
imagem publicada - foto em preto e branco de um homem, um pai, de óculos, sendo empurrado em um rústico carrinho por uma menina (com vestes indianas), com sacolas penduradas, no meio de uma rua, com trânsito de ônibus à sua volta, sendo ele uma pessoa com deficiência, ele traz, entre suas pernas atrofiadas, um bebê, como uma das fotografias premiadas (1º lugar) de um concurso promovido pela OMS - Organização Mundial da Saúde, do fotógrafo Khaled Satter, para promoção da CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (2001). Eu a denomino como imagem do presente, do passado e do futuro das pessoas em situação de deficiência no mundo hipercapitalista que estamos vivendo e viveremos, o qual o título da foto elucida: "duplo fardo".
Homenagem ao Dia dos Pais (Em busca da paternidade diferenciada) - agosto de 2010
A paternidade é uma descoberta permanente. Houve uma filosofia pré-feminismo, de Simone de Beauvoir, que também pode ser aplicada aos homens: assim como não se nasce mulher, não se nasce pai, torna-se. Tenho a certeza disso, cada dia mais, cada vez mais. Eu posso afirmar que se há mulheres que ainda não compreenderam o mito do amor materno, também há milhares de pessoas e homens que ainda não compreendem o chamado mito do amor paterno.
Nós, os homens, os machos, não nascemos com 'instinto paterno', assim como é uma construção ideológica e ideal sobre as mulheres o tal 'instinto materno'. Uma outra francesa, Elisabeth Badinter, já demoliu o das mães, mas ainda falta um outra demolição mitológica.
Hoje, como em todos os agostos, se comemora o Dia dos Pais. É a festa da paternidade a ser reconhecida e ser premiada. Nós, os diversos pais, vamos ganhar abraços, beijos e também presentes diferentes. Porém o que alguns pais precisam ganhar pela classificação e rotulação de sua 'situação especial' seria o reconhecimento de serem apenas diferentes ou melhor serem simplesmente pais na diversidade.
Confundimos as duas palavras: diversidade e diferença . Confundimos também paternidade genética com tornar-se um pai. Para que não continuemos exaltando o que deve ser um longo, árduo e incrível aprendizado, o da paternidade de pessoas com deficiência, como 'sofrimento', 'vitimização' ou 'heroísmo', os mesmos estereótipos que estigmatizam os nossos filhos e filhas, estou escrevendo este texto em busca de outro modo e compreensão de nossa condição paterna.
Nós, os pais de filhos e filhas com alguma forma de ser e estar com uma deficiência, somos diferentes sim, porque somos desiguais. Também nascidos na diversidade, se não temos, como nossos filhos/filhas, a equiparação de oportunidades e afirmação/realização de nossos direitos humanos, permaneceremos mais desiguais ainda. Tudo se torna ainda mais complexo na nossa diversidade, seja étnica, seja de herança genética ou de nossas origens familiares.
Somos, enfim, apenas seres humanos, mas muitas vezes somos reificados ou ideologizados como um 'grupo especial'. Acabamos nos tornando um motivo de atenção e de especulações teóricas que vão da antropologia à psicanálise, viramos teses, naturalizações ou dogmas. E, há alguns anos atrás, eramos classificados e rotulados de 'excepcionais', no duplo sentido desse termo.
Não, não há e nem houve, nunca, pais excepcionalmente perfeitos ou imperfeitos. Sempre existiram ou existirão apenas pais, alguns melhores, outros melhorados, outros incapazes do aprendizado incerto da paternidade, estes considerados os pais ruins.
Ao se ter um filho ou filha com uma diferença isso nos torna apenas mais propensos à uma busca intensificada de novos sentidos para o viver e para a Vida. O aprendizado da diferença, dos estigmas, dos estereótipos, dos preconceitos e das barreiras.
O que irá pesar na maneira como que nos desdobraremos das dobras desses filhos e filhas terá a ver com nossas possibilidades de inclusão, exclusão ou desigualdades sociais, além dos processos de subjetivação que vivenciamos. Porém, para além disso, responsavelmente, estiveram também os nossos pais ancestrais e, no futuro que se afigura, os diversos pais que temos e consolidamos, o Grande Irmão, os Big Brothers, a imagem estatal do pai orwelliano que nos controla e dirige em 1984.
Por isso hoje faço homenagem ao pai que tive e tenho a honra de ter e amar. Apenas um bom pai, nem perfeito, nem excepcional, apenas um pai amoroso. E digo com toda certeza, a este homem, hoje com mais de 100 anos, que foi sua maneira amorosa e desprendida de egoísmos, narcisismos individualismos e, principalmente, dos radicalismos micropolíticos, que com fé e resiliência me ensinou a alegria tanto quanto a paixão de viver intensamente.
Ser um pai com simplicidade aliada a muitos valores coletivos e princípios éticos já bastava. Não foi preciso ser um mito nem apenas uma identificação edípica, foi preciso uma boa, longa e afetuosa caminhada em parceria, nas travessias do cotidiano de terras rurais das minhas Minas Gerais.
Desejo, portanto, a todos e todas que possamos hoje homenagear a todos os Pais. Independentemente de suas condições ou qualidades, para além de seus defeitos, fazendo justiça a eles com um novo modo de reverenciá-los: humanizando-os, tornando-os apenas mortais e plenos de vida, no tempo de cada um, na singularidade e subjetividade possível a cada um deles. NEM HERÓIS, NEM VILÕES, apenas homens....
Vivam e vivenciem tudo o que seus filhos,com e sem deficiência, como a mãe Terra, tem para oferecer de melhor, e que nosso dia seja mais um dos muitos em que estaremos sendo tratados e respeitados em nossas diferenças, nossas multiplicidades, nossas suavidades ou mesmos nossas asperezas de aprendizes da paternidade.
Dedico com amor este texto aos meus filhos/filhas, assim como a todos filhos e filhas que nascem nesse momento, desejando-lhes um utópico dia dos Pais: sem violências, sem dores incuráveis, sem misérias, sem pobreza ultrajante, sem guerras e militarismos, sem terremotos devastadores, sem a cultura do medo, sem trabalho escravo, sem preconceitos étnicos e de gênero, sem xenofobias, sem desfiliações marginalizantes, sem torturas, sem bombas ou minas mutilantes, sem barreiras arquitetônicas, sem fome ou anorexias, sem fanatismo religioso ou politico, sem exploração sexual e trabalho infantil, sem exclusões, sem segregações biotecnológicas, sem homofobias, sem injustiças, sem microfascismos, sem manicômios, sem epidemias, sem violações de direitos humanos, sem os alienantes espetáculos macropolíticos, sem corrupções, sem genocídios, sem desaparecidos, sem meninos ou meninas em situação de rua...
Pois estes também tiveram pais, estes também foram e são filhos de algum homem... mas a eles e seus pais, homens e mulheres, ainda não foi possível a existência de um mundo tão utópico e sonhado por nós.
Pois estes também tiveram pais, estes também foram e são filhos de algum homem... mas a eles e seus pais, homens e mulheres, ainda não foi possível a existência de um mundo tão utópico e sonhado por nós.
Portanto, tornar-se um pai, e ainda afirmar direitos humanos para nossos filhos e filhas, é manter acesa essa chama utópica, ética, ecosófica, bioética e amorosa de um outro mundo possível. FELIZ DIA DOS PAIS na diferença e na diversidade.
copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 (favor citar a fonte e o autor em republicações livres na internet)
P.S - peço desculpas aos leitores e leitoras do blog pela ausência de textos no último mês, não foram férias, mas aumento de dores e dissabores, assim como a busca de justiça para um pai diferente que me fizeram ficar sem o tempo necessário para o ato libertário da escrita neste espaço.
Referências bibliográficas:
O Segundo Sexo - Vol1 - Fatos e Mitos - Simone de Beauvoir - Nova Fronteira, RJ ( Le Deuxième Sexe (I) | 1949 )
https://www.novafronteira.com.br/produto.asp?CodigoProduto=0316
Um Amor Conquistado - o Mito do Amor Materno - Elisabeth Badinter - Ed Nova Fronteira, RJ, 1980
IMAGENS DA SAÚDE E DEFICIENCIA - OMS (2005) https://www.who.int/features/galleries/disabilities/index.html
CIF 2001 - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
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