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segunda-feira, 23 de março de 2015

AS MASSAS, AS ÁGUAS, AS FLORESTAS E NOSSAS VIOLÊNCIAS...

Imagem publicada – fotografia publicada no site das Nações Unidas (Onu) com um grande poço de água, rodeado de uma quase centena de seres humanos, uma massa de sedentos, em pleno deserto da África, lançando seus baldes em busca desse vital elemento. Um elemento-vida que comemoramos ao mesmo tempo em que esgotamos. Uma pequena amostra de homens e muitas mulheres, com suas vestes típicas, suas moringas, seus potes de barro. O mesmo barro que soprado poderia criar o Homem, mas que estamos tornando cada dia mais seco, mais árido, menos Terra e mais devastação. E, juntos, poderíamos tentar mudar esse rumo. Entretanto, só usamos os barros para novos muros, novas segregações, foi-se o “tijolo” da conscientização política de Paulo Freire? Entram em cena as máscaras e as encenações, hipermidiáticas e hipercapitalizadas, que não educam e nem transformam.

“Nenhum homem é capaz de mostrar um rosto para si mesmo e outro na multidão por muito tempo sem acabar confuso em relação ao verdadeiro” (Nataniel Hawthorne – A letra escarlate)

Você deve estar se perguntando qual a relação ou aproximação que este título tem entre os termos e seus significados (e significantes). Porque relacionar as massas, hoje tão “populares”, televisivas e festivas, nas chamadas ‘’manifestações’’, com as águas, as florestas, que desaparecem? E, enfim, com nossas violências que recrudescem?

Primeiro como repetição, lembrar que estamos em tempos do que chamo de IDADE MÍDIA, depois lhes avisar que os temas são mais amplos e mais oceânicos do que minha vã pretensão. Não tenho como atingir em um texto, embora extenso para alguns, todas as dimensões destas transversalizações. Lembro que estamos em dias que se ‘’comemoram’’ como segregação, na visão local e minúscula, embora todos conjuntamente, propagamos como os ‘’dias internacionais’’, portanto universalizantes e igualitários.

Como assim? Os símbolos de massas atuais estão muito próximos do que Elias Canetti denominou e classificou em MASSA E PODER. Quando milhares que se pretendem milhões levantam suas faixas e seus “protestos” fico mais ainda convicto das lições dessa fundamental, não fundamentalista, leitura dentro de um viés de uma “antropologia patológica” sobre as interações do poder com as massas, seus cristais, seus símbolos, suas múltiplas facetas.

As massas recentemente revelaram um discurso de ódio, de discriminação e de dominação. Estiveram mais uma vez globais, convocando um ‘’vem pra rua”, mais uma vez pedindo: - “Veja, aceite como verdade e se aliene”. Essas maltas elitizadas que usaram, ao máximo, suas máscaras, ou personas, como se fosse uma manifestação de todo um povo, todo um país, toda uma nação.

Gritaram, fingiram-se ‘’revoltados’’, tiraram as roupas amarelo-verdes da Copa e, depois, de uma nova Marcha da Família pela Pátria, agregando desde golpistas, saudosistas da Ditadura, evangelizadores fundamentalistas, neo-nazistas até a  TFP. Passado o domingo e sua exibição, voltaram para seus sofás e suas varandas.

Demonstrou-se, entretanto, claramente, para os que querem enxergar, que podemos todos nos torna uma massa corrompida que cospe a Mentira e a Agressão para sua própria produção de farsa, daquilo que julga, freneticamente, combater: a corrupção.

Estes recentes fatos massificantes, que antevi em 2013, também confirmam como, por que e para quem podem se tornar um mar falso revolto,  por ondas fascistantes, areias movediças dos preconceitos e velhos rios turbulentos das Águas de Março de um Golpe civil-militar. Águas barrentas, vistas apenas um temporal, hoje só uma chuva que decantou essas areias, demonstrou que o “mar não tem limites internos e não está dividido em pequenos povos e territórios”.

O Tsunami instituído e politicamente desejado ainda não veio. Entretanto, mais uma vez, como repetição neurótica e histriônica, nos mostrou a máscara triste e carrancuda dos micro-fascismos instituídos e latentes em nós. Os monstros fardados, aparentemente adormecidos-anistiados, dos porões da Ditadura foram invocados, militarescamente, seriam e serão, como velhos refrões e clichês: os restabelecedores da Ordem e do Progresso.

 Essa mesma ordem que suprime o que mais precisamos: a diversidade, a floresta tropical dos conhecimentos ou atlântica das liberdades civis. Sabemos que árvores, simbólica e ordenadamente enfileiradas, lembram bem as milícias, as patrulhas e os exércitos.

Nenhum dos seus “indivíduos” escapará, como um símbolo, da atração pelo fogo grupal e seu incêndio, à destruição de sua própria existência. Como diz Canetti, dentro dessa imobilidade múltipla, com raízes bem duras e fincadas, os troncos (indivíduos) podem ser cortados, mas não movidos. Ficam como os campos arrasados ou minados. Restos de árvores que podem ou não renascer.

Segundo ele, “a floresta se converteu num símbolo do exército: um exército em formação, um exército que não foge (à luta) em circunstância nenhuma; que se deixa despedaçar até o último homem antes de ceder um único palmo de terreno”. 

Assim também se criam desertos e homogeneidades ideológicas. Assim, naturalizamos e banalizamos as violências dessas chamadas “manifestações pacíficas”, apesar de seu claro desejo de devastação do que escolhem como os “inimigos”: desde um Partido/Governo até os sem-teto, os sem-terra, os off-line.

Os “novos” oponentes ou ameaças, ou mesmo os que ficaram e ficarão fora, como já o são estes “divergentes embora emergentes” na Sociedade de Consumo e do Espetáculo. Para tanto basta que os marquemos com uma estrela vermelha ou mesmo aquela amarela do nacional-socialismo alemão. Um estigma, uma discriminação e identidade. Então viram menores infratores ou maiores delatores.

Os antigos “bodes expiatórios” só trocam o pijama listrado por uniformes pardos. Os velhos guerrilheiros pelas novas/velhas calças jeans desbotadas ou surradas.  E, alinhados com os nacionalismos, serão alistados nesse exército da salvação, vestirão novos ternos e novas gravatas políticas ou jurídicas. Proclamam sempre um novo país, mas mantem as velhas posturas despolitizantes das maiorias.

Surgem aí as violências subterrâneas, enraizadas historicamente nos muitos anos de colonização e escravatura. Os bem-nascidos continuam sendo uma suposta “classe”. A chamada “elite”, branca, culta, muito ou pouco rica e que não precisa de cotas. Uma parcela que se diferencia e tem como identidade a sua individualista forma de viver. Dizem-na sempre “média”. Para mim tornou-se mais que isso: supõem-se mais “normais” e “íntegros” do que qualquer Outro das chamadas classes subalternas ou inferiores.

 Incomodam-se com essa ascensão desses Outros, na maioria afrodescendentes ou ‘mestiços sócio-econômicos’, aos direitos sociais e às galerias dos shoppings, onde ameaçam os novos grupelhos de “nossos filhos com escola privada, smartphones e roupas de grife (mesmo que estas sejam fruto de trabalho escravo)”. Seriam eles os novos bárbaros? Ou apenas são descendentes de outras raças, outras terras, outros planetas?

Nesses dias, tão comemorativos, inclusive daqueles que chamamos de pessoas com Síndrome de Down, muitas vezes vistos ainda com extraterrestres ou mongóis, portanto invasores, assim como os meninos e meninas negros em um shopping, é que percebemos o quanto ainda discriminamos, rejeitamos e fingimos aceitar essas diferenças e diferentes em nosso casto e puro mundo idealizado. Para eles abrimos espaços, já que estiveram muitos séculos fora-das-leis e dos direitos, em novas massas a serem incluídas.

E desejamos tanto usar o discurso da inclusão que acabamos por criar novos e sutis modos de exclusão, ou mesmo de extermínio, inclusive com as biopolíticas e as engenharias genéticas. Usaremos tanto o discurso da prevenção dos erros genéticos como os discursos falaciosos de suas proteções. Serão todos homogeneizados, todos reformados ou remodelados. A sua presença não significará sua garantia de re-conhecimento.

Se nos faltar a água, se cortamos todas as árvores, se secarmos todas as nascentes, desmatarmos e des-florestarmos nossas relações e afetos, assim massificados não escaparemos dessa insensibilidade cruel. Uma cruel compaixão.  O Outro excluído  pode ser a fonte a ser destruída. Ele encarna o que nos dizem ser o “Mal” ou “Mau”.

Esse Mal, o mesmo que ouvi gritarem das janelas e sacadas, que foi midiaticamente localizado em uma figura de poder. Esse Mal que ocupa mais espaço nas redes sociais que todas as vacinas para o HIV. Esse Mal que “tem de ser cortado pela raiz”, o mesmo que é banalizado quando olharmos para esses dados: “no Mundo 768 milhões de pessoas ainda não tem acesso à agua tratada; 2,5 bilhões de pessoas têm condições sanitárias ruins ou  péssimas; 1,3 bilhão não tem acesso à eletricidade...”(*).

 E, por exemplo, mesmo que sejamos uma parte invisível de mais de 25 milhões de pessoas com deficiência, ainda, para além das Leis de Inclusão, continuamos diferentes e desiguais. Afinal, a desigualdade já é ”natural e da Natureza” (inclusive da “humana”). Estes sujeitos ainda continuam, assim como os marginalizados, fazendo parte destes números apresentados acima. Ocupam, junto de jovens, negros, mulheres, lésbicas, trans, homossexuais, pobres e outros desfiliados a massa quase líquida como sua modernidade. Ainda são descartáveis. São "menores"?.

Não importa a falta de água, da privada ou da luz acesa, na casa ou teto desses “incômodos e estranhos vizinhos”. Importa, cada dia mais, o quanto de grana conseguimos ganhar, gastar ou poupar para nossos consumos autorizados, compulsivos e sacralizados. A escassez, inclusive de afetos, que produzimos ou somos coautores não nos sensibilizou nem um pouco. Esses Outros são apenas os que são “portadores” ou “desviantes”.

E o nosso vizinho, aquele ali do lado no condomínio (fechado ou sob vigilância crescente), é apenas um brasileiro “normal”. Mas se aplicarmos as lentes da Arendt, olhando-o trans historicamente, ele fica parecido com o ‘bom’ homem que foi Eichmann.  Como o oficial burocrático do campo de concentração nazista do passado, hoje, podemos ser apenas um bom pai, ou boa mãe, um sujeito de boa família, com um bom sobrenome, de tradição e de direitos. Somos e seremos aqueles que “nunca transgrediram ou transgredirão, ou violaremos uma lei, ou estacionamos em vagas prioritárias, ou nem vemos placas de trânsito sobre nossos tempos da velocidade”. Como dizem: estes seremos, os imaculados cidadãos e cidadãs “que nunca se corromperam e nem se corromperão”.

Entretanto, quando perdidos diante da seca e do incêndio da floresta, suplicantes por uma gota de chuva iluminadora, diante do enorme buraco negro de nossas securas humanas, nos tornaram uma máquina, um exterminador, ou um perigoso e voraz animal. A sua e a nossa banalizada violência agora pode ser grupal. Valerá tudo para que tenhamos o “poder” de “limpar a sociedade” dos que se tornaram os “culpados” de toda essa “desordem político-institucional e socioeconômica”.

Mais uma vez lembro Canetti: “No tratamento dos judeus (e todos os dissidentes políticos, ideológicos, raciais ou sexuais), o nacional socialismo (nazismo para os que ainda não sabem disso) repetiu da forma mais exata possível o processo da inflação. Primeiro eles foram atacados como maus e perigosos, como inimigos; depois foram sendo cada vez mais desvalorizados (associados à inflação e desvalorização do marco alemão);... e, no final, eles eram considerados literalmente como ‘insetos nocivos’, que podiam ser exterminados aos milhões”. E lema ainda é usado pelas corporações: Arbeit Macht Frei – O trabalho liberta...

Os “homens e mulheres do Bem”, nessa Idade Mídia, com suas cruzes ou seus tabletes, armados e municiados da mais pura alienação ideológico-política, tornam-se os “novos cruzados”. Reapresentam a suástica no mesmo cartaz ou faixa que pede intervenção militar. Os anunciadores do apocalipse da Terra Brasilis vestem seus uniformes. Hasteiam a bandeira da Tradição, da Família e da Propriedade. Tingem os rostos como de fosse para uma guerra santa. Iludem-se, quiçá, alucinam, com a miragem que lhes foi vendida como oásis.

 E, aí, deixam o homem “comum” se tornar uma das forças do Mal. O mesmo que lá nas histórias totalitárias se transfigurava em legítima violência em nome da Segurança Nacional. Aquele que pode legitimar as piores torturas ou aprisionamentos. E, sedentos de identidade, tentarão, como massa inflacionária, como uma dengue, uma epidemia “legal”, contaminar o máximo possível em direção às massas que se pretendem um milhão.

Eles e elas, ao se vestirem em suas uniformidades bicolores, nacionalistas e excludentes, acabam por esquecer as cores de seus próprios corações. Afinal ainda dizem que nosso sangue comum é vermelho. Passam e desfilam em avenidas, mas nunca irão conhecer as vielas, as ruelas e os becos transversais. Afinal ainda reservam esses locais para o ‘’proletariado’’, “pobres”, “povo” ou “favelados”. Cuidado ali é uma comunidade onde as balas se perdem, os corpos podem ser arrastados, e, para sua segurança, procure a Rota.

Passado o calor do pequeno incêndio explorado por lentes de aumento, não desprezando seu potencial virulento e dessensibilizante, as panelas voltam para as mãos das empregadas domésticas. O nosso pão de cada dia é recheado de manteiga, os afagos nas PMs desaparecem, enchemos os nossos poluidores veículos com os combustíveis antes do fim do pré-sal, e nossas mesas fartas/opulentas continuam, assim como as televisões de tela plana e mentes também, imóveis como os eucaliptos em falsas florestas. Até sermos abatidos.

O único risco que corremos e corremos, se continuar essa Onda, é que tenhamos de lembrar que revoltadas deveriam estar essas pessoas off-line, marginalizadas de todas as redes, hora esquecidas e, apenas eleitoralmente, hiper “incluídas”. Entretanto, permanecem ainda vítimas de todas as violências, desde as urbanas visíveis às domésticas invisíveis. Violências e vulnerações já naturalizadas, em especial contra, aqueles que classificamos, como no Espetáculo das Raças, como vulneráveis, desviantes, desnaturados, desfiliados ou incapazes da auto-defesa.

Eles tenho certeza, não são e nem serão os que mais esperdiçam as águas, desmatam o futuro, mas podem vir a ser as massas que terão o papel de enfrentamento das neo-colonizações e dos novos Impérios.

ENTÃO, em seu nome, sem sua autorização, podemos, todos e todas, com “classe”, comemorar os dias ‘’internacionais”: da Criança, da Síndrome de Down, da Eliminação da Discriminação Racial e do Racismo, da Poesia, das Florestas, da Água.

E, como todo dia é de reinvenção e poesis, quem sabe um dia, em sonho e porvir, inventemos a não repetição de milhares ‘’Noites dos Cristais” de massa, milhares de dias de Muros a derrubar, seja em Berlim ou na Palestina ou no México,  milhares de Golpes a desmantelar já que nos demolem direitos humanos, milhares de  Falsas Re-involuções ou Massas Fanáticas, que não distribuem rosas ou cravos, mas sim distribuem, sem distinção de classes sociais ou econômicas, os piores espinhos ou venenos ideológicos.

Enfim, semeiam, mesmo nas mentes mais desérticas, os narcisismos das pequenas diferenças e o ódio ao Outro e à Diferença... Já nos re-conhecemos como massa, quando seremos uma multidão? Quando seremos nossa mais im-pura água semeadora de múltiplas florestas humanas, como plural das diversidades e das diferenças desejantes?

Copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-16 ad infinitum - todos direitos reservados 2025 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios ou mídias de e para as massas)

LEITURAS CRÍTICAS PARA OS NEO-REvoltaDOS E DES-MATADORES DO FUTURO (assim como releitura para os que ainda sonham e são chamados de utópicos ou ‘vermelhos’, pois eu sei que sou e serei, poeticamente, sempre PRETO, trans-portando a combinação de todas as cores):

MASSA E PODER – Elias Canetti, Editora da UNB/Melhoramentos, Brasília, DF, 1983.
O ESPETÁCULO DAS RAÇAS (Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil)– Lilia Moritz Schwarcz, Editora Companhia das Letras, São Paulo, SP, 1993.

EICHMANN EM JERUSALEM (Um relato sobre a Banalidade do Mal – Hannah Arendt, Editora Companhia das Letras, São Paulo, SP, 1999.

SOCIALISMO OU BARBÁRIE (O Conteúdo do Socialismo) – Cornelius Castoriadis, Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 1983.

O SILÊNCIO DO ALGOZ (Face a face com um torturador do Kmer Vermelho) – François Bizot, Editora Companhia das Letras, São Paulo, SP, 2014.

O QUE É VIOLÊNCIA SOCIAL - Antônio Zacarias, Daniel dos Santos, Jorge Márcio Pereira de Andrade, Ricardo Arruda, Escolar Editora, Coleção Cadernos de Ciências Sociais (Org. Prof. Carlos Serra), Lisboa, Portugal.

Indicações de matérias da Internet ligadas ao texto:


No Dia Internacional das Florestas, ONU lembra que 1,6 bilhão de pessoas depende delas para viver https://nacoesunidas.org/em-dia-internacional-das-florestas-onu-lembra-que-16-bilhao-de-pessoas-depende-delas-para-viver/

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

ÁGUA PARA QUE TE QUERO? Dia Internacional da Água https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/03/agua-para-que-te-quero-dia.html

A CORÉIA DO FANATISMO POLITICO E O FANATISMO RELIGIOSO DO PASTOR: estamos no Século XXI? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/04/a-coreia-do-fanatismo-politico-e-o.html


RACISMOS, BARBÁRIES, FUTEBOL... ONDE ENTRECRUZAM AS VIOLÊNCIAS SOCIAIS? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/05/racismos-barbaries-futebol-onde.html

MOVIMENTOS, MASSAS, MANIFESTOS E HISTÓRIA: POR UMA MICROPOLÍTICA AMOROSA, URGENTE. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/movimentos-massas-manifestos-e-historia.html

A MÁQUINA DA EMPATIA – INCLUINDO A REINVENÇÃO DO OUTRO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/12/maquina-da-empatia-incluindo-reinvencao.html

domingo, 7 de setembro de 2014

PSICANÁLISE, MACROPOLÍTICA, RELIGIÃO E O ‘’PONTO MORTO’’.

Imagem publicada - Sigmund Freud em 1938, já em Londres, após ser resgatado das garras cruéis e mortais do Nazismo, mas mostrando na face o efeito de mais de 30 cirurgias para o tratamento de seu câncer de palato e da mandíbula direita. Está de óculos redondos, de olhar firme e sereno, enfrentando todas as barreiras que lhe foram interpostas.  Está sem o tradicional charuto na boca. A barba  já está totalmente branca e o rosto emagrecido, por "sua" neoplasia. Apenas um homem, um homem visionário e persistente. Entretanto, por sua postura, não foi e nem deveria ser vilipendiado nem pela política e muito menos pela religião. Ambas não responderam ao seu desejo de outro futuro diante do mal estar na civilização da humanidade. (fotografia com a letra de Freud abaixo dela, com sua assinatura junto com a data 1938)

“Se eu governasse um povo de judeus, restabeleceria o templo de Salomão” (Napoleão, citado por Gustave Le Bon – Psicologia das Multidões, 1895).

E, a Universal, que não é a do cinema ou da tv, e cada dia mais utiliza de todos os meios e mídias, mas das salvações histriônicas, reconstruiu e se “fingiu” e mimetizou como se judaica fosse lá em São Paulo... O Napo Edir demonstrou-se ao seu ‘povo eleito’ e ungido. E foi louvado?

Após uma notícia sobre o uso da Psicanálise para fins de “evangelização” fui lançado novamente a um tema que pesquisei. Estas investigações e pesquisas foram a base de minha aprovação no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Lá nos anos 70, mais precisamente em 1979, com a tese: Psiquiatria, Psicanálise e Religião podem coexistir?

Repito agora, nesses novos tempos pastorais, a interrogação. Apenas modifico com a inclusão da palavra POLÍTICA. E insistirei na busca de outra resposta: macro política, psicanálise e religião podem coexistir?

Segundo a matéria publicada recentemente há, para alguns oportunistas e mistificadores, uma nova utilidade dos conhecimentos descobertos e inventados por Sigmund Freud.

 Os pastores evangélicos utilizariam psicanálise para “cativar fiéis”. Digo que gostei dessa provocação, pude retomar um tema já estudado, e, mais ainda demonstrar a ambivalência que o termo “cativar” nos pode significar. Para mim não coexistimos e muito menos compartilhamos quando presos, iludidos, amarrados a quaisquer messianismos.

Torna-se cativo ou cativar fiéis pode ser também aproximado de cativeiro. Um local, que pode se o Templo de Salomão, onde mantem-se aprisionados e seduzidos milhares de pessoas. Uma massa ávida da salvação e de milagres. Um grupo humano que para O Futuro de uma Ilusão (Freud, 1927) pode estar buscando a repressão: “Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de ... coerção e renúncia às pulsões. ".

Não é por menos que alguns Pastores, como Mala&Faia, Marco Feliciano e cia, fazem uma cruzada homofóbica, tornando-se, neuroticamente, histéricos e vociferadores diante dos avanços dos direitos humanos para as diversidades sexuais no país. Como ocupam, cada dia mais, cargos de poder político torna-se necessário buscar o seu utilitarismo presente e futuro, inclusive nos discursos eleitorais recentes.

 Assim as Macropolíticas e a Religião passam a andar de braços dados. Quem sabe não estamos vendo aí “o retorno do reprimido”? Tenho a certeza científica de que, historicamente, desejamos nos nossos âmagos essa forma de controle. Entretanto também, em alguns corpos e mentes, as repudiamos, a elas estamos resiliente e ativamente combatendo.

Uma forma de controle que passa tanto pelas sutis biopolíticas assim como novos micros lugares onde os poderes serão exercitados e produzidos (Foucault). Reprimimos tanto quanto fomos reprimidos pelo Estado, como o caso brasileiro dos Anos de Chumbo, que ainda passam como verdade alguns discursos políticos de salvação da Ordem e do Progresso. Oferecem e prometem um lugar neutro e apolítico.

Este é o discurso que mais temo. Se procurarmos suas raízes histórico políticas encontraremos o “Vital Center” (Arthur Schlesinger, 1948). Um modelo de passeia entre a democracia e totalitarismo, hoje, também próximo dos fundamentalismos, que foi chamado de “meio da estrada”.

O modelo que foi abraçado por Ronald Reagan e Bill Clinton, tentando eliminar as competições entre o liberalismo e o conservadorismo, mas mantendo, para tal, uma postura “em cima do muro”, nem esquerda, nem direita. Muito pelo contrário uma forma de governabilidade que geraria e gerou um “ponto morto”. O ponto que não é de mutação, e, mesmo negando, é conservador e hipercapitalista.

Esse ponto foi também o que gerou algumas das crises econômicas que saíram do bojo do Império, nascente histórica de novas recessões, novos horrores econômicos. Horrores que justificam e justificaram a busca de posturas fascistas ou totalitárias, ou em sua máscara usada e velha com o acréscimo do termo NEO. O Neoliberalismo aí se cultiva, e, a muitos e muitas, cativa. Os “pontos mortos” são areias movediças para a História.

Há, então, que compreender e buscar respostas diante das novas estratégias de controle seja pela política, aqui como bio, das novas ondas de fundamentalismo religioso ou até mesmo pelos usos midiáticos ou evangelizadores da Psicanálise, mais uma vez anunciados.

Freud não teve a pretensão de que a psicanálise pudesse ser uma alternativa à política. Entretanto, deve se sentir ofendido pelos que usurpam sua Terra Psicanalítica com bíblias nas mãos. Ele, com certeza, se sabia e se sentia um judeu, mas não um rabino.

Apropriações ideológicas ou mistificadoras de quaisquer conhecimentos devem ser por princípio rechaçadas. O que faria Sigmund entrando ou participando de uma festa de reinauguração do Templo da Universal? Duvido que muitos achem que ele aceitaria. Eu digo que não. A sua vida e obra caminham em outra direção, buscam solver outros mistérios, outras verdades. Os novos vendilhões seriam expulsos do Templo? Ou com o Tempo?

Segundo Chemouni:”... Freud era um explorador modesto. Elaborou com tanta paixão a ‘sua’ psicanálise  que, mesmo se tivesse desejado, não teria tido tempo para entregar-se a outras tarefas”. E, vivendo em uma virada de séculos, com o recrudescimento do antissemitismo, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Comunista e muitos “ismos” surgindo, não se tornou um ‘sionista’.

Hoje, acho eu, ele não autorizaria um massacre genocida da Palestina para que a Declaração de Balfour (1897) em seu objetivo de “encorajamento da colonização da Palestina por fazendeiros, camponeses e artesãos (judeus)”, utilizasse a guerra e a invasão como recentemente tele assistimos. Freud desconfiava da política. Nós somos treinados para desconfiar dos políticos e sua representatividade.

Ele teria, hoje, que reconhecer os desvios teóricos que a Psicanálise vem, historicamente, padecendo e/ou reproduzindo. O “Pai da Psicanálise” teria que re-conhecer as demolições de conceitos feitas por Guattari e Deleuze. Ambos seriam iconoclastas?  Quem sabe o criador, para além dos freudismos, leria com outros olhos o Anti-Édipo? Aceitaria a afirmação deleuziana “de que não devia considerar o desejo uma superestrutura subjetiva mais ou menos no eclipse”? O desejo e suas máquinas não cessam, não se limitam, podem transbordar, mas podem ser capturados pelas políticas.

Na sua Ilha Deserta, Deleuze, nos lembra, em debate com François Chatelet, Pierre Clastres, Roger Dadoun, Serge Leclaire e outros, a visão Guattari-deleuzeana de que “o desejo não para de trabalhar a história, mesmo nos seus piores períodos. As massas alemãs acabaram por desejar o nazismo...”. E, em nossos debates macro políticos atuais que desejo estamos pressentindo das nossas massas? O do ressentimento?

Ainda somos os mesmos daquelas massas, não-multidões, que foram para as ruas em Junho de 2013? Onde foi parar a nossa indignação e revolta? Guattari e Deleuze no debate citado nos dizem: “- Em certas condições as massas exprimem a sua vontade revolucionária, os seus desejos varrem todos os obstáculos, abrem horizontes inauditos, mas os últimos a se darem conta disso são as organizações e os homens que se supõem representá-las...”.

Repetirei ou não o convite à interrogação, no texto de 14 de junho de 2013: A PRAÇA É DO POVO? AS RUAS SÃO DOS AUTOMÓVEIS E ÔNIBUS? E DIREITOS HUMANOS SÃO DE QUEM? Ou vou convidá-los a uma posição mais ativa e participante, micro e macro politicamente? Vamos retornar, retroceder, ceder e optar pela chamada “Nova Política”?

Um recente manifesto do Clube Militar, que abre os braços para esta “nova política”, afirma que a candidata evangelizadora será a melhor opção para não tocarmos nas feridas abertas pelos Anos de Chumbo.

Vamos realmente reconhecer que são os corpos torturados, destruídos e lançados no Cemitério de Perus? E os responsáveis, inclusive o Governo da época, seus generais, almirantes, comandantes, seus subordinados ou seus algozes autorizados irão ser julgados, para além da Anistia? Por que estes senhores de pijamas com estrelinhas aposentadas estão com o poder de se afirmar os herdeiros da Ditadura Militar?

Acredito que eles desejam a manutenção de um Estado repressor, um Estado que possa ser tão sedutoramente “novo” que suas antigas repressões políticas sejam “esquecidas”. Volto, então, a Deleuze e Guattari que nos indagam: “Se é verdade que a revolução social é inseparável de uma revolução do desejo, enquanto a questão desloca-se: em que condições poderá a vanguarda revolucionária libertar-se da sua cumplicidade inconsciente com as estruturas repressivas e frustar as manipulações do desejo das massas pelo poder...?”

Estamos ávidos de servidão ou de salvação? E os pastores políticos serão nossos salvadores ou nossos “novos” senhores? Na vida política, seja nas macro ou micro políticas, ou nas psicanálises não deve haver espaço para neutralidades, mitificações ou mistificações.

Vamos acordar, ou seja, vamos colocar nossos corações e mentes em sintonia, e aí a Psicanálise talvez possa contribuir, mas nunca poderá substituir nossa busca de vontade política e de outras cartografias para o viver.

Para a resposta sobre a coexistência das práticas políticas, das psicanálises e das religiões, instigo a todos e todas buscarem as implicações que cada campo do viver citado propõem. Olhemos as fotografias ou imagens maquiadas com outras visões e pontos críticos. 

A de Freud, lá em cima, nos traz alguém que resistiu, com determinação, tanto ao Nazismo/Fascismo quanto ao próprio câncer do palato e de mandíbula. Sua memória fotográfica aí é a da re-existência que tanto falo e escrevo. Photoshops, há outros sendo midiatizados, seja de candidatos, candidatas, pastores ou não, mas que nos anunciam ‘novas-já velhas máquinas de Poder’ ou de “Glória”.

Concordo aí com Debray que nos diz que: “Reconhecer que existe algo mais do que a máquina na máquina destinada a transmitir é sugerir que, na arte de governar, há menos arte do que se possa presumir e mais mecanismo do que o próprio artista possa imaginar...”. Somos a Sociedade do Espetáculo, do Controle e da Hipermidiatização do viver?

Por isso, olhando para o nosso futuro sem ilusão, novamente, me/nos pergunto: - somos apenas espectadores televisivos, marionetes midiáticos, fanáticos religiosos ávidos da Salvação e da imortalidade, ou tornamos insondáveis que somos como um Inconsciente Maquínico, apenas criticamente mais e mais humanos que não abrem mão e negociam seus princípios éticos e seus direitos?

Copyright/left – sem estar no centro, muito pelo contrário jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação para e com as massas) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025.

Matérias citadas e “visíveis” da Internet


Vital Center - Arthur Schlesinger, em "Introdução à Operação Edition" de The Vital Center https://en.wikipedia.org/wiki/Vital_Center

FREUD NÃO EXPLICA! Pastores brasileiros usam psicanálise para cativar fiéis evangélicos https://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=6&cid=209189

E para a “revelação” ou “insight” sobre o momento político-pastoral - VEJAM O VÍDEO, REFLITAM E COMPAREM COM VIDEOS DO PASSADO DOS QUE PROPUSERAM O FASCISMO COMO SOLUÇÃO: Pastora Ana Paula Valadão, "muito louca", profetiza a chegada da hora da igreja na política COMO UM EXÉRCITO? ou COM O EXÉRCITO?) https://www.geledes.org.br/pastora-ana-paula-valadao-muito-louca-profetiza-chegada-da-hora-da-igreja-na-politica/#axzz3CdwTGJik

Indicações para leitura crítica e reflexiva –

O FUTURO DE UMA ILUSÃO /TOTEM E TABU/ MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO – Sigmund Freud, Editoras Imago e Companhia das Letras, com edições diferenciadas pelas traduções e pelos tradutores.

FREUD E O SIONISMO (Terra Psicanalítica Terra Prometida) – Jacqui Chemouni, Editora Imago, Rio de Janeiro, RJ, 1992.

A ILHA DESERTA e outros textos – Gilles Deleuze, Editora Iluminuras, São Paulo, SP, 2006.

DIFERENÇA E REPETIÇÃO – Gilles Deleuze, Editora Graal, Rio de Janeiro, RJ, 1988.
O ESTADO SEDUTOR (As Revoluções Midialógicas do Poder) – RÉGIS DEBRAY, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1994.

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quinta-feira, 20 de junho de 2013

MOVIMENTOS, MASSAS, MANIFESTOS E HISTÓRIA: POR UMA MICROPOLÍTICA AMOROSA, URGENTE.


Imagem – uma série de fotografias que tirei há muitos anos, em 1989, no Rio de Janeiro, com imagens de passeatas que foram feitas durante a campanha eleitoral de Lula. Um mosaico de recordações. Há um grupo de crianças, em preto e branco, chamadas de “lulinhas”, e que se reúnem com um grupo coeso. Há uma foto tirada do alto do Sindicato dos Bancários que mostra a multidão que se aglomerava na Avenida Presidente Vargas. Há uma foto colorida, para mim emblemática, pois é um grupo de mães com carrinhos de bebês que participam ativamente, com suas flores ou bandeiras, sem nenhuma forma de sensação de ameaça pela sua exposição e das crianças, no meio da Avenida Rio Branco, bem próximo de onde recentemente ocorrem os conflitos em frente da Alerj e do Teatro Municipal. Foram homens, mulheres, jovens sonhadores, idosos ativistas e principalmente, milhares de crianças... Porque será que agora não mais estão por lá?  Essa multidão, aparentemente, “pacífica” foi substituída por quem e quais grupos sociais ou políticos? Éramos mais amorosos, mais politizados ou menos violentos?

“Oh!... Minha irmã Violência, minha lassidão...
Oh! Tu juventude sempre agarrada ao livro
Há que fazer amor como quem vai à escola,
E, depois vir para a Rua,
Há que fazer amor “como quem comete um crime...” (Léo Ferré, 1967/68).

Éramos, somos e seremos sempre DIFERENTES.

Reencontro através dessas imagens, pois estava lá totalmente implicado com os desejos dessas massas, com um tempo que se ensaiavam exercícios micro de mudanças macro políticas. Queríamos eleições, candidatos com partidos definidos, propostas e pautas para uma futura governamentabilidade nacional DEMOCRÁTICA. E as bandeiras eram agitadas sem temor ou terror. Éramos constituintes.

Em 23 de setembro de 1987 participei de uma mesa redonda promovida pelo Núcleo Psicanálise e Análise Institucional, para o lançamento de sua clínica, com o título: O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA. Nela foi que apresentei um texto que recentemente encontrei guardado. Em papel datilografado, por uma velha máquina de escrever, amarelado e esmaecido pelo tempo. Passaram-se 25 anos.

O texto teve a contribuição e participação em sua leitura pública de uma grande amiga: Lília Lobo. E nós nos apelidávamos de ‘dupla sessenta e nove’, uma alusão às nossas implicações com o ano de 1968.  O mesmo que está no cartaz que utilizei no meu texto anterior.

Apresento, então, como reflexão, alguns trechos que completam minhas lembranças suscitadas pelas fotos embaralhadas pelo tempo e pela História. E a poesia que cito no início deste texto também já foi lida em público. 

Nesse debate, além de nossa dupla afetiva, estavam no Espaço Cultural Sérgio Porto, dois importantes representantes da luta contra a ditadura: Fernando Gabeira e Herbert Daniel.

Com eles compartilhamos nossos desejos instituintes. E dissemos: “O crime (alusão ao texto de Ferré) que nos últimos tempos vive associado às paixões, consideradas tão violentas e arrasadoras, virou assunto de especialistas, leis, normas e prescrições...”. Ali já se discutiam  as marginalizações que se aplicavam às diferenças e aos diferentes. Estávamos em um ano pré-Constituição.

Dizíamos: “... Estamos em um momento em que os arautos da Salvação (já existiam os fundamentalistas e os radicais de direita) da República Eldorádica nos avisam da chegada espetacular de Tempos de Constituinte, onde os prazeres e as alegrias,  para felicidade geral e a Segurança Nacional (construíam-se as bases dos projetos de lei que hoje o Pastor e sua gang tentam sorrateiramente aprovar para “curar psicologicamente homossexuais”). Serão catalogados e as novas Condutas (morais) elaboradas. Enfim seremos SALVOS...”.

Ontem, 18 de junho de 2013, mais um dia de Orgulho (Autista), após todos os protestos generalizados, aproveitando-se da “cortina de fumaça” desse calor e onda das massas, o Pastor conseguiu aprovar o absurdo e aético projeto de lei que permite às pessoas ditas “homossexuais” serem tratadas, e salvas de sua corrupção carnal antirreligiosa, por psicólogos. Anunciávamos, nesse debate histórico, o Futuro?

Não, apenas já dizíamos: “... o que vemos e assistimos são seres humanos e sua terra em transe e em transição... vivemos ainda a experiência da Miséria e a experiência da Impotência, somos assaltados pelas Dúvidas e pelas Dívidas... E, por isso perguntamos: - o que poderemos esperar de um Povo assim massacrado?”.

Como tentativa de ampliar a visão micropolítica que já partilhávamos no Núcleo, com muitas intensidades e multiplicidades, convocávamos às pessoas, aos que lá estavam, para saírem de suas paralisias, de seus enclausuramentos, de seus isolamentos narcísicos, e principalmente do Medo. Já dizíamos da importância de ações que nos incomodassem e nos levantassem de nossos conformismos aburguesados.

Desejamos, nestes tempos coléricos, como psicólogos e psicanalistas que não se diziam neutros ou neutralizados, a criação de dispositivos analisadores, históricos ou não, que desvelassem os ocultamentos das formas de amar e amor homoeróticos. E denunciar as violências silenciosas e silenciadoras de quem ainda não recebera a denominação de homofóbicos.

Éramos profissionais que buscavam a Análise Institucional, como um movimento instituinte, para quebrar o distanciamento das realidades para além dos divãs. Muitos e muitas que acreditavam na necessidade de propor novas formas de amor e de amar como antídoto para os preconceitos e para despolitizações do viver, inclusive dos modelos psicanalíticos daquela época histórica.

Pudemos ter a honra de ouvir um ex-guerrilheiro, Herbert Daniel, nos afirmar que houve, também, a repressão ao amor pelo igual, como quaisquer das sexualidades “diferentes”, dentro das esquerdas brasileiras. E, com sua lucidez e vivência, nos alertar para o quanto reproduzimos os modelos de moralidade do Século XVII ou XVIII, apegados a estigmas e preconceitos religiosos, políticos ou sociais.

Já dialogávamos sobre a necessidade de provocar incêndios. Não os que devastavam, à época, quase metade do estado de Rondônia. Não desejamos, nesse tempo, e, espero ainda hoje a aridez dos desertos e a devastação. Creio que, hoje, essas massas incendiadas e incendiárias podem estar apenas reproduzindo o seu maior símbolo: o Fogo.

Essas multidões nas ruas, esses protestos, essas manifestações, pela ótica de Canetti, podem nos ensinar um pouco sobre o poder das massas. Assim como o fogo se propagam, contagiam, como diz a repórter da TV: “até os sexagenários...”. Elas ainda são insaciáveis. Não param e não se extinguem, com os recuos políticos. Mesmo diante de suas forças repressoras das balas de borracha, bombas ou polícias. Não adiantarão os brucutus com jato de água fria. Não apagam. Nem serão apagadas da História.

Portanto, caros senhores instituídos nos Poderes, ora podres, ora prostituídos e corrompidos, é hora de re-conhecerem um pouco das visões dos movimentos institucionalistas. Hora urgente de buscar respeitar uma micropolítica em ação, que se traduz nessas revoltas. Hora também de uma micropolítica que resgate as múltiplas formas de amar e ser amado.

No Amor em Tempos de Cólera coletiva, como dissemos: “... estamos (e agora revivo) em plena RÉ-VOLTA do mito pestífero (citação ao livro A Peste, de Albert Camus, e alusão ao advento da AIDS nesses Anos 80), dentro de nosso país multifacetado e de tensas multiplicidades...”. Tivemos o temor de que: “... nosso caldo gelatinoso (as massas) que ameaça endurecer, em uma transição sob o signo da insegurança nacional, assistirmos uma transformação e transfiguração dos agredidos em agressores, dos humilhados em invasores humilhantes, dos injustiçados em linchadores justiceiros...”.

Portanto, prezados midiatizadores e formadores de opinião, principalmente sob a ótica da Globo/Veja, assim como governantes, à moda de Alckmin ou Cabral, não quero ter de repetir o aviso. São massas, são famélicas de alguma forma de poder, são múltiplas e heterogêneas (já existem cartazes defendendo a perda da maioridade penal). Podem se tornar até destrutivas, mas não se tornam na totalidade queimadas, não são poluentes e tem fuligem.

Há quem se aproveite da ocasião e, incitados por quem assim o deseja, que se ataquem as bancas de jornal, os microfones disfarçados, as câmeras e os carros de reportagem, assim como as portas de ferro dos espaços públicos que representam alguma forma de Poder instituído. Mas observem que estas fúrias são localizadas, pontuais e isoladas, como algumas formas de incêndios intencionalmente provocados.

Porém como o fogo deixam cicatrizes indeléveis. Há, porém, como debatemos calorosamente naquele tempo, a possibilidade de as “curar” com muito Amor. Dissemos: “-dentro desta perspectiva futurística, podemos acreditar que não haverá a tão difundida mudança de comportamento amoroso, o nascimento de uma ‘Nova Sociedade dos Tempos de Cólera’ (coletiva ou individual), pois o que está em foco é uma reafirmação das normas e formas aburguesadas e higienizadas de Amar, e convictos pelo Pânico (uma arma sutil e subliminar que as imagens desse fogo das massas nos produzem) passamos a dizer SIM...”

Passamos, como querem os tempos pastorais, higiênicos, eugênicos e biopolíticos, a dizer sim, passivamente, tempos depois do fogo cessado, à “monotonia das parcerias fechadas em si mesmas, aos pares hiper solitários ou ao extremado celibatarismo itinerante, pensando serem estas as únicas garantias contra a inevitável Morte, muito embora se saiba que estamos há muitos séculos ‘matando’ os amores que não podem ou devem dizer seus nomes”.

Os amores proibidos podem também deixar cicatrizes com o fogo que se produz com massas do ódio e da estigmatização. Estamos na Sociedade do Espetáculo. Os amores outrora negados começam a chocar ou serem chocados dentro das diferentes mídias. A sua visibilidade passa de incômoda a naturalizada. Não são mais violentas para nossos olhos ou mentes conservadoras?

Em imagens que estão sendo enviadas, a pedido da Rede Globo, podemos ver sempre o lado midiatizado dessas massas. São usadas as imagens que tratam estes jovens como vândalos. As cenas de violência sobre os manifestantes não estão por lá. Uma das mais interessantes é um protesto realizado dentro de um shopping, em cidade do interior paulista. Lá estão milhares de jovens gritando e cantando o Hino Nacional e agitando a nossa bandeira.

Não seria estas imagens, também, a denúncia dos nossos novos modos de subjetivação conservadora ou nacionalista? Que revoluções estão se anunciando?
Vem para a rua que é a maior arquibancada do Brasil”. É um dos cartazes escritos à mão e que substituem as antigas bandeiras ou faixas partidárias. Aparece novamente o verde e o amarelo. Nos rostos, nas caras ditas pintadas, em bandeirolas... Porém os estádios e as televisões ainda fascinam a outras multidões, grupos, indivíduos, outras massas.

Houve apenas uma fotografia difundida pelas redes sociais que eu esperava causar mais impacto nos corações que nas mentes. Era um casal de jovens, de dois seres/corpos envolvidos sobre o asfalto, amorosamente, em meio a toda a tropa de choque e bombas de gás lacrimogêneo. Não usavam nenhum vinagre. A sua mistura bombástica era feita de carne humana, sexo, amor e outras violências, como as que Ferré incita aos jovens.

Volto, então, ao texto que li no passado, junto a Gabeira, Daniel e a amiga Lobo: “Para nós o Amar implica in-tensa-idade, como dizem aos jovens que se considera um adulto aquele que se conforma em VIVER MENOS para não ter que MORRER MUITO. Entretanto, como nos diz Edgard Morin, ‘o segredo da juventude é este: VIVER SIGNIFICA ARRISCAR-SE A MORRER, E A FÚRIA DE VIVER SIGNIFICA VIVER A DIFICULDADE...”.

Proclamamos um dia, na busca de OUTRA CLÍNICA, que busca a transposição, analítica e psicanalítica, da CURA DO OUTRO PELO OURO, pela falsa pureza política ou religiosa, como querem estes pastores, deputados e clérigos, muito menos sua produção de uma subjetividade ou grupalidade assujeitada ou assexuada.

Este “... Ouro que integra e entrega o sujeito à Besta Capitalística e Apocalíptica... Para passar para a PRO-CURA DO OURO DO OUTRO, suas preciosidades e amorosidades, assim como seus defeitos e ranhuras... e, beijando na boca o tesouro que cada um esconde, para deixar vazar mútuas ternuras, cóleras apaixonadas, tênues afetos esquecidos, pequenas diferenças insuspeitas...”.

 E, que possamos juntos ou isoladamente, invertendo o temor de sermos tocados pelo Outro, fazer deslizar forças instituintes, como as atuais massas e seu fogo cívico, para o interior das amarras instituídas.

Sejamos agentes e agenciadores de novas singularidades e novas suavidades amorosas, pois como diz Guattari: “Todos os devires singulares, todas as maneiras de existir de modo autêntico chocam-se contra o muro da subjetividade capitalística”. As balas de borracha, já o disse, são as “mesmas” em todas as manifestações de populações insurgentes em todo o mundo do hipercapitalismo.

As fotos que fiz no passado traziam sempre a minha procura dessa outra cartografia para os movimentos de protesto.  Espero que um dia aquelas crianças que fomos, para além dos jovens adultos insatisfeitos ou indignados que estamos sendo, também possam existir no meio dessa multidão, dessas massas.

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2013/2014, atualizado em 2023, ad infinitum - todos direitos reservados  (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de MASSA - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025...)

Citações no texto –

LÉO FERRE – Seleção e tradução de poemas, canções e da carta inédita, Ulmeiro Livraria, Lisboa, Portugal, 1984.

MICROPOLÍTICA: CARTOGRAFIAS DO DESEJO – Felix Guattari & Suely Rolnik, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2005 (7ª edição) – para acesso parcial ver o link - https://pt.scribd.com/doc/80018300/Guattari-e-Rolnik-Micropolitica-Citacoes-Trechos-pt-br

NOTÍCIA sugerida para leitura crítica e revolucionária - Direitos Humanos aprova projeto que permite tratamento da homossexualidade https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/445349-DIREITOS-HUMANOS-APROVA-PROJETO-QUE-PERMITE-TRATAMENTO-DA-HOMOSSEXUALIDADE.html

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