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domingo, 28 de agosto de 2016

O RETORNO DA INTEGRAÇÃO PELA INCLUSÃO: novos muros nas escolas, fábricas e hospitais...

Imagem Publicada – uma foto da publicidade do documentário BUDRUS; traz em contraluz colorido, com o sol crepuscular ao fundo, a figura de um homem entre duas cercas de arame farpado, que ele tenta destruir com um simples alicate. Esta cerca é o motivo de uma insólita união entre árabes mulçumanos e judeus, em um vilarejo entre a Cisjordânia e Israel, contra um polêmico muro que separaria palestinos e israelenses. Ele é uma realização da cineasta brasileira Julia Bacha, recebeu 15 prêmios internacionais, e nos mostra a possibilidade da Paz. Hamas e Fatah, Mulheres e Homens, Crianças e Velhos, diferentes e desiguais se unem contra a violência e a segregação.


Para os que pensam sobre a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia 10, faço o convite para uma reflexão sobre os muros, as cercas e os ‘’limites’’ que, mesmos os invisíveis, nos podem cercear ou mesmo pisotear alguns direitos fundamentais.

Há momentos de nossas lutas pelos Direitos Humanos que precisamos pensar quem são os nossos verdadeiros ‘’inimigos’’. Ao assistir hoje o documentário Budrus pude refletir sobre a possibilidade de alguma ‘’sintonia’’ de interesses no atual campo das discussões sobre os retrocessos e conservadorismos que estamos enfrentando.

Nos últimos dias passamos de um plano “Viver sem Limites” para a reconstrução de institucionalizações dentro dos muros escolares ou reabilitadores. Primeiro com a proposta de um Decreto (6711/11) que retroagiu sobre os avanços conquistados da inclusão escolar. 

Hoje com um Projeto de Lei 1224/2011, da Câmara do RJ que coloca outro muro como opção para a Educação Especial, de crianças e jovens, na perspectiva de sua Inclusão caso “apresentam condições de serem incluídas, bem como dos demais alunos de turma regular, por meio da ampliação de sua participação na aprendizagem, nas culturas e nos meios sociais.” Ou seja, novamente o ‘’preferencialmente’’, ou melhor, quando “possível”, ou então na “saúde e na reabilitação"...

Nesse mesmo tom brasileiro estamos também vendo discursos contraditórios sobre a Reforma Psiquiátrica e a retomada das "internações involuntárias", compulsórias, sob a alegação de epidemias, só que por "contágio social" com o uso do crack. O alcóol mata 47 pessoas por dia, e isso não é uma epidemia? 

Nossas autoridades promovem uma destinação de 04 bilhões para um ‘’combate’. Mais um Plano do Ministério da Saúde. O seu principal resultado é a hospitalização ou a institucionalização forçada dos chamados ‘’craqueiros’’.

Uma “maioria” minoritária que vive à beira da sociedade e das linhas de trem. Moradores de rua e marginais que precisam ser cuidados e retirados da exclusão e desfiliação social. Onde os meios desta ação podem ser também violentadores...

Há, portanto um movimento de controle social, com novas macro e biopolíticas, anunciadas com muitos recursos públicos. Recursos que não podem ser apenas econômicos, pois a história já demonstrou o uso do dinheiro público para fins privados, tanto na Saúde, com a manicomialização, como na Educação, com a educação em espaços de clínicas de reabilitação.

Aí se encontram a Loucura e a Deficiência, as tecnologias de cuidado e pedagogia tornam-se hiper-especializadas e, consequentemente, segregadoras ou alienantes. E esta me parece ser a direção que, com as devidas contextualizações, estamos re-tomando. O caminho conservador, orientado pela macropolítica, das velhas institucionalizações "forçadas" por lei e "reforçadas" por emergências sociais. Novos muros em nossas aldeias globais.

O nome do nosso projeto para a acessibilidade, a saúde, a educação e o Viver para além dos limites pode ser comparado ao roteiro de Budrus. Estamos assistindo à uma construção de uma ‘’delimitação’’ legislativa e de práticas que violentam direitos já adquiridos. 

Como os palestinos temos algumas oliveiras ou cemitérios que não devemos deixar de defender. Mas precisamos, como eles, de aliados e de um movimento de resistência. Alguns já iniciaram a defesa/combate. O que temos de cuidar é que não nos tornem nossos próprios "inimigos".

Existe um risco de mantermos nossas tradicionais divisões por força identitária. Os que não veem, os que não ouvem, os que não andam, os que são multiplamente deficitários. E, como somos diferentes em nossas necessidades e incapacidades, caímos na oposição binária.

A oposição binária ocorre quando, por exemplo, nas categorias macho/fêmea, obscurecemos as diferentes formas de ser um homem ou uma mulher, seja na sua subjetividade, nos afetos, no desejo ou no comportamento. Tendemos a homogeneização, à mesmice ou “mesmidade”. Caímos nos narcisismos das pequenas diferenças...

Essa queda é o nosso principal calcanhar de Aquiles. É nessa multiplicidade forjada como heterogeneidade de direitos que o Estado e a Sociedade justifica o uso do efeito de ‘’retorsão”. Este é um conceito de Taguieff que constitui-se quando “um contendor se coloca no terreno discursivo e ideológico do adversário e o combate com as armas deste, as quais pelo fato de serem usada contra ele, deixam de pertencer-lhe pois agora jogam pelo adversário...

Por isso disse, no início, que precisamos reconhecer que são nossos atuais amigos e inimigos. Não faço aqui a apologia da guerra ou da violência. Como em Budrus faço a afirmação de uma união pela desconstrução desses muros que nos impõem, sejam estatais ou institucionais. Os argumentos que sempre utilizamos na defesa de uma Sociedade Inclusiva agora são os mesmos que se alardeiam em discursos políticos. E ainda nos indagam do que reclamamos e por que criticamos...

Portanto, diante da possibilidade da retorsão, e, mais ainda, da acusação de ideologização das questões, é que devemos refletir, coletivamente, quais são as ações de resistência que devemos produzir. 

Uma ação interessante e potencialmente criativa seria, hoje, abolirmos o uso da palavra INCLUSÃO, passemos, como nos discursos da Ordem, aceitar o retorno da INTEGRAÇÃO, do mainstreaming, como no recente Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, termo retomado para afirmar a questão do desenvolvimento, pela ONU.

Se a questão é a palavra DIVERSIDADE, como no projeto da Câmara do RJ, aceitemos que ela não representa, como nos demonstrou Homi Bhabba, a tal diversidade cultural, como um objeto do conhecimento empírico. Vamos esquecer sua advertência sobre o que significa uma DIFERENÇA cultural e os hibridismos e multiplicidades que nós vivenciamos.

Vamos aceitar "integrar" a diversidade, a partir do modelo segregador, deixando de lado quaisquer das singularidades. E as diferenças, mesmo dentro de casos, por exemplo, de Autismos nos justificarão para que estes frequentem apenas os Centros de Reabilitação ou escolas hiper especializadas. Nunca teremos uma Temple Grandin em nossas escolas regulares...

Vamos, por exemplo, como nos tempos de ocupação da Amazônia, utilizar o slogan governamental: INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR. Iremos construir, diante um possível “ataque e invasão’’ de nossas fronteiras e territórios, uma grande muralha que proteja nossa maior diversidade ambiental: a floresta, sua flora, sua fauna, seus índios e seus diversos mananciais de água doce. A preservação tornar-se-ia aí o novo conservadorismo?

AÍ comparo a serialização dos eucaliptos com a heterogeneidade amazônica que podemos criar em nossas escolas ou outras instituições modelares. Podemos plantar a diferença ou mesmice, a bel prazer. Mas sempre colheremos um futuro possível ou a desertificação de nossas vidas. Por isso optemos pela busca de um além do reducionismo da integração.

Foi integrando um território pela força e pela segregação violentadora que Israel, construindo muros e distanciamentos, que viu o surgimento de uma resistência ‘’selvagem’’. E Budrus se tornou a obra de cinema, de vida, de re-existência de culturas diferenciadas, mas também um exercício de "combate pacífico".

Uma paz que se conquista com indignação, resiliência e resistência pacíficas. Um movimento que precisamos retomar para manter as conquistas que temos realizado. Nós, como uma personagem do documentário, diante de uma retroescavadeira, devemos ocupar o buraco por ela feito. 

E, para além de nossas diferenças, nos fincarmos, como uma oliveira plantada com carinho, que algumas mãos oportunistas insistem em arrancar de nossos territórios da saúde e da educação de pessoas com e sem deficiência. 

Só assim, com persistência e indignação, cada um e muitos de nós poderemos barrar o retrocesso atual, os “mesmos” que usam a retorsão para dizer que são as pessoas com deficiência que não se preparam para o mercado de trabalho. 

Não são as empresas ou o Estado que não cumprem a Lei de Cotas. Somos os causadores de nossa própria exclusão? Afinal nossas tragédias pessoais não são o que nos torna objetos de intervenção, internação involuntária ou “integração” social?
E OS MUROS INVISÍVEIS QUANDO É QUE INICIAREMOS A SUA DEMOLIÇÃO?

Copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres na Internet ou outros meios de comunicação de massa) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

BUDRUS – (2009) Documentário – Direção JULIA BACHA (BR)
https://www.justvision.org/budrus

Brasileira diretora de "Budrus" fala sobre premiação em Berlim
https://www.dw-world.de/dw/article/0,,5286132,00.html

Budrus Trailer - 3 Min
https://www.youtube.com/watch?v=ff7rScVrbos (legendas em português)
https://www.youtube.com/watch?v=YQQ8F2W5eB0 (legendas em inglês)

Documentário 'Budrus', de Julia Bacha, é lançado em DVD https://www.estadao.com.br/noticias/artelazer,documentario-budrus-de-julia-bacha-e-lancado-em-dvd,790731,0.htm

Plano Nacional de Educação: inclusão escolar ameaçada
https://inclusaoja.com.br/

Plano de enfrentamento ao crack deve aumentar leitos para atendimento
https://www.youtube.com/watch?v=SxGRHH7NEs8

Rio de Janeiro pode servir como exemplo positivo na internação pelo crack https://www.sidneyrezende.com/noticia/155255+rio+de+janeiro+pode+servir+como+exemplo+positivo+na+internacao+pelo+crack

Lei de cotas para deficientes não deve ser flexibilizada, defende CUT
https://www.redebrasilatual.com.br/temas/trabalho/2011/12/lei-de-cotas-para-deficientes-nao-deve-ser-flexibilizada-diz-cut

Leia também no BLOG:

PSICANÁLISE, MACROPOLÍTICA, RELIGIÃO E O ''PONTO MORTO''. - https://infoativodefnet.blogspot.com/2014/09/psicanalise-macropolitica-religiao-e-o.html

DEFICIÊNCIAS E DIREITOS HUMANOS - MAIS UM DIA PARA COMEMORAR?
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/12/deficiencias-e-direitos-humanos-mais-um_03.html

AS MASSAS, AS ÁGUAS, AS FLORESTAS  E NOSSAS VIOLÊNCIAS  https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/as-massas-as-aguas-as-florestas-e.html

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

OS NOVOS MALDITOS E AS NOVAS SEGREGAÇÕES: da Lepra ao Crack


Imagem Publicada - Uma gravura que reproduz um ser humano, na IDADE MÉDIA, com o rosto marcado por feridas, que representariam seu contágio pelo Bacilo de Hansen, e que as tornava portadores de um estigma: eram os "leprosos". Esta vestido com uma túnica vermelha que cobre todo o seu corpo, assim com um chapéu que o caracteriza como portador de um mal. Nessa gravura reproduzida em uma parede está um sino que era obrigatório portarem os ditos leprosos para que todos fossem avisados, nas cidades, de sua chegada. Em seguida, geralmente eram expulsos e segregados para além dos limites da cidade. Na foto aparece um desses sinos que esperamos nunca mais tenhamos de ouvir em nossas mentes, ou seja que possamos vencer e inverter o temor de sermos tocados por outros seres humanos, principalmente os que denominarmos de "malditos".

LEPRA, a palavra foi banida. O preconceito ainda nos habita e se reorganiza. O contágio torna o Brasil o segundo do Mundo globalizado e hipercapitalista, em suas múltiplas convulsões sócio-econômicas. Somos quem sabe também os campeões nos neo-preconceitos?

Houve um tempo em que estar ‘’leproso’’ nos levava para fora dos muros das cidades. Estivemos recentemente relembrando estas formas instituídas de segregação sanitária e biopolítica.

No dia 29 de janeiro foi comemorado o Dia internacional de Combate à Hanseníase. Nome em homenagem ao descobridor do bacilo: Hansen. Eis o novo termo que devemos utilizar. Embora ao pesquisar em língua espanhola o termo Lepra e Leprosos ainda persista. Minimamente nas notícias e na mídia. Bem como ainda habita e prolifera no âmago de muitos inconscientes.

Ao ser afetado pelas inúmeras matérias que difundi pelo Twitter e pelo Facebook, principalmente por uma, me lembrei de como eram tratados estes sujeitos hansenianos lá em MG. Na cidade próxima a minha, Três Corações, fora de sua periferia, existiu um ‘’leprosário’’. Um asilo. Era de lá que chegavam as minhas primeiras memórias sobre a hanseníase.

De lá vinham as cartas, de lá vinham essas missivas que deveriam ser queimadas após sua leitura. Eram contagiosas. Elas traziam os relatos breves de pessoas lá internadas, com letra de forma batida a máquina, e que pediam (ou melhor, suplicavam) a ajuda financeira e outras caridades para os que lá ‘’apodreciam’’. Esta é a imagem que nos ensinavam à época, quiçá uns 40, 50 ou mais anos atrás.

Estes velhos, amedrontadores, contagiantes e, segregadamente, miseráveis retornam hoje à minha mente. O que me trouxe essa memória? Trouxe-me o quanto, apesar dos muitos anos, ainda temos um modelo de medo e repulsa associado às doenças consideradas ‘’malditas’’. O temor que se projete em um corpo anômalo, anormal, marginalizado e doentio. Uma vida nua.

Uma vida nua que foi aplicada, por exemplo, à existência de um homem no Mato Grosso. O idoso José Garcia da Cruz, de 106 anos, viveu essa realidade. “Temos registros da chegada dele no São Julião em 1941, poucos dias depois da inauguração do local. Ele foi o 6º paciente a ser internado e vive aqui há pouco mais de 70 anos”, confirma o diretor do Hospital São Julião. Setenta anos de reclusão e isolamento para o “bem” da sociedade. Seria ele um Lázaro que resiste à Vida?

Ele me lembrou, também, das cartas contagiantes de MG: “Quando eu ia ao mercado era um problema, principalmente na hora de pagar, porque as pessoas não queriam pegar o dinheiro porque tinham medo de encostar em mim. Elas tinham medo de pegar a doença”, contou ele. A reportagem finaliza com um alívio para as boas consciências: “Em 2007, Cruz passou a receber uma pensão especial vitalícia do governo federal. Ele foi o primeiro brasileiro a receber o benefício”.

Por isso temos de nos indagar com mais seriedade ética e responsabilidade bioética das novas práticas de internamento e reclusão. Voltamos aos séculos anteriores, ou pior regredimos à época da Nau dos Insesatos? Que tempo e era é essa que estamos imersos até o pescoço?

Estamos no tempo dos que biopoliticamente se tornaram motivo de "internações compulsórias e involuntárias". O leprosários estão sendo protagonizados hoje, institucionalmente, pelos asilos, pelas comunidades de tratamento ou pelos hospitais que deverão internar e re-internar a nova epidemia: o Crack.

Tomando como plataforma política o Estado e a cidade de São Paulo resolveram tratar uma de suas muitas ‘’chagas’’ sociais: a Cracolândia. Esqueceram, porém, que, como no Pinheirinho, apesar da miséria ou da pobreza, estavam lá e ali aglutinados muitos corpos humanos contagiantes. Para além de suas desfiliações sociais eram e são apenas seres humanos...

Estes corpos e vidas nuas não transmitem hoje apenas doenças infectocontagiosas. Eles transmitem ao nosso povo, dito maioria, e seus governantes um sentimento profundo de repulsa misturado com medo. E nessa hora o melhor é expulsá-los do coração da cidade...

São os excluídos a serem incluídos pelo seu abrigamento, isolamento e ‘’tratamento humanizado’’. Mesmo que precisemos usar nossas forças policiais e a velha repressão dos tempos da Ditadura...

Quantas vezes pensamos que estas ações repressivas são a melhor forma de lidar e resolver estas chagas que nós próprios alimentamos? A aprovação de uma internação compulsória tornou-se estatisticamente um desejo, com toda certeza, de uma maioria, diz o DataFolha de mais de 54%. Mas anunciaram como uma maioria que: “No Brasil, 90% aprovam internação involuntária de viciados...”.

Isso mesmo: viciados. Era assim também que lá nos anos 60 estereotipavam quem usasse cabelos compridos, falasse em paz, rock ou fumasse maconha, caminhando e cantando dentro de alguma calça jeans. Devem ser agora estes o motivo de algum saudosismo ou desejo de torná-los os ‘’bichos de sete cabeças’’, como o foi o jovem Carrano. E a Rita Lee tem de se despedir deles rumo a uma nova ‘’acareação’’ com as novas formas de reprimir.

Nem mesmo atualizam o termo para dependências químicas ou a drogadição. São os perniciosos fumantes de crack ou de outras rocks (sem roll) que classificamos higienisticamente, são os neo-portadores de um velho estigma: são os novos malditos, os novos leprosos...

Vamos então aplaudir as iniciativas governamentais de erradicação das drogas. Mas, por favor, não tomemos a máxima popular de ‘’cortar o mal pela raiz’’. Assim pensavam os velhos fascistas e alguns nacional socialistas. A erradicação dessa nova ‘’epidemia’’ não é a eliminação dos corpos contagiados por ela. Muito menos a criação de novos mini-cômios.

Levamos alguns séculos para compreender o quanto estigmatizamos os que foram chamados de leprosos. Quantos séculos serão necessários para entender que os ‘’viciados’’ são uma questão da saúde, das políticas públicas, dos direitos humanos e, principalmente, hoje, das indústrias farmacêuticas e das biotecnologias. Podemos dizer que a verdadeira maioria dos dependentes é sim uma questão da Bioética.

Ao buscarmos “curas’’ radicais, negando a autonomia e os direitos fundamentais do sujeito, nos mostra a História que criamos quase sempre os Estados de Exceção, os Campos de concentração ou extermínio, os Manicômios, os Leprosários, os Asilos e todas as outras formas institucionalizadas de disciplina ou controle dos corpos humanos.

Os discursos competentes que elaboramos datam de muito tempo atrás. Algumas pessoas colocam ainda estes ‘’viciados’’ como perturbação da tranquilidade comercial e econômica das cidades. Estes ‘’desocupados’’ devem desocupar os territórios produtivos hipercapitalizados. E, se possível devem ir para campo dos refugiados, afinal eles são uma ‘’mancha’’ improdutiva para a Sociedade do consumo na Idade Mídia.

Vamos, então, como na época dos tratamentos "morais" e "asilares", tão bem dissecados e estudados em sua genealogia por Foucault, providenciar novos ‘’panópticos’’ que possam abrigar essa gente, ou essa ralé (segundo a visão do programa Mulheres Ricas). E, talvez, isolando-os também nos livramos de suas incomodas presenças em nossas cidades, ou será que apenas em nossos “ castelos”?

EM TEMPO, lhes anuncio que o meu corpo, aparentemente não contagiante, foi submetido recentemente a uma biópsia, em meu braço esquerdo, no trajeto do nervo cubital, para um possível diagnóstico diferencial com a hanseníase (uma lembrança/estigma da Saúde Mental).

Se me for dado o positivo serei eu também mais um proscrito? Em qual asilo encontrarei, longe de todos vocês, a proteção para o meu maior risco: ser tão mortal, tão carnal, tão vivo, tão frágil, tão desassossegado e tão humanamente contagiante como todos nós?

E nossos prédios ou nossos Titanics modernos também caem ou afundam... Os muros invisíveis é que se reconstroem e reinstitucionalizam, incessantemente.


Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012-2013 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

LEIA(m) E SE INFORME(m), e combata(m) os estigmas e preconceitos:
Lepra https://pt.wikipedia.org/wiki/Lepra
Hanseníase https://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1466

Segundo país do mundo em casos de hanseníase, Brasil também precisa combater o preconceito https://www.redebrasilatual.com.br/temas/saude/2012/01/segundo-pais-do-mundo-em-casos-de-hanseniase-brasil-tambem-precisa-combater-o-preconceito
'Tinham medo de encostar em mim', diz idoso que se curou da hanseníase https://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2012/01/tinham-medo-de-encostar-em-mim-diz-idoso-que-se-curou-da-hanseniase.html

HOSPITAL EM ITU-Pirapitingui tem 261 pacientes; na década de 1960 eram 4 mil https://portal.cruzeirodosul.inf.br/acessarmateria.jsf?id=361348


Governo federal cria unidades de acolhimento "humanizado" a dependentes químicos https://www.redebrasilatual.com.br/temas/saude/2012/01/governo-cria-unidades-de-acolhimento-201chumanizado201d-de-dependentes-quimicos

Antropólogo: Ação na Cracolândia é digna do século 18 https://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5553294-EI6578,00.html

No Brasil, 90% aprovam internação involuntária de viciados https://veja.abril.com.br/noticia/brasil/90-dos-brasileiros-aprovam-internacao-involuntaria-de-viciados

Para leitura crítica:

O Poder Psiquiátrico – Michel Foucault – Editora Martins Fontes, São Paulo, SP, 2006.

Estado de Exceção – Giorgio Agamben – Editora Boitempo, São Paulo, SP, 2004.

Leia(m) também no BLOG:

O RETORNO DA INTEGRAÇÃO PELA INCLUSÃO: novos muros nas escolas, fábricas e hospitais...

https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/12/o-retorno-da-integracao-pela-inclusao.html

SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS COMO DESAFIO ÉTICO PARA A CIDADANIA
https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/06/saude-mental-e-direitos-humanos-como.html

O MANICÔMIO MORREU? PARA QUE O MANTEMOS VIVO EM NÓS? 
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/05/o-manicomio-morreu-para-que-o-mantemos.html

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O RETORNO DA INTEGRAÇÃO PELA INCLUSÃO: novos muros nas escolas, fábricas e hospitais...

Imagem Publicada – uma foto da publicidade do documentário BUDRUS; traz em contraluz colorido, com o sol crepuscular ao fundo, a figura de um homem entre duas cercas de arame farpado, que ele tenta destruir com um simples alicate. Esta cerca é o motivo de uma insólita união entre árabes muçulmanos e judeus, em um vilarejo entre a Cisjordânia e Israel, contra um polêmico muro que separaria palestinos e israelenses. Ele é uma realização da cineasta brasileira Julia Bacha, recebeu 15 prêmios internacionais, e nos mostra a possibilidade da Paz. Hamas e Fatah, Mulheres e Homens, Crianças e Velhos, diferentes e desiguais se unem contra a violência e a segregação.

Para os que pensam sobre a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia 10, faço o convite para uma reflexão sobre os muros, as cercas e os ‘’limites’’ que, mesmos os invisíveis, nos podem cercear ou mesmo pisotear alguns direitos fundamentais.

Há momentos de nossas lutas pelos Direitos Humanos que precisamos pensar quem são os nossos verdadeiros ‘’inimigos’’. Ao assistir hoje o documentário Budrus pude refletir sobre a possibilidade de alguma ‘’sintonia’’ de interesses no atual campo das discussões sobre os retrocessos e conservadorismos que estamos enfrentando.

Nos últimos dias passamos de um plano “Viver sem Limites” para a reconstrução de institucionalizações dentro dos muros escolares ou reabilitadores. Primeiro com a proposta de um Decreto (7611/11) que retroagiu sobre os avanços conquistados da inclusão escolar.

Hoje com um Projeto de Lei 1224/2011, da Câmara do RJ que coloca outro muro como opção para a Educação Especial, de crianças e jovens, na perspectiva de sua Inclusão caso “apresentam condições de serem incluídas, bem como dos demais alunos de turma regular, por meio da ampliação de sua participação na aprendizagem, nas culturas e nos meios sociais.” Ou seja, novamente o ‘’preferencialmente’’, ou melhor, quando “possível”, ou então na “saúde e na reabilitação"...

Nesse mesmo tom brasileiro estamos também vendo discursos contraditórios sobre a Reforma Psiquiátrica e a retomada das "internações involuntárias", compulsórias, sob a alegação de epidemias, só que por "contágio social" com o uso do crack. O álcool mata 47 pessoas por dia, e isso não é uma epidemia?

Nossas autoridades promovem uma destinação de 04 bilhões para um ‘’combate’. Mais um Plano do Ministério da Saúde. O seu principal resultado é a hospitalização ou a institucionalização forçada dos chamados ‘’craqueiros’’.

Uma “maioria” minoritária que vive à beira da sociedade e das linhas de trem. Moradores de rua e marginais que precisam ser cuidados e retirados da exclusão e desfiliação social. Onde os meios desta ação podem ser também violentadores...

Há, portanto um movimento de controle social, com novas macro e biopolíticas, anunciadas com muitos recursos públicos. Recursos que não podem ser apenas econômicos, pois a história já demonstrou o uso do dinheiro público para fins privados, tanto na Saúde, com a manicomialização, como na Educação, com a educação em espaços de clínicas de reabilitação.

Aí se encontram a Loucura e a Deficiência, as tecnologias de cuidado e pedagogia tornam-se hiper-especializadas e, consequentemente, segregadoras ou alienantes. E esta me parece ser a direção que, com as devidas contextualizações, estamos re-tomando. O caminho conservador, orientado pela macropolítica, das velhas institucionalizações "forçadas" por lei e "reforçadas" por emergências sociais. Novos muros em nossas aldeias globais.

O nome do nosso projeto para a acessibilidade, a saúde, a educação e o Viver para além dos limites pode ser comparado ao roteiro de Budrus. Estamos assistindo à uma construção de uma ‘’delimitação’’ legislativa e de práticas que violentam direitos já adquiridos.

Como os palestinos temos algumas oliveiras ou cemitérios que não devemos deixar de defender. Mas precisamos, como eles, de aliados e de um movimento de resistência. Alguns já iniciaram a defesa/combate. O que temos de cuidar é que não nos tornem nossos próprios "inimigos".

Existe um risco de mantermos nossas tradicionais divisões por força identitária. Os que não veem, os que não ouvem, os que não andam, os que são multiplamente deficitários. E, como somos diferentes em nossas necessidades e incapacidades, caímos na oposição binária.

A oposição binária ocorre quando, por exemplo, nas categorias macho/fêmea, obscurecemos as diferentes formas de ser um homem ou uma mulher, seja na sua subjetividade, nos afetos, no desejo ou no comportamento. Tendemos a homogeneização, à mesmice ou “mesmidade”. Caímos nos narcisismos das pequenas diferenças...

Essa queda é o nosso principal calcanhar de Aquiles. É nessa multiplicidade forjada como heterogeneidade de direitos que o Estado e a Sociedade justifica o uso do efeito de ‘’retorsão”. Este é um conceito de Taguieff que constitui-se quando “um contendor se coloca no terreno discursivo e ideológico do adversário e o combate com as armas deste, as quais pelo fato de serem usada contra ele, deixam de pertencer-lhe pois agora jogam pelo adversário...

Por isso disse, no início, que precisamos reconhecer que são nossos atuais amigos e inimigos. Não faço aqui a apologia da guerra ou da violência. Como em Budrus faço a afirmação de uma união pela desconstrução desses muros que nos impõem, sejam estatais ou institucionais. Os argumentos que sempre utilizamos na defesa de uma Sociedade Inclusiva agora são os mesmos que se alardeiam em discursos políticos. E ainda nos indagam do que reclamamos e por que criticamos...

Portanto, diante da possibilidade da retorsão, e, mais ainda, da acusação de ideologização das questões, é que devemos refletir, coletivamente, quais são as ações de resistência que devemos produzir.

Uma ação interessante e potencialmente criativa seria, hoje, abolirmos o uso da palavra INCLUSÃO, passemos, como nos discursos da Ordem, aceitar o retorno da INTEGRAÇÃO, do mainstreaming, como no recente Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, termo retomado para afirmar a questão do desenvolvimento, pela ONU.

Se a questão é a palavra DIVERSIDADE, como no projeto da Câmara do RJ, aceitemos que ela não representa, como nos demonstrou Homi Bhabba, a tal diversidade cultural, como um objeto do conhecimento empírico. Vamos esquecer sua advertência sobre o que significa uma DIFERENÇA cultural e os hibridismos e multiplicidades que nós vivenciamos.

Vamos aceitar "integrar" a diversidade, a partir do modelo segregador, deixando de lado quaisquer das singularidades. E as diferenças, mesmo dentro de casos, por exemplo, de Autismos nos justificarão para que estes frequentem apenas os Centros de Reabilitação ou escolas hiperespecializadas. Nunca teremos uma Temple Grandin em nossas escolas regulares...

Vamos, por exemplo, como nos tempos de ocupação da Amazônia, utilizar o slogan governamental: INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR. Iremos construir, diante um possível “ataque e invasão’’ de nossas fronteiras e territórios, uma grande muralha que proteja nossa maior diversidade ambiental: a floresta, sua flora, sua fauna, seus índios e seus diversos mananciais de água doce. A preservação tornar-se-ia aí o novo conservadorismo?

AÍ comparo a serialização dos eucaliptos com a heterogeneidade amazônica que podemos criar em nossas escolas ou outras instituições modelares. Podemos plantar a diferença ou mesmice, a bel prazer. Mas sempre colheremos um futuro possível ou a desertificação de nossas vidas. Por isso optemos pela busca de um além do reducionismo da integração.

Foi integrando um território pela força e pela segregação violentadora que Israel, construindo muros e distanciamentos, que viu o surgimento de uma resistência ‘’selvagem’’. E Budrus se tornou a obra de cinema, de vida, de re-existência de culturas diferenciadas, mas também um exercício de "combate pacífico".

Uma paz que se conquista com indignação, resiliência e resistência pacíficas. Um movimento que precisamos retomar para manter as conquistas que temos realizado. Nós, como uma personagem do documentário, diante de uma retroescavadeira, devemos ocupar o buraco por ela feito.

E, para além de nossas diferenças, nos fincarmos, como uma oliveira plantada com carinho, que algumas mãos oportunistas insistem em arrancar de nossos territórios da saúde e da educação de pessoas com e sem deficiência.

Só assim, com persistência e indignação, cada um e muitos de nós poderemos barrar o retrocesso atual, os “mesmos” que usam a retorsão para dizer que são as pessoas com deficiência que não se preparam para o mercado de trabalho.

Não são as empresas ou o Estado que não cumprem a Lei de Cotas. Somos os causadores de nossa própria exclusão? Afinal nossas tragédias pessoais não são o que nos torna objetos de intervenção, internação involuntária ou “integração” social?
E OS MUROS INVISÍVEIS QUANDO É QUE INICIAREMOS A SUA DEMOLIÇÃO?


Copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres na Internet ou outros meios de comunicação de massa) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

BUDRUS – (2009) Documentário – Direção JULIA BACHA (BR)
https://www.justvision.org/budrus

Brasileira diretora de "Budrus" fala sobre premiação em Berlim
https://www.dw-world.de/dw/article/0,,5286132,00.html

Budrus Trailer - 3 Min
https://www.youtube.com/watch?v=ff7rScVrbos (legendas em português)
https://www.youtube.com/watch?v=YQQ8F2W5eB0 (legendas em inglês)

Documentário 'Budrus', de Julia Bacha, é lançado em DVD http://www.estadao.com.br/noticias/artelazer,documentario-budrus-de-julia-bacha-e-lancado-em-dvd,790731,0.htm

Plano Nacional de Educação: inclusão escolar ameaçada
https://inclusaoja.com.br/

Plano de enfrentamento ao crack deve aumentar leitos para atendimento
https://www.youtube.com/watch?v=SxGRHH7NEs8

Rio de Janeiro pode servir como exemplo positivo na internação pelo crack https://www.sidneyrezende.com/noticia/155255+rio+de+janeiro+pode+servir+como+exemplo+positivo+na+internacao+pelo+crack

Lei de cotas para deficientes não deve ser flexibilizada, defende CUT
https://www.redebrasilatual.com.br/temas/trabalho/2011/12/lei-de-cotas-para-deficientes-nao-deve-ser-flexibilizada-diz-cut

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DEFICIÊNCIAS E DIREITOS HUMANOS - MAIS UM DIA PARA COMEMORAR?
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/12/deficiencias-e-direitos-humanos-mais-um_03.html