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quarta-feira, 29 de abril de 2015

MEU PAI, NOSSAS MONTANHAS E NOSSOS CREPÚSCULOS.(uma homenagem aos seus 105 anos)

Imagem publicada – uma foto feita a contraluz nos anos 80, por mim, com uma velha máquina fotográfica Yashica, com meu pai como foco e principal imagem ao centro, com seu rosto e chapéu de palha, que sempre o acompanhava nas suas caminhadas e nos seus momentos da roça e da lavoura, é misturado ao Sol brilhante de um dos muitos crepúsculos lá em nossa terra natal, Cambuquira, Minas Gerais. Um Sol que nos mantêm intensamente misturados ao cenário da natureza e das montanhas ao fundo, típica de nossas paisagens e nossos poentes. E que no escurecer e no anoitecer ainda mantemos nossos brilhos subterrâneos.

Daqui há pouco estarei ao seu lado. Daqui há pouco poderei sentar-me na varanda e olhar mais um crepúsculo. E ao olhar para ele irei poder refletir, mais uma vez, sobre nossas infindas finitudes.

Ele supera mais uma barreira, aquela que poucos podem, ao que eu saiba, ultrapassar: tornar-se centenário. Muito embora matérias jornalísticas digam que estamos tendo um crescimento de número de pessoas além dos 100 anos no país.

Entretanto, minha indagação continuará sendo sobre o viver e o ter esses anos biológicos contados com qualidade e dignidade. Em outra matéria fica claro que ainda somos atravessados pelos mitos ou pelos discursos científicos que atribuem a longevidade à riqueza material ou aos que podem usufruir dos avanços da medicina.

Em matéria sobre mulheres centenárias, a BBC nos traz algumas reflexões destas que podem nos ajudar a compreender que sentido tem esse viver em busca da qualidade e não da quantidade de anos acumulados. Ao reunir uma inglesa de 102 anos que foi uma das primeiras mulheres a posar nua para um calendário beneficente, uma das sobreviventes do Holocausto e do campo de concentração Terezin, e uma centenária que adora velocidade, podemos ver transversalizadas vidas que têm em comum o desejo profundo de viver intensamente.

A experiência de Alice Herz-Sommers, que conheceu o Theresienstadt, o Campo Terezin, sob o jugo e invenção do nazismo, me aproximou de recentes leituras sobre nossas resiliências diante das crueldades e dos fascismos. Ela diz, nos seus 108 anos, que: "Minha irmã gêmea era um tipo pessimista, ela morreu antes de fazer 70 anos porque nunca ria, nunca. Mas rir é uma coisa linda...”.

Em tempos que vemos o recrudescimento de ódios, racismos exuberantes, fascismos declarados, desejos retrógrados de intervenção militar, falsos anticomunismos, fabricação de novos medos e novas angústias, talvez possamos aprender com Alice e com o véio Arnaldo.

Ambos conheceram o Século XX, em todas as suas dimensões. O meu pai relata, com sua lucidez impressionante e memórias mais ainda, que pode ver e viver as nossas ‘ velhas’ Revoluções, seja a 1930 ou a de 1932. Assim como  a que falsamente, por ser golpe civil e militar, também foi assim chamada nas histórias oficiais, aquela dos Anos de Chumbo de 1964, que durou 21 anos.

Em todos os momentos que busquei em minhas memórias em processo de dissolução, diferentemente de meu pai, sempre pude revê-lo encarando todas as agruras ou desafios com muita firmeza e com um sorriso nos lábios. Não me lembro de rancores, de discursos de ódio, de apedrejamentos do Outro, muito menos de discriminação social ou racial.

 Com certeza as caminhadas que com ele fiz até as suas “plantações”, seus sítios ou terras arrendadas, me tenham ajudado a aprender o respeito que ainda nutro pela Terra e pelos que se diferenciam de mim. Tive uma rara oportunidade de vê-lo em diferentes espaços, desde suas ações de fé, como a Romaria, as procissões, as missas, até seu laborioso dia atrás de um balcão de um bar e restaurante. Sempre o mesmo e dedicado homem e cidadão. Sempre o que buscava a fé, a plantação do café e a fé no alimentar e cuidar dos Outros.

Busquei por essa convivência com quem aprendeu, como Alice, a ser um provocativo bem humorado,  o que ele ainda o é, a não cair nos nossos abismos tentadores do pessimismo e da descrença na Humanidade. Os meus convites à dança com Dona Morte nunca foram maiores que a Música da Senhora Vida Gaia. Até o doer passa a ser re-existente...

 Pelo contrário, daí, talvez, venham meus percursos na medicina, na política e na defesa dos direitos humanos, mesmo que todos esses campos sejam, para mim, só de reinvenção permanente. As minhas caminhadas e caminhos puderam tomar rumos até opostos aos dele.  Brincava com a oposição, desde um votar em Lott (o Marechal e sua espadinha) contra o seu candidato, Jânio (dos bilhetes e da vassourinha). Ser do contra não era ideologia mas um modo de construção de afetos e de proximidades.

Nesse ano que agora temos de aprender novos caminhos e novos passos rumo ao futuro, olhando para trás e não desejando o refluir e o retrocesso, desejaria, com todo afeto, que milhares de pais como o meu fossem a referência de muitos outros brasileiros e brasileiras como eu.

E, por crer, com diz Thiago de Mello, o poeta: “_Não somos os melhores – Não somos  nem melhores nem piores. Somos iguais. Melhor é a nossa causa...”, e que devemos mostrar a nós mesmos a nossas raízes, nossos dilemas, nossos medos e nossas esperanças. E que a nossa causa comum seja mudar, mudar e mudar sempre. Mudar o que precisa ser mudado, como diz o poeta “para que a vida possa um dia ser mesmo vida, e para todos”.

POR ISSO, sabendo no meu âmago que tenho um pai que deseja ardente e fervorosamente a igualdade é que lhe escrevi um poema e o compartilho com quem puder lê-lo e compartilhar:

MEU PAI, NOSSAS MONTANHAS E NOSSOS CREPÚSCULOS

Um pai e seu filho mais envelhecido
Seguem juntos até o mais alto e imaginário pico,
Sobem juntos por trilhas que se apagam
Sob seus pés cansados e com bolhas,
Pisam de leve folhas, relvas ou os espinhos, e, lentos
Sobem como bolhas leves de sabão ao vento,
Que a luz do sol atravessa em arco-íris
E os deslumbra, pois o caminho ainda é longo,
Mesmo se curto é o viver...

Árdua e íngreme é a montanha-vida,
Assim como as vidas nas suas matas e entranhas
As suas pequenas ou grandes rochas são
Milênios de consolidação de uma Terra,
A mesma que o pai ensinou revolver, semear
E com a água que brotar de nossas próprias rochas
Deixar brotar delas novas sementes...

A mesma terra que se queimou e se sulcou com os arados,
Mesmo pisoteada, revolvida, sob pás, picaretas ou enxadas,
 É como sua negra pele  só agora encarquilhada, é mais profunda,
Tem cicatrizes, velhas feridas, mas não morreu,
Pois dentro dela permanecem os úmidos segredos
De ser sempre uma renovada resistência,
Uma nova colheita e um novo espargir sementes...

Mas para que no alto possamos vê-la continuar flor e ser
Temos os dois ainda um aprendizado, um novo ensinar?
Um novo des-conhecer, um olhar juntos e permanentes
Para já antigos crepúsculos, centenários montes,
Onde sempre, por mais de um século, o sol se esconde,
Onde o Sol de seus corações andarilhos, com as in-certezas,
De ter a Vida para escalar, fingiu-se morto para à noite tecer...

E o dia seguinte novamente lhes acontece,
E os dois olhando juntos para esses poentes,
Poeticamente sentem que seus próprios e diferentes crepúsculos,
Suas próprias noites infinitas, mas também de dia findas,
Diante de seus olhares pacientes e sempre aprendizes,
Por serem sempre ávido das incógnitas escarpas e abismos,
Entre as velhas trilhas, com seus pés insistentes,
Teimam, persistem nesse rumo ao horizonte,
O buscar suas próprias finitudes... 

O meu pai caminhante, como os alpinistas sob avalanches,
Sempre em busca do próximo caminho ou vereda,
Subiu e desceu estas montanhas de muitas Minas,
E com ele aprendi que nada
Nem ninguém não nos detém,
Nem mesmo se a Terra treme,
Se andarilhos visionários encaramos
O que temos de destemer:
O nosso paralisante medo de morrer.
E hoje, nos seus 105 anos bio-lógicos, demos apenas,
Mais uma vez juntos, o próximo passo...

(Texto e poema dedicados  e em homenagem a meu pai Arnaldo Pereira de Andrade, o mais ‘velho’ dos andantes romeiros de sua/minha cidade natal... que já atravessa as serras da Mantiqueira há mais de 80 anos...) (TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

LEITURA CRÍTICA PARA NOS ESTIMULAR MEMÓRIAS –

O TEMPO VIVO DA MEMÓRIA- Ensaios de Psicologia Social – Ecléa Bosi, Editora Ateliê Editorial, São Paulo, SP, 2003.

POESIA COMPROMETIDA COM A MINHA  E A TUA VIDA – Pequena História Natural do Homem no Fim Que  Vem Vindo do Século Vinte – Thiago de Mello, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 1986.

MEMÓRIA E SOCIEDADE – Lembranças de Velhos, Ecléa Bosi, Editora Companhia das Letras, São Paulo, SP, 2001.

INDICAÇÕES DE NOTÍCIAS NA INTERNET –
Centenárias dão dicas sobre como chegar bem aos 100 anos - https://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120702_segredos_vida_longa_mv

‘Supercentenário' brasileiro faz sucesso nos EUA com seu estilo de vida saudável https://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120313_centenario_rc.shtml

Metade dos nascidos hoje em países ricos chegará aos 100 anos, diz estudo https://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/10/091001_bebe_expectativa_vida_np

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –

ENVELHE=SER ou TORNAR-SE, + 1, VELHO? (29 DE ABRIL 2014) https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/04/envelheser-ou-tornar-se-1-velho.html

O MUNDO ENVELHECE, AS INJUSTIÇAS AINDA PERSISTEM, E, ENTRETANTOS, MEU PAI FAZ 102 ANOS... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/04/o-mundo-envelhece-as-injusticas-ainda.html



terça-feira, 2 de março de 2010

GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE


imagem publicada - uma mulher olha e segura a Terra com as duas mãos, garantindo que possamos buscar um outro olhar ecosófico para com nossa Terra mãe.

- Nas águas de Março, quando a Terra ainda é trêmula...

O Haiti nos avisou. O Chile nos alerta mais um pouco. A terra continua se movendo, sob nossos pés, como um bicho que se move sob a areia. E nós precisamos nos lembrar de nossa frágil, ora triste, ora alegre e bárbara figura sobre ela. Ao menor ruído de seu ventre e mudanças de suas placas tectônicas, nós viramos frágeis corpos que temem e tremem com a GAIA.

Estou me lembrando de dois nomes poéticos e vivos em meu coração. Os dois ecoam o Chile em minha própria história, sendo ecos de um tempo em que poesia tinha caráter militante e de revolta. Me lembro primeiro de uma mulher que nos legou uma das mais belas canções latino-americanas: Gracias a la Vida.

Me refiro a Violeta Parra (Violeta del Carmem Parra Sandoval), uma artista quase completa, indo da música, como compositora e cantora, até às artes plásticas como ceramista. A ela associamos, os que viveram os Anos de Chumbo das Américas Latinas amordaçadas por ditaduras e outras violências políticas institucionalizadas. Muitos cantaram Gracias a La Vida como um hino de resistência e de resiliência diante dos muitos momentos de tristeza ou frustação gerados nos anos 70.

Violeta foi uma madre chilena que nunca se afastou de seus dois filhos, e só abandonou a vida pela dupla decepção com o seu projeto não realizado de um espaço comunitário e rico, assim como um amor pleno de paixão. Uma tenda comunitária, onde a cultura e o folclore do povo chileno seriam e teriam sua própria vida. Um amor que não se cansasse de amar e de cantar a vida. Sua memória é um bom lembrete para o caminho rumo ao Dia Internacional da Mulher que se aproxima. Ela cantou e recantou a Vida.

Mas para cantar a terra, o charco, o deserto e também o momento de terra trêmula do Chile é preciso convocar outra paixão poética: Pablo Neruda. Ainda não vi ou ouvi ninguém lembrando que a terra que agora foi, novamente, arrasada pelo terremoto e os tsunamis é a pátria deste homem e da mulher cantante. E não posso deixar de lembrar uma poesia, traduzida por Thiago de Mello, que tenho em um velho ( e guardado a sete chaves) livro de ANTOLOGIA´POÉTICA de Neruda.

A VOCÊS E AO POVO DO CHILE dedico este espaço, pedindo licença ao homem do Chile que confessou ter vivido, para espalhar seu canto e poesia:

QUANDO DE CHILE (Pablo Neruda)

Ò Chile, larga pétala
de mar, de vinho e neve,
ai quando
ai quando e quando
e quando
me encontrarei contigo
me enrolarás tua fita
de espuma branca e negra na cintura,
desencadearei minha poesia
sobre o teu território...
...Existem homens,
Metade peixe, metade vento,
outros homens existem feitos de água.
Eu estou feito de terra.
Vou pelo mundo
cada vez mais alegre:
cada cidade me dá VIDA NOVA. O MUNDO ESTÁ NASCENDO...
...Ai pátria sem farrapos,
ai primavera minha,
ai quando
ai quando e quando
despertarei nos teus braços
empapado de mar e orvalho...


Posso então Volver a los 17..., e quem sabe sofrer de outros Tremores e Temores
. Meu momento é de cantar a vida, para além da imobilidade e das restrições e sofrimentos ou penúrias. É o momento de um CANTO GERAL, que ecoe sobre toda a Terra. Um canto lembrando Parra/Neruda e seu desejo que o Chile não volte aos seus anos de Pinochet ou de opressão, avançando na direção de uma nação/povo que saiba também renascer de seus próprios escombros...

E se, na minha imaginação, Neruda pudesse ser o Carteiro de Violeta..., a história de amor à vida desta sensível poetisa e cancioneira poderia ter outro desfecho?

E O HAITI CONTINUA PRECISANDO DE UM MOVIMENTO VIVA O HAITI VIVO... e eu canto GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE,,,

(jorgemárciopereiradeandrade copyright and left ad infinitum, todos os direitos reservados 2025)

FONTES:
VIOLETA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Violeta_Parra
GRACIAS A LA VIDA = MERCEDES SOSA -
https://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I
PABLO
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda
https://www.fundacionneruda.org/
O Carteiro e o Poeta
https://pt.wikipedia.org/wiki/Il_postino

publicação do INFOATIVO DEFNET 4355 - Ano 14 

Antologia Poética - Pablo Neruda - Editora Letras e Artes - Rio de Janeiro - 1964 ( tradução Thiago de Mello)

LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O ESTATUTO DO HOMEM E O DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS




















Imagem - uma única mulher, pode com vigorosa tenacidade, enfrenta um batalhão de policiais  armados, empurrando um obstáculo, uma telha, uma centelha? Uma mulher palestina, lutando com seu próprio corpo, transformado em barreira e resiliência, em um cenário de repressão policial a um protesto coletivo. Ao fundo da foto está uma multidão observando, de um ponto mais alto, saindo uma fumaça escura de dois pontos deste lugar, que podemos assemelhar a um acampamento de marginalizados sociais, e o esforço policial para sua desocupação. (fonte lukeprog.com, prêmio Pulitzer de fotografia em 2007).

"FICA DECRETADO QUE HOJE VALE A VERDADE..."

Hoje, dia 10 de Dezembro, deveríamos estar comemorando o Dia Internacional dos Direitos Humanos, com o mesmo espírito que comemoramos o Natal.
Hoje em milhares de situações ou condições de vida, em todos recantos da Terra, um número inimaginável de seres humanos estão sendo submetidos à Violação de seus Direitos Humanos.

Lembro, ecumenicamente, que aquele que é lembrado no dia 25 de Dezembro, por seu nascimento em uma manjedoura, terminou sua vida terrena em um calvário e sob tortura, na crucificação por um IMPÉRIO, com uma placa onde se lia ser ele o "rei dos judeus", e ao lado de transgressores da lei romana, apesar de sua origem e história como um proto-comunista e universalista dos direitos de todos.

Em tempos de um novo Império, lamentavelmente, vemos que uma discussão acalorada sobre os direitos humanos, quase sempre, caminha para a banalização de que seus defensores somente defendem criminosos, bandidos, violentadores ou meliantes, apenas os que transgredirem as nossas leis e os bons costumes. Diante desta já midiatizada e popularizada versão distorcida, não podemos deixar de contra argumentar sobre a ausência, quase que cotidiana, de uma educação sobre quais são, por quê e para quê os nossos direitos humanos existem e foram transformados em uma Declaração.

Para além da Declaração de 1948, que em sua própria história traz o pós-guerra e a necessidade de um concerto entre os vencedores, ao mesmo tempo que nascia as Nações Unidas (ONU), deveríamos compreender que a sua aparente e impossível universalidade é um fundamento que deveríamos abraçar e realizar.

Entretanto, nos chamam, os ditos defensores de direitos humanos, de utopistas ou de comunistas, ora um pouco sonhadores e em outras naturalizações de "socialistas demais" ou "xiitas"... São múltiplas e heterogêneas as formas de defesa destes direitos, militantes ou não. Porém, com certeza, não são pessoas anestesiadas pelo utilitarismo, pelo liberalismo e muito menos pelo conformismo.

Tentam apagar da nossa memória os nossos Anos de Chumbo. Negam a existência de Trabalho Escravo. Esquecem da cotidiana exclusão e marginalização de crianças e jovens em situação de rua. Suprimem a violência institucionalizada e legitimada dos órgãos oficiais de repressão policial. Renegam a existência de Racismos, intolerâncias étnicas, discriminações de gênero ou de caráter sexual, como a Homofobia. Fecham os ouvidos às vozes sufocadas pela permanência da Tortura e não condenação de torturadores reabilitados. 

 Mantêm invisíveis os milhares de cidadãos e cidadãs que convivem com a miséria ou a pobreza, que são mais graves quando associadas às muitas formas de ser estar com uma ou múltiplas Deficiências. Confirmam a necessidade de Manicômios ou de Asilos para loucos e velhos não-recicláveis, bem como outros considerados cidadãos de segunda categoria, a serem higienicamente isolados. 

Enfim, referendam os que só enxergam, a partir do próprio umbigo, de forma individualista, neoliberal e narcisista, temendo, como única violência aquela que possa lhes afetar em suas intimidades ou modos domésticos e protegidos de viver...

Tudo isso, ao meu ver, pela profunda macrodespolitização a que estes princípios de direitos sofreram, geraram e podem gerar. O mundo globalizado, e a atual Conferencia na Dinamarca, nos ensina/confirma que ainda persiste, nos nossos Estados e estadistas, a divisão entre os ricos e os pobres, entre os que se desenvolvem capitalísticamente à custa do não-desenvolvimento de outrem, da segregação e restrição da possibilidade de crescimento e transformação das condições de vida, habitação, saúde e educação, da afirmação dos chamados direitos de 4ª (quarta) geração para os miseráveis da Àfrica, da Ásia ou da América Latina.

Retomo, diante deste panorama mundial, onde me parece que o futuro do planeta e seus habitantes fica novamente a reboque da Economia e do Hipercapitalismo, mesmo sob o risco de ficarmos todos, mundialmente, ou fritos ou afogados, a necessidade de uma busca do que Guattari chamou das Três Ecologias. Ao traçar o paralelo sobre a possibilidade de uma ecosofia de um novo tipo, ético-politica e estética, é que devemos ter em mente algumas ideias poéticas para o convívio entre os homens, suas culturas, etnias e diferenças sócio-político-econômicas.

Precisamos, segundo Guattari, nos tornar capazes de um "movimento de múltiplas faces dando lugar à instâncias e dispositivos ao mesmo tempo analíticos e produtores de subjetividade". Teremos de, rompendo alguns preconceitos e antigos "militantismos", nos tornar mais solidários, ao mesmo tempo que cada vez mais diferentes e múltiplos. Apesar do incômodo, toleraremos as presenças e diferenças de nossos "ESTRANHOS ÍMPARES", EMBORA DESIGUAIS, AFIRMANDO OS PRINCÍPIOS DE NOSSA IGUALDADE NO CAMPO DA DIGNIDADE E DO RESPEITO À VIDA.

Para atualizar meu desejo ecosófico com uma outra forma de afirmar os Direitos Humanos, trago o que considero uma das mais belas poesias sobre o que podemos vir a ser. Muito embora já devêssemos ter e ser nos tornado com esta suavidade poética, mais persistentes e resilientes.

 E, então, realizar o compromisso inadiável, na nossa História, para com as mudanças nas três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e políticas, e, profundamente, a da subjetividade humana.

No campo da produção da subjetividade, tanto individual quanto coletiva, ainda podemos buscar seu 'transbordamento', qual as enchentes que estamos ajudando a provocar, para fora das posições herméticas e os enclausuramentos egoístas ou identificatórios. Talvez aí possamos, poeticamente, encarar nossas transitoriedades, finitudes, nossas dores, nossos amores e desejos, nossas limitações, nossa morte.

Trago, hoje dia 10 de dezembro, para nossa reflexão o poeta Thiago de Mello, que talvez agora esteja lá no meio de sua Amazonas, preocupado com o futuro de seu pequeno igarapé ou das águas escuras, vastas, profundas e, quem sabe, ameaçadas do Rio Negro. Pois o Sertão pode virar Mar e o Mar virar Deserto...

"ESTATUTOS DO HOMEM


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem".


FONTES:

FELIX GUATTARI - AS TRÊS ECOLOGIAS - Papirus Editora, Campinas, SP, 1993.

THIAGO DE MELLO - ESTATUTOS DO HOMEM - Martins Fontes Editora - São Paulo - SP - 1980

PARA OUVIR O POETA DECLAMANDO SUA POESIA , EM MP3 - https://www.4shared.com/file/91688850/b83bb724/thiago_mello_estatutos_homem.html


LEIAM TAMBÉM NO BLOG - 

ONDE NASCEM E MORREM OS DIREITOS HUMANOS? 

A(s) Deficiência(s) é (são) uma QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS! https://infoativodefnet.blogspot.com/2018/12/as-deficiencias-esao-uma-questao-de.html 

InfoAtivo.DefNet 4314 - Ano 13 - 10/12/2009
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