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terça-feira, 7 de agosto de 2012

EM BUSCA DE UM CORPO “PERFEITO” PERDIDO, no tempo das Olimpíadas...


Imagem Publicada – A foto colorida da AFP publicada com Oscar Pistorius, um atleta sul-africano que com suas pernas substituindo sua dupla amputação sai na pista em busca de participar das finais da corrida de 400 metros nas Olimpíadas de Londres (2012). Pistorius teve que amputar as duas pernas abaixo do joelho aos 11 meses de idade devido à ausência congênita de fíbula em ambas as pernas e por isso corre com próteses de lâminas de carbono. (Autoria da foto – Olivier Morin) -
PS-  em julho de 2016 ele foi condenado a 06 anos de prisão por matar sua namorada Reeva Steemkamp na África do Sul)

Este texto estava em "fermentação emocional" desde o início das Olimpíadas... Um corpo insone não significa um corpo sem sonhos.

CITIUS, ALTIUS, FORTIUS. Eis o lema olímpico da época de sua primeira realização pelo Barão de Coubertin. O lema representa a retomada, quase renascentista, de um ideal para o corpo humano? Sim, de forma helênica e através do latim procurava-se: sermos cada vez MAIS VELOZES, MAIS ALTOS (ou MAIS LONGE) E MAIS FORTES...

Tenho assistido, após alguns tempos de imobilidade para a árdua e solitária tentativa de escrever, as múltiplas apresentações televisivas de nossos desejos “áureos” do pódio. Queremos, torcemos, vibramos e nos emocionamos na busca do Ouro Olímpico e nos transportamos para o reinado dos estádios e das suas multidões.

Também vivenciamos outras vitórias. Mas essas ficam menos visíveis nos tempos da Sociedade do Espetáculo em HD. Não nos sensibilizamos com outras disputas que não as que tenham alguma bandeira ou hino a ser comemorado. Ufanistas e patrióticos desejamos, e eu também desejo, ver nossos atletas vencendo as disputas por medalhas.

Já fui, embora hoje nem pareça mais, após as “imobilizações e deficiências que adquiri” a que fui submetido, um “atleta”. Há muitos, muitos anos eu corria lá no interior fluminense. Eram meus tempos da ditadura. Eu apenas estudante de medicina, mas também um sonhador com um corpo atlético e veloz. Eu fazia parte de um sonho de ganhar medalhas. Corria numa prova em especial: os 400 metros do atletismo, mas também fazia o heptatlo.

Essa prova é uma das que mais exigem um ideal de superação corporal. É nela também que podemos incluir os ideais, a semelhança da Maratona, de um corpo que suporte a dor, o cansaço, a fadiga muscular e a perda do fôlego vital. Temos como diziam nas corridas que participei de “correr como os cavalos”. Só que nessas provas de superação quase sempre alguém tem de ficar em último lugar.

Nessa Olimpíada de Londres tele assisti a maior demonstração de humildade e reconhecimento. Por coincidência, talvez, ocorreu também na prova dos 400 metros. Nela Oscar Pistorius teve a sua participação e foi o último a chegar. Com suas pernas high tech, substitutas das que consideramos as “normais ou perfeitas”, participou das semifinais dos 400. E devido a elas foi apenas mais um perdedor?

Um acontecimento, logo em seguida, nos respondeu pelos aplausos da multidão: Não, não é um "retardatário". Um ganhador de prêmios, que não é biamputado, lhe pediu gentilmente que lhe desse o número pregado na sua camiseta. Era o corredor de Granada, Kirani James, que fez o maior gesto de reconhecimento a este atleta paralímpico que persiste em correr junto aos que são considerados, como Osain Bolt, os "olímpicos", como os deuses perfeitos das/nas pistas.

Como atletas de um mundo que supervaloriza a nossa corporeidade com perfeição, como modelos para nossa subjetivação, caminhamos em direção ao rompimento de nossos próprios recordes. Tendemos a nos tornar trans-humanos? Não basta que sejamos super?

Somos, como Pistorius, comparados aos androides futuristas de Blade Runner? Este magnífico e intenso filme que nos propõe, através de seu diretor Ridley Scott que possamos, a meu ver, viver uma sincera e preventiva reflexão ética com uma ficção científica. Destruiremos e caçaremos qualquer forma de vida diferente, mataremos como outro Holmes, o James, qualquer um que não seja um Coringa ou Cavaleiro das Trevas?

Seremos, no futuro, mais que ciborgues, apenas “replicantes”? Talvez sim, pois o filme foi considerado, pela Biblioteca do Congresso (USA) como sendo "culturalmente, historicamente ou esteticamente significante" (1993). O detalhe é que os replicantes são criados geneticamente à semelhança integral dos seus caçadores. O detalhe é que são banidos e expulsos do Paraíso futurista. Tornam-se robôs, como a personagem feminina (Rachael) capazes de, tornando-se humanamente sensíveis, nos apaixonar.

Estes robôs orgânicos não são mais o futuro. Eles já existem no aqui e agora. Recente matéria televisiva nos mostrava um comediante japonês sendo “substituído” por uma cópia androide mais que perfeita. O artista que fazia rir agora velho estava completamente renovado no palco.

Esta também é a ideia de novos blade runners? Nas Olimpíadas do Rio teremos novos corpos admiráveis, que nos causam inveja e sensação de superenvelhecimento, nos desafiando ao desejo de um corpo perfeito que foi perdido no tempo? Que dopings, não detectáveis, teremos de usar para que nossos corpos tornem-se passíveis do endeusamento?

O corpo continua sendo nosso maior ego. O corpo também é o herdeiro de uma estigmatização e exclusão quando visto ou apresentado como deficiente. O corpo ainda é nossa maior oficina da moralização e do preconceito. Nestes tempos olímpicos faz-se necessária uma re-visão de sua desapropriação e exaltação.

Uma fonte rica para esta reflexão nos é proporcionada pela leitura de Richard Sennet. Este amigo sincero de Foucault nos provoca com a reflexão sobre o que aprendemos, historicamente, de repressão e de docilização de nossos corpos e vidas nuas. Em seu texto Carne e Pedra, nessa relação de nossos corpos físicos com a pólis, ele nos diz: “As imagens idealizadas do corpo que regem nossa sociedade nos impede concebê-lo fora do Paraíso...”.

Dele, segundo a visão cristianizada e ocidental, embora expulsos do Olimpo ainda poderemos tentar chegar a semideuses, com as nossas formas globalizadas de disputar quem é o melhor, o mais rico, o mais forte, enfim, o mais poderoso.

O ideal Citius, Altius, Fortius não passa, então, a representar quem mais tem recursos para o esporte ou quem tem mais força e poder no atual hipercapitalismo? O que não podemos esquecer que mesmos os mais “subdesenvolvidos” acabam surpreendendo os que se consideram donos cativos do primeiro lugar.

Acabamos de ver que, individualmente, ainda temos muitos desconhecidos que se tornaram, miticamente, nossos próximos heróis. Porém se tomarmos cuidado não lhes exigiremos que se tornem mais-que-perfeitos, obsessiva e paranoicamente os nossos maiores campeões do Futuro.

Vamos encher nossos estádios novamente? Esperamos que sim, mas também vamos ter que reaver todo o nosso investimento de milhares de desconhecidos que levantaram as pedras de nossas novas e faraônicas obras. Os zés-ninguéns que também precisaram vencer algumas competições para entregar a tempo toda a infraestrutura de nossa Copa e nossa Olimpíada.

Estes corpos trabalhadores, outra massa, também preparam e participam dessas reconstruções de Maracanãs espalhados em nossa Terra Brasilis. Uma pátria, um país, uma nação onde muitas outras obras, que enterram muitas corrupções, estão e estarão necessitadas de nossa atenção e reconhecimento. Estes nossos corpos/maioria, desde os egípcios e gregos, compõem os que podem ser considerados escravos, portanto vidas nuas e matáveis. São, foram e serão sempre a base de sustentação e criação das pirâmides...

Há um mito, talvez mais que realidade, que diz que a Ponte Rio-Niterói, construída em tempos de Ditadura militar, tem em suas bases, pilastras e alicerces de cimento muitos corpos operários. Que nome tem essa ponte que não é como a Bioética pensada para o futuro?

Portanto, por mais que me envolva com o meu próprio entorpecimento pelas imagens contagiantes dos olímpicos e das multidões, sabendo que heróis e heroínas são apenas mortais, tenho de aprender, com o meu próprio momento, que a corrida Pela Vida é ainda mais importante do que a que me torna apenas um fugaz rompedor dos seus recordes.

Mesmo assim dou parabéns aos nossos poucos atletas vestidos de amarelo e ouro, seu esforço para vencer a dor, saltando, correndo, ou pendurados nas argolas, me reforça o aprendizado que recusamos a reconhecer esta experiência como inevitável e insuperável.

Nunca ganharemos essa corrida, esse jogo ou essa disputa. A dor faz parte desse prazer de sermos apenas, demasiadamente, humanos. E, eu, você e todos (as) nós continuaremos em busca de um corpo perfeito perdido no tempo.

E vem aí a Paralimpíada de Londres, em 20 de agosto, que perdeu o O das Olimpíadas. A nossa Sociedade dos Espetáculos irá midiatizá-la com a mesma força, velocidade e intensidade? Com certeza Pistorius não estará por lá, mas muitas medalhas de ouro, como em 2008, nos colocarão em outro patamar nessa visão, para além dos Brics, no mundo globalizado.

Paralimpíada é apenas a contração terminológica de “Paraplegia” e “Olimpíada”?

 Se o for tenho certeza de que, esperando estar vivo e ativo, ainda não sei verei outros atletas paralímpicos, do atletismo nacional e internacional, correndo em meu/nosso nome nos 400, ou outras provas difíceis, do Rio 2016, ou seja, apenas como um corpo pleno de intensidades e desejo, e não um corpo mutilado e “deficiente”. Um corpo olímpico... e possivelmente junto a outros não menos ou mais ciborgues.

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2012/2013 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massas - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)


Notícias na Internet–

Primeiro biamputado nas Olimpíadas, "Blade Runner" Pistorius é eliminado na semi dos 400 m 
https://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2012/08/05/primeiro-biamputado-nas-olimpiadas-blade-runner-pistorius-e-eliminado-na-semi-dos-400-m.htm

Biamputado, Oscar Pistorius realiza sonho olímpico 
http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/esportes/noticias/biamputado-pistorius-finalmente-realiza-sonho-olimpico-e-estreia-nos-400m

Audiência discutirá supervalorização da medalha de ouro nas Olimpíadas 
https://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/ESPORTES/423469-AUDIENCIA-DISCUTIRA-SUPERVALORIZACAO-DA-MEDALHA-DE-OURO-NAS-OLIMPIADAS.html

Londres 2012: A fábrica de atletas da China https://rederecord.r7.com/londres-2012/noticias/londres-2012-a-fabrica-de-atletas-da-china/

Comediante famoso tem encontro com um androide feito à sua imagem no Japão https://globotv.globo.com/globo-news/pelo-mundo/v/comediante-famoso-tem-encontro-com-um-androide-feito-a-sua-imagem-no-japao/2073483/

Jogos Paralímpicos http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos_Paral%C3%ADmpicos RIO 2016 - https://www.rio2016.org/ (Teremos sua Abertura Solene concomitante às Paralimpíadas?)

Oscar Pistorius é condenado a 06 anos de prisão por matar sua namorada (matéria publicada em agosto de 2016) https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/07/oscar-pistorius-e-condenado-6-anos-de-prisao-por-matar-ex-namorada.html

LEITURAS INDICADAS -  

 CONTRA A PERFEIÇÃO - Michael J. Sandel - Ed. Civilização Brasileira, RJ.


CARNE E PEDRA – O Corpo e a Cidade na Civilização Ocidental – Richard Sennett, Editora Best Bolso, Rio de Janeiro, RJ, 2008.

Filme citado –BLADE RUNNERhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Blade_Runner

LEIA TAMBÉM NESSE BLOG

AS SELEÇÕES: OS ESTÁDIOS, OS PARADIGMAS E UM NOVO GAME 
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/06/as-selecoes-os-estadios-os-paradigmas-e.html

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA. 
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html

MURDERBALL: QUANDO AS CADEIRAS DE RODAS SE CHOCAM... EM NÓS https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/06/murderball-quando-as-cadeirasde-rodas.html

DEMOLINDO PRECONCEITOS, RE-CONHECENDO A INTOLERÂNCIA E A DESINFORMAÇÃO
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/06/demolindo-preconceitos-re-conhecendo.html

domingo, 14 de março de 2010

A MÚSICA QUE ENCANTA DEPENDE DOS OLHOS?


imagem publicada - foto do grupo de músicos e de Prudence Mabhena, todos negros, que compõem a banda LIYANA, composta somente por pessoas com deficiência no Zimbáue (vejam ou leiam a composição dela abaixo), e hoje podem se tornar um sucesso internacional após premiação do documentário que os apresentou ao mundo.



A MUSICA QUE VEM DA IM-PRUDÊNCIA e da RE-EXISTÊNCIA...

Estes dias me vieram à mente algumas interrogações. Surgiram quando vi uma mulher negra, sentada em um dos cantos, ao fundo do local onde se entregavam os Oscars em Hollywood. Era a mulher cuja foto publiquei, no último texto do blog, em homenagem aos mundos úteros que se multiplicam no feminino. Era PRUDENCE MABHENA.

As perguntas surgiram ao ler sobre a sua vida transformada pelo cinema, com um curta metragem que ganhou o Oscar de melhor documentario de 2010. Este é apenas, o resumo em 32 minutos de uma vida intensa. É o documento de uma música transformando em 'estrelas de cinema' as duras realidades africanas, com um belo trabalho cinematográfico pelo diretor norte-americano, Roger Ross Williams ... Sim, ao ver Prudence eu via o nascer de mais uma estrela brilhante. Só que no meu céu de poesia e arte da re-existência.

Essa mulher nasceu no Zimbáue, um dos países africanos, assim como Dafur, que pagam o duro preço do colonialismo e da rejeição/negação pelo resto do mundo considerado civilizado.Vocês podem refletir sobre isso procurando sobre o recente massacre genocida ocorrido naquele mundo de onde viemos todos. Lá se confirmam as relações entre a pobreza extrema e a máxima exclusão de pessoas com deficiência.

Me veio ao olhar ela sentada na cadeira de rodas, ao fundo, a interrogação se não precisamos de um outro OLHAR, um olhar diferente, quando alguém com artrogripose ganha, mesmo que indiretamente, um prêmio cinematográfico, mas continua no fundo do auditório do mundo?

Pensei com os meus botões, que não são poucos, por qual dos estigmas/estereótipos a deixaram lá trás, no fundo? Foi por sua condição física e existência em uma cadeira de rodas? Pela inacessibilidade do palco? Por sua condição de africana, o que é risível? Ou seja a noite não era do cinema dos negros? Já haviam premiado a Mo'Nique, que provou ser muito mais que uma simples comediante? Já não bastava a visível e inevitável presença de 'Precious' Gabourey diante das câmeras e no tapete vermelho? e se as duas "subissem'" até o palco, Prudence e Sidibe?

E, se: the winner is... two black women, duas mulheres negras de uma só vez com a estatueta na mão? Uma "excessivamente gorda" e outra "excessivamente deficiente"? E quem foi receber a estatueta do Music by Prudence também era um negro, porém era o diretor de cinema que a Academia devia e deve estimular, como uma cota? Esse era o ano de premiar o feminino e sua diferenciada posição na Academia de Cinema? Esta academia precisa sempre de um prêmio dirigido às questões de pessoas com deficiência, como já o fez com King Gimp?

Não, não era nada disso... talvez? Quem sabe, apenas tenha sido porque, mesmo cotado, o documentário Music by Prudence, dependia dos bastidores da chamada Academia de Cinema. E sempre há outros concorrentes de peso, com outras mensagens de interesse politico ou ideológico. Ganha quem a academia decida ser o melhor para o cinema enquanto indústria. O cinema entrenimento e não necessáriamente o cinema que, como dizia Edgar Morin, possa gerar reflexão e mudanças através de um diálogo reflexivo. Afinal somos os espectadores que sonham e que desejamos sonhar. Em alguns filmes com outra realidade possível.

Music by Prudence é a própria afirmação de uma música/revelação que vem da Im-Prudência. É um relato curto e simples de uma complexa e rica vida. É a vida de uma negra africana que 'sofre de artrogripose', que nasce em um país onde os "que exibem defeitos" fisicos são excluídos por questões fundadas na crendice e na ignorância.

Eles ou ela são malignos de nascença. Além disso foi muito maltrada, chegando a ser deixada e jogada ao chão pela madrastra, no meio de sua própria urina, até ser resgatada para uma entidade, a KG6. Nesse espaço, uma escola e centro para crianças com deficiência física ela ira provar que há uma resposta para a minha indagação, ligada a texto que já publiquei no blog, em 12 de fevereiro: a Musica que educa depende dos olhos?

Afirmo, ao conhecer a história de vida de Prudence, que a Música que Educa e Encanta não depende só dos olhos ou dos ouvidos. Compreendi que teremos ainda de nos despojar de muitos preconceitos que se constroem com os nossos próprios olhos ditos videntes. Eu vi e revi a Prudence no fundo do auditório. Mas ainda não via a Prudence e sua resiliência. Ela sobreviveu até à idéia de se suicidar, duplamente. Primeiro se matando e depois matando, dentro de si, a música que aprendera a cantar com sua avó materna.

Você(s) precisam de outros olhos para se encantar(em) com a Música? Então fechem os olhos prudentes e abram outros sentidos para a escuta amorosa desses Outros que nos surpreendem com suas músicas. Primeiramente lhes apresento uma mulher, como continuidade do que já estive dizendo sobre ela e sobre mulheres com deficiência. Escrevo-lhe(s) avisando que esta Música vem da Im-Prudência ou melhor daquela que soube resistir, re-existir e se implicar com outros sujeitos, em busca de uma outra cartografia para sua existência. E isso é contagiante.

O que acontece se juntarmos um grupo de músicos e compositores? Mas, como aconteceu, se todos forem pessoas com suas funcionalidades e habilidades corporais prejudicadas? Podemos, provando a capacidade de superação, quando as oportunidades são equiparadas, ter aí uma orquestra, um conjunto musical ou então uma BANDA? É isso que Prudence Mahbena conseguiu ao reunir os seguintes músicos:

Prudence Mabhena - Cantora e Compositora (é uma pessoa com artrogripose)

Tapiwa Nyengera - Backing vocal e teclados (vive com espinha bífida)

Energy Maburutse - toca marimba e faz parte do backing vocal (tem osteogenesis imperfecta , conhecida com síndrome dos ossos frágeis) 

Honest Mupatse - toca marimba e percussão( tem hemofilia)

Marvelous Mbulo - backing vocal (tem distrofia muscular) 

Vusani Vuma - toca baixo e marimba (é surdo)

Goodwell Nzou - toca tambores tradicionais e faz backing vocal (tem uma amputação de membro inferior- perna)

Farai Mabhande - tecladista principal (é uma pessoa com artrogripose)


QUEM IMAGINA QUE ESTOU FAZENDO PROPAGANDA DE PRUDENCE NÃO ESTÁ ERRADO. ACERTOU. ELA MERECE UM EXCELENTE TRABALHO DE DIFUSÃO DE SUA ARTE E DE SEU TRABALHO COMO COMPOSITORA, ARTISTA E BAND LEADER; POR ISSO OS CONVIDO A AGUARDAR O DOCUMENTÁRIO, MAS ANTES OUÇAM AO MENOS UM PEDACINHO DE SUA MÚSICA IMPRUDENTE E CONTAGIANTE NO SITE: WWW.MUSICBYPRUDENCE.COM

E, se quiserem conhecer o que já antecedeu a Prudence no universo musical da mama Africa escutem e se deliciem com o som de SALIF KEITA, um músico e cantor de MALI, que já é respeitado e tem alguns Cds à venda no Brasil.

Em tempo, Salif Keita é albino e faz um belo trabalho para ajudar o SOS ALBINO. Ele também passou pelas agruras de ser rejeitado, pelo albinismo, como alguém que tinha poderes malignos. Talvez tão malignos que sua música e arte hoje são divulgados no mundo todo.
Ouçam a chamada voz dourada da África: http://www.lastfm.pt/music/Salif+Keita ...


Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Music_by_Prudence
http://www.musicbyprudence.com/characters/


HOMENAGEANDO, TAMBÉM, NOSSOS MÚSICOS E COMPOSITORES COM DEFICIÊNCIA LEMBRO, mais uma vez, O LANÇAMENTO DO CD "TODOS SABEM" de João Tomé que é interativo com partituras em PDF e em BRAILLE, com músicas de 1940 a 1966 (composições produzidas em Brasília).

João Tomé (1920 - 1971) foi um excepcional músico, autodidata que ao longo de sua vida sonhou em divulgar suas obras. Conforme afirma o jornalista Silvestre Gorgulho: " João Tomé nasceu cego. Não se entregou. Manteve firme a vontade de aprender, foi multiinstrumentista e compositor de mais de 800 músicas. Deu ao Brasil um presente fantástico: pioneiro na Rádio Nacional e Escola de Música de Brasília. Morreu aos 51 anos e deixou uma herança para toda a humanidade."

Para esse jornalista, e concordo, nos tornamos sem a capacidade de ver para além do olhar quando deixamos de ousar....

PRUDENCE, SALIF E TOMÉ demonstram que há seres humanos que não são fáceis de convencer e demover de suas im-prudências. Seriam os sujeitos que para além de suas deficiências, entendidas como limites e/ou limitações vitais, NÃO as tornam em si mesmas um impedimento ou barreira para a ARTE e sua generosidade.

INFOATIVO DEFNET 4364 - ANO 14 - Março de 2010

Informações sobre o CD TODOS SABEM
https://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/23813

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 ( favor citar as fontes em multiplicação e difusão livre desta matéria e das informações nela contidas TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A MATEMÁTICA CRUENTA - Um povo amputado

Imagem publicada: Foto de Samira Makhmalbaf, jovem cineasta iraniana, para o filme de seu pai, Mohsen Makhmalbaf, O CAMINHO PARA KANDAHAR, exibido no Brasil em 2001, com muitos homens afegãos amputados, com suas muletas, correndo em direção a um paraquedas lançado pela Cruz Vermelha, com 'pernas de pau', ou seja próteses rudimentares, para esta multidão de mutilados pelas minas terrestres nas guerras do Afeganistão.

Minha filha, de 09 anos, levou uma calculadora para a escola. Recentemente eu a usara para calcular dívidas e imposturas, e ela, agora, precisa aprender a matemática e outras operações realistas. Eu continuarei calculando, como é de costume, o que devo, só que agora pedirei a calculadora emprestada a ela. Minha relação com os números nunca foi muito fácil, sempre preferi outras matérias. Portanto, os cálculos que pretendo fazer me preocupam...

Ela voltou a me solicitar um uso da máquina de calcular que eu não tinha aprendido. Era para somar 05 + 03 = = = = =, e no seu caderno de escola tinha a pergunta do que resultava dessa soma, e mais ainda, o que significava? intrigou-me os iguais = em seguida. Fiquei matutando e ela me ensinou, dizendo que aprendera que ao somar os números e depois clicar no símbolo igual, na sequência descrita, teríamos o número 20.

Ficou-me, então, a pergunta o que significa isso aplicado à Vida? Apenas soma ou multiplicação?. Ao ler hoje que a média de AMPUTAÇÕES no HAITI, por dia, era de 40 a 50 cirurgias realizadas nos hospitais de emergência pós-terremoto, havendo há alguns dias até 100 amputações/dia, segundo relato da Radio ONU  pensei novamente na matemática e na calculadora. 

E, triste, fiz a aplicação de uma matemática sinistra e terrificante. Se somarmos a cada amputação o mais + de uma outra forma de incapacidade ou deficiência, teremos uma chamada PROGRESSÃO GEOMÉTRICA do número de seres humanos a serem chamados, em breve, de pessoas com deficiência por lá.

Multipliquem os dias do ano de 2010, que ainda restam, 365 - 35 = 330 dias, por cada dia de mais amputações e novos mutilados. Ainda bem que é só uma Matemática 'cruenta". Mas se aplicássemos a regra da calculadora, hoje aprendida, teríamos milhares de sujeitos com deficiência em 31 de dezembro de 2010. 

Deixo para as máquinas de de singularização, que devemos construir, o resultado dessa conta. Deixo para a reflexão de cada um o que acontecerá com os meninos e meninas que, se não forem amputados, tornar-se-ão 'emocionalmente amputados' e traumatizados em meio à multidão dos sem-pernas.

Fiz na calculadora uma aplicação deste modelo matemático e cheguei a uma possível resposta: em 31 de dezembro de 2010 poderíamos contar e enumerar uma população de, aproximadamente, 825.000 (OITOCENTOS E VINTE E CINCO MIL) PESSOAS COM ALGUMA FORMA DE LIMITAÇÃO DE FUNCIONALIDADE OU INCAPACIDADE, se epidemiologicamente estiverem sendo registrados todos os mutilados do terremoto.

Isso se aplicarmos a CIF (Classificação Internacional de Incapacidade, Funcionalidade e Saúde), que considera que: "A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.) e os fatores contextuais (fatores ambientais e pessoais) (CIF, OMS, 2001). Para esta classificação uma incapacidade não é um atributo da pessoa, mas sim um conjunto complexo de condições que resultam da interação pessoa-meio".

 Não se simplificando a apenas o que está sendo gerado POR UMA OUTRA FORMA DE OPERAÇÃO, no momento numérica e de caráter biomédico: A AMPUTAÇÃO DE MEMBROS (SEJAM BRAÇOS, PERNAS OU ENTÃO SIMPLIFICANDO APENAS AS MÃOS/DEDOS) NO HAITI.

Outro dia estava jantando com minhas filhas, Isadora e Yasmin, e pensava com os meus botões sobre o mundo que elas vivem e o que estamos deixando para os nossos filhos e filhas como futuro planetário. Me dei conta de que olhava para um grão de arroz que estava fora do meu prato. Era apenas um grão de arroz. 

Me veio imediatamente a imagem do que vira à tarde na televisão. Eram haitianos disputando com pedaços de paus alguma forma de comida. Ainda se completava com a outra imagem que me tocou estes dias: os paraquedas norte-americanos lançando comida presa a eles, e, em seguida, milhares de haitianos correndo para pegar a preciosa carga lançada dos céus...

Agora se lançam suprimentos, mas houve um tempo em que os paraquedas traziam pernas de pau. Um tempo que quem sabe ainda está acontecendo, com o despejamento aéreo de próteses rudimentares para mutilados por minas terrestres no Afeganistão. Esta cena foi muito bem retratada no filme no Caminho para KANDAHAR, de Mohsen Makmalbaf, merecedor de uma atenta crítica e atenção no Brasil. 

Um filme que traz a visão de um país arrasado pelas repetidas invasões e guerras ali realizadas. É o olhar de uma mulher, Neloper Pazira, jornalista e atriz que passeia e registra, atrás da burca, em busca de uma humanização dos estragos físicos e éticos a que o Afeganistão foi submetido no regime Taleban. Esse olhar debaixo daquela vestimenta repressiva tem o sentido humanitário do cineasta acerca da fome e dos terrores daquele povo, onde a mutilação de membros virou rotina e naturalização para o resto do mundo.

Minha permanência no tema Haiti é na esperança de que não tenhamos a repetição da cena de Kandahar. E que tenhamos, o mundo espectador, um maior engajamento na reabilitação de todos haitianos que se tornarem necessitados de próteses, órteses e demais ajudas técnicas em suas deficiências. 

Espero continuar olhando para o futuro desse povo e nação com respeito e afeto. E, sonho que não haja um só grão de arroz, como pensei naquele jantar familiar, sendo desperdiçado dos pratos de comida globalizados em reverência à fome e a miséria que lá permanecem provocando as massas sobreviventes, e podem continuar intensas. Escolheremos outros CAMINHOS?

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2021 - ad infinitum, todos os direitos reservados (favor citar a fonte para a livre difusão e multiplicação por quaisquer meios de comunicação de massa - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)
( publicado e difundido peloInfoAtivo DefNet -Nº 4339 - fevereiro de 2010 -Ano 14.)

FONTES:
Mohsen Makhmalbaf -
https://www.makhmalbaf.com/persons.php?p=4
https://www.makhmalbaf.com/gallery.php?g=32
https://publifolha.folha.com.br/catalogo/livros/135570/

Sobre o trabalho com socorro a vítimas do Terremoto pela HANDICAP INTERNATIONAL ver:
https://www.handicap-international.fr/

Milhares de pacientes amputados são prioridade da OMS no Haiti
26/01/2010 https://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/175703.html

De acordo com a agência da ONU, alguns hospitais chegam a realizar 100 amputações por dia; cuidados especiais são necessários para evitar infecções.
Julia Borba, da Rádio ONU em Nova York*

A Organização Mundial da Saúde divulgou nesta terça-feira que está priorizando os cuidados com pacientes amputados, conforme decisão do governo do Haiti. Até então, as cirurgias de emergência eram o foco dos atendimentos hospitalares.O porta-voz da OMS, Paul Garwood, informou que milhares de haitianos sofreram a retirada de algum membro. Alguns postos de atendimento chegam a realizar de 30 a 100 amputações por dia.

Cuidados
Segundo Paul Garwood, também há urgência no tratamento pós-operatório, para evitar as infecções.O objetivo é dar atenção e tratamento fisioterápico aos pacientes com lesões traumáticas e amputações, para que a recuperação deles seja mais rápida.

A OMS aponta ainda a reabilitação adequada como peça fundamental para evitar deficiências a longo prazo, e assim, reduzir as consequências econômicas para as famílias.

A agência da ONU afirma que 48 das 59 instituições hospitalares do Haiti estão funcionando, mas encontram dificuldade de suprir a demanda.
*Apresentação: Leda Letra, da Rádio ONU em Nova York.

LEIA TAMBÉM SOBRE O TEMA NO BLOG - 
OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

AS MASSAS E OS SOBREVIVENTES - TERRA TÊMULA - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/as-massas-e-os-sobreviventes-terra.html