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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

MULHER (ES), PODER (ES) E O(S) MEDO (S)...

Imagem publicada – uma foto (de uma série) da minha janela voltada para o pôr do sol (da deusa Disis), que intensifiquei como fogo no céu, acentuando os alaranjados, os azuis e os amarelos (próximos do que amo em Van Gogh), tempo visível com a sombra dos prédios que todos os dias posso avistar de minha janela aprisionada pelo tempo visto como passado, mas que se torna uma fulgurante demonstração de como podemos rever e transver nossas próprias horas, e se torna um tempo-vida-imaginação...

...’Esqueço as horas pensando em outras horas de quem tem poucas horas ou muitas horas. Ora Hora!... Não penso nas horas; elas e que me pensam’...

Preciso do silêncio e da negação de todos os sons para tentar pensar. Outro dia fui lembrado, nas ‘altas horas da madrugada’ que precisava me cuidar com a passagem do Tempo. Lembravam-me que, humano ainda, tenho um corpo físico e uma suposta saúde a deixar descansar. Este texto, como parto prolongado, nasceu em horas sem ruídos metálicos ou zumbidos alienantes. Em horas que não cabem nos relógios digitais ou ampulhetas.

Respondi com a frase acima, relâmpago afetivo, mais ou menos, sobre minha relação com as horas. As horas são e serão sempre femininas. As horas, conforme a mitologia grega são mulheres. Seriam as mulheres de Atenas? Aquelas cuja cidadania era negada, aquelas equiparadas apenas aos escravos. Ou seriam e são as guardiãs do Olimpo que organizam a passagem das estrelas? As que trazem a fertilidade da mudança?

Na versão apresentada pela Wikipédia são: - “As horas (em grego:  Ώρες, em latim: horae) constituíam, na mitologia grega, um grupo de deusas que presidiam as estações do ano. Filhas de Zeus e Têmis eram três deusas que personificavam a ordem do mundo. Eunômia (Εὐνομία, "legalidade") representa a legalidade, a boa ‘ordem’, as leis cívicas. Eirene ou Irene (Εἰρήνη, "paz") representa a paz. Dikê ou Dice (Δίκη, "justiça") representa a justiça”.

As horas também têm suas versões latinas. São também o tempo, as estações, as passagens dos momentos, das atividades de um dia ou as épocas. Quais seriam, hoje, as épocas que vivemos ou que nos dizem ou permitem ser vividas?  Vivemos o tempo em que a(s) Mulher (es), o(s) Poder(es) e o(s) Medo(s) encontram-se na(s)  mesma(s) encruzilhada(s)?

Como disse são, hoje, agora, nesse instante fugaz, nesse segundo, quando toco as teclas das letras que elas, as horas, aquelas deusas me assombram. Permitem-me, reles mortal, a aspirar com elas ainda sonhar com utopias, com as outras invenções gregas, tal qual a democracia. Entretanto, nesse mesmo passado do relógio, a História me diz que as deusas passaram a servir a outros ordenadores burocráticos do mundo.

Onde foram parar, pelo menos nesses territórios mais próximos, agora recriadores de novos muros e novas instituições, a legalidade, a Paz e aquela que pendula entre a espada e a balança? Passaram a ser apenas servas do Estado Nação ou de um novo Estado de Exceção?

Porém, se são Mulher (es) como já escrevi nos seus Dez(s) Mandamentos por aqui, não seguem os caminhos predeterminados pelos governantes mortais. Não se tornam, apesar de nossa persistência histórica, em escravas de um Tempo dos temores e dos desamores. Não se deixam capturar, completamente, pelas novas formas sutis de colonização de seus corpos e mentes.

O feminino e seu gozo não são visíveis. Não há e nem haverá a possibilidade de sua total dominação. Nem mesmo pelas armas ou pelos exércitos ou pelas microfascistações do cotidiano e suas falsas horas. São, mesmo as mais humilhadas, ricas de outro modo de devir, outros poderes, outras desterritorializações e fugas. São e serão, mesmos as mais duras, profundamente, como as deusas, inspiradas pelas suavidades, caso contrário seus opostos se tornam soberanos.

As mulheres podem vestir togas, podem usar fardas, podem e devem cair nas homogeneizações e binarizações/dualidades. São sujeitos sociais, assim como todos os gêneros e indivíduos. Mas nenhum de seus uniformes retirará de seus corpos as suas castrações, ao contrário, podem acentuar suas falicidades. Como horas, passantes, mutantes e mutáveis, surpreendem e se surpreendem, como as heterogeneidades de formas de amar, apaixonar ou inventar. Elas são e serão uterinas, mesmo quando histerectomizadas pelos homens ou pelas novas tecnologias. Ou mesmo por outras mulheres in-vestidas de autoridade(s).

Para que continuemos a busca do feminino como liberdade, embora nos tenham levado às ilusões temerosas, cabe à(s) mulher (es) o restabelecimento do equilíbrio que as horas, não mais reificadas ou endeusadas, nos ensinaram e ensinam a desejar ir além dos permitidos. Ir além, dos preconceitos, das discriminações, dos mitos, das falácias, dos podres poderes e, principalmente do Medo.

Como, então, a partir das muitas feminilidades, das muitas multiplicidades, das singularidades e das pluralidades de ser e existir poderemos enfrentar essa Cultura do Medo? A resposta recente me veio de releituras de Espinosa e as novas de Antonio Negri sobre o filósofo polidor de lentes e mentes. De lá extrai o conceito de tempo vida e não de temporalidade. O viver como duração e não durabilidade.

Para A. Negri: “A filosofia de Espinosa exclui o tempo-medida. Ela apreende o tempo-vida. É por isso que Espinosa ignora a palavra ‘tempo’ – mesmo fixando seu conceito entre vida e imaginação. De fato, para Espinosa o tempo só existe como liberação. O tempo libertado se faz imaginação produtiva, radicada na ética. O tempo liberado não é nem devir, nem dialética, nem mediação. Mas ser que se constrói, constituição dinâmica, imaginação realizada. O tempo não é medida, é Ética...”.

O tempo é da ‘hora’ que retoma a Eunomia. Tal como o corpo feminino pode, se for libertado, se tornar o ser da revolução, da contínua escolha ética da produção. Do direito de não ser apenas um corpo reprodutor, mas aquele que enriquece o ser.

Pelos corpos que mesmo negados, ou ainda sob desmandos, ou sob midiatizações espetaculares, é que afirmo que a hora é a do ser-mulher, como forma de potência e transformação. Afirmo que, diante dos nossos desencantamentos coletivos, não nos iludamos com as organizações, mesmo as globais ou globalizantes.

A hora é a do desafio da quebra de alguns paradigmas. Macro e micropolitica-mente. A hora é do afirmar o respeitar as ‘minas’, mas tomando cuidado para pisar nas mesmas que alguns querem, belicosamente, semear em nossos caminhos e passos.

Quando, dos poderes visíveis, das ditas autoridades do alto, nos vem o anúncio de novos muros, novas discriminações, novas guerras, que muitos aqui não vêem como já existentes, as horas se tornam mais urgentes. Precisamos das outras horas, pois há sim outras deusas-horas, como Disis, que era a deusa da finalização do dia, o por do sol.

Este texto não crepuscular é um apelo, não uma alegoria, que convoca/provoca às mais poderosas e destemidas, às que podem abrir as portas de corações, podem encantar avenidas, podem desafiar ditadores, podem lançar foguetes no espaço, podem revelar verdades e desmitificar as ondas de alienação e submissão. À(s) Mulher(es) com o(s) Poder(es) de demolir(em) todo(s) o(s) Medo(s)...

(copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2017 ad infinitum após 2024, favor citar o autor em republicações livres pela Internet e outros meios de difusão, comunicação ou manipulação de massas... TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025 )

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quarta-feira, 1 de maio de 2013

SOMOS TRABALHADORES COM "SAÚDE"? COM DOR OU ARDOR NAS LUTAS E LABUTAS? ATÉ QUANDO?


Imagem – a figura de SÍSIFO, em uma pintura clássica de Tiziano Vecellio, datada de 1549, onde está pintado o mítico mortal que traz sobre as costas uma enorme pedra, em movimento de subida de uma montanha. Ele recebeu um castigo de Zeus, por suas ousadias, espertezas e tramas, condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada "Trabalho de Sísifo". Quem são e serão os Zeus destes tempos da Idade Mídia? Os Sísifos nós já os somos e sabemos.

“OCULTO retêm os deuses o vital para os homens, senão comodamente em um só dia trabalharias para teres um ano, podendo em ócio ficar [...] Mas Zeus encolerizado em suas entranhas ocultou, pois foi logrado por Prometeu de curvo tramar, por isso para os homens tramou pesares: ocultou o fogo(Hesíodo – Os Trabalhos e os Dias)

Esta citação a utilizei em um texto de 2007, dentro de um artigo publicado no livro A Reforma Psiquiátrica no Cotidiano II, onde já falava, como antevisão pessoal, a resposta à indagação deste trecho onde indagava sobre a nossa saúde ao trabalhar.

O texto era sobre o Risco como potencialidade no trabalho com Saúde Mental. Estava ainda no combate cotidiano de um CAPS III aqui em Campinas. Não imaginava que iria vivenciar, dois anos depois, um “acidente de trabalho”. Não tinha a resposta sobre a dor que pode nos acompanhar a cada dia nas lutas e, mais ainda, nas labutas.

Hoje, Dia Internacional do Trabalho, ou seja, do trabalha-a-dor, resolvi relembrar este artigo e o que indiquei sobre nossos riscos, principalmente os criativos, mas também os que são negados sobre a realidade dos muitos que se arriscam em todos os campos da atividade laborativa, para que o “trabalho seja um sucesso”.

Somos ainda uma mistura de Sísifos com Prometeus? Sim, pois nosso mundo hipercapitalista, gestado e gerado nos tempos das fábricas do modelo fordista, com sua serialização alienante, indo até os ambientes mais humanizados, com suas ginásticas laborativas, nos ditos tempos modernos, ainda não nos deu o direito ao “fogo” oculto por Zeus.

Aquele que Prometeu roubou há milênios era apenas o que acende e apaga. O fogo que crepita, que ilumina, resolve nosso temor do Outro na escuridão e que nos deu, como história, as nossas primeiras guerras.

O “fogo da grana” que, simbolicamente, atualmente é fugaz e consumidor, ainda nos mantêm fascinados pelo trabalho. E, contentes, como os anões da Branca de Neve, vamos com nossas hipermodernas picaretas extrair novos valores das novas e maquiadas Serras Peladas.

Segundo o sociólogo Richard Sennet estamos nos iludindo, apesar de todas as mudanças para melhor com as novas tecnologias no trabalho, já que a fugacidade de nossos empenhos nos deixa sem um objetivo maior. Nossas construções têm mais de Torres Gêmeas de Wall Street do que Muralha da China para este autor.

Ele nos indaga, com sua posição sobre o trabalho como gênese de nosso caráter, como traços pessoais a que damos valor em nós mesmos. Hoje não mais seriam os que esperamos ou buscamos para que outros nos valorizem.

Estou cercado, onde moro, por trabalhadores e os ruídos que produzem. E, invadido por sua dodecafonia intensa, pois erguem um enorme prédio, posso ver sua célere dedicação à construção, como na música do Chico Buarque.

 As suas atividades não cessam nem mesmo na hora do almoço. Devem fazer turnos para o mesmo, como nos Tempos Modernos de Chaplin. Eu os imagino sendo submetidos àquela máquina à qual Carlitos, experimentalmente, como cobaia humana, engole porcas e parafusos junto com uma espiga de milho. Uma máquina que otimiza o tempo fabril, aumenta a produção e garante, já 1936, apenas lucros. Assistam ao filme e o compreenderão como uma antevisão que nos avisa até da Sociedade do Controle.

Nessa obra prima já poderíamos incluir as indagações de Sennet: “Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato?”.

Por isso nos tornamos Sísifos? Por essa velocidade que temos de ter e responder socialmente que não nos deixa ver o fardo que nós carregamos, descarregamos e, inconscientes, novamente carregamos até o monte final e imediatista do lucro.

Não bastou terminarem o grande prédio, a ser totalmente comercial, e, na outra esquina, da mesma rua, grandes máquinas e seus operadores já batem as estacas de outro “empreendimento totalmente vendido”.

A não sinfonia dos motores, serras, brocas, martelos, e, imagino, das mãos sôfregas reinicia uma jornada prometeica. Há trabalho, há riscos e há necessidade de mais uma construção. Surgirá ali mais um templo para os trabalholatras e sua trabalholatria.

O novo momento imediato comprova que novas massas e cimentos, assim como a de homens, se formam/reproduzem para erguer, apesar da dor e do cansaço um novo espaço para outros trabalhadores ou adoradores do próprio umbigo trabalhista.

Em 2007, com citei, já refletia que o “trabalho tem em sua derivação etimológica um componente indicativo de uma das  suas possibilidades de afetar a saúde de quem o exerce”.

Hoje, à tarde, tive de fechar os olhos, o nariz, a boca e os ouvidos. Estavam lançando quilos e mais quilos de poeira da obra. Eles, os trabalhadores em atividade, não pensavam no que inalavam e nem o que, aos transeuntes, impunham como castigo prometeico também.

Segundo a história do trabalho, este termo deriva de ‘tripalium’, do latim, que eram os três paus ou estacas de madeira utilizados para a ‘tortura’ de quem recebia por e para ser um escravo.

 Aquele Império, o mesmo que nos legou o Direito, se sustentava com essas práticas e com o ‘sal-ário’ (salário) utilizados para o disciplinamento e submissão dos corpos que alicerçavam e pavimentaram os monumentos e as Vias Ápias de Roma e de todo o Império.

Os nossos gregos, hoje desempregados e não mais clássicos senhores ou patrões, há alguns milênios nos distinguiram a diferença entre os radicais: “erg” e “pónos”. O ergón se aplicava apenas ao trabalho agrícola, à mão na enxada. Este radical está no meu nome: George = agricultor, aquele que trabalha terra.

Já o “pónos’ poderia ser traduzido como ‘fadiga’. É este o trabalho árduo, o dos que carregam as pedras, como Sísifo, e é o termo grego para um dos males que saiu da jarra de Pandora, aplicados aos homens por Zeus. Os ‘males’ que nos restaram como punição a Prometeu que ousou nos entregar o fogo divino.

Nessa mitologia, que aproximo dos nossos dias incendiados da modernidade cansada pela cultura do medo, repetimos, neurótica e histericamente, a submissão dos nossos corpos adestrados, já que “tendo escondido o fogo (pyr), o homem, desfalcado, precisa trabalhar”.

Dessa constatação é que deriva a minha frase: “o Trabalho não dignifica o Homem. O Trabalho Danifica o Homem”, quando se torna escravizante, idolatrado, ocultador de valores, indigno, explorador das vulnerabilidades, desumano, contrário aos Direitos Humanos e pseudo-includente, ou seja, cria, como no caso de pessoas com deficiências, um espaço reservado, porém, sempre subalterno e submetido de quem é incluído.

Por isso, indo além da histórica greve de Chicago, passando, hoje, para as fábricas de roupas de marca que exploram imigrantes, deve-se reconhecer, como Hesíodo, que há “diferentes trabalhos”, assim como “diferenças no trabalho”, como a raça, a orientação sexual, as deficiências ou o gênero, que podem nos trazer ‘dias’ muito díspares. Uns mais duros do que outros. E, as greves já não têm os mesmos objetivos e ideais.

Por exemplo, aos trabalhadores que assisto de minha janela, distante da ‘mão na massa’, só parece restar muito mais ‘pónos’, estafa, exaustão e novas pedras para rolarem. Porém, reconhecendo que não há trabalho sem estes riscos, tento ver nos seus rostos um pouco mais que o suor. Há também sua possibilidade de construção e não corrosão de seu caráter.

Esta perspectiva de um futuro para todos e todas, trabalhadores e trabalhadoras, hoje termos que já não tem os mesmos significados e significantes do passado, exige de nós a construção de outro “prédio” a que chamarei de a Torre de Pisa da ética do trabalho. Um monumento que deverá ser mantido e preservado.

Somos agora, nesse instante das redes e da inteligência coletiva, passíveis de construirmos um novo equilíbrio, uma nova edificação para além das reengenharias, um novo e consistente modo de receber pelo que fazemos ou criamos ou inventamos.

Porém, enfim, será necessário que os sabotadores de nós mesmos, que tenhamos a ideia e não a ilusão de que nossos trabalhos, cada dia mais ‘especialistas’, não são uma ditatorial fonte da Vida.

Não podemos alegar, toscamente, que, por exemplo, se um jovem pode ter alguns “privilégios” como o trabalho com carteira assinada, sua maioridade penal já está consubstanciada por essa condição. Muitas vezes esses trabalhos não são nem serão sua garantia para o usufruto de direito dos bens sociais.

Em tempos de cultura e culto do Medo e da ideologia de segurança privada para alguns, com outras tendências microfascistantes do viver, é urgente que nesse cenário se produzam novas cartografias, novos agenciamentos e encontros, com a suavidade e a inversão de nosso temor de sermos tocados.

Outrora, na escuridão das noites pré-históricas, nos reuníamos em torno do fogo, e nos aproximávamos uns dos outros. Nossa sobrevivência dependia do Outro. Hoje, individualistas e tementes dos riscos, embora eles sejam imanentes a quaisquer trabalhos, aceitamos e naturalizamos quaisquer formas de escravidão, desde as visíveis até as mais sutis.

Voltei ao meu ‘trabalho’ escrito de 2007. Voltei também a refletir sobre a busca de um modo menos endurecido e cristalizador de trabalhar.

O ato de escrever não é, nem será menos nem mais do que aquele trabalho que vejo, sinto e escuto tão perto de minha janela, do meu chão, do meu teto. O que eles constroem para o trabalho futuro de outros também deveria ser mais “ergonômico”, e, dentro da minha visão, menos árduo, sem o temor de construir sincera e eticamente uma torre aparentemente torta e inclinada como estas letras.

Quando a dor ou o ardor do trabalho dos outros me afeta, e os resíduos ou entulhos ideológicos são lançados fora, abrimos novas portas e janelas para formar coletivos criativos de devir afetuoso.

Há futuro para os trabalhadores e trabalhadoras, no meu desejo, se não tememos ousar romper as correntes, visíveis e invisíveis, das estigmatizações, dos preconceitos, das segregações, das flexibilizações, da negação dos direitos adquiridos e conquistados, das ausências de dignidade, das explorações que ainda se perpetuam em nosso país.

O relógio de abertura dos Tempos Modernos não para. O tempo digital não perdoa. A nossa finitude é que continua a mesma, e continuará... Vamos escolher: dor ou ardor? Ou ambas? Ou não?

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2013/2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massas- TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Termos e referências ligados ao texto (na Internet):



Dia do Trabalhador 

Tempos Modernos (1936) – Charles Chaplin – (legendado de português, mas ainda não audiodescrito) https://www.youtube.com/watch?v=_kh8QRoe8Bw

LIVROS/AUTORES CITADOS –

OS TRABALHOS E OS DIAS – Hesíodo, Editora Iluminuras, São Paulo, SP, 1990.

A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO COTIDIANO II – Emerson Elias Mehry & Heloisa Amaral (Orgs) – O Risco como Potencialidade no Trabalho com Saúde Mental – Jorge Márcio Pereira de Andrade (págs. 82 a 106), Editora Hucitec, São Paulo, SP, 2007.

A CORROSÃO DO CARÁTER – Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo – Richard Sennet, Editora Record, Rio de Janeiro, 2001.

LEIA TAMBÉM NOS MEUS BLOGS –

SAÚDE, BIOÉTICA E POLÍTICA - Vendem-se corpos e compram-se consciências? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/04/saude-bioetica-e-politica-vendem-se.html

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LEIS/DEFICIÊNCIAS - Projeto de Lei 4773/12 quer "flexibilizar" as cotas de pessoas com deficiência no trabalho PROJETO FLEXIBILIZA COTA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM EMPRESAS 
A SAÚDE E O SENTIDO PARA A VIDA II - 

sábado, 3 de abril de 2010

UM AUTISTA PODE VIR A SER UM ARTISTA COM A ÁGUA?



imagem publicada - um quadro pintado pelo pintor italiano Caravaggio (1571-1610) que representa o mitológico Narciso, que foi condenado pela Deusa da Ética, Némesis, a ficar fitando sua própria imagem refletida no Lago de Eco, infinitamente, como um jovem muito belo, com roupas de época do século XV, com um reflexo espelhado dele magnificamente, com as características do tenebrismo de Caravaggio, pela iluminação do rosto do retratado, com cor de fundo em marrom predominando nesta tela.

INFOATIVO DEFNET - 4385 - abril de 2010

"O inconsciente molha aqueles que dele se embriagam... mutuamente." (Jorge Márcio d'aprés Felix Guattari)

Me instigaram estes dias a escrever sobre minhas experiências klínicas com os AUTISMOS. E a minha lembrança/saudade retomou o tempo em que implantava um Serviço de Psiquiatria infantil no quase desértico, pelo clima já diferenciado naquela época , e excluído, pelas comunidades desfavorecidas que o cercavam, o bairro de Bangu, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, na década de 80.

A cena clínica que me volta a mente é a de um menino que eu cuidava. O jovem "A", 10 anos, nome referência a primeira letra do Autismo, era um 'caso difícil' quando me foi apresentado, como um desafio, em reunião de equipe. Eu passei a atendê-lo em sessões individuais, semanais, em uma sala onde ele passava quase toda a sessão balançando o corpo, repetindo palavras ecolalicamente, e, após várias tentivas de contato com ele, descobrimos que podíamos "falar com as mãos na água' de uma pia no canto da sala. E foi aí que pude com muita suavidade tentar um contato com este 'difícil' garoto.

A lembrança de A me fez refazer a leitura de um bom livro que encontrei em 2008: Do Silêncio ao Eco - Autismo e Clínica Psicanalítica. É um excelente trabalho de Luciana Pires, que após experiências na Tavistock Autism Service (Inglaterra) e na experiência de quase dez anos em atendimento clinico a autistas no Brasil. Refiz a leitura e a recomendo aos colegas e demais interessados, pois lá encontrei o meu 'eco' psicanalítico para referendar as experiências clínicas da Clínica de Reabilitação Psicomotora Vicente Moretti.

Nesse livro pude entender que, empirica e afetivamente, tive um magnifico aprendizado com o 'paciente' "A". Foi ele que me ensinou a 'falar' através de uma água que escorria pela torneira da pia, e as poças que criava dentro dela, quando propositadamente interrompia seu ralo.

Foram poucas as vezes que consegui vencer a antinomia gerada pelo Autismo: o contato físico desejado por quem cuida e a inacessibilidade física e afetiva que o sujeito autista vivencia. Minhas pequenas e perseguidas vitórias ficaram para sempre em minha memória: os pouquissimos momentos em que A "deixou" que as suas mãos esbarracem nas minhas dentro da pia. Quantas "artes" fizemos com a água.

Para Luciana Pires há a possibilidade de uma clínica com as crianças autistas, com uma interrogação respondida, em texto suave e agradável, acerca dessa clínica a construir e aprender: "como se dá o contato com a criança autista ?". Ela exemplifica em seu belo texto alguns 'casos clínicos', de nomes Fátima, João, Paulo e Bruno.

Ela reconhece, indo dos inacessíveis aos ecolálicos, que existem vários autismos, como diz: "... em primeiro lugar, porque são singulares os indivíduos autistas e, em segundo lugar, porque o autismo não é um diagnóstico que define um campo de homogeneidade ( etiológica e/ou caracterológica)". Para esta autora, ao contrário do que se difunde, o seu diagnóstico comporta uma série de outros diagnósticos virtuais. Assim se constroi o "espectro autista".

Com o jovem A eu pude aprender também que o Eco que produzia me chamava para saída de meu/nosso próprio narcisismo. Era um apelo a me deixar envolver afetivamente, mesmo que a distância física e corporal nos deixasse longitudes, um do Outro. O rumor da água no seu fluxo nos permitia acalentar por alguns instantes as rumorosas torrentes e/ou enchentes de emoções que cada um trazia em si. E ao elaborar a transferência e a contratransferência que A produzia em nossos encontros pude alcançar um outra Escuta: a dos bailados que a água fazia, diferentemente do esperado, em cada um dos gestos estereotipados, assim classificados daquele jovem autista.

A água e seu fluxo também foram incorporados nesse encontro, o que me trouxe e traz a mente o mito greco-romano de Narciso (*), como nas Metamorfoses de Ovídio, onde a ninfa Eco jamais se fazia ouvir pelo encantador Narciso, este preso à sua própria beleza e egolatria. Tive, nos encontros com A, de superar essa posição narcísista gerada pelo desejo de uma clínica perfeita e bela. Ele , mesmo prisioneiro de seu narcisismo patológico, rompia todos os tratados e teorias. E era ele, na condição do "doente" a ser tratado, que era 'difícil e agressivo', ele era, enfim, considerado entre os 'intratáveis', assim como muitos dos sujeitos com transtornos invasivos do desenvolvimento ainda são classificados.

Mas há histórias clinicas onde a experimentação e a interrogação geram incomodos institucionais, quase sempre acabam em 'intervenções autoritárias'. Um dia ao chegar à Bangu, tendo enfrentado o calor de 40º graus, encontrei um intenso e conflituoso acontecimento. O jovem A não parava de gritar, uivar e se agitar na estereotipia, e ninguém sabia o por quê. Haviam, por determinação gerencial, retirado a pia da parede, tinha cortado a nossa àgua-comunicação-afeto. E, feita a desfeita, não há como explicar para uma singularidade tão complexa que o mundo dos neuróticos, quando instituídos em papéis e hierarquias, é pleno de inveja, disputas de poder, arrogância e desamor.

Não consegui mais fazer jorrar a água-amizade secreta com um jovem autista. Tínhamos sido derrotados pela insensibilidade diante da inacessibilidade aparente dos AUTISMOS.
Porém, aprendi, como Luciana, que os 'autismo(s) pede(m) a construção de novos paradigmas e um efeito renovador da clínica e da prática psicanalítica'.

E isto pode ser um convite aos colegas que se aprisionam em hermetismos e repetições teóricas, perdendo a ousadia primordial que nos foi deixada por Sigmund Freud, quando diz que se o psicanalista somente "efetuar a seleção [do material produzido pelo paciente], se seguir as suas expectativas, estará arriscado a nunca descobrir nada além do que já sabe" (1912)...

Este texto é uma homenagem ao DIA MUNDIAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE O AUTISMO - Dia 02 de ABRIL, e ao jovem A, assim como o filho de uma amiga, Murillo e os muitos que estão fazendo ARTES por aí, mundo afora e mundo adentro... VESTI AZUL, COR DE ÁGUA DO MAR, UM DIA,UM TEMPO DE MINHA CLÍNICA, MINHA VIDA E MINHA "SORTE" ENTÃO MUDARAM.

FONTES :
NARCISO - Mitologia - https://pt.wikipedia.org/wiki/Narciso
AUTISMOS - conceitos - https://pt.wikipedia.org/wiki/Autismo
Outras informações Dia Mundial de Conscientização do Autismo -
https://www.ama.org.br/
http://cronicaautista.blogspot.com/2010/04/dia-mundial.html
E indico o blog de um jovem autista, FELIPE -
https://www.arteautismo.com

Referência Bibliográfica:
Do Silêncio ao Eco - Autismo e Clinica Psicanalítica - Luciana Pires, Editora Edusp/Fapesp, São Paulo, SP, 2007.
Outras Indicações para leitura:
Psicanálise e Desenvolvimento Infantil- um enfoque transdisciplinar - Alfredo Jerusalinsky e colaboradores - Ed. Artes e Ofícios, Porto Alegre, RS, 1999.
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