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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

SAÚDE MENTAL? QUANDO INTERNAMOS OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL?



Imagem publicada – imagem de modelo de Enfermaria e leitos do novo hospital, o futuro IAD (Instituto de Álcool e Drogas, a se construído na região da Pompéia, em São Paulo, SP. Segundo a matéria do Jornal da USP, com o endereço (link) citado ao fim desta publicação, “com investimento de R$59 Milhões, o Instituto de Álcool e Drogas (IAD) da USP terá atuação multidisciplinar e oferecerá atendimento à sociedade em geral e à comunidade universitária...”. Um espaço que abrigará uma Unidade de Internação, o Centro de Atenção Psicossocial/Álcool e Drogas (CAPSad), o Ambulatório especializado em dependência química, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), além de programas de capacitação a profissionais que atuem com dependência química no interior do Estado de São Paulo e nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Esta notícia está circulando em minha mente há dias. Li pela primeira vez o texto, ao pesquisar sobre o tema tão falado atualmente chamado de epidemia: o Crack. Minhas situações de afastamento das atividades da Saúde Mental me fazem buscar a manutenção do conhecimento sobre todos seus campos. E, quando, como dizia Nietzsche, nos afastamos da cidadela é que podemos re-conhecer os seus muros...

A construção de um novo hospital, quando existe esse apelo compulsório e biopolítico de internação de todos os “viciados” é sempre uma boa e uma má notícia. E por que existiria e existirá essa ambivalência e ambiguidade?

Primeiro olhamos a notícia do investimento de muitos recursos e de busca de um “enfrentamento” da alardeada e visível situação da drogadição em nosso país. Mas se relemos e repensamos a notícia vamos encontra os seus avanços e seus retrocessos. O que poderiam ser avanços com a estrutura, deste novo edifício de cinco andares, com a ‘’inclusão’’ de um CAPSad ocupando um de seus andares, pode ser a reinserção arquitetônica de um modelo que contraria, por exemplo, a ação dos chamados “consultórios de rua”.

A pergunta sobre a internação dos Centros de Atenção Psicossocial vem desta proposta, com apoio do Governo Federal, da Secretaria Estadual de Saúde e do renomado Instituto de Psiquiatria da USP. Não estaremos ativamente restringindo ao modelo biomédico o cuidado dos cidadãos (ãs) marginalizados, quase sempre sob pontes, à margem de trilhos, ferrovias ou beiras da cidade?

 Estes que vivem drogados e, permanentemente, desterritorializados passam a ser, agora denominados craqueiros, muito embora muitos sejam primariamente alcóolatras e pessoas em situação de rua, alvo de uma reterritorialização e novos cuidados, que podem até ser terapêuticos, mas apenas sob a ótica da internação involuntária ou compulsória?

Estas perguntas são geradas pela minha experiência passada no convívio diário de um CAPS III, os espaços de cuidado e tecnologias de atenção em Saúde Mental. Estes Centros são a proposta da Reforma Psiquiátrica que surgiu, cresce e existe em centros urbanos com mais de 200.000 habitantes, institucionalizados a partir da Lei 10.216/2001, que também abriga, cuida, atende, por equipes multidisciplinares,oferecendo, nas crises, os "leitos noite".

Neste espaço físico e territorial dos CAPS convivem, em intensidades/cuidados diferentes, os usuários que além dos transtornos mentais severos e prolongados, como as esquizofrenias, formam uma heterogênea população que também é usuária das drogas, quiçá uma boa maioria do álcool.

Esta Lei que tramitou por muitos anos nas veredas de uma resistência conservadora e de modelo hospitalocêntrico nos afirma a contradição de um CAPS inserido no “ventre” de um hospital, Basta que leiamos os artigos: “VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental”.

Estes e os artigos antecedentes foram proclamados para garantir os direitos e a proteção de pessoas acometidas de transtorno mental. O que precisamos lembrar é que também, como já foi feito com pessoas com deficiência, foi deixada aberta à interpretação, que digo anti-inclusiva, com o termo “preferencialmente”.

Nessa brecha é que nascem as atuais modelizações de higienização e reinstitucionalização dos “loucos de toda sorte”, ou melhor, os que tornados loucos e perigosos para a sociedade serão tolhidos de quaisquer sortes... E nossos governantes, prefeitos e representantes legislativos, com apoio de “novas” leis, buscam o controle desta epidemia sem vacinas ou tentativas de “cortar o Mal pela raiz”, optando-se pelo método mais antigo: a exclusão dos já excluídos e desfiliados socialmente.

Há, porém formas de tornar mais receptivas e massificadas do que afirmar que um CAPS dentro de uma estrutura hospitalar, como o proposto pela USP, do que dizer que: “está prevista a criação de um ambiente humanizado e INCLUSIVO, adequado ao seguimento da proposta terapêutica interdisciplinar de usuários de diferentes substâncias, portadores ou não de comorbidades psiquiátricas e CLÍNICAS...?”.

A maioria da população, e ousaria dizer até dos que se consideram bem informados e cultos, considerará esta proposta muito apropriada aos tempos que vivemos. Dirão que dentro de um ambiente hospitalar os dependentes serão “melhor” desintoxicados e estabilizados. Mas o projeto terapêutico que está subjacente é o que apontava Foucault em sua desmontagem genealógica dos asilos: é preciso dar uma “direção” aos asilados.

O texto da matéria, muito claro e preciso, nos diz que: “... Pela natureza dos tratamentos a que se destina, o projeto CAPSad estabelece, ainda, a prevenção de violência, suicídio e uso de substâncias nas dependências do IAD.” Ou seja não serão permitidos estes graves desvios do regime de funcionamento hospitalar. E, então, quais serão os dispositivos, tecnologias, regimes e domínios a serem instituídos ou inventados para controlar essas transgressões?

Somos informados que a sua construção se iniciará em 2013. E que a infraestrutura desta edificação será e "foi projetada para abrigar enfermarias destinadas à internação de pacientes adultos e adolescentes". Serão alvo do cuidado de equipes multidisciplinares os usuários de crack e outras drogas. Estes serão abrigados (obrigados) em 62 leitos de internação, sendo 12 para cuidado de CRIANÇAS E ADOLESCENTES usuários de drogas e 10 leitos exclusivos para o tratamento de funcionários e alunos da comunidade da USP.

Por não saber como serão estas práticas intra-hospitalares, conhecendo a necessidade de um outro modo de cuidado em rede, com políticas Inter setoriais e práxis localizadas em espaços territoriais comunitários, é que deixo minha dúvida em aberto. 

Serão estes pavimentos novos que reabilitarão os “usuários de drogas”? ou serão estes “usuários”  que passaram a ocupar os leitos crônicos, que lembram o mito de Procusto, se não se deixarem dirigir, ordenar e submeter, melhor será aumentar o tamanho das camas ou do chão, e, se preciso além de Vidas Nuas também expor, como no passado, ao frio e ao jejum (vale a abstinência forçada)?

 Enfim, digo que a proposta deste novo Hospital me trouxe, com a “internação” de um CapsAd, a lembrança triste e envergonhada dos velhos e rotos pijamas uniformizantes do passado manicomial de nossa psiquiatria brasileira e mundial. Por esta lembrança é que convoco à reflexão crítica da “urgência” de novos espaços fechados para o cuidado de quem já vive em situação de isolamento, sofrimento, desconstrução da autoestima, depressões, violentações, vulnerações e, consequentemente, a negação de seus direitos, principalmente aqueles que inventamos em 1948: os direitos humanos.

Não precisamos apenas demolir os muros visíveis de velhos projetos de hospitalizações. Estes fantasmas afligem os que criam as Casas Verdes (O Alienista -Machado de Assis). Também devemos ter o desejo de demolição de nosso mais antigo temor: a invasão de nossos protegidos, limpos, seguros, moralizados e, aparentemente, civilizados territórios por essa nova horda de bárbaros. É o nosso temor de sermos tocados novamente, sem nenhuma autocrítica sobre nossa participação na sua gênese social.

 E toda nossa suavidade e respeito ao Outro continua em des-aparecimento.

PS – Neste mês de novembro completam-se os três primeiros anos do Blog INFOATIVO. DEFNET, e, com a conquista de mais de 100.000 (cem mil) acessos, e a proximidade dos 500 (quinhentos) amigos/amigas seguidores, envio meu agradecimento aos que comentaram, mesmo que silenciosa ou por outros meios, os meus textos. Espero continuar, dentro das minhas atuais limitações físicas, usando este espaço cibernético e digital para tentar “contaminá-los” afetiva e afetuosamente com minhas idéias e sonhos, já que até minha saúde mental também passa, pelas agruras a que todos/todas estamos expostos, pelo RISCO que é viver In-Tensamente...
UM DOCEABRAÇO

Copyright/left – jorgemarciopereiradeandrade ad infinitum / todos direitos reservados  (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou quaisquer outros meios de comunicação de massa - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Notícias na INTERNET –
HC terá centro para tratar dependência em álcool e drogas

Centro Multidisciplinar sobre crack, álcool e outras drogas   (Jornal da USP 13/21 Outubro de 2012) https://www.usp.br/imprensa/?p=25186


Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil  https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf

Indicações para Leitura (e crítica) –

O Poder Psiquiátrico – Michel Foucault – Editora Martins Fontes, São Paulo, SP, 2006 (Aula de 9 de Janeiro de 1974 – Poder psiquiátrico e prática de “direção”)

El Sufrimiento Mental – El poder, la ley y los derechos – Emiliano Galende & Alfredo Jorge Kraut – Lugar Editorial, Buenos Aires, Argentina, 2006.(pág. 244 – Acerca de los derechos de  los pacientes mentales)

LEIA TAMBÉM NO BLOG –

SAÚDE MENTAL: QUANDO A BIOÉTICA SE ENCONTRA COM A RESILIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/10/saude-mental-quando-bioetica-se_11.html

SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS COMO DESAFIO ÉTICO PARA A CIDADANIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/06/saude-mental-e-direitos-humanos-como.html

RACISMO, HOMOFOBIA, LOUCURA E NEGAÇÃO DAS DIFERENÇAS: as flores de Maio (TAMBÉM DE NOVEMBRO – Mês da Consciência Negra) https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/05/racismo-homofobia-loucura-e-negacao-das.html

O MELHOR É A JAULA OU O GALINHEIRO? Deficientes intelectuais e o seu encarceramento 

O MANICÔMIO MORREU? POR QUE O MANTEMOS VIVO EM NÓS? 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se encontra com a Resiliência.

Imagem publicada – a foto colorida de uma pessoa, negra, de Gana, que está acorrentada a uma árvore. É de autoria da Human Watch Rights (HWR) como denúncia da realidade de maus tratos, cárcere e privações a que são submetidas as pessoas com transtornos mentais em Gana, na África. Segundo a matéria: “A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que cerca de 3 milhões de pessoas vivem com deficiências e distúrbios mentais no país que possui apenas três hospitais públicos psiquiátricos. Em todas as unidades, a HRW encontrou corredores e quartos em péssimas condições com fezes e urinas no chão, sistemas hidráulicos quebrados e superlotação”. Uma dura realidade que não é um privilégio africano, mas que ainda persiste em muitos lugares da Terra. Uma realidade manicomial que ainda temos de ultrapassar e nunca mais retomá-la como modelo de cuidados em Saúde Mental, aqui, lá e em qualquer longitude ou latitude...

Tornou-se uma atividade mundial a lembrança com datas para os assuntos que mobilizam em direção tanto para o consumo como para as questões humanas ou humanitárias. No dia 10 de outubro, assim como recentemente outros “dias” (Alzheimer, Autismo, etc...), comemora-se, ou melhor, somos lembrados do Dia Mundial da Saúde Mental. E este como muitos outros dias já passou, e a realidade sempre volta.

Eu, aqui entre quem já estive em seu “front”, na área psicossocial, hoje me sinto muito mais próximo dos que a vivem como uma ”guerra” cotidiana. Digo isso, pois também tenho minhas comemorações nesses 10 dias de outubro. Aliás, muito menos devo comemorar do que relembrar apenas a data de minha neurocirurgia há 03 anos. E ainda tive também meus dias seguintes, meus “days after”... Ou seja, a minha “queda” dentro de um hospital público da rede do SUS..

Foi após esse Outubro, que não deixava de ser também o Outubro Rosa no combate contra o Câncer de Mama, que pude vivenciar o quanto precisamos, urgentemente, da Bioética. Essa “invenção” transdisciplinar dos anos 70 tem uma presença cada vez mais indispensável nos campos das ciências, biotecnologias e, em especial, no campo da Saúde.

Quando passei pela experiência, corporal e psíquica, da ameaça de vulneração dentro de um hospital é que comecei a repensar a resiliência e seu sentido bioético. Este termo não é muito empregado, por enquanto, nas questões de saúde, em especial na Saúde Mental. Porém posso dizer que o experimentei na própria pele... 

A “resiliência” significa, no seu sentido primordial, a capacidade de plasticidade que um material, mesmo rígido, tenha de recobrar sua forma original depois de ser submetido às pressões que o deformem. O termo e conceito foram inicialmente tomados de empréstimo pela Psicologia, em sua crítica às leituras que se fizeram sobre as crianças que sofrem traumas infantis.

A visão clássica era de que estariam condenadas a reproduzir esses traumas, e, como seres humanos vulneráveis, trariam para sua vida adulta todas as “feridas” da tenra infância. Porém o se que verificou com pesquisas é que não há esse determinismo. Nem todas as crianças, ou seres humanos, são marcados por essas situações de vulneração e trauma igualmente.

O surgimento da capacidade de resiliência, em muitos, pode demolir essa visão tanto quanto a ideia de invulnerabilidade. Nem condenados, nem vítimas e, muito menos, heróis. Somos, nos tornando resilientes, apenas seres humanos em sua infinita capacidade de superação e aprendizado. Não digo que temos resiliência, digo que a experimentamos e a desenvolvemos.

O que acontece quando temos uma doença crônica, um diagnóstico de AIDS ou câncer? O que se passa, principalmente, por nossas mentes? O que essa situação de hiperestresse provoca em nossos corpos?

O que se passa com nosso mundo psíquico, fragilizado e frágil, quando temos de aprender a conviver com outro modo de andar, conviver e se relacionar, vivenciando, por exemplo, uma deficiência pós-traumática? 

Tornamos-nos aquilo ou aqueles antes apontávamos ou identificamos como sendo diferentes de nossa suposta normalidade? Talvez essa vivência inesperada possa vir a ser a diferença. Porém, cada um em sua singularidade e subjetividade, passará por uma experiência vital única e incomparável. É quando podemos desenvolver essa capacidade de projeção menos sombria e mortal que muitos alardeiam ou se vitimizam. Pode nascer em nós a capacidade de ir além dos diagnósticos, incapacidades ou perdas de funcionalidade.

Há aí uma capacidade, que poderíamos ousar dizer universal, de aprendizado, superação e formas diferenciadas de transformação pessoal. Chamaremos essa potencialidade de resiliência ou re-existência? Podemos como muitos fazem, e se utilizam disso, nos colocarmos no papel de vítimas. As nossas novelas que ocupam, a meu ver, muito mais espaço das vidas e das redes sociais, são peritas nessa produção de subjetividade.

Nessa temporalidade da Idade Mídia e da Sociedade do Espetáculo há sempre alguém muito mais interessado no destino de uma “Carminha” do que dos muitos brasileiros e brasileiras que vivem reais condições de produzir, enfrentar ou serem derrotadas pelas adversidades inevitáveis da Vida. 

Somos estimulados uma posição vitimada e vitimizadora. Diante dos processos de perda de papel micropolítico, ou mesmo macro político, é que muitos passam a situação de hiper-vulneráveis pelo Estado. Sugiro, então, a partir de minha própria vivência, que é a busca dos antídotos revitalizadores, para além das urnas, que podem multiplicar nossas resistências e resiliências coletivas.

O campo da Saúde Mental é e sempre será propício para esta práxis e proposta psicossocial. Porém não podemos revitalizar o que for fazer crescer em nós, como cicatrizes mal tratadas, os modelos messiânicos, as buscas apocalípticas, os fundamentalismos e as micro-fascistações que nos são profundamente tentadoras por suas promessas fáceis e mistificadoras. Não há mudanças radicais de uma vida sem o aprendizado com suas perdas, mas também com seus ganhos em novos saberes ou sabedorias.

Eu, aprendi a sonhar, mas não creio nesses profetas que hoje saem das igrejas-partidos em direção às Câmaras ou outros espaços da política e dos poderes constituídos. Principalmente pela ausência real de propostas de políticas sociais realmente estruturantes. Ainda mais no campo da Saúde Mental ou a Coletiva e Pública.

Basta que pensemos nas promessas de candidatos a prefeitos, recém-propagandeadas, de resolução “total” de nossos problemas sociais, econômicos, habitacionais, educacionais e, mais localizadamente, de nossas muitas saúdes. São as falácias e os espetáculos macro políticos que se perpetuam abusando das camadas populacionais vulneráveis.

Essas chamadas de “comunidades” estão e estarão precisando de uma intervenção micropolítica que as ajude a despertar na e com a resiliência. Assim como em nós, individualmente. Porém como nos ajudar nesse processo de recuperação da dignidade e do direito à justiça social? Há sim como recuperarmos nossas diferentes saúdes, principalmente se a reconhecermos como um fundamento para todos os outros direitos humanos que temos. 

Não há com quebrar os mecanismos do que chamo de vulneração, por exemplo, das pessoas com deficiência, sem um processo ativo de seu emponderamento. Um processo histórico que quebra os velhos paradigmas reabilitadores ou biomédicos e lhes dá um lugar social e políticas públicas para além da visão sedimentada de que são apenas objeto e não sujeitos de direitos.

Essa mesma mudança de paradigmas, que conquistamos com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, apesar da conceituação e o abraço conceitual de deficiências psicossociais para quem vive transtornos mentais graves ou persistentes, ainda não ocorre, a meu ver, no campo da Saúde Mental.

Ainda temos uma visão e práxis que não reconhece a força das pressões sociais e econômicas na produção de muitos quadros psicopatológicos. Quando lemos que as pessoas estão vivenciando mais quadros depressivos e as taxas de suicídio aumentam é que deveríamos pesar, para além de refletir, o quantum da pressão social que as crises econômicas vêm produzindo, desde 1929, a Grande Depressão nos EUA.

E, então para socorrer e tratar dessas populações em crescimento “assustador” e “epidêmico” surgem apenas as constatações e as epidemiologias. São criadas as recentes bio políticas. Os orçamentos e os seus valores em milhões, a princípio, são grandiosos. Há, porém, a persistência da serialização e multiplicação dos diagnósticos e das suas curas. Serão apenas 350 milhões ou 5% da população mundial (OMS) que vivencia as diferentes depressões? E amanhã, quantos seremos?

Um psiquiatra português diante do chamado “desânimo” diante da crise econômica que castiga seu país e a Europa nos informa que: 
“...os doentes mentais crônicos também são vulneráveis a esta situação de crise". Roma Torres salienta que "o sistema de saúde é onde as pessoas acorrem muitas vezes em situações de dificuldade que nem sempre é da saúde e isso nota-se particularmente na área da psiquiatria"

Essa mesma psiquiatria que tenta a remoção dos estigmas e dos mitos tentando ensinar novos modos de ver, cuidar, institucionalizar e revisar perguntando às crianças: “o que é um maluco?”.  O que é a Loucura?

Outras notícias e outras visões nos informam que, nesse Dia Mundial da Saúde Mental, devemos sim é fortalecer as chamadas redes psicossociais de cuidados e tecnologias sociais. São os sujeitos em interação, com os mais diferentes suportes em suas territorialidades ou espaços de convívio que, emponderados, passam de vítimas vulneráveis a ativistas de seus direitos. Podem, então, participar e até fiscalizar as políticas públicas, não assistencialistas, que possam ir para além dos paradigmas biomédicos ou reabilitadores.

O exemplo do surgimento dessa resistência que fomentará a resiliência que pode vir, por exemplo, das pessoas que são consideradas objetos de intervenção social. Nessas medidas, desde os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) até os Centros de Reabilitação, os governos investem em busca do atendimento de uma demanda crescente chamada de “doentes mentais”, a maioria, como no resto do mundo ocidental, submetida ainda um modelo fisicalista, farmacológico e orgânico de seu adoecimento e sua cronificação. 

As depressões prefiro-as no plural e na pluralidade, só estão cada dia mais “diferentes”. Nessa constatação o colega ultramarino também identifica e prescreve a solução final dos nossos modelos tão difundidos de re-internação, re-hospitalização, inclusive com a judicialização da saúde mental e os processos de justificação das internações compulsórias, em especial dos drogadictos, reedição dos modelos higienistas e manicomiais. 

Há alguma perspectiva que nos dirija para as desinstuticionalizações para além das Reformas? Há, realmente, em ação uma mudança de paradigmas que nos abra um caminho para resiliência comunitária, ou melhor para uma resistência diante de tanta desumanização do cuidado em Saúde? Nossos novos minicômios em ação são mais pulverizadores e invisibilizadores do que os Juqueris, os velhos manicômios e seus muros visíveis? As correntes que se usam aqui são mais “finas e sutis” que as usadas em Gana?

Minha utopia, aliás, minhas utopias e sonhos não serão demolidos por essas duras tecnologias que se repetem e reproduzem nas palavras “compulsória e involuntária”. Há um desejo nascente do meu estudo da Bioética que aponta possibilidades, pontes para o futuro, que transformam os chamados “portadores” de deficiências ou doenças, mesmo as raras, em novos sujeitos resilientes. 

Em minha própria pele, esse que é o maior órgão do corpo humano, e também nosso egoico protetor, às vezes excessivamente narcísico, venho tentando a experimentação do árduo aprendizado de me tornar resiliente. Por isso escrevo tantas Cartas de Vida(s) à Dona Morte. Por isso amplio minha própria vulnerabilidade, questiono meus pré-conceitos, busco essa nova e renovada visão da saúde, para além de quaisquer doenças ou incapacidades. 

Com mais este texto, em nosso contexto político das privatarias, dos mensalões, das corrupções visíveis e invisíveis, faço mais um convite para o re-conhecimento do quanto a Bioética pode trazer de estímulo para a proteção e salvaguarda dos que estão em uma ponte, só que pensando, silenciados e silenciosamente, no suicídio e falsa redenção pela morte.

Entre a ponte para um futuro com mais justiça, menos exclusões, sem estímulo às desfiliações sociais e aos horrores econômicos de um hiper capitalismo parasitário, essa ponte de ondem saltam a cada 40 SEGUNDOS globais os seres em desesperança e desilusão vital, qual é a ponte que pretendemos atravessar, juntos, em direção de nossos devires?


Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025 ...)

Indicações de Leitura: 
Bioética, Vulnerabilidade e Saúde – Christian de Paul de Barchinfontaine & Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli (orgs.) – Editora Ideias&Letras/ Centro Universitário São Camilo – São Paulo, SP, 2007.

Desnutrição, Pobreza e Sofrimento Psíquico – Ana Lidia Sawaya et Allii (orgs) – Editora da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, 2011. El Sufrimiento Mental – El poder, la ley y los derechos – Emiliano Gallende & Alfredo Jorge Kraut, Lugar Editorial, Buenos Aires, Argentina, 2006.

Ensaios: Bioética – Sérgio Costa & Debora Diniz, Editora Letras Livres/Brasiliense, Brasília/São Paulo, 2006.

Rizomas da Reforma Psiquiátrica – A difícil reconciliação – Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS, 2007.

Sobre a imagem utilizada – Matéria
 Notícias da Internet – Dia Mundial da Saúde Mental

Psiquiatra apela a "resposta profissional" para combater desânimo social 

Mulheres têm o dobro de chances de desenvolver depressão -

OMS pede mais ações públicas voltadas à prevenção do suicídio 

Sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6949/2009)Disponível novo mapa de assinaturas e ratificações de Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência 

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SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS COMO DESAFIO ÉTICO PARA A CIDADANIA  


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ALÉM DOS MANICÔMIOS - 18 de maio/ Dia Nacional de Luta Antimanicomial

RACISMO, HOMOFOBIA, LOUCURA E NEGAÇÃO DAS DIFERENÇAS: as flores de Maio
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/05/racismo-homofobia-loucura-e-negacao-das.html