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sexta-feira, 26 de abril de 2013

AOS 103 ANOS AINDA SE APRENDE ALGUMA COISA?


imagem publicada – a foto em preto e branco de uma matéria da Revista Fatos e Fotos – Gente, de 28 de Abril de 1980, uma publicação Bloch, onde aparece à direita uma mulher realizando uma mamografia, como forma de prevenção do câncer de mama, e, em tamanho menor, uma fotografia em preto e branco com um homem negro, com cabelo Black Power, com uma mão repousando sobre a testa, em posição semelhante a quem está pensando sobre a Vida. O retratado sou eu. A reportagem fala sobre o nosso temor da morte pelo câncer e a busca pelas e nas drogas de um alívio desse temor. (fotografia de João Poppe)

A Morte deve ser uma mulher extraordinária. Nos pega na mão e nós temos de seguir atrás dela. Somos obrigados. É esse rumo desconhecido que me fascina e que faz com que não tenha medo da morte.” Léo Ferré.

O tempo não passa? Uma homenagem aos que têm do direito de viver e morrer em paz... E ficarem na memória

Encontrei outro dia uma velha reportagem. Meus velhos papéis que precisavam ser jogados fora me trouxeram de volta minhas memórias. Era uma reportagem na qual eu dizia em Abril de 1980:...”Isto acontece visto que todos nós curtimos intimamente o desejo da imortalidade, e o câncer não deixa de ser uma pedra no caminho, uma ameaça imediata e concreta dessa pretensa imortalidade”.

O título da matéria, que hoje pareceria atual, era “CÂNCER – A cura pelas drogas?” tendo como subtítulo – “Cientistas utilizam a maconha no tratamento médico”. Lembrete aos desavisados eu já discutia, nesse tempo de resquícios da Ditadura Militar a questão da ‘descriminalização da maconha’ e a despenalização dos usuários. Tínhamos de combater um grave preconceito que associava os 'maconheiros' e os 'subversivos' contra a Segurança Nacional, assim como os 'bons costumes'...

 Já afirmava: - “Eu acho altamente questionável o uso da maconha no tratamento do câncer, como os cientistas americanos vêm fazendo, embora acredite que a droga possa ser utilizada como um paliativo, uma espécie de substitutivo provisório, e, neste sentido, eu sou altamente a favor.”

Digo novamente eram os Anos 80 começando. E os Anos de Chumbo ainda queimavam, mas começavam a se derreter diante dos nossos anseios de democratização...Porém o que me leva a escrever hoje é muito mais a questão que levantei no meio da matéria: a indagação sobre nosso desejo de imortalidade. Hoje e nos próximos dias tenho de refletir muito e vivenciar mais ainda essa questão.

O meu pai longevo fará aniversário e completará os seus 103 anos. E a minha pedra no sapato, a minha pedra de Sísifo volta a incomodar com um velho calo nos dedos dos pés do sapato novo, mas sempre apertado da Vida. Somos ou desejamos tanto essa longevidade, a que preço ou valor?

A Dona Morte rondava ainda nossos ares nos Anos 80 com os ranços do que vivemos há poucos anos antes. Ainda respirávamos um pouco dos resíduos ativos da visão conservadora e ditatorial dos Anos de Chumbo, que só começariam a se dissipar quatro anos depois. Nessa  época é que já pensava, reflita, questionava e trabalhava, como diz a matéria da Revista Gente, o cuidado com os mais vulneráveis. Trabalhava com pessoas vivendo os limites de seus corpos com câncer.

Esse trabalho repercutia em mim o aprendizado de com podemos vivenciar tanto a felicidade como a dor. E a ideia e prática que criticava, sem saber que já existia a Bioética, era o uso de substâncias psicoativas sem as devidas pesquisas e investigações científicas. Já estava, um jovem médico, incipiente com a psiquiatria e a psicanálise, buscando formas menos “químicas” de enfrentamento de nossas limitações e finitude vital.

Por ter acompanhando muitos casos de terminalidade vital por doenças crônicas, nessa época, aprendi muito sobre uma palavra: a transitoriedade. Ainda não falávamos ou praticávamos denominando os cuidados paliativos, mas os vivenciávamos a beira dos leitos de pacientes considerados “sem saídas terapêuticas”.

Exercia, sem denominar, o que hoje chamamos de Klínica, pois lidar com a morte cotidianamente pode ensinar ir além do simples fato de nos ‘’inclinarmos’’ sobre os leitos e os pacientes. Tínhamos, principalmente diante dos cânceres infantis, de aprender o sentido da escuta sensível e da implicação. Eu, modestamente, acho que aprendi.

A Dona Morte que eu via era um simulacro, um fantasma do que realmente ocorria no âmago dos que realmente estavam morrendo. Sempre procuramos nos distanciar do morrer imaginando que superamos com essa atitude nossos temores da tal Senhora. Não! quanto mais se foge ou dela fugimos mais se está em sua companhia.

A tal Dona Thanatos foi, por exemplo, para Freud, uma fiel companheira de todos os seus dias e escritos. Diria até, ousadamente, que transversalizam uma boa parte de suas indagações que geraram o que temos, para além de Lacan ou outros atualizadores, de Psicanálise ainda hoje. Afinal ele teve no próprio corpo a experiência do câncer. E, no encontro final solicitou a ação de alívio de seu médico Max Schur.

Ele viveu o tempo que lhe foi possível e suportável. Por isso penso que devemos aprender a respeitar o cada um entende e sente como o limite suportabilidade de suas próprias existências.  Aí se incluem alguns que deixaram as mais profundas e reflexivas poesias sobre o viver e o morrer. Os seus corpos expiraram, porém, suas mentes deixaram marcas indeléveis. Exemplos? Fernando Pessoa, aos 47 e Florbela Espanca, aos 36 no dia de seu aniversário.

Com seus trinta ou quarenta e poucos anos biológicos de viver conseguiram ser os bólidos, cometas ou meteoros-vivos que transformaram muitas outras vidas após as suas finitudes e fim. Este é um ponto de vista que já ressaltava lá nessa reportagem.

Lá está registrado, para mim e para vocês todos e todas que: “...acredita o psiquiatra (eu) que todas as pessoas cancerosas devem estar conscientes de que, na vida, o mais importante não é a quantidade de vida, mas sim a qualidade (da vida e do viver, individualmente ou no coletivo)”.

E, como passageiros desse instante de uma Gaia Terra que, apesar do seu recente dia, vê-se arrastada por buscas fanáticas, principalmente de cunho religioso/político, de imortalização narcísica. Primeiro eu serei, na minha ignorância e credulidade, a ser salvo nos tempos apocalípticos, e, mesmo me tornando escravo de uma mistificação ou de uma manipulação ideológica, quero essa ‘vida do além’. E o meu dízimo ou voto legitimam uma grande farsa na Sociedade do Espetáculo e do Controle.

Temos, então, diante dessa proliferação dos fanatismos, como já disse no texto anterior, de aprender um pouco sobre nossas perdas.

Perdemos a rebeldia da juventude? Diria que sim se me retomasse apenas nos Anos 70 o ar irrespirável das torturas e dos desaparecimentos políticos; os Anos 80 engoliram nossa Contracultura e o Maio de 68. Entretanto, diante de novos e aperfeiçoados ardis de controle estatal ou social vemos novas bandeiras de liberação sendo agitadas.

Hoje, com novos olhares sobre o tempo, agora líquido e fugaz, encontramos os “mais velhos”, de mãos dadas,  andando ao lado de quem combate todas as formas de preconceitos e discriminações. Porém para isso precisamos da ressignificação do que entendemos como essa sabedoria dos antigos ou ancestrais.

A minha aprendizagem ainda não terminou, o meu buscar aprender com as perdas também. Disse estes dias atrás, em estímulo a quem está com lutos atravessando suas vidas, que diante dos entes que se vão ou outras formas de perdas é indispensável aprender e reaprender.

Precisamos, a meu ver, aprender a ser sem o apego gorduroso sobre a Vida.  Disse lá no Face-livro: - O aprendizado das perdas é uma das muitas formas de engrandecimento de nossas vidas... Aprender a se despedir... Aprender a deixar partir... Aprender a ir embora... Aprender/desaprender a viver e aprender a morrer... Como dizia a poetisa Florbela: “e se ei de ser cinza, pó e nada... que seja o meu Dia uma Alvorada... que me saiba perder para me encontrar”.

Hoje, com as limitações físicas que adquiri, estou caminhando na direção, sem complacência ou auto piedade, do estar, intensamente vivo ao lado dos “mais jovens” diante de nossas finitudes semelhantes: somos todos apenas mortais sonhadores. Ou, será que somos sonhadores mortais?

Tendo nascido filho de um simples, porém, sempre amoroso ancião, repito o que disse ao jovem repórter Péricles Santana, há 33 anos: “Devemos mostrar a essas pessoas (há época meus pacientes com câncer ou seus familiares) um outro lado das coisas (e do viver), fazendo-as ver (e desejar) que tudo na vida é passageiro, sendo, portanto mais importante essa trajetória (e o aprendizado humilde de nossa transitoriedade existencial).

Então, além do resgate de minhas ideias e vivencias médicas lá nos Anos 80, quando também me impliquei com o cuidado com as cicatrizes da ditadura através do Grupo Tortura Nunca Mais RJ, reforço ainda que precisamos de buscar uma serena sabedoria.

Uma sabedoria que ainda encontro nos sorrisos de meu velhinho, lá nas Minhas Minas Gerais? Sim, uma sabedoria que consiste em uma forma sensível de ser, estar e viver. Uma sabedoria que, entretanto, pode ser complexa: - não devemos perder a “fé” no Outro e nos Outros além de mim, mas também não podemos estragar nosso próprio bem estar já conquistado.

Enfim, em tempos de retomada dos outros meios modernos de alívio de nossas dores e finitudes, compreender que nenhuma droga inventada ou comercializada pode, ‘prozaquianamente’, como um “hiper antidepressivo global”, nos aliviar de todos os sofrimentos existenciais. Insistimos na busca do Admirável Mundo Novo de Huxley?

Estas novas drogadicções ou dependências de uma química tornaram-se, como retrocesso histórico, até o mote para novas e aprimoradas técnicas de aprisionamento, inclusive com a legitimação psiquiátrica ou dos poderes políticos.
Como dizia lá naqueles primórdios: a Vida não tem cura, pois o Guimarães já disse que é e será muito perigoso viver. A vida se tiver prospecções ou invenções de novas cartografias do viver, é apenas a pró-cura.

Por isso não lhes garanto a imortalidade. Posso apenas, com profunda e afetiva sinceridade, desejar que possam ter os olhos e o coração de meu pai de 103 anos.

Lá, nesses olhos/coração singelos, com toda certeza há memórias que todos e todas merecemos experimentar, independentemente de sermos apenas passageiros, marinheiros, argonautas, barqueiros, remadores ou pescadores cruzando o tal rio, aquele que o Pessoa disse ser apenas com curvas, e a Morte seria e será apenas mais uma curva do rio.

Navegar é preciso, hoje é apenas im-preciso ainda, mas vale a pena tentar...

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Indicações para Leitura crítica e reflexiva –

LÉO FERRÉ – Seleção e tradução de poemas, canções e da carta inédita (Luiza Neto Jorge) – Ulmeiro e os Autores, Lisboa, Portugal, 1984.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO - Aldous Huxley - https://pt.wikipedia.org/wiki/Admir%C3%A1vel_Mundo_Novo

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A DONA MORTE É GLOBAL, MAS O NOSSO TESTAMENTO PODE SER VITAL
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NOSSAS IN-DEPENDÊNCIAS DA DONA MORTE EM 11/09/2011 (ou qualquer data posterior, como a mais recente em Boston)
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/09/nossas-in-dependencias-da-dona-morte-em.html