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domingo, 28 de agosto de 2016

O RETORNO DA INTEGRAÇÃO PELA INCLUSÃO: novos muros nas escolas, fábricas e hospitais...

Imagem Publicada – uma foto da publicidade do documentário BUDRUS; traz em contraluz colorido, com o sol crepuscular ao fundo, a figura de um homem entre duas cercas de arame farpado, que ele tenta destruir com um simples alicate. Esta cerca é o motivo de uma insólita união entre árabes mulçumanos e judeus, em um vilarejo entre a Cisjordânia e Israel, contra um polêmico muro que separaria palestinos e israelenses. Ele é uma realização da cineasta brasileira Julia Bacha, recebeu 15 prêmios internacionais, e nos mostra a possibilidade da Paz. Hamas e Fatah, Mulheres e Homens, Crianças e Velhos, diferentes e desiguais se unem contra a violência e a segregação.


Para os que pensam sobre a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia 10, faço o convite para uma reflexão sobre os muros, as cercas e os ‘’limites’’ que, mesmos os invisíveis, nos podem cercear ou mesmo pisotear alguns direitos fundamentais.

Há momentos de nossas lutas pelos Direitos Humanos que precisamos pensar quem são os nossos verdadeiros ‘’inimigos’’. Ao assistir hoje o documentário Budrus pude refletir sobre a possibilidade de alguma ‘’sintonia’’ de interesses no atual campo das discussões sobre os retrocessos e conservadorismos que estamos enfrentando.

Nos últimos dias passamos de um plano “Viver sem Limites” para a reconstrução de institucionalizações dentro dos muros escolares ou reabilitadores. Primeiro com a proposta de um Decreto (6711/11) que retroagiu sobre os avanços conquistados da inclusão escolar. 

Hoje com um Projeto de Lei 1224/2011, da Câmara do RJ que coloca outro muro como opção para a Educação Especial, de crianças e jovens, na perspectiva de sua Inclusão caso “apresentam condições de serem incluídas, bem como dos demais alunos de turma regular, por meio da ampliação de sua participação na aprendizagem, nas culturas e nos meios sociais.” Ou seja, novamente o ‘’preferencialmente’’, ou melhor, quando “possível”, ou então na “saúde e na reabilitação"...

Nesse mesmo tom brasileiro estamos também vendo discursos contraditórios sobre a Reforma Psiquiátrica e a retomada das "internações involuntárias", compulsórias, sob a alegação de epidemias, só que por "contágio social" com o uso do crack. O alcóol mata 47 pessoas por dia, e isso não é uma epidemia? 

Nossas autoridades promovem uma destinação de 04 bilhões para um ‘’combate’. Mais um Plano do Ministério da Saúde. O seu principal resultado é a hospitalização ou a institucionalização forçada dos chamados ‘’craqueiros’’.

Uma “maioria” minoritária que vive à beira da sociedade e das linhas de trem. Moradores de rua e marginais que precisam ser cuidados e retirados da exclusão e desfiliação social. Onde os meios desta ação podem ser também violentadores...

Há, portanto um movimento de controle social, com novas macro e biopolíticas, anunciadas com muitos recursos públicos. Recursos que não podem ser apenas econômicos, pois a história já demonstrou o uso do dinheiro público para fins privados, tanto na Saúde, com a manicomialização, como na Educação, com a educação em espaços de clínicas de reabilitação.

Aí se encontram a Loucura e a Deficiência, as tecnologias de cuidado e pedagogia tornam-se hiper-especializadas e, consequentemente, segregadoras ou alienantes. E esta me parece ser a direção que, com as devidas contextualizações, estamos re-tomando. O caminho conservador, orientado pela macropolítica, das velhas institucionalizações "forçadas" por lei e "reforçadas" por emergências sociais. Novos muros em nossas aldeias globais.

O nome do nosso projeto para a acessibilidade, a saúde, a educação e o Viver para além dos limites pode ser comparado ao roteiro de Budrus. Estamos assistindo à uma construção de uma ‘’delimitação’’ legislativa e de práticas que violentam direitos já adquiridos. 

Como os palestinos temos algumas oliveiras ou cemitérios que não devemos deixar de defender. Mas precisamos, como eles, de aliados e de um movimento de resistência. Alguns já iniciaram a defesa/combate. O que temos de cuidar é que não nos tornem nossos próprios "inimigos".

Existe um risco de mantermos nossas tradicionais divisões por força identitária. Os que não veem, os que não ouvem, os que não andam, os que são multiplamente deficitários. E, como somos diferentes em nossas necessidades e incapacidades, caímos na oposição binária.

A oposição binária ocorre quando, por exemplo, nas categorias macho/fêmea, obscurecemos as diferentes formas de ser um homem ou uma mulher, seja na sua subjetividade, nos afetos, no desejo ou no comportamento. Tendemos a homogeneização, à mesmice ou “mesmidade”. Caímos nos narcisismos das pequenas diferenças...

Essa queda é o nosso principal calcanhar de Aquiles. É nessa multiplicidade forjada como heterogeneidade de direitos que o Estado e a Sociedade justifica o uso do efeito de ‘’retorsão”. Este é um conceito de Taguieff que constitui-se quando “um contendor se coloca no terreno discursivo e ideológico do adversário e o combate com as armas deste, as quais pelo fato de serem usada contra ele, deixam de pertencer-lhe pois agora jogam pelo adversário...

Por isso disse, no início, que precisamos reconhecer que são nossos atuais amigos e inimigos. Não faço aqui a apologia da guerra ou da violência. Como em Budrus faço a afirmação de uma união pela desconstrução desses muros que nos impõem, sejam estatais ou institucionais. Os argumentos que sempre utilizamos na defesa de uma Sociedade Inclusiva agora são os mesmos que se alardeiam em discursos políticos. E ainda nos indagam do que reclamamos e por que criticamos...

Portanto, diante da possibilidade da retorsão, e, mais ainda, da acusação de ideologização das questões, é que devemos refletir, coletivamente, quais são as ações de resistência que devemos produzir. 

Uma ação interessante e potencialmente criativa seria, hoje, abolirmos o uso da palavra INCLUSÃO, passemos, como nos discursos da Ordem, aceitar o retorno da INTEGRAÇÃO, do mainstreaming, como no recente Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, termo retomado para afirmar a questão do desenvolvimento, pela ONU.

Se a questão é a palavra DIVERSIDADE, como no projeto da Câmara do RJ, aceitemos que ela não representa, como nos demonstrou Homi Bhabba, a tal diversidade cultural, como um objeto do conhecimento empírico. Vamos esquecer sua advertência sobre o que significa uma DIFERENÇA cultural e os hibridismos e multiplicidades que nós vivenciamos.

Vamos aceitar "integrar" a diversidade, a partir do modelo segregador, deixando de lado quaisquer das singularidades. E as diferenças, mesmo dentro de casos, por exemplo, de Autismos nos justificarão para que estes frequentem apenas os Centros de Reabilitação ou escolas hiper especializadas. Nunca teremos uma Temple Grandin em nossas escolas regulares...

Vamos, por exemplo, como nos tempos de ocupação da Amazônia, utilizar o slogan governamental: INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR. Iremos construir, diante um possível “ataque e invasão’’ de nossas fronteiras e territórios, uma grande muralha que proteja nossa maior diversidade ambiental: a floresta, sua flora, sua fauna, seus índios e seus diversos mananciais de água doce. A preservação tornar-se-ia aí o novo conservadorismo?

AÍ comparo a serialização dos eucaliptos com a heterogeneidade amazônica que podemos criar em nossas escolas ou outras instituições modelares. Podemos plantar a diferença ou mesmice, a bel prazer. Mas sempre colheremos um futuro possível ou a desertificação de nossas vidas. Por isso optemos pela busca de um além do reducionismo da integração.

Foi integrando um território pela força e pela segregação violentadora que Israel, construindo muros e distanciamentos, que viu o surgimento de uma resistência ‘’selvagem’’. E Budrus se tornou a obra de cinema, de vida, de re-existência de culturas diferenciadas, mas também um exercício de "combate pacífico".

Uma paz que se conquista com indignação, resiliência e resistência pacíficas. Um movimento que precisamos retomar para manter as conquistas que temos realizado. Nós, como uma personagem do documentário, diante de uma retroescavadeira, devemos ocupar o buraco por ela feito. 

E, para além de nossas diferenças, nos fincarmos, como uma oliveira plantada com carinho, que algumas mãos oportunistas insistem em arrancar de nossos territórios da saúde e da educação de pessoas com e sem deficiência. 

Só assim, com persistência e indignação, cada um e muitos de nós poderemos barrar o retrocesso atual, os “mesmos” que usam a retorsão para dizer que são as pessoas com deficiência que não se preparam para o mercado de trabalho. 

Não são as empresas ou o Estado que não cumprem a Lei de Cotas. Somos os causadores de nossa própria exclusão? Afinal nossas tragédias pessoais não são o que nos torna objetos de intervenção, internação involuntária ou “integração” social?
E OS MUROS INVISÍVEIS QUANDO É QUE INICIAREMOS A SUA DEMOLIÇÃO?

Copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres na Internet ou outros meios de comunicação de massa) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

BUDRUS – (2009) Documentário – Direção JULIA BACHA (BR)
https://www.justvision.org/budrus

Brasileira diretora de "Budrus" fala sobre premiação em Berlim
https://www.dw-world.de/dw/article/0,,5286132,00.html

Budrus Trailer - 3 Min
https://www.youtube.com/watch?v=ff7rScVrbos (legendas em português)
https://www.youtube.com/watch?v=YQQ8F2W5eB0 (legendas em inglês)

Documentário 'Budrus', de Julia Bacha, é lançado em DVD https://www.estadao.com.br/noticias/artelazer,documentario-budrus-de-julia-bacha-e-lancado-em-dvd,790731,0.htm

Plano Nacional de Educação: inclusão escolar ameaçada
https://inclusaoja.com.br/

Plano de enfrentamento ao crack deve aumentar leitos para atendimento
https://www.youtube.com/watch?v=SxGRHH7NEs8

Rio de Janeiro pode servir como exemplo positivo na internação pelo crack https://www.sidneyrezende.com/noticia/155255+rio+de+janeiro+pode+servir+como+exemplo+positivo+na+internacao+pelo+crack

Lei de cotas para deficientes não deve ser flexibilizada, defende CUT
https://www.redebrasilatual.com.br/temas/trabalho/2011/12/lei-de-cotas-para-deficientes-nao-deve-ser-flexibilizada-diz-cut

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PSICANÁLISE, MACROPOLÍTICA, RELIGIÃO E O ''PONTO MORTO''. - https://infoativodefnet.blogspot.com/2014/09/psicanalise-macropolitica-religiao-e-o.html

DEFICIÊNCIAS E DIREITOS HUMANOS - MAIS UM DIA PARA COMEMORAR?
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sábado, 14 de julho de 2012

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA.

Imagem publicada – uma foto em preto e branco sobre um filme, dos anos 30, sobre a presença e criação de robôs pela ciência. Um cientista se vê cercado pelas criaturas que aparentemente ameaçam ou ameaçarão o seu próprio criador. É a metáfora de Frankenstein que se repetiu em muitos filmes, e hoje é parte de um questionamento bioético sobre os limites de nossas intervenções biotecnológicas e médicas no corpo e na vida dos seres humanos. O que estamos inventando para o nosso futuro: desde robôs nano tecnológicos que tratarão nossos adoecimentos ou adoecidos seres humanos que se tornarão também robôs?

Quando acordei a semana passada de uma anestesia geral, novamente, pensei em quem estava ao meu lado na sala de recuperação. Eram muitos, pois minha pressão arterial caiu, e os meus temores aumentaram o número de leitos ocupados. Somos impelidos a ver múltiplos ou duplos de nós mesmos nas horas de turvamento da consciência Então, semi lúcido, pensei naqueles que nos assistiam e monitorizavam, eram para mim parecidos com robôs...

Por que então o tema dos robôs me foi lembrado? Primeiramente por que eu próprio já me sentira um quando acordei da neurocirurgia no ano de 2009. Não sei se os meus leitores já sabem do que sofri no pós-operatório e da colocação em meu corpo de parafusos e hastes de titânio. Muitos ainda nem sabem das sequelas que adquiri.

Pela dor acrescentada pelo descuido tive uma queda acidental ao ser deixado cair de uma cama para uma maca. Estavam me levando para uma tomografia. E foi um forte homem negro, um “segurança” do hospital que colocou dentro da máquina. Começavam aí minhas ideias sobre a robotização do corpo e da humanidade. Começou minha vivência e experiência de meu duplo com deficiência...

No local onde permaneci dentro de um hospital universitário havia o que já presenciara muitas vezes de outro ponto de vista, também na Saúde Mental: a desumanização do cuidado como Outro. Era o que chamamos de serialização de atitudes e comportamentos. Os profissionais de saúde, assim como outros que lidam com grandes massas ou públicos, podem se tornar autômatos.

Tornam-se ou nos tornamos verdadeiros seres robotizados por um trabalho exaustivo e alienante. Os riscos que deveriam ser um estímulo criativo tornam-se uma ameaça, é o que ouvi de profissionais durante a noite hospitalizada e fria. No quarto ao lado estavam sujeitos amarrados em seus leitos, eram assaltantes perigosos, justificavam os três policiais de colete que passearam noite adentram na porta do meu quarto quase infectado.

Desta lembrança indelével, qual a memória de quem sofre uma tortura, é que restou uma vontade de refletir sobre o que é realmente um robot?

A palavra ROBOT vem do tcheco, que significa trabalho repetitivo, depressa destronou denominações mais antigas como autómatos ou androides, generalizando-se como designação corrente para as “máquinas” capazes de realizar, com algum grau de autonomia, vários tipos de operações.

Na etimologia tcheca oriunda de tempos medievais o termo “robota” significava o trabalho gratuito que um servo devia ao senhor. Ou melhor, era uma das formas de trabalho escravo. A ideia atravessou os anos e ainda temos esse trabalho indigno nas nossas melhores grifes ou roupas, lá os tempos modernos de Chaplin são fielmente reproduzidos. O modelo fordista e serializado obriga aos “neo-robôs” bolivianos, por exemplo, a uma servidão contínua. 

A primeira ideia sobre o termo me foi apresentada pela psicanálise. Em um trabalho de Sigmund Freud em seu trabalho sobre o “estranho, o sinistro, o desconhecido” (Das unheimliche -1919). Este texto é inspirado em outro autor: E. T. Hoffmann, um escritor, músico e desenhista alemão. Foi em seu conto o “Homem de Areia” que inspirou Freud para mais uma teorização a partir da literatura.

Não é a revelação freudiana de que o que nos assusta no desconhecido é também a nossa atração ou desejo de vivenciá-lo, mas como tentamos negar essa relação. É o aspecto de estranheza que algumas formas de “duplos” ou espelhamentos nossos despertam. É o que me faz pensar sobre nossas robotizações em ação, são as máquinas humanoides que me interessam. Vivenciamos muitas angústias diante das máquinas e as recalcamos.

Estamos cada dia mais próximos do que na ficção dizemos temer: um dia o exterminador do futuro estará se liquefazendo, como um homem de areia, na nossa frente. A história que se construiu sobre nossas futuras situações diante das tecnologias e dos robôs é de uma guerra em que perdemos tudo. Inclusive nossa própria capacidade de sermos humanos.

O que já vivencie no corpo e na mente através das minhas próprias fragilizações me mostra o quanto uma deficiência pode ser tratada como uma aproximação de máquinas. O modelo biomédico ainda ativo nas formas de cuidado é a intervenção mais presente, com apenas técnicas ou biotecnologias. Muitas vezes desumanizadas. É o que esperamos de nosso futuro ciborgue? Ou o que esperamos dos ciborgues do futuro?

A revista Info recentemente estampou em sua capa a seguinte chamada: “Superação Ciborgue”, com o subtítulo: “engenheiros e médicos unem-se para criar próteses controladas por chip, sensores e software. Elas substituem pernas, mãos, pés, joelhos e até ouvidos. Entendam como funcionam”.

A capa me suscitou algumas questões. Ela apresenta um homem com os mesmos pés Cheetah. São as pernas de titânio substitutas do atleta parolímpico Alan Fonteneles, parecidas com as próteses de Pistorius. Aquele atleta que quer ser “incluído” nas Olimpíadas dos “normais”, mas se sentou no banco dos réus como eles.

Uma de minhas indagações é quantos são os sujeitos que têm acesso a estas pernas substitutas? Ainda mais o quanto há de aperfeiçoamento destas próteses apenas com a intenção de futuras robotizações checas no hipercapitalismo? Olhamos com temor estes novos ciborgues com deficiência? É o desconhecido futuro que nos espera/assusta?

Sou e serei um entusiasta das novas tecnologias aplicadas como assistivas ou suplementares para pessoas com deficiência. Há, porém esta questão que chamarei de biopolítica da transformação de nossos corpos “hipossuficientes” em corpos plenamente controláveis para a produção serializada de um trabalho alienado.

Há muitos anos venho difundindo e estimulando os avanços que podem ser conquistados com o uso de novas formas de inclusão com uso de tecnologias de reabilitação ou habilitação. Aposto, porém, no futuro da universalização de acesso socializado e não segregado às novas tecnologias.

O que temos de alertar, para além das possibilidades de um homem como Neil Harbinsson, é a quantidade de sujeitos sem nenhum acesso ao que podem estes “aparelhos”, “neo esqueletos”, “próteses eletro-eletrônicas”, enfim, quaisquer das mais avançadas formas de nos tornar mais biônicos. O cinema já naturaliza os “transformers” como a massa do futuro.

Somos hoje uma massa de mais de 600 milhões de pessoas com deficiência. Há uma margem de aproximadamente 20 a 30% destes seres humanos que ainda estão nas chamadas exclusões sociais e pobreza. Calculem quantos anos ou séculos levaremos para sua real inclusão desses não-cidadãos e cidadãs na perspectiva futurista do game Deus Ex: Human revolution, citada na Info?

No Brasil já temos alguns destes avanços, como os implantes cocleares, sendo incluídos no direito universal da saúde e da qualidade de vida. Porém ainda temos também na sua contramão, apesar dos milhões do Viver sem limites, bem como dos investimentos em tecnologias assistivas, uma grande massa de excluídos, micro e macro politicamente, do usufruto destes avanços.

Recentemente visitei um site que demonstra o uso do Kinect, um videogame sem nenhum controle, onde nossos movimentos é que são projetados/controlados, como forma de ajuda tecnológica para pessoas dentro do espectro do Autismo. Mas a pesquisa da Universidade de Minessota se diz servir para “... alertar para que haja uma maior atenção com aquelas (crianças) que mostrarem comportamentos não esperados, como tendência para ser ativo demais ou de menos”.

Nessa área de controlar e identificar as diferenças, sem, contudo, qualificar suas singularidades, é que temo pela promoção de seu uso meramente classificatório e reabilitador. Para além dessa perspectiva devemos buscar a criação de novas cartografias e novos usos micropolíticos dessas “invenções ou descobertas científicas”.

Nessa perspectiva é que entramos em um ano muito importante. Estamos perto de ver paraolímpicos quebrando os mesmos recordes que os ditos olímpicos. Estamos tele ou assistindo e conhecendo o crescimento do número de candidatos com deficiência para cargos representativos em governos municipais ou câmara de vereadores. Aumentaremos a participação política de pessoas com deficiência nos espaços de governo e gestão pública?

Creio e espero que sim. Porém, ainda temos de promover uma ampla conscientização e capacitação sobre os mais elementares direitos e conquistas a que cada cidadão ou cidadã com deficiência têm direito. 

As formas de exercício macro político, apesar do crescimento da presença de pessoas com deficiência em seus espaços de poder, mantêm-se presas à corrupção e ao uso desonesto de recursos públicos. 

Ainda temos muitos representantes robotizados e desumanizados, verdadeiros portadores, estes sim, de muitas “deficiências” ético-políticas. Já naturalizaram a centralização e o abuso do poder. E, sua maioria, atendendo a interesses pessoais, eleitorais ou minoritários, ainda insiste em criar novos artifícios legais antes mesmo de reconhecer o que já foi ratificado e decretado.

Um exemplo é ausência de reais políticas públicas Inter setoriais que estejam garantindo, para além do acesso gratuito a alguns, a verdadeira acessibilidade dos estádios da Copa. E a transparência dos gastos astronômicos desde a demolição às novas arquiteturas que ainda não conhecem o conceito de desenho universal. Eis uma tarefa árdua para os candidatos a participação nesse cenário político...

O que espero, então, de novos e postulantes, como sujeitos com deficiência, à sua participação nos poderes públicos? Espero que possam reforçar a compreensão da indispensável mudança do paradigma biomédico, já que nele considerei um campo fértil para a simples robotização. E que possam, ativamente, propagar e efetivar o que se postula como o modelo social das deficiências.

Ao se manter a visão assistencialista, paternalista, caritativa, excludente e adoecida de sujeitos vivendo e convivendo com deficiências estamos também mantendo um olhar biopolítico de controle e uso de seus corpos. Precisamos buscar o olhar, a visão e a escuta sensível dos Estudos sobre as Deficiências. Precisamos investir na conscientização e apropriação da Convenção e os direitos humanos. Precisamos de políticas públicas que se fundamentem nesses princípios.

Uma plataforma que espero se incluirá nos discursos e nas propostas concretas de quem se investir nos lugares de representação macro política é o exercício micropolítico e revolucionário da re-humanização de espaços de saúde e educação.

O projeto e processo inclusivo, a meu ver, devem alicerçar ações e cuidados, para além do olhar reabilitador, que tornem nossos corpos para além do trans-humano ou robótico. A visão de servidão que está subjacente/significante à nossa protetização hipermoderna, apesar do que se propagandeia oficialmente, é a que equipara não apenas a funcionalidade de um corpo.

É principalmente quando não esperamos, onipotentemente, a sua transformação em um objeto-robô. Primeiramente porque já sabemos, de antemão, que muitos ficaram e ficarão fora do alcance destas conquistas micro, macro ou nano tecnológicas. Como dizia um velho conhecido: quem bancará seu custo? Além disso, podemos apenas atender às pessoas que puderem ter acesso aos recursos ou avanços da sociedade. Ou seja, quem pode pagar.

Um exemplo atual é a notícia de uma companhia de aviação que terá seus banheiros com acessibilidade. Espero que a mesma se recorde das suas inúmeras ações de preconceito com os passageiros considerados prioridade nos aeroportos. Não basta poder fazer xixi sentado com barras de apoio. Precisamos de todos os direitos de acessibilidade, para além das barreiras visíveis, sendo cumpridos e respeitados.

Nem mesmo bastará que a acessibilidade dos aeroportos se torne, por causa dos eventos esportivos futuros, uma realidade parcial. Os espaços de voos ou pouso não são os únicos que garantem a inclusão social e econômica sustentável que irá para mais de 20 anos. 

Estes espaços não podem se tornar os não-lugares. Se como as escolas, se tornarem realmente inclusivos e universais nem teremos então de dialogar com um ponto eletrônico da Anac, do PROCON ou da Infraero no futuro. Ainda existirão, nesse porvir, “trabalhadores” re-humanizados. As formas metálicas ou frias de resposta já terão sido sofisticadas por novos andróides.

Por isso não podemos esquecer que o que alguns homens imaginam outros poderão realizar no futuro. A primeira citação a robôs é de 1920. Faz parte da peça de Karel Kapek: R.U.R (“Rossuns Universal Robots”). Surgida como desencanto após a 1ª Guerra Mundial como um alerta para a humanidade, antevisão de uma guerra com “soldados universais”, metade homem, metade máquina mortífera.

Primeiramente são criadas cópias fiéis de nós humanos. Tornados trabalhadores eficientes, apesar de “deficientes”, tornar-se-ão os futuros robots. Tornam-se, então, capazes de amar o BBB, esquecendo-se de 1984 de Orwell, ou se serializam em um Admirável Mundo Novo, esquecendo que Aldous Huxley bebeu de sua própria literatura, o “soma”, a bebida que surge de cogumelos, para entrar em contato, sem dor ou sofrimento, com seu/nosso lado sinistro: a morte.

Vivemos intensamente os tempos do Hipercapitalismo integrado e excludente, na Idade Mídia. Engolfamo-nos, serializados, em dilemas bioéticos como as clonagens terapêuticas e reprodutivas, as próteses, os implantes, as cirurgias plásticas de total reconstrução e remodelação corporal, com suas diferentes formas de artifícios, lipoaspirações, fertilizações invitro, barrigas de aluguel, cirurgias bariátricas.

Hoje, ontem e amanhã vamos até o limite ético e eugênico das descobertas de meios de “prevenção” de uma Síndrome de Down por exames ultrassofisticados. Tendo a certeza de que todos são e serão muito caros e eticamente questionáveis.

Eu, aqui, sorvendo e sofredor dessas literaturas bioéticas, espero, sonhador de outras utopias, um pouco de humanidade nos autômatos e subjetividades que estamos produzindo, para além de quaisquer de suas deficiências humanas, no campo do exercício dos poderes.

Excelências ou futuras excelências me digam que estou errado. Vocês por nenhum dinheiro do mundo irão esquecer as pontes para o futuro que desejou o criador da Bioética. Como humanos potencializados pelas novas tecnologias nunca irão permitir a edulcoração, o adoçamento, ou a negação de nossos direitos fundamentais.

Não estamos ainda para além das Sírias, dos Sertões, das catástrofes ou massacres. Caminhamos na incerteza, dialogamos permanentemente com a Dona Morte, esquecendo que a atual e moderna felicidade de consumo é apenas dependente dos fatores e poderes políticos.

Quem sabe os próximos tempos nos tragam novas formas de governamentabilidade e sustentabilidade. E, eu, afirmativamente, só votarei em quem souber me dizer com propriedade e crítica o que significam as palavras robô, política e deficiência.


Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012-2013- 2022 ad infinitum - todos os direitos reservados 2025 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)


Notícias na INTERNET:

R.U.R. https://en.wikipedia.org/wiki/R.U.R.


TAM será a primeira no mundo a ter banheiros com acessibilidade em aeronaves narrow body https://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=209856

Revista INFO – Nº 316= Maio de 2012: Superação Ciborgue
https://www.lojaabril.com.br/detalhes/revista-info_superacao-ciborgue_edicao-316_maioe2012-486368
KINECT AJUDA A DIAGNOSTICAR E A TRATAR AUTISMO https://robotica-autismo.com/

Primeiras imagens de robôs de Robocop, que será dirigido por José Padilha, caem na rede https://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2012/07/13/primeiras-imagens-de-robos-de-robocop-que-sera-dirigido-por-jose-padilha-caem-na-rede/

Google pode usar mini-robôs voadores para capturar imagens (1984 – Orwell tinha a antevisão?*) https://googlediscovery.com/2010/08/07/google-pode-usar-mini-robos-voadores-para-capturar-imagens/

7 assustadoras tecnologias de “1984, George Orwell” que existem nos dias de hoje! https://literatortura.com/2012/07/03/7-assustadoras-tecnologias-de-1984-george-orwell-que-existem-nos-dias-de-hoje/

POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO no SUS 

O que é Humanização? https://hitechnologies.com.br/humanizacao/o-que-e-humanizacao/

Um pequeno questionamento – Chain Samuel Katz
https://www.freudiana.com.br/documentos/chaimabf.pdf

Novo exame para detectar síndrome de Down gera discussões éticas https://www.dw.de/dw/article/0,,16091026,00.html

Indicações para Leitura:
Das Unheimliche, Sigmund Freud 1919h, em Gesammelte Werke, vol. XII. Trad. Brasileira,Standard Edição Brasileira, trad. Imago, vol. XVII, Rio de Janeiro, RJ.

Contos Sinistros – E. T. A. Hoffmann – Editora Max Limonad, São Paulo, SP, 1987.

O que é deficiência – Debora Diniz, Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 2007.

Sobre a felicidade – Ansiedade e consumo na era do Hipercapitalismo – Renata Salicecl, Editora Alameda, São Paulo, SP, 2005.

LEIA TAMBÉM NO BLOG

EU, VOCÊ, NÓS E O CÂNCERhttps://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/eu-voce-nos-e-o-cancer.html

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terça-feira, 15 de novembro de 2011

ASPERGER, UMA SÍNDROME DE MENTES BRILHANTES OU NÃO?


Imagem Publicada - A capa da Revista Ciranda da Inclusão, nº22, outubro 2011, escrito Incl em azul, com o U sendo representado por duas figuras, e São em rosa. Tem a foto de uma criança que ilustra o tema principal deste número: A síndrome de Asperger, que traz sob seu título: a Revista do Educador. À direita indica os temas da revista: Asperger, como um transtorno do espectro autista, Deficiência Visual - espaço é referência no ensino do sistema Braille,Juntos pela Inclusão - Assistência Especializada faz a diferença. No rodapé traz as imagens de encartes grátis em Braille. São fotos de uma das maiores diversidades da natureza: as flores e suas múltiplas formas e cores que tanto nos encantam. Aquelas que nunca nos excluem ou decepcionam, principalmente se são cuidadas com carinho e amor.

ASPERGER OU NÃO ASPERGER? normal ou a-normal?

Em confirmação das possibilidades de ir além com as pessoas com e sem deficiência reproduzo o texto sobre Síndrome de Asperger que foi publicado na edição de Outubro da Revista Ciranda da Inclusão, após sua edição, e que reafirma a necessidade de sua inclusão social e escolar, indo além de qualquer noção de anormalidade ou normalidade.

Excentricidade. Uma palavra que poderia resumir o que é vivenciado e sentido pelos que são diagnosticados com a Síndrome de Asperger. Primeiramente por sua condição de inclusão no amplo espectro das síndromes autísticas. Depois por estarem em um diagnóstico que afirma uma possibilidade ambígua tanto de inclusão como de exclusão. Sim são, ou tornam-se, pessoas excêntricas, se considerarmos os nossos padrões rígidos da chamada ‘’normalidade’’.

Mas não ficam fora do centro apenas por suas diferenças. Eles também ficam em situação de um ‘’mundo’’ próprio e com muitas singularidades. Eis seu maior risco ou possibilidade de sofrimento: o isolamento social. Mais ainda sua estigmatização.
As pessoas que recebem este diagnóstico são incluídas nos Transtornos Globais do Desenvolvimento.

São as que apresentem distúrbios, não evolução ou desenvolvimento alterado nos campos das habilidades sociais, da comunicação e, da linguagem. Podem, por suas singularidades, serem, como os demais autistas, ser excluídos ou segregados, por exemplo, no campo educacional. E, hoje, sua condição reconhecida de ‘’alto funcionamento’’ intelectual pode ser melhor abordada pela educação inclusiva.

O que diríamos se nos fossem apresentados algumas mentes brilhantes, seja nas ciências, nas artes ou nas filosofias, que foram e são colocados sob o diagnóstico de Síndrome de Asperger?

Foram assim “diagnosticados, postumamente, alguns ‘‘gênios”, como Mozart, Einstein, o compositor Bela Bartók, o músico Glenn Gould ou o filósofo Wittgenstein. Restará nos perguntarmos eram: Asperger ou não Asperger, eis a questão?

O próprio Dr. Hans Asperger, criador do termo é descrito, em sua infância, com algumas das características, sintomas ou peculiaridades que são motivo de diagnóstico de Asperger. Ele foi um pediatra austríaco que denominou um quadro inicialmente denominado de ‘psicopatia autística infantil’, em 1944. Ele observou quatro crianças em sua clínica que tinha dificuldade de integração social.

Embora com uma inteligência considerada, á época, normal estas crianças tinha uma dificuldade de empatia, com desvio do olhar e o encarar aos outros. E eram consideradas grosseiras em suas comunicações. Ou seja, tinham alterações de comportamento social e de seus interesses.

Somente em 1981, a psiquiatra infantil britânica Lorna Wing denominou esta perturbação como Síndrome de As¬perger, em homenagem ao insigne pediatra vienense. Esta entidade faz parte das perturbações globais (ou pervasivas, do inglês pervasive, sem tradução consensual para português) do desenvolvimento.

Os estudos de Wing foram, então, popularizados e difundidos amplamente. A síndrome só veio a se tornar uma ‘’enfermidade’’ em 1992, quando foi incluída na 10ª edição do Manual de diagnósticos da OMS (Organização Mundial da Saúde), a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), e em 1994 foi agregada à DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o livro de referência diagnóstica da Associação Psiquiátrica Americana (EUA).

Em contraposição à esta visão diagnóstica surgiram, alguns anos depois, os movimentos criados pelos próprios portadores da Síndrome. Eles fundamentados nos Estudos sobre Deficiência, questionando a patologização de suas ‘’excentricidades’’ comportamentais, como a chamada ‘’cegueira mental’’, que os faz terem um maior distanciamento denominar de ‘’Aspies’’ e, reforçando sua singularidade, conectam-se via internet, afirmando que todos os ‘’cérebros são lindos’’, apesar de suas diferentes formas de funcionamento e cognição.

Sabemos hoje que o espectro autístico é multifacetado, e, dependendo das condições onde se encontram as pessoas assim diagnosticadas, os seus distúrbios de desenvolvimento serão mais bem compreendidos, cuidados e respeitados seus direitos. Mas há que reconhecer que nem sempre nossos ‘’aspies’’ estão e estarão nos mesmos ambientes socioeconômicos e familiares que os ajudem a superar suas vulnerabilidades.
Em recente pesquisa desenvolvida na USP apontou-se que faltam estudos dedicados sobre adolescentes que apresentem um quadro do espectro autístico.

Segundo o levantamento da Profª Fernanda Dreux M Fernandes, do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Usp, dos 3.065 artigos publicados em revistas internacionais e nacionais sobre fonoaudiologia e autismo, apenas 56 versam sobre adolescentes, sendo somente 03 artigos brasileiros. E dos 1.356 estudos referentes ao autismo, só 43 eram sobre adolescentes.

Sabe-se que entre 1% a 1,5% da população mundial apresenta características relacionadas com o espectro do autismo. Daí ter a preferência pessoal de me referir ao autismo no plural, ou seja, vivenciam-se múltiplos, heterogêneos e plurais transtornos ou distúrbios do desenvolvimento. Não há o autismo e sim os autistas. Cada um com uma forma singular e única de desenvolvimento de suas dificuldades nas áreas de socialização, linguagem e comunicação, assim como em atividade imaginativa e cognição.

Hoje sabemos que os chamados Aspies são possíveis ‘’mentes que brilham’’, apenas no escuro, quando nós, dito normais, não compreendemos seu ‘’brilhantismo’’ obsessivo por determinados temas ou assuntos. Por se tratarem de modos de funcionamento neuro-cognitivo hiper diferenciado, e, principalmente, por seu relacionamento com o mundo ‘’normal’’, tornam-se mentes que se ofuscam ou podem ser ofuscadas pelo seu enquadramento nosológico, como uma ‘’doença’’.

Não devemos apenas enquadrá-los no campo dos transtornos invasivos do desenvolvimento, pois que enquadrados, de forma reducionista e simplista, como uma das formas de Autismo, deixam os que têm baixo funcionamento intelectual como uma extremidade. Não serão, portanto reconhecidos em suas diferenças, respeitados em suas singularidades, mas homogeneizados nas formas de tratamento ou ‘’cura’’.

A interrogação que nos trazem os mais recentes filmes e documentários sobre a Síndrome de Asperger, podem nos ajudar a formular uma interrogação sobre estas múltiplas formas de ser e estar com a SA: toda mente Aspie é brilhante?

Esta pergunta nos foi primeiramente apresentada, em 1988, pelo filme Rain Man. Nesta obra ‘’brilhante’’ de Barry Levinson, temos o astro Dustin Hoffman com um desempenho digno e fidedigno do que uma pessoa com ASPERGER, em tom maiúsculo, pode vivenciar. Ele é o irmão institucionalizado para o qual o irmão, considerado normal, interpretado por Tom Cruise, se volta na busca de uma partilha de herança deixada por seu pai.

Mas o mesmo brilhante Aspie que consegue dizer, com precisão, quantos palitos de fósforo estão dentro de uma caixa, torna-se um sujeito incapaz de reconhecer-se amando e sendo amado em outras cenas do filme. Recomendo que assistam esta película, pois ela é contemporânea dos anos de ‘’descoberta’’ e diagnose das Síndromes de Asperger. E aviso que o brilhante ator não deverá ser tomado como um padrão para todos os ‘’aspies’’.

Há os que têm comprometimentos que não lhes permitem uma real socialização ou mesmo uma efetiva inclusão social. Para estes é que uma distinção e diferenciação diagnóstica poderá vir a ser uma solução para que sejam cuidados e respeitados em seus direitos fundamentais, em especial o da inclusão escolar e a sua não vulneração social.

Outro filme que nos mostra uma das múltiplas facetas da Síndrome de Asperger é Adam, de Max Mayer. Nele um jovem com Síndrome de Asperger é um vizinho apaixonante de uma jovem professora. É uma história sobre as possibilidades e os entraves para a ruptura do isolamento que a síndrome pode provocar. Os isolamentos apontados no filme são principalmente, pela perda paterna, pois o personagem vive como um adulto solitário, como seu trabalho obsessivo, e suas persistentes fixações na vida social.

É um jovem obcecado por estrelas, pelo Universo e pelos planetários, mas que precisava de uma pessoa, capaz da empatia e do apaixonar-se, para a tentativa de rompimento de sua tele-visão do mundo que o cercava, alguém disposta para ensinar/aprender a amar a diferença.

Melhor ainda para compreender e se questionar sobre o brilho das mentes aspies é o filme, quase documentário, sobre Temple Grandin. Este filme exibido pela HBO na TV ganhou o Emmy de 2010, e retratou com fidedignidade uma mulher que se tornou emblemática para a Síndrome de Asperger. A atriz Claire Danes consegue nos mostrar o quanto precisamos aprender sobre a sua ‘’máquina do abraço’’, uma criação de Temple Grandin para o alívio de suas tensões e angústias diante das relações com outros seres humanos. A história é verídica e mostra todos os percalços e barreiras impostas a quem vive em um mundo autísticamente distanciado.

A própria Temple nos ensina: “Você não sabe que a maneira que você pensa é diferente até que você começa a questionar as pessoas sobre como você pensa”. Ela é hoje uma doutora universitária, que aplicou a sua máquina do abraço no processo de mudança do abate cruel do gado. O filme é merecedor dos prêmios pelo despertar de uma outra visão sobre quem vive com a síndrome.

Portanto temos de responder que nem todas as mentes ‘’ASPIES’’ devem ser, mesmo cinematográficamente, vistas como brilhantes. As suas capacidades e habilidades merecem ser reconhecidas, mas as possibilidades de apresentarem as alterações do espectro dos autismos é muito grande.

Um estudo realizado sobre sua visão e compreensão sobre a Morte é um bom exemplo. Em pesquisa realizada no Instituto de Psicologia da USP, por Leticia C. Drummond Amorim, sobre o conceito de morte em indivíduos com o espectro autístico, e, em especial, na Síndrome de Asperger, onde os pesquisados revelam que para eles a morte é vivenciada de modo impessoal e concreta.

Eles a interpretam de uma forma literal, e, caso quando comparados com pessoas com deficiência intelectual, estes se diferenciam pela forma estereotipada e formal de conceituar a morte e o morrer.

O que não podemos perder de vista e de reflexão é que ambos, tantos os ‘’aspies’’ quanto as pessoas com deficiência intelectual, para além de suas limitações ou habilidades, devem ser reconhecidos como cidadãos de direito, como pessoas que podem ter fragilidades maiores que a média dos outros sujeitos, do ponto de vista evolutivo, porque sua dificuldade pode ser a compreensão do pensamento dos outros, tornando-se mais vulneráveis.

Lembrem-se, portanto, que há os diagnósticos, principalmente para as crianças com alterações graves de comportamento, linguagem ou de interação social dentro do espectro dos autismo(s). Há porém um grupo que tem afirmado que: Every Brain is Beatiful (Toda Mente é bela), com um cérebro multicolorido que vem sendo utilizado no Dia do Orgulho Autista. Nesse dia alguns autistas norte-americanos, em 18 de junho de 2005, afirmaram: “Não nos tratem como ‘’doentes’’.Somos diferentes, sim. Mas não precisamos de remédio ou de cura, mas de uma chance de sermos nós mesmos...”

Enfim, tendo a atualização de sua nova constituição legal, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6949/2009), devem ser mais que mentes que brilham ou se ofuscam, são, em uma sociedade igualitária, diferenças e diversidades do modo humano de ser e estar. São, enfim, mais que um diagnóstico, um rótulo ou um estigma, e, com equiparação de suas oportunidades, podem brilhar, mesmo que singelamente, cada um a sua própria luz.


copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011/2012 (favor citar o autor em republicações livres pela Internet ou em outros meios de comunicação de massa TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Meus textos sobre Autismo – Blog INFOATIVO.DEFNET

Um Autista pode vir a ser um Artista da água-
https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/04/um-autista-pode-vir-ser-um-artista-com.html

Orgulhos ‘múltiplos’ – no combate a todos os preconceitos
-https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/06/orgulhos-multiplos-no-combate-todos-os.html

A Terra é Azul e o Autismo também -
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/03/terra-e-azul-e-o-autismo-tambem.html

FILMES sobre a Síndrome de Asperger
• RAIN MAN – (1988) Filme de Barry Levinson - 1988 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Rain_Man
• ADAM – (2009) – Filme de Max Mayer
• http://caminhosdoautismo.blogspot.com/2011/02/filme-adam-2009-sindrome-de-asperger.html
• TEMPLE GRANDIN (2010) – Filme de Mick Jackson
http://caminhosdoautismo.blogspot.com/2010/05/temple-grandin-o-filme-download.html


VIDEOS SOBRE ASPERGER na INTERNET

Mary&Max – desenho animado (dublado)
Max escreve uma carta a Mary depois de anos sem mandar notícias devido ao seu problema de saúde, que logo saberia que é Síndrome de Asperger
https://www.youtube.com/watch?v=6iNcAOoeXwY&feature=related

LIVROS sobre a Síndrome de Asperger
Autismo e Morte – Letícia C. Drummond Amorin – Ed. Rubio, Rio de Janeiro, RJ, 2011.
Convivendo com Autismo e Síndrome de Asperger – estratégias práticas para país e profissionais – Chris Williams e Barry Wright – Ed. M. Books do Brasil, SP, 2008.

Indicação de ARTIGO
DEFICIÊNCIA, AUTISMO E NEURODIVERSIDADE – Francisco Ortega
https://redalyc.uaemex.mx/pdf/630/63014108.pdf

LINKS – Faltam Estudos sobre adolescente do espectsro autista
https://www.usp.br/agen/?p=69341

REVISTA CIRANDA DA INCLUSÃO

https://www.principis.com.br/revistainterativa/Mainm_ciranda.php?MagID=3&MagNo=4