheci suas dores infinitas e suas chagas incuráveis. Olhei e tentei perceber que mulheres existiam e re-existiam dentro de seus corações feridos brutalmente. Onde encontravam tanta força, tanto desejo de verdade e de justiça?

Sim, elas existiram, e, lamentavelmente, as continuamos obrigando existir. As mães de Cláudias ou de Maio, assim como as de Sônias e Stuarts Angels, equiparam-se às avós e às mães de uma praça lá na Argentina, em Realengo, na Zona Leste ou na Maré. São da mesma fibra, do mesmo e intenso desejo de busca de quem elas ajudaram chegar a esse mundo que exige também tanta resistência. Com lenços ou com nomes escritos com sangue em suas mentes , persistem, reclamam os corpos de seus desaparecidos.   

Sejam eles ditos políticos ou não. Afinal todos são, e, infelizmente, serão politicamente exterminados. A sua presença mais forte é exatamente a sua ausência física, mesmo que seja com a sua ossada ou sua cova, rios, florestas ou mares, onde foram despojados de todos os seus direitos humanos.

Não, não são fadas e muito menos bruxas... Entretanto os Estados e os poderes, com suas biopolíticas e suas exceções, muitas vezes, até pela sua ausência legal e constituinte, justificam, a exemplo das Fabianes, julgamentos populares e justiciamentos que repetem e reproduzem o que já foi, é e ainda será o ato de torturar um corpo. Um corpo que precisaria desaparecer. E faltou pouco para que uma fogueira medieval fosse acessa...

Elas, essas mães são para muitos indesejáveis, transhistoricamente incômodas.  Com suas falas, suas presenças, suas diferenças ou suas manifestações fazem a denúncia de nossos conluios com os macros poderes.  Por isso, podem, quase sempre, lograr serem depositárias de um discurso mal dito, de um estigma e de uma chaga que se quer esconder da História.

Muitas delas, ainda vivas, mantêm-se desejantes de poderem prantear e se despedir de seus filhos mortos, uma herança que não desejaram, deixada por Anos de Chumbo. Os seus prantos ou homenagens não lhes foram, como a outras mães, permitido.

Aos que me perguntarem por que escrevo para nos lembrar dessas mulheres, sem pressa ou dúvida, responderei que há a minha própria mãe em cada uma delas. Com certeza, como parte de minha implicação, nessa História, também está a memória de uma mãe que perdeu a mesma. Somos, todos e todas, um pouco de cada uma dessas mulheres, mesmo que negando ou ao fingir esquecê-las.

A estas que trago na memória, à minha que não me deixou sem traços ou lembranças, às mães que não poderei tocar nas lágrimas, assim como àquelas que nunca lerão este texto, dedico minhas palavras, sabedor de sua insuficiência como bálsamo ou resposta.

Aos que podem ter acesso a esse texto só peço que não apaguem os nomes escritos com giz, quase ilegível pela rapidez do esquecimento, dessas que ainda buscam, reivindicam e não conseguem esquecer os filhos que lhes são desaparecidos...

Só para estas e outras mães que não esquecem dedico um poema, que espero escrever e reescrever, pois essa memória das mulheres da nossa História não poderá jamais ser esquecida.

Mãe te encontrei, como todos os dias,
O outro dia nas velhas fotos.
O papel desbotou, a imagem não era nítida,
A deusa da memória quase te apagou.
Mas, surpreso embora triste,
Encontrei o seu sorriso, as suas suaves presenças,
Relembrei os seus passos e os que tentou me indicar;
Mãe, distraído, não encontrei o bilhete que me escreveu,
O lembrete ou o aviso de que há sempre surpresas
Para quem ousa dobrar as esquinas e viver as encruzilhadas.
Sem temor ou tremor...
O velho baú de esquecimentos é de um fundo mais fundo que a memória,
É nele que muitas vezes tentamos esconder, de nós próprios,
Do Outro e da Vida, o que mais temeríamos:
Tornamos a ser não vida, não viventes, muito menos sobreviventes,
Se o teu útero mundo e desejo não tivessem me acolhido...
Pior ainda se nenhuma de suas lágrimas sobre mim derramastes.

Avanço, então, mais intenso, re-existente, 
vividamente intenso, como um devir mulher,
Avanço?
Ou avançaremos, juntos, com suas doces memórias, mais resilientes?

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2014-2015 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação com, para e de massas. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Páginas para não serem apagadas das redes e das mentes –


Asociación Madres de Plaza de Mayo - https://www.madres.org/navegar/nav.php

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domingo, 17 de janeiro de 2010

O HAITI NÃO ERA AQUI - A TERRA QUEIMADA

Imagem publicada: foto de uma mulher negra, coberta de uma fuligem cinza, que se confunde com seus cabelos embranquecidos, emergindo entre os destroços e desmoronamentos provocados pelo terremoto que varreu a capital do Haiti, Porto Príncipe.

Em 1969 o cineasta italiano Gillo Pontecorvo realizou o lançamento do filme QUEIMADA (Burn!), que foi rodado na Colômbia.

 Lembro-me desse filme visto nos anos de chumbo, no período Médici. O filme foi censurado e retirado de cartaz por sua crítica política, pois sua base ficcional ocorre em uma ilha do Caribe. Uma ilha colonizada por 'portugueses', com maioria populacional de escravos negros, produtora do ouro branco da época: o açúcar. Este filme seria uma boa maneira de conhecer um pouco do que ocorreu com a colonização e os colonizados nas ilhas do Caribe. Teremos, talvez, a compreensão do que foi o primeiro "terremoto social e político" da terra haitiana.

Este filme tem Marlon Brando no papel de um agente inglês de nome Walker, ele vem à ilha para, primeiramente, insuflar um processo de rebelião dos escravos negros. Ele teria a função de oferecer apoio britânico à massa de trabalhadores escravizados pelos colonizadores, que seriam fora das telas os espanhóis, mas no filme, por questões políticas, são os nossos colonizadores: os portugueses.

Mantenho na memória a imagem do ar de arrogância britânica e colonialista que Marlon Brando empresta ao seu personagem. Era a imagem de um 'suposto salvador' dos miseráveis e incultos escravos daquela ilha açucareira. Na primeira parte do filme ele conquista a confiança de um escravo destemido, Jose Dolores, nome nada português, interpretado por um ator negro não-profissional: Evaristo Marquéz. Marcou-me na época em que assisti o filme a cena que viria próximo do fim do filme: a terra arrasada pelo fogo. A queimada foi a solução para caçar os insurgentes.

O mesmo agente inglês, Walker, teria retornado à ilha para combater os revolucionários. O napalm(1) da época, a queimada, foi utilizado para derrotar e depor quem ele ajudara a combater: os 'colonialistas' portugueses... A ironia feita pelo diretor do filme vem com a indagação de que ética pautaria o personagem de Brando, que de acordo com o momento político-econômico faria dele também um colonialista disfarçado, como alguém que entedia a escravidão como mero comércio e negócio lucrativo, hipocritamente hipercapitalista.

Hoje assistimos e revisitamos a ilha imaginária de Pontecovo. Estamos abalados pelo terromoto e não pelo fogo no Haiti. Aquela ilha sem fantasia, coberta de negrume e de miséria, foi arrasada, mais uma vez, só que agora por forças 'naturais'. E penso se a queimada dos canaviais do período colonialista, retratados politicamente no cinema, não foi prenúncio do que aconteceria com os primeiros negros que se rebelaram, os primeiros que romperam os grilhões torturantes do trabalho escravo nas Américas.

Em um primeiro tempo histórico ficaram cobertos de fuligem e cinzas, hoje experimentam novamente o cinza dos escombros e das tristes imagens de sua terra que treme... Continuam escravos? não sei, mas com certeza continuam sobre o efeito dos "tonton macoutes", os bicho-papões, uma escolta de torturadores que protegia seu ditador: Papa Doc, que hoje se reproduzem em milícias paramilitares que devem estar administrando a nova miséria.

Esta ilha devastada, não somente pela miséria, pelo analfabetismo, pela fome, foi esquecida por longo tempo. Não mais se produzia ouro branco por lá, só foi rememorada pelas recentes e novas rebeliões.

Novamente a ex-colônia precisava de uso da força, mesmo para impor a 'paz', com uma intervenção dos capacetes azuis (Onu) em 2004, capitaneada pelo Brasil. A ilha e seu povo, nesse momento, e quem sabe até agora, era uma ameaça para a paz internacional e a segurança da região. Era a hora de chamar novamente o agente Walker...

Algum tempo atrás vi alguns cartazes na rua que protestavam contra a permanência militar do Brasil no Haiti. Ocorriam concomitantemente à revelação de um suicídio de um militar brasileiro na ilha, o general que comandava a MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti).

Hoje assistimos as famílias de militares brasileiros pranteando jovens que foram soterrados com o uniforme de nosso país. A ilha e sua terra queimada continua tendo suas vítimas de outros países. E ainda tremendo ela poderá continuar sendo objeto de intervenção internacional, só que agora com novo objetivo: a solidariedade humanitária.

Estou entre contente, pensativo e preocupado com a ajuda que dizem ser de milhões de dólares, inclusive do Brasil, para o povo haitiano. Será que agora teremos a possibilidade deste povo e país se tornar realmente livre?

A imprescindível mulher e médica, Zilda Arns, acreditava que sim, mas com um trabalho micropolítico e árduo de revolucionar as condições de saúde materno-infantil, alimentação e de educação básica da população mais pobre do Haiti. Ela tentava capacitar outros que acreditavam como ela na sua Pastoral. Ela estava lá para agenciar outros tipos de agentes, não os que abandonam os revolucionários e negam a revolução molecular quando ela se torna macro politicamente inoportuna.

Se fizéssemos um remake do filme Queimada a Doutora Zilda não poderia interpretar o papel de Marlon Brando, estaria mais próxima do homem negro escravizado e desejante de liberdade e justiça social.

Enfim, como já difundi em sua memória, e também em homenagem a todos os que estão sofrendo, ou sofreram como os brasileiros por lá soterrados e mortos, teríamos de lembrar que: CADA UM PODE SER MAIS UM, SE CADA UM FOR MAIS UM NA BUSCA DE UM MUNDO DE MUITOS QUE OLHAREM PARA UM SÓ MUNDO DE TODOS… O HAITI NÃO É LÁ, JÁ FOI, É, E PODE SER AQUI…

O hino nacional do Haiti, La Dessalinienne, nos diz: "...pour la patrie Mourir, mourir, mourir est beau Pour le drapeau, pour la patrie", ou seja: "Pela Pátria morrer, morrer, morrer é belo Pela bandeira, pela pátria", mas são os nacionalismos extremados, associados aos desejos fascistantes de massas, que geram os piores fascismos.

Há, nos tempos atuais, uma retomada silenciosa de microfascismos e de atitudes conservadoras em nosso cenário macrossocial. Vejamos as resistências, de alguns setores governamentais e do mundo empresarial, que um Plano Nacional de Direitos Humanos está gerando em nosso país.

Não devemos esquecer que a morte de qualquer ser vivo não deve ser justificada ou naturalizada..., e seja em Porto Príncipe ou nos mais longíguos e remotos locais deste planeta, com dizia John Donne( 1572/1631): a morte de um ser humano me interessa e me afeta, "porque sou parte (indivisível) da humanidade, portanto, não me perguntem por quem os sinos dobram... eles dobram por ti...".

Os negros e negras haitianos são, historicamente, tão pardos como a noite global (2) gostaria que fossem, mas seus olhos tristes de hoje são tão produtores de uma paixão humanitária que, esperançoso, desejo que, sensibilizados, possamos resgatar sua dignidade e porvir.

O Haiti como uma fênix negra pode e deve renascer de suas próprias cinzas libertárias e antiescravagistas. Liberté!, mesmo que tardia, seria uma palavra indispensável junto com a frase inscrita na bandeira haitiana: "L'union fait la force" ("A união faz a força") se reconhecermos o direito à Vida desses outros que durante tanto tempo submetemos à força e/ou à alienação do esquecimento. A Terra, depois de queimada, ainda precisa tremer para que lembremos dela?

copyright jorgemarciopereiradeandrade ad infinitum, 2011-2021, todos direitos reservados - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025.

(1) Napalm - bomba incendiária, à base de gasolina gelificada, utilizada pelos EUA na guerra do Vietnã

Fontes: 




2) VER MATÉRIA SOBRE FRANTZ FANON neste blog - https://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Frantz%20Fanon

LEIA TAMBÉM SOBRE O HAITI  NO BLOG - 
OS DESATRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMOhttps://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

O APRENDIZADO DO DESASTRE - O Hai de Ti é em qualquer lugar (é Aqui) 
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/o-aprendizado-do-desastre-o-hai-di-ti-e.html