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domingo, 31 de maio de 2015

NEGROS, DEFICIENTES E MESTIÇOS – AS ENCRUZILHADAS DAS NEO/VELHAS-EUGENIAS e de um biólogo estrangeiro entre os novos ‘selvagens’.

Imagem publicada – uma fotografia histórica em preto e branco de um grupo de jovens ‘meninos’ da Juventude Hitlerista, com seus uniformes e perfilados militarmente, como parte de uma grande massa atrás deles, todos nazifascistas. São todos ''brancos, belos, loiros ou de cabelos bons, bonitos, saudáveis, higiênicos, normais, sem defeitos ou degenerescências morais, incorruptíveis, guerreiros, patriotas, sem nenhuma deficiência física ou mental, nascidos de casamentos e famílias arianas, ideais, perfeitos, racialmente puros e compõem a elite de seu povo e sua nação...”. Assim podem, ainda nos dias de hoje, se postularem arrogantemente alguns que se considerarem a elite que deve governar e disciplinar a vida dos Outros. Principalmente, se na fotografia distorcida, tivéssemos atrás deles uma massa de seres de muitas raças, degenerados e, em especial, muitos negros, muitos sujeitos com deficiências, pior ainda se forem todos refugiados ou imigrantes da modernidade líquida. Entretanto, o nosso retrato é colorido e bem maquiado, apesar dos apocalípticos e difusores de biopolíticas do medo, pois os nossos jovens neofascistas ainda são uma das diferentes e múltiplas minoria  da Terra BRasilis.

“O Brasil está destinado, como país da imigração, ser o rebotalho movediço(...) seremos o refúgio dos piores imigrantes. Da análise de nossas estatísticas manicomiais e criminais pode o observador atento concluir que a emigração não desejável (dos norte-americanos) é a que constitui o principal fator de aumento de alienados e delinquentes em nossos manicômios e prisões(...)” (Juliano Moreira apud Cunha Lopes, 1940)

O que acontece se um britânico tropeça e cai em um aeroporto brasileiro? A sua testa e olho são feridos. A sua massa encefálica continuará sendo a mesma? Lógico que sim, a mente desse homem que aparece elogiando a atenção médica e os pontos que recebeu no SUS, não difundida, é a de um eugenista em pleno século XXI. Falo de Richard Dawkins. O mesmo que, ainda hoje, tropeça em discursos higienistas e eugenistas do século passado, no mesmo tom do proto psiquiatra Moreira e do higienista Cunha Lopes.

O seu acidente teve notoriedade pela sua afirmação sobre o SUS, eis a manchete: “BIÓLOGO BRITÂNICO ACIDENTADO EM SP ESCREVE TEXTO ELOGIANDO ATENDIMENTO DO SUS”. Afora a sua surpresa de nossa presteza e rapidez no seu cuidado, seu olhar colonialista continua subjacente na sua surpresa e comparação com seu país. Para ele: “... o atendimento médico na Inglaterra é muito demorado”.

Nenhuma das notícias diz que palestras, que temas e onde proferiu suas ideias. Muito menos sobre seus polêmicos discursos sobre pessoas que não deveriam nem ser concebidas.

Saiamos do Aeroporto de Guarulhos e seus tropeços. Vamos aqui abrir umas páginas da História de nossos primeiros eugenistas. Nelas é que encontrei e encontro respostas, ainda inconclusas, sobre as encruzilhadas que transversalizaram e transversalizam tanto os negros, os mestiços quanto as pessoas com deficiências. A questão racial foi preponderante, a meu ver, para que milhares de pessoas com deficiências, em especial as intelectuais, serem quase uma maioria dentro dos hospícios do século XX.

Indagam-me, recentemente, se não transformaria essa já velha pesquisa em material acadêmico. Respondo que, na minha modesta opinião, ainda não foi criado no mundo científico e universitário um verdadeiro e novo paradigma sobre o tema, a partir de uma visão dos afetados. No futuro quem sabe ou quem desejará fazê-lo? Ainda estão muito distantes de doutoramentos e suas pós, mesmo com as ações afirmativas, os nossos negros, nossos sujeitos possuidores, em um só e no mesmo corpo, desses estigmas da mestiçagem, da deficiência e da escravidão.

Já há um magnifico trabalho da Prof.ª Dr.ª Lilia Lobo, da UFF, sobre os “Infames da História: pobres, escravos e deficientes no Brasil”, tese e livro nos quais, em sua metodologia foucaultiana, desnaturaliza todo o constructos históricos sobre o corpo deficiente, e sua submissão às dominações e disciplinarizações seculares. Lá também são levantadas questões que ainda me faço, já que tive o privilégio da interlocução e convívio com a autora.

São apresentadas em sua obra como as Vidas Nuas em que se transformavam os corpos cativos negros que podemos buscar algumas raízes de corpos infames. Ainda no Império forjaram as imagens monstruosas, dos corpos marginais, passando pelos ‘alienados’ dos manicômios, e, tendo seu ápice nas imagens de anões nus e constrangidos diante de objetivas de laboratório eugênicos no início do Século XX.

Pelos discursos dos eugenistas é que poderíamos buscar os atravessamentos que, trans historicamente, ainda persistem em muitos dos discursos oficiais ou autorizados dentro das universidades e do meio social. O modelo de higiene mental e de eugenia nasceu, foi propagandeada e proliferou exatamente através das falas dos ‘mestres’. Como Lopes ou Moreira, ou mesmo o nosso consagrado Monteiro Lobato e seus amigos.

Na posição de uma das mais eminentes figuras de nossa Psiquiatria, lá em 1906, Juliano Moreira já antevia, nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, comentando sobre as moléstias ligadas à herança, dizia que “... em breve surgirá a época da higiene profilática”. Este discurso serviu anos depois para que Cunha Lopes, em 1917, com apoios de outros eugenistas pudesse forjar a constituição da Comissão Central Brasileira de Eugenia.

Esta Comissão tinha como objetivos: a) manter no país o interesse pelo estudo das questões de hereditariedade e eugenia; b) propugnar a difusão dos ideais de regeneração física, psíquica e moral do homem; c) prestigiar ou auxiliar, ad libitum, toda organização científica ou humanitária de caráter eugênico. Poderíamos, retirando o termo eugenia, atualizar e encontrar esses objetivos em discursos de biólogos, geneticistas e até bioeticistas nos tempos atuais? Em que espaço social encontramos maior respaldo de suas ideias e suas crenças científicas?

Encontrem as respostas lendo Dawkins e outros muito atuais defensores da ‘boa herança genética’ ao modo de Gattaca. Para eles e Cunha Lopes se deveria e se deve ‘aumentar a descendência de casais (heterossexuais e puros) geno e fenotipicamente sadios. Aí também se cruzam os discursos de fanáticos religiosos e alguns pastores evangélicos.

E, para atingir as metas eugênicas não teríamos, por esse discurso naturalizado, de procurar limitar o máximo possível a descendência de anormais e restringir a multiplicação de indivíduos hereditariamente inferiores?

Para Cunha Lopes, em 1940: “As medidas que decorrem da eugenia ... dependem do esforço das elites e da educação das massas populares”. Não ouvimos, assistimos e lemos recentemente esse mesmo discurso de ‘limpeza’ de nossas ‘’impurezas político-sociais’’ de nossas chamadas “elites” brancas e verde amareladas? Afinal, segundo ele: “...cruzamento de raças próximas costuma dar bons resultados no tocante ao físico e também para o lado psíquico, ao passo que a mistura de raças mui diversas (esses pardos e pardais) entre si dá resultados desfavoráveis”.

Estamos realmente no Século XXI? Ainda temos de ouvir e ler sobre ‘regeneração nacional’, ‘aprimoramento das populações marginais e miscigenadas’, ‘controle social das degenerescências e corrupções herdadas’? Acho que o biólogo britânico veio por aqui nos lembrar das políticas de esterilização em massa, dos controles biológicos das possibilidades heredológicas desviantes, da castração de inaptos e inferiores de cores de pele perigosas quando associadas a deficiências, inclusive as morais e políticas.

Como então, reagir diante das novas selvagerias e violências que estes ‘neo-selvagens’ e anormais da Terra Brasilis, fazem proliferar? Abolindo a faixa etária para seu extermínio? Antecipando sua tendência para ser cordialmente miscigenado? Construindo novas e sutis formas de controle populacional dessas minorias que são maiorias da cor de pele? Embranquecer os negros, inclusive os ‘portadores’ de ‘invalidez’ social e econômica? Prevenir o surgimento de novos ‘defeituosos genéticos’ e novos sujeitos que se afirmem em suas deficiências como singularidades? Sanear de todos os ‘malditos e infames’ a nossa gloriosa Pátria?

Seriam, como já publiquei, a utilização de novos ‘choques’ e novos ‘testes e técnicas psicológicas’, ou seja ‘científicas’, a maneira perversa e contraditória, para erradicar os preconceitos, as discriminações e as ‘eliminações’ desses Outros anômalos? 

Vejam o que se pode propor para eliminação dos racismos e machismos na experiência desenvolvida em universidades dos EUA (matéria InfoNotícias DEFNET recém publicada no blog). Poderíamos submeter toda aquela tropa de jovens hitleristas às lavagens cerebrais que apagariam de suas memórias os ódios raciais? E dos novos ‘guris’ neo-liberais dos dias de hoje?

Há muitos que ainda se deixam iludir e seduzir pelas nossas colonizadas imagens e sonhos eurocêntricos ou norte-americanófilos.  Nossos eugenistas também o fizeram, visitaram a Inglaterra, os Estados Unidos, a Itália, e, principalmente, a Alemanha, antes e depois dos Nazi fascismos surgirem como desejo de massa. Aspiraram serem herdeiros daquelas ‘ciências’.

Foi seu modelo eugenista que se naturalizou através dos muros e das instituições que construímos, fossem os hospícios, as colônias agrícolas ou os manicômios. Nestes espaços instituídos forjaram-se muitas formas de ‘tratamento’, ‘reeducação’, ‘reabilitação’ e ‘educação’ que depois se transformaram nas encruzilhadas institucionais onde se miscigenou o corpo negro, o corpo pobre e o corpo deficiente. E os ‘homens-elefante’ daqui tinham, além de seus feiuras morais também os vícios e defeitos genéticos a serem extirpados.

Há, pois, que também desnaturalizar a fala de um neo-eugenista e biólogo estrangeiro, mesmo que esteja nos elogiando o sistema único de saúde. A sua visão não foi modificada pelo tombo brasileiro. Os seus preconceitos arraigados e ‘cientificamente’ estruturados não foram abalados. Assim com eles há também os nossos conterrâneos contemporâneos, brasileiros e brasileiras, que como as elites do passado ainda pensam obtusamente de ‘de olhos virados para trás’. Pedem até a ‘tortura na hora certa’ e a Ordem como ditadura.

A eles peço que reflitam após assistir como podem os que se considerem melhores, mais puros, mais inteligentes e mais fortes, assim como desejavam os médicos eugenistas, tanto aqui como na Alemanha Nazista, transformar a morte e extermínio, no caso de forma ‘indolor’ pelo gás, de corpos e mentes defeituosas em práticas ‘empresariais’. Assistam o Action 4 urgentemente. Os doutores dessa História também colecionavam cérebros.

E, por favor, convidem o nosso estrangeiro biólogo para esta reflexão. Não se esqueçam de lembra-lo que o SUS foi uma resultante de muita luta pelo direito humano inalienável à saúde para todos, sem discriminação, sem exceções. A família Hulk que o diga.

 E, lhe digam que ainda temos muito a aprender para que os corpos, nas suas diferenças, inclusive as resultantes de nossas inconscientes colonizações, permaneçam na busca da chamada liberdade sócio-política. A mesma que pode ser o antídoto para que nossos desejos eugenistas e fascistantes possam ser combatidos.

Já sabemos que a maioria de nossos corpos deficitários podem ser, estatisticamente, classificados como ainda pobres, marginalizados, negros, violentados, eliminados, neo-escravizados e, perversamente, tornados os principais objetos dos discursos de inclusão. Somos mesmo apenas 24 a 25 milhões de pessoas com deficiência? Qual é mesmo a cor da pele dominante de nossas a-normalidades?

Avisem, enfim, que não é a maioria, ainda, das massas que desejam retornar às garras duras dos Anos de Chumbo, mas que é preciso RE-EXISTIR. O rio da Vida que escolhemos tem águas turbulentas, mas continua correndo, apesar de tentarem represa-lo. O preferimos às águas pantanosas dos lagos estagnados de quem só quer os cérebros para a dominação, a perfeição de si e o ódio ao Outro.

Copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-16 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação e dominação de massas) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

Matérias da Internet ligadas ao texto -

Richard Dawkins diz que "é imoral" uma mulher dar à luz um filho com síndrome de Dow https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/richard-dawkins-diz-que-imoral-uma-mulher-dar-luz-um-filho-com-sindrome-de-down-13680998

BIÓLOGO BRITÂNICO ACIDENTADO EM SP ESCREVE TEXTO ELOGIANDO ATENDIMENTO DO SUS https://br29.com.br/biologo-acidentado-em-sp-escreve-texto-elogiando-atendimento-do-sus/

Notícia de 2018 - Juristas pela Democracia repudia esterilização forçada (CasoJanaína) https://jornalggn.com.br/noticia/juristas-pela-democracia-repudia-esterilizacao-forcada

LEITURAS CRÍTICAS INDICADAS - 

A HORA DA EUGENIA – Raça, Gênero e Nação na América Latina, Nancy Leys Stepan, Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, 2005.

ARQUIVOS DA LOUCURA – Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da Psiquiatria,  Vera Portocarrero, Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ,2002.

OS INFAMES DA HISTÓRIA: Pobres, Negros e Deficientes, Lília Lobo, Editora Lamparina, Rio de Janeiro, RJ, 2009. (Veja e leia em - https://www.historiaecultura.pro.br/cienciaepreconceito/producao/infamesdahistoria.pdf

DOCUMENTÁRIO indicado para reflexão sobre eugenia, medicina, psiquiatria e nazifascismo Ação T4: Um Médico sob o Nazismo -   Direção: Emmanuel Roblin País: França Ano: 2014 (Legendado)  -Este documentário relata a história da chamada "Ação T4", que consistia em eliminar deficiências físicas e mentais e pessoas consideradas inúteis e prejudiciais pelo regime nazista. Em espaços médicos e psiquiátricos,  diferentes experiências para sua eliminação, de forma prática, indolor e eficaz foram realizadas, até o aperfeiçoamento das câmaras de gás. Dr. Julius Hallervorden, importante nome na ciência da patologia cerebral, contribuiu para o assassinato sistemático de alemães mentalmente doentes, ordenado por Hitler. Ele, no entanto, seguiu uma carreira brilhante no pós-guerra, impune, e morreu coberto de honras. Entre 1939 e 1945, pelo menos 200.000 pessoas com doenças mentais ou pessoas com deficiências foram assassinadas. Exibições no Canal Curta! - https://old.hagah.com.br/programacao-tv/jsp/default.jsp?uf=1&action=programa&canal=BQ4&operadora=25&programa=0000437625&evento=000000538832631&gds=1&hgh=0

LEIA TAMBÉM NO BLOG –

EUGENIA – COMO REALIZAR A CASTRAÇÃO E ESTERILIZAÇÃO DE HOMENS E MULHERES COM DEFICIÊNCIA? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/01/eugenia-como-realizar-castracao-e.html

OS MORTOS-VIVOS DO HOSPÍCIO QUE ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS – https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html

"RACISMOS/PSICOLOGIA - Os preconceitos podem ser apagados dos nossos cérebros? Racismo e machismo podem ser apagados do cérebro"  https://infonoticiasdefnet.blogspot.com.br/2015/05/racismospsicologia-os-preconceitos.html


RETORNAR À CASA VERDE, RETROCEDER E INSTITUCIONALIZAR A LOUCURA? OU SOMOS TODOS ‘LOUCOS’? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/05/retornar-casa-verde-retroceder-e.html

quarta-feira, 8 de abril de 2015

SAÚDE, BIOÉTICA E POLÍTICA – Vendem-se corpos e compram-se consciências?

Imagem publicada – uma foto colorida que fiz de uma matéria televisiva sobre o uso de robôs e novas tecnologias a serviço das guerras, de indústrias de ponta nos Eua, onde um manequim é cirurgicamente operado por um robô, que é teleguiado e projetado para servir remotamente a cirurgiões, que irão abreviar atendimento emergencial de soldados feridos em combate. A legenda diz: um robô que pode realizar cirurgias no campo de batalha. Matéria do Discovery Channel onde a robótica é utilizada para criação de drones, robôs espiões e desarmadores de bombas à distância.

“... Ao final do século XX, o fenômeno que mais se destaca é que a compra e venda não dizem respeito ao corpo como um todo, mas envolvem as partes individuais do homem. Assistimos, em outras palavras, à fragmentação comercial do ser humano. Os limites entre os usos e abusos do corpo tornaram-se gradualmente mais sutis e imprecisos...” (Giovanni Berlinguer & Volnei Garrafa, in Mercado Humano, 1996)

In memoriam de Giovanni Berlinguer (1924- 06/04/2015)

Sempre me perguntam se faria uma nova cirurgia. Sempre me indagam se não há um ‘’novo’’ tratamento, para minhas perdas, inclusive da mobilidade física. Sempre se surpreendem quando digo que estou à espera dos robôs da Nasa ou de alguma invenção das biotecnologias que irão trocar toda a minha coluna vertebral e não apenas colocar novos parafusos de titânio. Ainda prefiro a re-existência titânica do viver.

Assisti, recentemente, um desses programas de TV, da Discovery, onde um robô estava a ser testado, como na foto que tirei, para ‘realizar (em tempo recorde e veloz) uma cirurgia em campos de batalha’. Me vi ali deitado e sendo, então, novamente operado. E o bisturi, tele manipulado como nossas atuais consciências, me abria novamente pelas costas.

Hoje uma amiga me telefona, após muitos anos de distanciamento geográfico, e me sugere que façamos, visto essa minha tendência robótica de introduzir titânio no meu corpo, uma campanha para que vá para uma frente de batalha no Afeganistão. Lógico que só com passagem de ida, pois a volta, após a identificação de meu “sanguíneo conteúdo” político, pode ser direta para Guantánamo.

Tenho um belo livro para releitura e reflexão: O Mercado Humano – Estudo bioético da compra e venda de partes do corpo. É o mesmo citado lá em cima. Nele há interrogações sobre nossos tempos de transplantes de órgãos, fecundação artificial, engenharia genética, e, interessantemente, a questão da ‘escravidão ao mercado tecnológico’.

De lá, o livro é de 1996, para os nossos dias de Século XXI posso ter de responder com um sim às suas indagações: “Pode tudo ser realmente comprado ou mesmo roubado? Os órgãos para transplantes, o sangue para as transfusões, os recém-nascidos para as adoções, as meninas para as prostituições?”. Se alguém tem dúvidas busquem, em separado, as perguntas, e as respostas, no grande dicionário digital, o Google.

A realidade cruenta, por exemplo, da questão de tráfico de órgãos veio novamente à tona por causa de médicos lá no Sul de Minas. Não muito longe de minha terra natal e suas águas medicinais. Lá na pacata estância hidromineral de Poços de Caldas. Lá ocorreu o chamado Caso “Paulinho Pavesi”, um menino de 10 anos que teve seus órgãos retirados, segundo matéria de jornal, “enquanto ainda estava vivo”.

Esses e outros ‘’casos’’ estão relatados em jornais de imprensa local e de outros veículos, dos quais listei apenas alguns. O que ligou às notícias foi o título do livro de Berlinguer e Garrafa. Além disso, o surgimento fugaz em redes sociais de matérias midiatizadas recentemente. Não estou e estarei aqui para o julgamento da ‘’Máfia dos órgãos’’, mas para tentar compreender de onde nascem as raízes desse mercado.

Estamos assistindo, tele e midiaticamente, um recrudescimento de atitudes preconceituosas em Faculdades de Medicina. Recentemente vimos ‘veteranos’ com as fardas e capuzes da Klu Khux Khan, estavam em suas ‘fantasias’ e trotes reproduzindo o martírio de negros nos corpos dos ditos ‘bichos ou calouros’, lá na Unesp. Entretanto já tínhamos precedentes. 

Antes tivemos os estupros e as violências dentro das ‘festas’ de iniciação da vetusta Faculdade de Medicina da Usp. Cito apenas estas duas ocasiões violentadoras, em espaços de formação acadêmica, uma que foi naturalizada e outra que passou até por uma CPI, e como “notícias”, em tempos voláteis, só voltarão quando novos casos surgirem.

No texto que escrevi sobre o Holocausto brasileiro promovido, historicamente, lá em Barbacena, MG, já fiz as devidas ligações entre o comércio de corpos do hospício para as mesas de dissecção anatômica das faculdades de medicina. Eu, lamentavelmente, vi e tive esses cadáveres anônimos como ‘’lições’’ de anatomia humana, cheios de formol e de pele totalmente endurecida. Eram os Anos 70.

Creio que a dissolução, possíveis escrúpulos ou humanidades, no mais profundo de nossos inconscientes sobre o homem como sujeito, na formação dos profissionais de saúde, em especial os médicos, ocorrem nessa ‘iniciação’ onde temos uma ‘’oração do cadáver anônimo’’, mas podemos, no futuro, transplantá-lo a categoria de homem-objeto.

Os primeiros ‘poços’ profundos, ou gênesis, de nossa posterior desumanização dos corpos pode fincar as raízes nesse solo acadêmico. Afinal o que nos separaria dos médicos nazistas que, como nos diz Agambem, faziam experimentações com as cobaias humanas, as ‘versuchem person’, onde os judeus ou pessoas com deficiência eram submetidos às mais baixas temperaturas, ou extração ‘a frio’ de órgãos para fins dos ‘avanços da medicina germânica, e a proteção do exército do Reich’? Mas seriam necessárias biopolíticas, leis, e, principalmente escolas da  de-formação da Juventude Hitlerista ou das Faculdades de Medicina, ou não?.

Não estou trazendo de volta o fantasma de Mengele, mas que há um ‘cheiro’ mortal e incômodo de nazifascismo no ar não há como negar. As banalizações e naturalizações de violências estão autorizando, mesmo que não explicitamente, a ‘neomercantilização’, ‘neoescravidão’ e ‘neoexploração’ de nossos corpos insurgentes (como filme dos adolescentes). O Grande Irmão global nos incentiva à neo-guerra. Forjamos novas escolas hipermidiáticas do ódio e de novas Ondas? Ou apenas, neurótica e perversamente, repetimos os nossos passados?

As nossas raízes culturais também se alimentam de trans históricas posições eugênicas dos médicos e educadores do século XX. Lá em São Paulo nos anos 20 podíamos ainda ter a contribuição de eminentes escritores, intelectuais e ‘elites’ sociais que legitimavam a distinção de ‘corpos válidos’ e ‘corpos descartáveis’.

A Vida Nua pode ser captada como um discurso de Eugenia e Poder, segundo estudo de Vera Regina Beltrão Marques, no discurso de Monteiro Lobato, o mesmo das Reinações de Narizinho, que dizia: “-Muito cedo chegou o americano à conclusão de que os males do mundo vinham de três pesos mortos que sobrecarregavam a sociedade- o vadio, o doente e o pobre... A eugenia deu cabo do primeiro, a higiene do segundo e a eficiência do último...”.

E o escritor tinha relações muito próximas com os higienistas e eugenistas brasileiros. Para eles, que se consideravam uma ‘elite’, a eliminação ‘radical’, assim como propõem os fascismos, é a melhor solução para “a América (incluam o nosso país) aproximar-se de um tipo de associação já existente na natureza, a colmeia – mas uma colmeia da abelha que pensa”.

Eis aí um discurso que estamos sendo obrigados a escutar, ver e ler nos nossos tempos de Idade Mídia. Arautos do ‘bom combate’ das nossas corrupções, projetadas apenas no socius, dizem que devemos dar o poder político de gerir o país e a Vida aos que são ‘puros, imaculados e nascidos em berços esplêndidos das classes mais afortunadas’.

Aos outros, aqueles que contaminam nossos shoppings ou nossas periferias, cabe a continuidade do extermínio por ‘golpes brandos’. Mantem-se a alienação, o racismo, as discriminações e o trabalho escravo como naturais. Esses outros são as nossas misérias ou serão.

A exclusão social retoma seus ares de horror econômico e a cultura do medo retoma sua posição a favor de novas e sutis repressões, inclusive políticas. Os corpos são novamente Vidas Nuas, homo sacer.

E, aqueles dos quais se esperava o cuidado com a Saúde, em especial a pública e universal, chamada ainda de SUS, podem nos submeter às desqualificações e desumanizações que justifiquem esse novo mercado privado e altamente rentável. Seremos os novos pacientes doadores espontâneos dos nossos órgãos. E os úteros já estão alugados.

Portanto, não estreitando nossos olhares e visões, acredito que temos de buscar urgentemente uma ressignificação e revitalização de nossos corpos trabalhadores. Já nos terceirizam e comercializam, até quando nos prostituirão as consciências críticas e políticas? Até quando nos darão olhos biônicos e televisivos que nos afastam do Outro e nos dão uma sórdida ilusão de Poder?

A medicalização do viver tem andado passo a passo no mesmo caminho tortuoso da militarização da Vida. Os novos casos, sempre meninos ou meninas, que perdem suas partes fragmentadas, ou por balas de fuzil ou por bisturis eletrônicos, passarão a categoria perversa de ‘efeitos colaterais’ de nossos progressos? Ou são apenas vidas descartáveis que atrapalham as novas tanatocracias ditatoriais ou seus projetos globais, sejam elas nas Áfricas, na Ucrânia, na Síria ou no Brasil?

Portanto, dentro dessa minha visão, que não desejo ser antevisão, espero não ter o falso gozo de me tornar mais uma cobaia humana. As alianças das biotecnologias, das engenharias, das genéticas e das biopolíticas não aliviarão, nem aliviam, os meus mais profundos e poéticos ardores.

Eu, brasileiro, negro, e Lobatianamente descartável, prometo me manter na Re-existência e na Resiliência, política e micropolítica, para além do fato de ser mais um que deseja um envelhecimento com dignidade para a Medicina, em busca de um aprender a construir, bioéticamente, novas pontes para o Futuro ...

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2015/2016 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e/ou outros meios de comunicação para e com as massas. TODOS DIREITOS RSERVADOS 2025)

INDICAÇÕES PARA LEITURAS CRÍTICAS –

O MERCADO HUMANO – Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo, Giovanni Berlinguer &Volnei Garrafa, Editora UNB, Brasília, DF, 1996.

A MEDICALIZAÇÃO DA RAÇA – Médicos, Educadores e Discurso Eugênico, Vera Regina Beltrão Marques, Editora UNICAMP, Campinas, SP, 1994.

O QUE É VIOLÊNCIA SOCIAL – Jorge P. de Andrade et alii, Escolar Editora, Lisboa, Portugal, 2014.


Notícias pesquisadas na Internet –

CRM absolve médicos condenados por tráfico de órgãos em Poços de Caldas (MG) https://noticias.r7.com/minas-gerais/crm-absolve-medicos-condenados-por-trafico-de-orgaos-em-pocos-de-caldas-mg-14022014  (vejam a quem pertence a empresa MG Sul Transplantes)

'Eles sabiam que a criança estava viva', diz juiz sobre tráfico de órgãos https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2014/02/eles-sabiam-que-crianca-estava-viva-diz-juiz-sobre-condenacoes.html


Em 24/03/2015 - Médicos acusados de retirada ilegal de órgãos são presos em Poços



LEIAM TAMBÉM AQUI NO BLOG –



SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se encontra com a Resiliência.

OS MORTOS-VIVOS DO HOSPICIO QUE ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS! https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html

OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html

TIROS REAIS EM REALENGO - a violência é uma péssima pedagoga https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html


SAÚDE, BIOÉTICA E POLÍTICA – Vendem-se corpos e compram-se consciências?

Imagem publicada – uma foto colorida que fiz de uma matéria televisiva sobre o uso de robôs e novas tecnologias a serviço das guerras, de indústrias de ponta nos Eua, onde um manequim é cirurgicamente operado por um robô, que é teleguiado e projetado para servir remotamente a cirurgiões, que irão abreviar atendimento emergencial de soldados feridos em combate. A legenda diz: um robô que pode realizar cirurgias no campo de batalha. Matéria do Discovery Channel onde a robótica é utilizada para criação de drones, robôs espiões e desarmadores de bombas à distância.

“... Ao final do século XX, o fenômeno que mais se destaca é que a compra e venda não dizem respeito ao corpo como um todo, mas envolvem as partes individuais do homem. Assistimos, em outras palavras, à fragmentação comercial do ser humano. Os limites entre os usos e abusos do corpo tornaram-se gradualmente mais sutis e imprecisos...” (Giovanni Berlinguer & Volnei Garrafa, in Mercado Humano, 1996)

In memoriam de Giovanni Berlinguer (1924- 06/04/2015)

Sempre me perguntam se faria uma nova cirurgia. Sempre me indagam se não há um ‘’novo’’ tratamento, para minhas perdas, inclusive da mobilidade física. Sempre se surpreendem quando digo que estou à espera dos robôs da Nasa ou de alguma invenção das biotecnologias que irão trocar toda a minha coluna vertebral e não apenas colocar novos parafusos de titânio. Ainda prefiro a re-existência titânica do viver.

Assisti, recentemente, um desses programas de TV, da Discovery, onde um robô estava a ser testado, como na foto que tirei, para ‘realizar (em tempo recorde e veloz) uma cirurgia em campos de batalha’. Me vi ali deitado e sendo, então, novamente operado. E o bisturi, tele manipulado como nossas atuais consciências, me abria novamente pelas costas.

Hoje uma amiga me telefona, após muitos anos de distanciamento geográfico, e me sugere que façamos, visto essa minha tendência robótica de introduzir titânio no meu corpo, uma campanha para que vá para uma frente de batalha no Afeganistão. Lógico que só com passagem de ida, pois a volta, após a identificação de meu “sanguíneo conteúdo” político, pode ser direta para Guantánamo.

Tenho um belo livro para releitura e reflexão: O Mercado Humano – Estudo bioético da compra e venda de partes do corpo. É o mesmo citado lá em cima. Nele há interrogações sobre nossos tempos de transplantes de órgãos, fecundação artificial, engenharia genética, e, interessantemente, a questão da ‘escravidão ao mercado tecnológico’.

De lá, o livro é de 1996, para os nossos dias de Século XXI posso ter de responder com um sim às suas indagações: “Pode tudo ser realmente comprado ou mesmo roubado? Os órgãos para transplantes, o sangue para as transfusões, os recém-nascidos para as adoções, as meninas para as prostituições?”. Se alguém tem dúvidas busquem, em separado, as perguntas, e as respostas, no grande dicionário digital, o Google.

A realidade cruenta, por exemplo, da questão de tráfico de órgãos veio novamente à tona por causa de médicos lá no Sul de Minas. Não muito longe de minha terra natal e suas águas medicinais. Lá na pacata estância hidromineral de Poços de Caldas. Lá ocorreu o chamado Caso “Paulinho Pavesi”, um menino de 10 anos que teve seus órgãos retirados, segundo matéria de jornal, “enquanto ainda estava vivo”.

Esses e outros ‘’casos’’ estão relatados em jornais de imprensa local e de outros veículos, dos quais listei apenas alguns. O que ligou às notícias foi o título do livro de Berlinguer e Garrafa. Além disso, o surgimento fugaz em redes sociais de matérias midiatizadas recentemente. Não estou e estarei aqui para o julgamento da ‘’Máfia dos órgãos’’, mas para tentar compreender de onde nascem as raízes desse mercado.

Estamos assistindo, tele e midiaticamente, um recrudescimento de atitudes preconceituosas em Faculdades de Medicina. Recentemente vimos ‘veteranos’ com as fardas e capuzes da Klu Khux Khan, estavam em suas ‘fantasias’ e trotes reproduzindo o martírio de negros nos corpos dos ditos ‘bichos ou calouros’, lá na Unesp. Entretanto já tínhamos precedentes. Antes tivemos os estupros e as violências dentro das ‘festas’ de iniciação da vetusta Faculdade de Medicina da Usp.
Cito apenas estas duas ocasiões violentadoras, em espaços de formação acadêmica, uma que foi naturalizada e outra que passou até por uma CPI, e como “notícias”, em tempos voláteis, só voltarão quando novos casos surgirem.

No texto que escrevi sobre o Holocausto brasileiro promovido, historicamente, lá em Barbacena, MG, já fiz as devidas ligações entre o comércio de corpos do hospício para as mesas de dissecção anatômica das faculdades de medicina. Eu, lamentavelmente, vi e tive esses cadáveres anônimos como ‘’lições’’ de anatomia humana, cheios de formol e de pele totalmente endurecida. Eram os Anos 70.

Creio que a dissolução, possíveis escrúpulos ou humanidades, no mais profundo de nossos inconscientes sobre o homem como sujeito, na formação dos profissionais de saúde, em especial os médicos, ocorrem nessa ‘iniciação’ onde temos uma ‘’oração do cadáver anônimo’’, mas podemos, no futuro, transplantá-lo a categoria de homem-objeto.

Os primeiros ‘poços’ profundos, ou gênesis, de nossa posterior desumanização dos corpos pode fincar as raízes nesse solo acadêmico. Afinal o que nos separaria dos médicos nazistas que, como nos diz Agambem, faziam experimentações com as cobaias humanas, as ‘versuchem person’, onde os judeus ou pessoas com deficiência eram submetidos às mais baixas temperaturas, ou extração ‘a frio’ de órgãos para fins dos ‘avanços da medicina germânica, e a proteção do exército do Reich’? Mas seriam necessárias biopolíticas, leis, e, principalmente escolas da  de-formação da Juventude Hitlerista ou das Faculdades de Medicina, ou não?.

Não estou trazendo de volta o fantasma de Mengele, mas que há um ‘cheiro’ mortal e incômodo de nazifascismo no ar não há como negar. As banalizações e naturalizações de violências estão autorizando, mesmo que não explicitamente, a ‘neomercantilização’, ‘neoescravidão’ e ‘neoexploração’ de nossos corpos insurgentes (como filme dos adolescentes). O Grande Irmão global nos incentiva à neo-guerra. Forjamos novas escolas hipermidiáticas do ódio e de novas Ondas? Ou apenas, neurótica e perversamente, repetimos os nossos passados?

As nossas raízes culturais também se alimentam de trans históricas posições eugênicas dos médicos e educadores do século XX. Lá em São Paulo nos anos 20 podíamos ainda ter a contribuição de eminentes escritores, intelectuais e ‘elites’ sociais que legitimavam a distinção de ‘corpos válidos’ e ‘corpos descartáveis’.

A Vida Nua pode ser captada como um discurso de Eugenia e Poder, segundo estudo de Vera Regina Beltrão Marques, no discurso de Monteiro Lobato, o mesmo das Reinações de Narizinho, que dizia: “-Muito cedo chegou o americano à conclusão de que os males do mundo vinham de três pesos mortos que sobrecarregavam a sociedade- o vadio, o doente e o pobre... A eugenia deu cabo do primeiro, a higiene do segundo e a eficiência do último...”.

E o escritor tinha relações muito próximas com os higienistas e eugenistas brasileiros. Para eles, que se consideravam uma ‘elite’, a eliminação ‘radical’, assim como propõem os fascismos, é a melhor solução para “a América (incluam o nosso país) aproximar-se de um tipo de associação já existente na natureza, a colmeia – mas uma colmeia da abelha que pensa”.

Eis aí um discurso que estamos sendo obrigados a escutar, ver e ler nos nossos tempos de Idade Mídia. Arautos do ‘bom combate’ das nossas corrupções, projetadas apenas no socius, dizem que devemos dar o poder político de gerir o país e a Vida aos que são ‘puros, imaculados e nascidos em berços esplêndidos das classes mais afortunadas’.

Aos outros, aqueles que contaminam nossos shoppings ou nossas periferias, cabe a continuidade do extermínio por ‘golpes brandos’. Mantem-se a alienação, o racismo, as discriminações e o trabalho escravo como naturais. Esses outros são as nossas misérias ou serão.

A exclusão social retoma seus ares de horror econômico e a cultura do medo retoma sua posição a favor de novas e sutis repressões, inclusive políticas. Os corpos são novamente Vidas Nuas, homo sacer.

E, aqueles dos quais se esperava o cuidado com a Saúde, em especial a pública e universal, chamada ainda de SUS, podem nos submeter às desqualificações e desumanizações que justifiquem esse novo mercado privado e altamente rentável. Seremos os novos pacientes doadores espontâneos dos nossos órgãos. E os úteros já estão alugados.

Portanto, não estreitando nossos olhares e visões, acredito que temos de buscar urgentemente uma ressignificação e revitalização de nossos corpos trabalhadores. Já nos terceirizam e comercializam, até quando nos prostituirão as consciências críticas e políticas? Até quando nos darão olhos biônicos e televisivos que nos afastam do Outro e nos dão uma sórdida ilusão de Poder?

A medicalização do viver tem andado passo a passo no mesmo caminho tortuoso da militarização da Vida. Os novos casos, sempre meninos ou meninas, que perdem suas partes fragmentadas, ou por balas de fuzil ou por bisturis eletrônicos, passarão a categoria perversa de ‘efeitos colaterais’ de nossos progressos? Ou são apenas vidas descartáveis que atrapalham as novas tanatocracias ditatoriais ou seus projetos globais, sejam elas nas Áfricas, na Ucrânia, na Síria ou no Brasil?

Portanto, dentro dessa minha visão, que não desejo ser antevisão, espero não ter o falso gozo de me tornar mais uma cobaia humana. As alianças das biotecnologias, das engenharias, das genéticas e das biopolíticas não aliviarão, nem aliviam, os meus mais profundos e poéticos ardores.

Eu, brasileiro, negro, e Lobatianamente descartável, prometo me manter na Re-existência e na Resiliência, política e micropolítica, para além do fato de ser mais um que deseja um envelhecimento com dignidade para a Medicina, em busca de um aprender a construir, bioéticamente, novas pontes para o Futuro ...

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2015/2016 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e/ou outros meios de comunicação para e com as massas. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

INDICAÇÕES PARA LEITURAS CRÍTICAS –

O MERCADO HUMANO – Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo, Giovanni Berlinguer &Volnei Garrafa, Editora UNB, Brasília, DF, 1996.

A MEDICALIZAÇÃO DA RAÇA – Médicos, Educadores e Discurso Eugênico, Vera Regina Beltrão Marques, Editora UNICAMP, Campinas, SP, 1994.

O QUE É VIOLÊNCIA SOCIAL – Jorge P. de Andrade et alii, Escolar Editora, Lisboa, Portugal, 2014.


Notícias pesquisadas na Internet –

CRM absolve médicos condenados por tráfico de órgãos em Poços de Caldas (MG) https://noticias.r7.com/minas-gerais/crm-absolve-medicos-condenados-por-trafico-de-orgaos-em-pocos-de-caldas-mg-14022014  (vejam a quem pertence a empresa MG Sul Transplantes)

'Eles sabiam que a criança estava viva', diz juiz sobre tráfico de órgãos https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2014/02/eles-sabiam-que-crianca-estava-viva-diz-juiz-sobre-condenacoes.html


Em 24/03/2015 - Médicos acusados de retirada ilegal de órgãos são presos em Poços



LEIAM TAMBÉM AQUI NO BLOG –



SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se encontra com a Resiliência.

OS MORTOS-VIVOS DO HOSPICIO QUE ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS! https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html

OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html

TIROS REAIS EM REALENGO - a violência é uma péssima pedagoga https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html


domingo, 27 de janeiro de 2013

HOLOCAUSTO À BRASILEIRA – tudo pela Segurança ou retorno da “eliminação” pelo confinamento...


Imagem publicada – A foto colorida de uma linha férrea, através da qual chegavam os trens lotados de prisioneiros ao prédio ao fundo, uma sólida construção do nazismo: o campo de extermínio e concentração de Auschwitz I Birkenau, na Alemanha. Essa imagem também aponta para o futuro, apesar de ser, como um museu, parte do passado. As linhas de trem também já foram utilizadas pelos manicômios, prisões e campos de trabalho forçado para além dos tempos nazi-fascistas.

Hoje, 27 de janeiro de 2013, me acordaram com um pesadelo. Era a visão cruenta de corpos empilhados, queimados ou asfixiados. É a visão “cáustica” de jovens, a maioria, queimados/asfixiados em uma boate de Santa Maria, RS.

Lembrei, então, que a data é e será, também, tristemente, para lembrar em todo o mundo a Memória do Holocausto.

Um termo que, segundo a Wikipédia, “... (com inicial maiúscula) foi utilizado especificamente para se referir ao extermínio de milhões de pessoas que faziam parte de grupos politicamente indesejados pelo então regime nazista fundado por Adolf Hitler”.

Essa “queimação” transformada e naturalizada no que se configurou como um dos maiores genocídios da história. As novas fogueiras, como as da Inquisição, exterminou, com fornos crematórios, muitos corpos diferenciados e rotulados.

O princípio deste modelo biopolítico de controle e extermínio nasceu, historicamente, junto com os campos de concentração. Construídos primariamente para os trabalhos forçados. “O Trabalho Liberta” anunciava-se em um dos seus portões principais dos cárceres previa e meticulosamente planejados.

Depois foram aprimorados como Solução Final com o surgimento das “câmaras de gás”, com um pensamento e modelo de fábricas econômica e serializadamente produtivas.  E, posteriormente, “re-invenção” da cremação destes corpos descartáveis.

Daí nasce a palavra Holocausto. Holocausto  que é derivado do grego, o “todo” “queimado”.

As chaminés dos campos de extermínio foram e são a mais sombria lembrança dos que sobreviveram a esta indústria mortal de eliminação das diferenças.

Segundo as pesquisas esta trágica marca da História não foi aplicada primordialmente aos judeus e outros elimináveis. Em princípio foram aplicadas nos corpos “degenerados”, feios e matáveis de pessoas com deficiência.

Estes eram colocados em ônibus, com os vidros vedados, e, sob alegação judicial, eram retirados de suas casas, com a impotência e a autorização dos pais. Todos deviam ser submetidos a um processo de higienização. Iam para as “internações” em espaços de “reabilitação”.

Os que se interessarem podem ver estas cenas reproduzidas no filme  Homo Sapiens 1900, do sueco Peter Cohen. Nessa obra prima de cinema é documentada a busca eugênica e purista que atravessou o início do século XX.

A “onda” que fez brotar com sucesso o ovo da serpente nazi-fascista na Europa. A busca de uma suposta beleza para um mundo totalmente uniforme e sem heterogeneidades. A feiura e os defeitos deviam ser erradicados.

A mesma onda, ou melhor, moda macropolítica, de produção de Vidas Nuas (ler em Agamben).

Hoje, nesse suposto Século de novas luzes, assistindo o confinamento como forma de lazer, à moda dos BBBs, temos de reconhecer que, sob a ideologia de Segurança pública ou nacional, ainda podem ser implementadas novas e sutis formas de “paredões/eliminações” de quem for considerado “indesejável”.

Conheçam a memória do Holocausto, não podemos deixá-la cair no limbo histórico. Os métodos nazistas foram apenas o aprimoramento de outras práticas já exercidas em todo o Ocidente. Em 1900 já se aplicavam os conceitos “modernos” de Eugenia. Os alvos principais da limpeza étnico-racial, em massa, ultrapassaram a marca de milhões de pessoas.

Entre os principais “eliminados” estavam: judeus, militantes comunistas, homossexuais, ciganos, eslavos, pessoas com deficiências físicas ou ditas “mentais”, prisioneiros de guerra soviéticos, membros da elite intelectual polaca, russa e de outros países do Leste Europeu, além de ativistas políticos, Testemunhas de Jeová, alguns sacerdotes católicos, alguns membros mórmons e sindicalistas.

E para completar o embelezamento do mundo era preciso eliminar os pacientes psiquiátricos e os criminosos de delito comum...

E, para todas as ações governamentais, sempre houve uma legitimação e aprovação, para além do Judiciário, das massas.  Como bem mostra o filme O Triunfo da Vontade (1935), com a “perfeição”  e a “ordem” criadas, cinematograficamente, da perspectiva e a participação do povo alemão.

Por isso temos de relembrar os tempos de exceção e os seus campos quando mais um Holocausto, à moda brasileira, é produzido.

A tragédia de hoje não menor nem maior que a de ontem. Apenas poderia ser evitada,  no mínimo, se aprendêssemos com a História a não perpetuar nossos piores erros.

O confinamento, mesmo o mais sutil, acaba e acabará gerando uma naturalização da morte. Não nascemos para espaços, inclusive os interpessoais ou redes, que nos tornem escravos ou matáveis.

Em um mundo de Trabalho Escravo mantido, Novas institucionalizações e internamentos compulsórios, Racismos, Intolerâncias religiosas ou étnicas, Horrores econômicos reproduzidos, Estigmatizações, Desfiliações e Exclusões sociais, garantidos pelo Hipercapitalismo, podemos estar legitimando, seja micro ou macro politicamente, novas formas de “cremação coletiva”.

Os corpos humanos passam a serem apenas cobaias ou números. Alguns mais “desejáveis e famosos”, mesmo que por segundos, diante de multidões descartáveis.

Por isso não me perguntem quantos morreram na Boate Kiss de Santa Maria, RS. Espero, com tristeza antecipada, que não nos esqueçamos dos sobreviventes.

Como no Campo de Auschwitz, disse um “mulçumano” como ali eram chamados, segundo o texto de Agamben, ao se tornar mais um sobrevivente: “De minha parte, tinha decidido firmemente que independente do que me viesse acontecer, não me teria suicidado. Queria ver tudo, viver tudo, fazer experiência de tudo, conservar tudo dentro de mim. Com que objetivo, dado que nunca teria tido a possibilidade de gritar ao mundo aquilo que sabia? Simplesmente porque não queria sair de cena, não queria suprimir a testemunha que podia me tornar”. *(H. Laiben)

Assim o fazem e fizemos os que gritarão ao mundo: Tortura Nunca Mais. Assim farão os jovens que, tornados sobreviventes, ensinarão o Futuro a desejar a Vida e não a dança  fatal com a Dona Morte.

Continuaremos reproduzindo e recriando, sem nenhuma crítica, as exceções que justificam novas normatizações e confinamentos a partir de estigmas?

E que se mantenham acesas, não as neo-fogueiras institucionalizadas, mas sim as consciências críticas, de cada um e de todos (as), que aprenderão com quaisquer das tragédias que, humanamente, ainda poderemos gerar.

Em tempo – assista ou revejam e reflitam com o documentário: JUSTIÇA, de Maria Augusta Ramos, sobre as práticas judiciais a que os “infratores”, principalmente os “menores” delinquentes e os “drogados” recebem em nosso país.

AOS PAIS, MÃES, FAMILIARES, AMIGOS E AMIGAS DOS JOVENS QUE RECEBERAM O ‘’KISS’’ DA DONA MORTE, E QUEIMADOS OU ASFIXIADOS, QUANDO APENAS BUSCAVAM DANÇAR A VIDA, E MORRERAM EM NOME DE UMA SUPOSTA SEGURANÇA/GANÂNCIA, MEU RESPEITO E O SILÊNCIO AFETIVO DE QUEM JÁ APRENDEU COM (AR) DOR TENTAR ELABORAR O LUTO E A PERDA DE UM FILHO AMIGO.

copyright/left - jorgemarciopereiradeandrade 2013-2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025 ...)

INDICAÇÕES E PESQUISA NA INTERNET
Holocausto - https://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto

Enciclopédia do Holocausto - Operações de Asfixia por gás (com as experiências iniciais com pessoas com deficiência)
https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005220

Memorial do Holocausto deve ser advertência constante, diz papa 

Rússia celebra Dia Internacional das Vítimas do Holocausto

SOBRE A TRAGÉDIA EM SANTA MARIA, RS:

Histórico infeliz: relembre outros incêndios trágicos em boates - Antes de Santa Maria, o mais recente havia ocorrido na Tailândia, em agosto do ano passado https://www.clicrbs.com.br/especial/sc/jsc/19,6,4024452,Historico-infeliz-relembre-outros-incendios-tragicos-em-boates.html

FILMES INDICADOS OU CITADOS:

HOMO SAPIENS 1900 –  , Direção Peter Cohen, 1998.
Video– com legendas em português(áudio em inglês) https://www.youtube.com/watch?v=ObJCkAcLmXw

A ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO, Direção Peter Cohen, 1992.
Video – com legendas em português (em alemão)

O TRIUNFO DA VONTADE, Direção Leni Rienfstahl, Alemanha, 1935.

JUSTIÇA, documentário de Maria Augusta Ramos, Rio de Janeiro, Brasil, 2004. https://www.justicaofilme.com Prêmio Melhor Filme Anistia Internacional

LEITURAS CRÍTICAS e INDICADAS –

O QUE RESTA DE AUCHWITZ- Giorgio Agamben, Boitempo Editorial, São Paulo, SP, 2008.

HOMO SACER – O Poder soberano e a Vida Nua I – Giorgio Agamben, Ed. UFMG, Belo Horizonte, MG, 2002.

O CORAÇÃO INFORMADO – Autonomia na Era da Massificação - Bruno Bethelheim, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1985.

TEMPOS DE FASCISMO – Ideologia-Intolerância-Imaginário – Maria Luiza Tucci Carneiro & Federico Croci (Orgs.), Editora Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2010.

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