Mostrando postagens com marcador Paralisia Cerebral. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paralisia Cerebral. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 2 de maio de 2012

INTERDIÇÃO, DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DIREITOS HUMANOS.

Imagem publicada- A foto colorida de um homem sorridente, inglês, que completou uma maratona após 41 dias, percorrendo apenas 1,5km por dia, com auxílio de um apoio especial para caminhar e uma equipe de amigos e familiares ao seu redor. A matéria não tem a ver diretamente com interdição, mas se pode supor o que teria acontecido com ele, caso fosse interditado, após o acidente que o levou a um quadro psicomotor semelhante a uma paralisia cerebral grave. Podemos dizer que, após um acidente, como o de Eddie Kidd, perdemos todas as nossas habilidades e capacidades? E, quando se trata de uma criança ou jovem com Síndrome de Down ou Paralisia Cerebral? A eles não é permitido, depois de diagnosticados/julgados "incapazes", de correr a corrida da Vida Livre e sem Interdições?

EU NÃO INTEDITO, NÓS NÃO OS INTERDITAMOS, PORÉM ELES AINDA INTERDITAM.

No dia 03 de maio será realizada uma audiência sobre a Interdição Legal total de pessoas com deficiência intelectual e pessoas com paralisia cerebral severa. Ocorrerá um debate proposto pelos deputados Mandetta (DEM-MS) e Rosinha da Adefal (PTdo B-AL).

O tema é de meu total interesse/dedicação há muitos anos. Já participei há mais de 15 anos atrás de um debate promovido no Centro Cultural Banco do Brasil, RJ, de uma acirrada discussão sobre a interdição total de pessoas com deficiência intelectual. Há época já manifestava minhas inquietações bioéticas e sociais sobre o tema.

A palavra interdição, para além de seu sentido legal, implica, para o senso comum, a restrição de alguns direitos fundamentais. É a proibição para os atos da vida civil por aqueles que forem considerados “incapazes”. Nessa perspectiva é que sempre interrogarei sua possibilidade, necessidade e sua aplicabilidade. Continuo sendo apenas um defensor ativista de direitos humanos ao refletir sobre ela.

Já há uma visão mundial sobre o tema. Foi expresso na Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual, em 2004, na cidade de Montreal, Canadá. Tive a oportunidade de traduzi-la para o português. Venho difundindo-a desde então para que possamos aprofundar e rever nossos preconceitos sobre as deficiências intelectuais e os sujeitos que as vivenciam.

E, lá fica claro que o paradigma que irá sustentar essa declaração que foi proposta pela OPAS/OMS, ambas no âmbito da medicina e da saúde, é o que irá ser o eixo principal do que se estabeleceu dois anos depois com a Convenção (ONU-2006). Em ambos os documentos os princípios fundadores são os Direitos Humanos. Mas que princípios norteariam uma interdição legal total?

Em princípio a palavra interdição vai de encontro com um dos direitos fundamentais, quando escolhe ou elege um ou mais sujeitos, a partir de sua condição de saúde, idade ou situação de vulnerabilidade. Os que estão, no momento, sendo o alvo dessa audiência são as pessoas com síndrome de Down e as com paralisias cerebrais graves.
No campo da Síndrome de Down já escrevi sobre sua autonomia e os exemplos de sua inclusão social só tem comprovado que são "cidadãos e cidadãs". No caso de pessoas com Paralisias Cerebrais ainda temos um campo nebuloso e confuso sobre sua classificação. O conceito de grave vai até onde?

É aí que há sempre o perigo do preconceito pela manutenção do paradigma biomédico. As pessoas com paralisias cerebrais são vistas, objetivadas, assujeitas e judicializadas como "doentes" ou "deficientes mentais".

Há sim quadros ou condições de saúde que levam a um maior número de restrições ou perdas de funcionalidade. Porém são em número muito menor a cada dia que passa. E, para o direito, na visão reducionista, são as pessoas “portadoras”, incapazes com “necessidades especiais”. Ainda não há uma abertura para os novos conceitos e visões sobre estes cidadãos/ãs, principalmente em algumas instâncias do Judiciário.

A noção de severidade dos quadros foi e é a maior justificativa também para o processo de institucionalização de pessoas com paralisias cerebrais ou síndrome de down. Ambos os quadros formaram o que se conceituava na CID-10 quadros de "retardamento mental". Há ainda muitos operadores do direito e profissionais da saúde que se baseiam nessas visões e conceitos arraigados erroneamente.

E para tais graves, moderados ou leves, ou então, historicamente, os imbecis, os débeis, os cretinos, ou, reducionisticamente, os retardados mentais, a melhor forma de cuidado e reabilitação só poderia ocorrer em espaços especializados e sob internação.

A maior defesa que já vi da interdição sempre foi direcionada por entidades que cuidam ou prestam assistência contínua a esses cidadãos e cidadãs sob reclusão. E a mais veemente foram as que famílias, principalmente mães, defendiam no sentido de “preservar o futuro” de seus filhos com deficiência considerada como “invalidez total”.

Mas o que é essa interdição judicial? Em pesquisa na Internet encontrei um dos documentos mais recentes sobre o tema. É do Chile (2011) e trata da “interdicción, proteción patrimonial y derechos humanos” (interdição, proteção patrimonial e direitos humanos). Nele se esclarece que a interdição é uma sentença judicial cujo efeito principal é a substituição das escolhas e decisões de uma pessoa com deficiência pelas de outra pessoa, que no direito recebe o nome de curador.

Esta figura está prevista também na Declaração de Montreal. Ressalta-se nela que “todas as pessoas com deficiências intelectuais são cidadãos plenos, iguais perante a lei e como tais devem exercer seus direitos com base no respeito nas diferenças e nas suas escolhas e decisões individuais”. Portanto, como na Convenção, estão garantidas as suas capacidades de decisão e escolha.

Então, considerando-se esta afirmação, em que condições poderiam ser solicitadas as interdições? Para a Declaração de Montreal: “A. As pessoas com deficiências intelectuais têm os mesmos direitos que outras pessoas de tomar decisões sobre suas próprias vidas. Mesmo que algumas pessoas possam ter dificuldades de fazer escolhas, formular decisões e comunicar suas preferências, elas podem tomar decisões acertadas para melhorar seu desenvolvimento pessoal, seus relacionamentos e sua participação nas suas comunidades;...”

É, então, o Estado que deverá proporcionar a proteção e a garantia de que estes cidadãos e cidadãs possam exercer, com os avanços legais e sócio-políticos, o acesso e utilização de serviços adequados que sejam baseados nas necessidades, assim como no direito ao consentimento informado e livre. 

Com os avanços em ajudas técnicas, tecnologias assistivas e outros recursos das novas tecnologias quem são os que não seriam “capazes” da expressão de suas vontades e decisões?

No presente e no futuro sabemos que ainda teremos muitos excluídos do mundo digital e das novas tecnologias de informação, e entre estes estarão muitos sujeitos com deficiência intelectual. Porém o nosso dever será o de, caminhando no desenho universal, atender todas as suas necessidades, especificidades, “disfuncionalidades” ou incapacidades, e, principalmente as suas singularidades.

Tanto para a Declaração de Montreal como em outros documentos de cunho universalista encontraremos que o exercício da curatela deve ser relativizado. Porém o que encontramos é uma dura realidade de manutenção de pessoas com deficiência intelectual ou com paralisia cerebral em regimes de cativeiros, hospitais ou espaços de segregação. Muitos deles promovidos pelas próprias famílias desses sujeitos assujeitados.

É, dentro dessa realidade, brasileira em especial, que precisamos garantir que “as pessoas com deficiências intelectuais devem ser apoiadas para que tomem suas decisões, as comuniquem e estas sejam respeitadas ...”

Com a recente tomada de posição do nosso Governo com o Plano Viver sem Limites, e a decisão de subsidiar as pesquisas e desenvolvimentos em tecnologias assistivas, deveremos olhar para o futuro na tomada de uma decisão legal de interdição.
Aqueles ou aquelas que, hoje, não estão podendo se expressar por meios já conhecidos, em futuro não muito longínquo, utilizará meios avançados e nada onerosos para a comunicação de suas opiniões, ideias, sentimentos e decisões.

Já em 2004, em Montreal se afirmava: “B. Sob nenhuma condição ou circunstância as pessoas com deficiências intelectuais devem ser consideradas totalmente incompetentes para tomar decisões baseadas apenas em sua deficiência. Somente em circunstâncias mais extraordinárias o direito legal das pessoas com deficiência intelectual para tomada de suas próprias decisões poderá ser legalmente interditado.”

Há, portanto uma expressão afirmativa do direito de pessoas com deficiência intelectual, ou mesmo com paralisia cerebral, que não devem ser sinônimos ou equivalências. A maioria das pessoas com paralisias cerebrais NÃO SÃO pessoas com deficiências intelectuais. Apenas uma porcentagem pequena poderá apresentar alterações cognitivas ou restrições de funcionalidade psicomotora que prejudicará sua interação e expressão ao meio ambiente.

Ambas as condições devem ser expressão de direitos humanos. Portanto direitos que são inalienáveis, indivisíveis, interdependentes, interelacionados e universais. E, se fundamentarmos, nesses princípios, a prática legal das interdições, a partir desse encontro e debate na Câmara dos Deputados, terá de abandonar o paradigma biomédico.

Surgirá, inclusive com a presença, que espero não falte de nossa ministra Maria do Rosário Nunes, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a efetivação dos Direitos Humanos como linha mestra de todos os novos modelos legais para pessoas com deficiência, sejam intelectuais ou não.

Lembrando a temporalidade vertiginosa em que vivemos, assim como as necessárias mudanças legais, os processos de interdição não devem ficar restritos aos laudos de peritos forenses ou psiquiatras. O nosso olhar médico nos leva para os ‘’mutirões’’ de ações de interdição, onde a Síndrome de Down está no mesmo nível que as pessoas com Doença de Alzheimer.Ainda trabalhamos com a CID-10 e desconhecemos a CIF-2006.

E as curatelas deverão ser de uma curta duração, principalmente aquelas que envolvem interesses patrimoniais ou alegações unicamente prestadas pelos familiares. Portanto, nesse campo é indispensável que o Estado e o Poder Judiciário observem que: “Qualquer interdição deverá ser por um período de tempo limitado, sujeito as revisões periódicas e, com respeito apenas a estas decisões, pelas quais será determinada uma autoridade independente, para determinar a capacidade legal”.

Finalmente, reforçando o que já foi declarado em Montreal, afirmar que: “C. A autoridade independente, acima mencionada, deve encontrar evidências claras e consistentes de que apesar dos apoios necessários, todas as alternativas restritivas de indicar e nomear um representante pessoal substituto foram, previamente, esgotadas. Esta autoridade independente deverá respeitar o direito a um processo jurídico, incluindo o direito individual de ser notificado, ser ouvido, apresentar provas ou testemunhos a seu favor, ser representado por um ou mais pessoas de sua confiança e escolha, para sustentar qualquer evidência em uma audiência, assim como apelar de qualquer decisão perante um tribunal superior”.

Era esse olhar para o futuro dos direitos humanos de pessoas com deficiência intelectual que há 08 anos se declarou. HOJE, como parte de um movimento para a afirmação política das pessoas com deficiência, qual visão futurista devemos criar em relação ao nosso próprio futuro?

Excelências, Meritíssimos, Ilustríssimos Senhores e Senhoras, que já conseguiram afirmar o direito sexual e reprodutivo das mulheres com a recente decisão do STJ sobre anencefalia, lhes faço um único pedido: - Eu, aqui cidadão brasileiro, desejo de coração que suas mentes continuem no processo evolutivo e transformador de todas as nossas leis.

Então, os “cida-downs” e os chamados de “paralíticos” poderão se orgulhar de um novo papel a exercer: serão os respeitados auto defensores dos seus direitos humanos. Não há como exercitar a cidadania sem um exercício de nossas autonomias e desejos mais profundos.

Comemorei, com minha família reunida, o 102º (centésimo segundo) aniversário de meu pai. Alguns devem se perguntar sobre sua capacidade de decisão, ou sua interdição. Com sua lucidez, garantida pelo desejo de vida, ainda é e será respeitado em suas decisões, mesmo as que nos pareçam estarem erradas ou contra nossa vontade.

Eu lhe perguntei se ainda irá acompanhar a sua querida Romaria a pé até Aparecida do Norte, distante mais de 300 km de minha cidade natal, ponderando sobre as baixas temperaturas e o risco de saúde de um ancião, e ele afirmativamente me respondeu: - “E por que não iria? Eu ainda não morri ...”. Ele irá como o maratonista com Paralisia Cerebral até o fim de sua jornada, seguindo sua fé e sua determinação/decisão.

E podem ter certeza de que ele, se interrogado for, afirmará como um desembargador que negou uma interdição recentemente noticiada: “De qualquer sorte, não se pode considerar a idade avançada do apelado (74 anos, atualmente) ou a preferência deste por um estilo de vida mais simples como motivos para interditá-lo. Veja-se, além disso, que velhice não se confunde com senilidade"...

Assim não podemos continuar confundindo a situação de deficiência com a noção de incapacidade total, para sempre, decretada. A interdição total deverá ser a exceção da exceção, e, ainda assim respeitar, antes que velhos códigos, a urgente ativação, transversalidade e implementação dos Direitos Humanos.

E, muito raramente, muito poucos, quase nenhum sujeito com deficiência intelectual ou com paralisia cerebral dita severa estará sendo submetido à perda de suas liberdades...

EU, NO FUTURO, ESPERO NÃO ME INTERDITAREI, NÓS NÃO SEREMOS INTERDITADOS, E ELES, TORNADOS MAIS JUSTOS E SÁBIOS, APRENDERÃO O QUE É SER/ESTAR INTERDITADO... POIS TODOS/TODAS, UM DIA, APRENDEMOS A VIVER/CONVIVER COM LIMITES...


Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012/2018- 2024 Ad infinitum (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

NA INTERNET – Fontes e notícias

Interdição legal de pessoas com deficiência intelectual será discutida em audiência
https://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/416052-INTERDICAO-LEGAL-DE-PESSOAS-COM-DEFICIENCIA-INTELECTUAL-SERA-DISCUTIDA-EM-AUDIENCIA.html

DECLARAÇÃO DE MONTREAL SOBRE A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
https://www.defnet.org.br/decl_montreal.htm

PLANO VIVER SEM LIMITES - Plano beneficia 45,6 milhões com deficiência https://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/11/17/plano-beneficia-45-6-milhoes-com-deficiencia

Tribunal nega pedido de interdição: velhice não se confunde com senilidade
https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=82239

Homem com paralisia cerebral completa Maratona de Londres após 51 dias 
https://www.estadao.com.br/noticias/internacional,homem-com-paralisia-cerebral-completa-maratona-de-londres-apos-51-dias,cional,homem-com-paralisia-cerebral-completa-maratona-de-londres-apos-51-dias,729002,0.htm

LEITURA INDICADA:

Derechos de las Personas com Discapacidad Mental *Chile (em PDF) https://www.senadis.gob.cl/descargas/centro/tematicos/manual_dicapMental.pdf

LEIA TAMBÉM NO BLOG: sobre Deficiências Intelectuais

DEFICIENTES INTELECTUAIS - Encarcerar é a solução final?   https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/deficientes-intelectuais-encarcerar-e.html

O MELHOR É A JAULA OU O GALINHEIRO? Deficientes intelectuais e o seu encarceramento
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/05/o-melhor-e-jaula-ou-o-galinheiro.html

INCLUSÃO/EXCLUSÃO - duas faces da mesma moeda deficitária? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/02/inclusaoexclusao-duas-faces-da-mesma.html

NÃO SOMOS ANORMAIS, SOMOS APENAS CIDA-DOWNS.... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/nao-somos-anormais-somos-apenas-cida.html

VULNERAÇÃO E MÍDIA NO COTIDIANO DAS DEFICIÊNCIAS
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/04/vulneracao-e-midia-no-cotidiano-das.html

domingo, 14 de agosto de 2011

AOS PAIS QUE APRENDERAM COM A(R) DOR AS PERDAS

Imagem Publicada - a foto colorida da capa do filme AS CHAVES DA CASA (com título em francês: Les Clefs de la Maison), com os atores Kim Rossi Stuart e Andrea Rossi, interpretando os papéis de pai e filho, com os rostos próximos. É a história de um filho com paralisia cerebral (Andrea Rossi), com 15 anos, que faz com que o pai tenha uma grande transformação e mudanças em seus preconceitos e culpabilizações. O pai (Kim Rossi Stuart) tem um encontro dramático com uma mãe de outra pessoa com deficiência, interpretada por Charlotte Rampling, que lhe faz superar suas velhas dores afetivas ligadas ao filho.


Minhas dores já se tornaram minhas velhas companheiras, me ensinam. 


Já disse, outro dia, que ainda vou escrever sobre as fagulhas e as agulhas das dores. Mas as minhas dores, hoje, são primordialmente físicas. As dores que eu vivencio, hoje, não se comparam as que guardo como pai. E, para os pais que aprenderam a viver e conviver com as suas dores mais recônditas, muitas vezes escondidas ou negadas, é que escrevo nesse chamado, também comercial, Dia dos Pais. Há pais que não ficam, nem ficarão, mesmo no carinho e amor de suas famílias, longe de suas dores... 


A dor que nos ensina vem de nossas experiências com nossos filhos. Escolhi dois filmes italianos, que gosto muito, para me lembrar da existência de pais que dificilmente se recuperam quando as perdas os atingem. Temos, provavelmente, muitos pais que, nesse momento, estarão perdendo seus filhos. Principalmente pelo que hoje vem sendo cometido contra a nossa juventude. Em algum lugar, em alguma cena triste ou de pesar, há alguém recebendo a notícia dessa perda inesquecível. O Dia dos Pais não nos exime de perder aqueles que nos homenageam hoje e sempre. 

O que me perguntei ao assistir o filme foi: As Chaves da Casa - onde estão as chaves??. Para ter "chaves" de uma casa primeiramente precisamos de ter uma "casa". A que me refiro e penso não é necessariamente do programa Minha Casa, Minha Vida, embora possa parecer título de cinema. É uma casa mais simbólica do que concreta e de concreto. É a casa construída dentro do imaginário e das nossas recordações. Onde podemos guardar/recordar de outro filme, outra história: O Quarto do Filho. 

Uma casa do passado onde as minhas, as suas e as perdas afetivas de filhos de alguns pais tem suas sombras, suas nuances e suas claridades possíveis. Lá estão guardadas as dores, na diferença de intensidade de cada um. Já escrevi: nós, pais, somos diversos além de diferentes. 

O primeiro filme. "As Chaves da Casa", em uma leitura simplista, pode parecer nos convidar para entrar em um universo sentimental que geralmente chamamos de lar. O filme, porém, nos traz uma abordagem da relação com a deficiência que precisa ser pensada, pois em um momento crucial do mesmo é afirmada mais uma vez a relação errônea entre Doença e Deficiência. 

A atriz Charlotte Rampling, mãe de uma moça com paralisia cerebral, que freqüenta o hospital onde se faz a reabilitação, dirige-se a Kim Rossi Stuart, no papel de pai de Paolo, o jovem filho, também com paralisia cerebral e lhe diz que ele “tem sorte, pois a doença o protegerá pelo resto da vida...”, e não foi erro de tradução, pois o italiano usado pelos atores é perfeitamente traduzível para nossa concepção de enfermidade. 

As deficiências, de nossos filhos, não são uma proteção eterna. Muito menos são doenças. Há uma relação a ser descoberta com o título dessa película. Acredito que o autor e diretor do filme quis nos levar a pensar primeiro em AUTONOMIA, pois quem tem todas as chaves da casa neste filme é o sujeito com deficiência. 

Paolo (Andrea Rossi) é que sabe das chaves, tendo inclusive uma chave para o ladrão. Ele também é o filho que foi "abandonado" pelo pai há muito tempo pois recebeu a culpa da morte de sua mãe. E, sendo um sujeito com uma deficiência, nos imprime também alguns temores, inclusive o de nossa igualdade na fragilidade física. 

Eis aí um prato cheio para uma psicanálise das fontes de culpabilização que se imputam aos pais de filhos com deficiência. O jovem Paolo nasce e sua mãe morre no parto. Ficam, então, o pai e o filho, separados por 15 anos, com o futuro para se aproximarem e, dolorosamente, aprenderem a amar um ao Outro. E, somente após seus lutos reconhecidos, poderão descortinar que não há nenhum vácuo, vazio ou ausência na morte. Há também possíveis re-nascimentos afetivos. 

São estes re-nascimentos afetivos que podem ajudar a cicatrização de nossas feridas. As mesmas que nos causam mais dores do que as físicas. As que surgem das perdas ou traumas com os nossos filhos. Há aí um exemplo fidedigno na belíssima obra de cinema: O Quarto do Filho (vencedor da Palma de Ouro e o Prémio FIPRESCI na 54ª edição do Festival de Cannes). 

Nesse filme de Nanni Moretti, diretor e protagonista, nos mostra o que um pai pode guardar da dor ao perder um filho. Ele interpreta um psicanalista que vive às voltas com seu trabalho analítico com a loucura, as neuroses, as fobias, e as dores dos outros. 

Ao ter seu filho morto em um acidente em uma praia, ao tempo em que trabalhava, passa a viver a dor da culpa de não estar ao lado dele. A dor que se mistura com culpa por não ter ''salvo'' o filho. Muitos pais já experimentaram essa amargura. A eles envio minha solidariedade, mas também meu aprendizado de transformação do luto em paixão pela vida. 

Uma lição sobre como não cair na mesma situação representada por Nanni Moretti. O seu psicanalista, Gianni, reencontra-se com a crise familiar diante da tragédia. Ele para de trabalhar com os outros e passa ao mais árduo dos trabalhos: a auto-análise crítica e a elaboração de sua perda filial. 

Os dois filmes italianos, mantidas as suas diferenças e propósitos, nos trazem nos títulos a presença de nossas vidas "intradomus", ou seja dentro da família, dentro de nossos lares e seus conflitos. Trazem também, como já disse, um outro tipo de "casa ou quarto". Trazem os sótãos e os porões de nossos inconscientes onde se abrigam ou se refugiam nossas dores, as nossas dores de amores perdidos. 

E a perda de um filho ou filha pode ser, hoje, a única lembrança de algum pai, em todos os lugares. A estes pais que não superaram as suas perdas, qualquer que sejam seus motivos, envio hoje um abraço doce, forte e caloroso. A eles dedico um pouco de minha lembrança do dia em que perdi meu filho Yuri. 

O aprendizado que meu filho me deu, assim como a dor de sua perda, têm me alimentado a resiliência vital. Em busca de uma outra forma de lidar com o que muita gente ainda considera uma "doença", ou seja uma 'deficiência' em um filho, aprendi que nós é que podemos nos adoecer e, até enlouquecer, se não re-conhecemos, para além de quaisquer profissões ou aprendizados, a sabedoria cotidiana de reverenciar nossos mortos. A sabedoria de aprendermos a morrer vivendo intensa e criativamente. 

E, COM ARDOR COMEMORAMOS, AMOROSAMENTE, NOSSO DIA... nossos dias... carpem diem... 

A TODOS OS PAIS e também às mães, em seus dias de não ficção cinematográfica da dor ou das perdas deixo minha poesia: 

NENHUMA MORTE DEVE SER EM VÃO

RÉQUIEM para um filho amado
Te procurei entre as nuvens
pela janela pequena dos meus olhos tristes...
Voando
Te procurei entre as nuvens, última esperanca
de vê-lo voando no tapete branco das nuvens
Mas não se distiguem os anjos das nuvens !
Não se pode ver o branco sobre o branco,
onde não há diferenças ou nuances
Nem mesmo com a dor-vontade de vê-lo agora
FILHO MEU ! filho que partiu como um devir entre as nuvens
Tuas diferenças e teu cândido olhar falante,
para além de todas as falas e palavras ditas,
me ensinou, e ensina ainda, a buscar além das nuvens
a sonhar com um mundo-céu-azul
onde as criancas de todas as cores, como você
e todas as outras tão diferentes, tão diversas,
nos ensinam que
só há um vôo a realizar,
APRENDER E ENSINAR A AMAR TODAS DIFERENÇAS
.

PARA YURI, o `TERNO` COM TODA TERNURA E AMOR DO SEU PAI Jorge Márcio Pereira de Andrade.
"O poema acima foi escrito hoje (15/04/2000) ao voltar de viagem,num avião, onde sómente a escrita pode dar conta da minha dor e paixão pela perda de meu filho, Yuri, com 13 anos,e uma pessoa muito especial, para além de ser paralisado cerebral ou pessoa com DEF - Distúrbio de Eficência Física" (www.defnet.org.br abril de 2000)

O MESMO RIO QUE NOS LEVA PODE TRAZER NOVAS ÁGUAS, E NÃO APENAS SEIXOS ROLANDO EM SEU FUNDO...

Filmes citados no texto:
AS CHAVES DA CASA
https://www.adorocinema.com/filmes/chaves-de-casa/
Título original: (Le Chiavi di Casa) Lançamento: 2004 (França, Alemanha, Itália) Direção: Gianni Amelio

Atores: Kim Rossi Stuart, Andrea Rossi, Charlotte Rampling, Alla Faerovich.

Duração: 105 min Gênero: Drama

O QUARTO DO FILHO - https://www.adorocinema.com/filmes/quarto-do-filho/

Título original: (La Stanza del Figlio) Lançamento: 2001 (Itália) Direção: Nanni Moretti

Atores: Nanni Moretti, Laura Morante, Jasmine Trinca, Giuseppe Sanfelice.

Duração: 98 min Gênero: Drama

 LEIA(M) TAMBÉM NO BLOG - 


 EXISTEM PAIS DIFERENTES OU DIVERSOS PAIS?
https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/08/existem-pais-diferentes-ou-diversos.html


O MUNDO ENVELHECE, AS INJUSTIÇAS AINDA PERSISTEM, E, ENTRETANTOS, O MEU PAI FAZ 102 ANOS https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/04/o-mundo-envelhece-as-injusticas-ainda.html

copyright - TODOS DIREITOS RESERVADOS.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

AS SEXUALIDADES NÃO SÃO "DEFICIENTES"...


Imagem publicada - a capa do Dvd do filme Nascido em 04 de Julho ( Born on the Fourth July) que está com o rosto do jovem soldado Ron Kovic, interpretado por Tom Cruise, entre as duas faixas de anúncio do filme, com uma bandeira dos Estados Unidos, com suas listas brancas e vermelhas alternadas, com seu azul cheio de estrelas, que lhe serve de fundo, de forma suave. O filme nos trará um drama sobre um jovem que vai à Guerra do Vietnã (1955-1975) em seu idealismo insuflado dos Anos 70, e, após ser ferido, torna-se paraplégico. Ao voltar ao seu país terá o confronto com a família, as perdas, sua nova condição humana, a exaltação de um heroísmo preso à sua cadeira de rodas. E, principalmente, enfrentará/sofrerá as mudanças de seu corpo e de sua sexualidade. Um tema que já havia sido tratado em outro premiado filme: Amargo Regresso (1978), título que também caberia nessa história e tema em repetição.

Sobre direitos sexuais e reprodutivos de pessoas com deficiência

Hoje revi e repensei sobre o filme Nascido em 04 de Julho (1989). Nesse mesmo momento a Bolsa de Nova York nos diz que o mundo hipercapitalista reconhece seu próprio risco econômico. Rebaixam o Império ao mesmo nível que rebaixaram o México que aparece no filme de Oliver Stone. Lá estão as mulheres mexicanas, prostituidas, que podem resgatar a virilidade perdida pelo personagem vivido por Tom Cruise, "paralítico", impotente e veterano de guerra.

Uma mulher, representada no filme com o nome Maria Helena, protagoniza uma das melhores cenas, quando o faz descobrir que, apesar de sua paraplegia, há muito que sentir quando a sensibilidade e o desejo se cruzam em um encontro sexual. Para além de todas as repressões e impotências.

Estamos, hoje, está em um patamar bem diferente dos tempos vividos pelo personagem do filme. Relembro, eram tristemente , tempos de Vietnã, os famosos Anos 70 da economia de guerra para os EUA e dos Anos de Chumbo da Ditadura por aqui. Os soldados mutilados lá, os torturados por aqui... E o sexo aprisionado apenas nos bordéis para os que se tornavam marginalizados ou párias.

Estes tempos que ainda se repetem, com novos slogans, com novas Vidas Nuas sendo tratadas como matáveis. Diziam, à época: ..."se você não ama os EUA, caiam fora daqui..., replicamos isso em nossa Terra Brasilis: " Ame-o ou Deixe-o". Mas também dizíamos: "Peace and Love". O modelo conservador conseguiu não dar uma chance à Paz e ainda mantemos a negação da repressão que atravessa nossos corpos, agora transparentes e líquidos.

Hoje, em tempos de hiperexposição dos corpos, as formas de reprimir e disciplinar são bem mais sutis e não tão disciplinadoras, somos menos libertários. Caminhamos, como já disse, mais para a antipatia pelo Outro do que para uma empatia que nos preserve, em direitos iguais, com o direito à Diferença e à heterogeneidade. As pessoas com deficiência, por suas diferenças visíveis ou conotadas, além dos sentimentos eugenistas, ainda são sexualmente segregadas?

A existência de vida sexual para as pessoas com deficiência e seus direitos reprodutivos já são um tema que já abordei. Este filme integrou um projeto de levar os cegos ao cinema. Foi em 1998, no IAB, Instituto dos Arquitetos do Brasil, quando organizei, pelo DefNet, um Ciclo de Cinema e Pessoas com Deficiência, cujo nome já indicava nosso sonho: "Um Olhar para Além do Olhar".

Era a tentativa de provar que pessoas com deficiência visual poderiam frequentar e ''ver'' filmes. Criamos uma figura: os ''ledores de cinema''. Era uma incipiente tentativa de audiodescrever o que se passava na tela. Era também a tentativa de abordar temas que suscitassem polêmica, debate e reflexão. A questão da sexualidade negada de pessoas com deficiência foi, à época, trazida pelo Nascido em 04 de Julho.

Resgatar esse filme, hoje, me trouxe para o que há de atual ainda em seu modelo denúncia e crítica. Atualmente as nossas ''guerras'' são mais sofisticadas tecnologicamente, e os veteranos já estão sendo projetados como futuros ''avatares''. As suas cadeiras de rodas e seus corpos podem ser reciclados. Porém, me pergunto se perduraram os preconceitos quantos às suas sexualidades? Sim, devemos dizer retumbantemente.

Nossos tempos são de homofobias, xenofobias e, exagerando, ''deficientefobias''. O que diriam os vereadores paulistanos, em recente reação ao Dia do Orgulho Gay, se soubessem que muitas pessoas com deficiência são gays? Na sua intolerância, disfarçada de "democracia", iriam, demagogicamente, propor um projeto de lei "especial" para o Dia do Orgulho dos Heteros Deficientes?

Ainda passamos com um carro denominado Progresso, Ordem e Intolerância sobre o corpo-social de Pasolinis? Precisamos estilhacar e despedaçar o corpo-guerreiro de Aquiles para provar que nossas novas e americanas Tróias imperiais, conservadoras e belicosas são, apesar de derrotadas, eternas? Precisamos de corpos-serializados e perfeitos para provar para Breivik (ing)* e seu ''povo eleito'' que o terror não inibirá o desejo e muito menos a vida amorosa e sexual dos diferentes ou miscigenados? Precisamos de corpos-disciplinados, em reality-shows, competitivamente esculpidos em formas ideais, para provar que só podem fazer sexo aqueles que forem considerados "video-normais"?

Estes dias republiquei uma matéria de um vereador de Salvador que deseja ver os motéis de sua cidade acessíveis para as pessoas com deficiência. Veio em boa hora, um lembrete para que todas as cidades, seus políticos e cidadãos se lembrem da existência de uma considerável parte de suas populações: as pessoas com deficiência. E elas desejam, sentem, aspiram, respiram e fazem sexo. Assim também se amam ou não...

A proposta propõe a acessibilidade em motéis e hotéis da capital baiana, agora tramita na Câmara Municipal de Salvador. A proposta é de autoria do vereador Henrique Carballal (PT). Os estabelecimentos, hotéis e motéis, com mais de 20 leitos seriam obrigados a realizar adaptações para beneficiar pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida.

a Enquanto a lei não os obriga, imaginemos uma nova cena para a sexualidade livre de pessoas com deficiência. Outro dia um amigo mineiro, com histórica vivência de Paralisia Cerebral, me consultava se não seria motivo de prisão o fato, não ocorrido, de que sua namorada o levasse a um motel. Como ele é pessoa com paralisia cerebral, e tendo alguma dificuldade para explicar em palavras seus atos e desejos, como ficaria quando ele pedisse uma máquina de escrever, como aquela da Gaby, no filme Uma História Verdadeira, para explicar seu tesão e desejo pela namorada, que não é uma pessoa com deficiência??.

Então, ele começaria a digitar, hipoteticamente, com o pé esquerdo, a seguinte mensagem: " - Eu estou aqui por livre e espontânea vontade. Ela não me obrigou ou obrigará a fazer quaisquer dos atos libidinosos que nós dois estamos intensamente desejantes.


 EU TAMBÉM QUERO AMAR E SER AMADO, COM TODA INTENSIDADE QUE QUALQUER OUTRO SER HUMANO. E, caso ela fique grávida eu terei o maior prazer de me tornar pai e ajudar a cuidar de nosso filho. Apesar que isso não acontecerá, pois eu já aprendi a usar preservativos há muito tempo. Sei que pessoas com deficiência vivem também nos tempos da Aids. 


Portanto, caros senhores e senhoras, seres cinzentos da Censura e da falsa Moral, não há porque me manter em uma posição de dependência e total vulnerabilidade. Não continuem negando minha existência com direito às diferentes formas de sexualidade humana. Sou eu quem pediu para vir a este motel, aliás, inacessível..."

Somos, então, Diferentes, não somos desiguais em direitos. Semelhantes? sempre seremos, em muitos desejos. Por isso, reafirmamos, não somos assexuados. Somos parte de uma diversidade humana que, em suas pluralidades e singularidades, também afirmam como o poeta: Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amar. A(s) Sexualidade(s) não são deficientes nem deficitárias: são as expressões máximas da vida, quando são livres das amarras de nossos íntimos preconceitos ou temores.

O maior cuidado é quando nos tornam apenas objetos, Vidas Nuas. É quando passamos a vítimas de violências, inclusive, e, principalmente, meninas e mulheres com deficiências.

O tema é vasto, profundo, polêmico e necessário. Não se esgotará neste texto. Apenas espero que muitos jovens com deficiência, sem distinção de suas orientações e escolhas sexuais, possam gozar dos mesmos direitos sexuais e reprodutivos de todos os outros jovens daqui, dali e de todo o mundo. E que todos os motéis possam descobrir esses novos e prazeirosos frequentadores. E a acessbilidade deixe de ser apenas a remoção das barreiras físicas e arquitetônicas...

PS - Em tempo, sobre o projeto do vereador -
Segundo o Decreto 5296, de 2004, todos os hotéis, motéis, pousadas ou abrigos deveriam já devem estar com plena acessibilidade para as pessoasa com deficiência.
Segundo a lei: Art. 8o 

Para os fins de acessibilidade, considera-se: I - acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida

VII - edificações de uso coletivo: aquelas destinadas às atividades de natureza comercial, hoteleira, cultural, esportiva, financeira, turística, recreativa, social, religiosa, educacional, industrial e de saúde, inclusive as edificações de prestação de serviços de atividades da mesma natureza;


IMPRESCINDÍVEL LEITURA E APLICAÇÃO: DECRETO Nº 5.296 DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 ( favor citar o autor e as fontes em republicações livres na Internet e outros meios de comunicação de massa TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Indicações para LEITURA
A Revolução Sexual sobre Rodas" (Ed. Nome da Rosa ) - Fabiano Pulhman

A sexualidade da pessoa com deficiência - Leandra Migotto Certeza -
https://www.inclusive.org.br/?p=12340

Inclusão e Sexualidade: na voz de pessoas com deficiência -Ana Cláudia Bortozolli Maia (Editora Juruá) https://www.jurua.com.br

Indicações de publicações na Internet -
VEREADOR QUER MAIS ACESSIBILIDADE NOS MOTÉIS 
https://www.otabuleiro.com.br/blog/?p=11803

Vereador quer acesso para deficientes em Motéis -
https://www.bahianoticias.com.br/noticias/noticia/2011/08/05/99306,vereador-quer-acesso-para-deficientes-em-moteis.html#

Direitos (Sexuais e Reprodutivos) da pessoa com deficiência serão discutidos em seminário (no Piauí)
https://180graus.com/geral/direitos-da-pessoa-com-deficiencia-serao-discutidos-em-seminario-446318.html

Brasil: Orgulho Hétero ou Intolerância Homo?
https://pt.globalvoicesonline.org/2011/08/07/brasil-orgulho-hetero-intolerancia-lgbt/

Dica de filme: “Nascido em 4 de julho” - Diretor: Oliver Stone (1989) - Guia Inclusivo
https://www.guiainclusivo.com.br/2011/07/dica-de-filme-%E2%80%9C nascido-em-4-de-julho%E2%80%9D/

Gaby - Um História Verdadeira - Diretor: Luis Mandocki (1987)
https://incluirse.blogspot.com/2009/06/gaby-uma-historia-verdadeira.html

Alguns Blogs indicados sobre o tema:
Ações e reflexões sobre aids e deficiência: diferentes vozes
https://aidsedeficiencia2010.blogspot.com/

Sexo Eficiente https://sexualidadeficiente.blogspot.com/

Mão na Roda - Motel adaptado no Rio! https://maonarodablog.com.br/2010/02/26/motel-adaptado-no-rio/

¨*SOBRE  O TERRORISTA NORUEGUÊS BREIVIKING - Leia também no blog -
A TOLERÂNCIA É MAIS QUE UM BACALHAU NO MEU FEIJÃO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/07/tolerancia-e-mais-que-um-bacalhau-no.html

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A AMIZADE COMO ALICERCE DA INCLUSÃO ESCOLAR - Saindo das fraldas?

imagem publicada - uma foto colorida de três meninos indianos, em Salesian, Índia, que me traduz em seus sorrisos largos e doces, assim como na mão, pousada por um deles no ombro do primeiro da foto, a captura e representação imagética de um dos mais profundos sentimentos que se constroem para e com a vida humana: a amizade. Um sentimento que D. H. Lawrence em sua poesia considerava 'mais profundo que o amor'.


'A VERDADEIRA AMIZADE É A OPOSIÇÃO'...William Blake (1757-1827)

Há um ano atrás escrevi um dos posts, texto deste blog, mais comentados e acessados até agora. Ele tratava da Inclusão Escolar. Indagava sobre a utilização de fraldas pelo processo inclusivo. Perguntava sobre os modos e meios de uso das novas tecnologias e cuidados para inventar novos e criativos modos de efetivação do direito à educação. Um ano passou, novos acontecimentos, novas descobertas, novos avanços, mas ainda permanecem questões sobre o que é e como incluir pessoas com deficiência no ensino regular.

Uma das questões que mais me atormentam é a das barreiras educacionais que ainda permanecem quanto às pessoas com Paralisias Cerebrais. Principalmente quando se trata dos chamados ''casos graves e institucionalizados''. Creio que estas são mais intensas e mais sutis que as apresentadas pelas resistências da chamada Comunidade Surda ou pelos demais sujeitos com deficiência que defendem escolas especiais.

A escola enquanto um dispositivo, seguindo o pensamento de Giorgio Agamben, é apenas uma interface entre os seres viventes e o mundo (as substâncias que nos cercam ou cerceiam) que produz, em serialização, o que chamamos de sujeitos. O processo de inclusão/exclusão não ocorre apenas 'entre os muros da escola'. 

Depois de Realengo e seus tiros reais não mais podemos crer que possamos tornar a escola e os múltiplos ambientes totalmente responsáveis pela formação de um sujeito. A educação é que precisa ampliar seu campo de atuação e de intervenção na formação de cidadãos e cidadãs, plenos, críticos e amorosos.

Há no campo educacional uma resistência maior provocada, no ato de incluir, quando se trabalha com a heterogeneidade de condições físicas, mentais e de linguagem que um sujeito com paralisia cerebral apresenta. A maioria das mensagens, comunicações ou notícias que leio, e depois retransmito, apontam para uma permanência de um modelo biomédico e reabilitador para as pessoas com paralisias cerebrais. Seja dentro de escolas, onde poucos permanecem ou têm acesso, ou nos centros de reabilitação e, principalmente, nas chamadas entidades que os mantêm em internação ad infinitum.

A mais recente notícia é: "portador de paralisia cerebral escreve livro contando sua história". È a de um homem de 40 anos, Dudu, que, segundo as descrições: " ...nasceu com paralisia cerebral grave (coreoatetóide com quadro de disartria) além de apresentar semi-dependência nas mais simples atividades do dia a dia". Ele conseguiu lançar um livro: "Minha Casa Verde", onde nos conta "ao longo de 47 páginas" a história de uma vida dentro e fora da instituição.

Este sujeito vive e é cuidado em uma entidade filantrópica. No texto diz-se sobre sua condição de paralisia cerebral: "Traduzindo: ele não sabe ler nem escrever e sua fala é desarticulada, o que dificulta a compreensão de quem ouve. Também não consegue realizar as mais simples tarefas pessoais, como tomar banho, trocar de roupa e nem mesmo se alimenta sem ajuda". 

Pergunto, então, aos 40 ele ainda usa fraldas? talvez sim ou não. Mas o mais importante é que ele é muito parecido com muitos amigos ditos P.C que conquistei. Segundo a reportagem é "dono de um carisma excepcional e de uma força de vontade inabalável, de levar adiante seu grande sonho...". Os amigos e amigas conhecidos e conquistados na minha história também o são.

Ele nessa busca de realização tem as mesmas características de Ronaldos, de Suelys, de Edgars, de Priscilas, de Sachas, de Carolinas, de Eduardos, de Malus, de mais de um amigo ou amiga que conheci ou vivo tentando re-conhecer. Todos eles e elas receberam o ''diagnóstico'' de Paralisia Cerebral. O que os diferencia de Dudu da Casa Verde?? Eles tiveram a chance de frequentar uma escola, pelo menos por um bom período, de conviver com uma família, completar um curso, terminar uma faculdade ou não, mas todos são amigos de amigos. Passaram e/ou ainda passam por processos de reabilitação, mas não ficaram 'pacientes'.

Eles e elas estiveram buscando com garra sair das imobilidades físicas geradas por seus diferentes quadros neuromotores. Fundamentalmente, também, são tão carismáticos e sonhadores como Dudu. Mas nenhum deles esteve ou está internado em uma instituição de reabilitação. Eles e elas não são menos e nem mais ''paralisados" que o Edu. São e foram apenas mantidos em plena inclusão social, com todas as barreiras e dificuldades que este processo apresenta e re-apresenta para pessoas com deficiência.

O sujeito Dudu está há muitos anos em uma Casa Verde. O mesmo nome que Machado de Assis deu ao local de confinamento dos ''alienados mentais'' do seu Alienista(1882). Ele nunca saiu de lá, pelo menos é o que nos diz a reportagem, assim como os demais 205 pacientes (internos). A sua possível melhor "amiga", Claudinha, está lá há mais de 20 anos. E o que me faz pensar que talvez possamos um dia ter espaços de desinstitucionalização que não se digam amigos de pessoas tão carismáticas, porém mantidas, filantropicamente, tão institucionalizadas como milhares de outros dudus pelo Brasil a dentro. 

Retornando a Agamben precisamos afirmar que: "O amigo não é um outro eu, mas uma alteridade imanente na 'mesmidade', um tornar-se outro do mesmo. No ponto em que eu percebo a minha existência como doce, a minha sensação é atravessado por um com-sentir que a desloca e deporta para o amigo, para o outro mesmo. A amizade é essa des-subjetivação no coração mesmo da sensação mais íntima de si."

Aqueles que só têm muitos amigos institucionalizados não "têm" nenhum amigo. Por isso é que o processo de educar para a inclusão irrestrita do Outro, da Alteridade e da Diferença de mim e do meu Eu, pode ser o devir e é o princípio de uma educação fundamentada em Direitos Humanos. 

É uma educação potencialmente instituinte que pode subverter os endurecimentos afetivos que alimentam bullyings, rejeições, escárnios, apelidos ou discriminações. É nos corações que perderam a doçura que podemos alimentar os ódios raciais, étnicos, homofóbicos, xenofóbicos ou deficiente-fóbicos. Não há nesses espaços de dis-córdia, como produção de subjetividade, a possibilidade da empatia e do re-conhecimento do Outro.

Por isso defendi, defendo a busca de uma Educação Inclusiva e Diferente da que estamos vivenciando, nesse momento macropolítico, com tantas resistências e discursos de oposição. Cada segmento buscando a defesa de suas conquistas históricas. Cada forma de ser e estar com uma deficiência afirmando suas singularidades e seus direitos. Defendo, e ,docemente, creio, que todos poderíamos aprender muito mais se frequentássemos, com 'phylia', a desinstitucionalização de nossos feudos ou espaços segregados ou segregantes. 

Quais são, então, os pilares da Educação no século XXI? Para além do aprender a aprender, há ênfase, entre estes, da amizade e o aprender a ser/estar amigo?

Uma pergunta final: quantos amigos ou amigas, mesmo que como oposição, tinha o jovem Wellington ?? Aquele jovem e futuro serial killer que denunciava o bullying em vídeo, e que aprendeu apenas o desprezo que alguns con-sentem, fanaticamente, pela vida alheia. Aquele mesmo e idêntico escolar que sacrificou 13 jovens alunos em nossa Columbine Realengo. Aquele dos tiros reais, em um local/dispositivo onde se espera que aprendamos a fazer o oposto da exclusão e da Morte: a Escola de e para a Vida.

Assinado: Dr. Simão Bacamarte

Em tempo: lembrar que Paralisia Cerebral não é uma doença, e que os sujeitos com esta condição não são doentes ou portadores de uma encefalopatia,apesar de serem tratados e diagnosticados assim, baseando-se apenas no modelo biomédico. As paralisias cerebrais são as resultantes, diferenciadas, em graus variados, de uma lesão cerebral que lhes causou uma anóxia ou hipóxia antes, durante ou após o parto, sendo um grande número consequência de toco traumatismos no momento do parto.

Hoje 07 de julho há um manifesto de apoio à Educação Inclusiva a ser apoiado, amanhã esperamos haja a manifestação de uma Sociedade indignada e crítica que se lembre desses ''diferentes'' que ainda permanecem em restrição de seu direito humano e inalienável à Educação, para além de quaisquer gravidades ou profundidades de suas sequelas ou incapacidades físicas, sensoriais ou mentais. E, teremos Dudus escrevinhadores com ponteiras eletrônicas e rastreadores de movimentos de pálpebras que se tornarão os livros digitais e acessíveis para todos e todas.


copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 e ad infinitum (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa, com todos os direitos reservados 2025)

Referência no texto:
O que é o Contemporâneo? e outros ensaios
- Giorgio Agamben, Ed.Argos/UniChapecó, Chapecó, SC, 2010.


O Alienista - Machado de Assis - http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Alienista
https://www.livrosgratis.net/download/1826/o-alienista-machado-de-assis.html

Matéria citada e fonte:
Portador de paralisia cerebral grave escreve livro contando sua
história https://www.ogirassol.com.br/paginaviver.php?idnoticia=27093


Entidades de direitos humanos manifestam apoio à educação inclusiva https://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16844

Leiam também no Blog:
A INCLUSÃO ESCOLAR AINDA USA FRALDAS?

https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/07/inclusao-escolar-ainda-usa-fraldas.html

O SURDO, O CEGO E O ELEFANTE BRANCO

https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/05/o-surdo-o-cego-e-o-elefante-branco.html

INCLUSÃO/EXCLUSÃO - duas faces da mesma moeda deficitária?
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/02/inclusaoexclusao-duas-faces-da-mesma.html


INCLUSÃO, RACISMO E DIFERENÇA

https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/05/inclusao-racismo-e-diferenca.html

TIROS REAIS EM REALENGO - A Violência é uma Péssima Pedagoga

https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

FREUD E A "INVENÇÃO" DA PARALISIA CEREBRAL

imagem publicada _ uma arte em mosaico representando o rosto de Sigmund Freud (1856-1939), criador e fundador da Psicanálise. Retratado com um homem branco, já envelhecido, de barba, bigode e cavanhaque, composto por muitos fragmentos multicoloridos, que simbolizam a multiplicidade e heterogeneidade do que entendemos como ser humano, segundo minha compreensão deste mosaico.


"Em minha juventude, não conheci outro desejo que o do saber filosófico, anelo que estou a ponto de realizar agora, quando me disponho a passar da medicina à psicologia. Cheguei a ser terapeuta contra a minha vontade..." ( Viena, 02/04/1896, carta ao seu amigo Fliess)

A 'confissão' acima revela um homem que trouxe, nesses anos vitorianos, uma luz no fim do século XIX. Uma luz que ainda não se apagou. Uma centelha que iluminou as ciências médicas e, que por seu conteúdo paradigmático, abalou muitas 'verdades científicas', ainda abala e, ainda incomodará a quem " acreditar que a ciência consiste apenas em proposições definitivamente provadas" .
A conversão de um conceito médico em verdade científica deveria passar pelo mesmo método de descoberta de novos campos do conhecimento da mente. Assim o fez Sigmund Freud no entardecer do século XIX. Nesse período histórico de 1877, desde sua pesquisa sobre enguias e seu órgão reprodutor, até o ano de 1897, com seu último texto considerado do período "pré-analítico", ocorre o que chamo do período 'biomédico' de Freud.

A sua virada e ruptura de paradigmas com a Medicina estavam em ebulição. A revolução do inconsciente freudiano fervilhava dentro do próprio jovem judeu austríaco. Uma mutação de conceitos que, o neurologista e aspirante a uma visão não fisicalista da Vida e do corpo/mente humanos, vivenciou. Revolução que foi inicialmente marginalizada nos meios acadêmicos vienenses.

Este último escrito biomédico do pai da Psicanálise intitula-se: "Paralisia Cerebral Infantil". Foi publicado em Viena e nele, Freud esclarece que o nome "paralisia cerebral infantil" é um "nomen propium" que designa a paralisia infantil de origem cerebral. Esta distinção é porque ele já havia escrito sobre outras 'paralisias', inclusive sobre as que geraram a fonte inesgotável de sua descoberta/invenção da Psicanálise: as paralisias histéricas.

Muitas das mensagens que recebi e recebo sobre paralisia cerebral me fazem pensar o quanto não temos compreensão sobre seu histórico e história. E mais ainda que o termo não expressa terminologicamente o que realmente é vivido, sentido e experimentado pelos sujeitos que a vivenciam. Ainda cercada pelo seu nome próprio freudiano, a PC é herdeira de um preconceito e visão puramente biomédica, que restringiu sua heteregeneidade e multiplicidade de formas e modos de ser como uma deficiência.

A invenção do termo é de 1897. Isso mesmo, a "invenção", pois foi um termo criado por Sigmund Freud para diferenciar as "diplegias cerebrais da infância" (em relação à 'Doença de Little'), seu trabalho publicado anteriormente em 1883, nos Beiträge Zur Kinderheilkunde de Kassowitz. Freud, nesse trabalho faz um histórico da diplegia cerebral, e a distingue das formas surgidas em adultos, não encontrando equivalentes na neuropatologia da maturidade. Os escritos chamados de "pré-analíticos" de Freud podem nos conduzir à uma relação surpreendente, pois há aí a passagem do neurocientista para o psicanalista.

Há em um artigo de 1891 as primeiras marcas que indicam a superação paradigmática do modelo médico de pensar e criar freudiano. Ele faz distinções sobre as formas de Paralisia, já com a distinção entre paralisias histéricas, cujas manifestações são, para ele, nessa época, interrupções de funções corporais, quando o 'aparelho da linguagem' (Sprachaparat) for atingido.

Segundo as pesquisas que venho realizando há muitos anos sobre a conceituação das paralisias cerebrais, no plural, é preciso um esforço enorme para a mudança desse nome/pre-conceito que foi colado há mais de 01 século nas pessoas ditas 'paralíticas cerebrais'.
Quando a denominou, Freud estava construindo mais uma diferenciação, caminhando já longe de um olhar puramente neurológico, como o de Meynert ou outros conservadores de um olhar puramente 'médico' para uma palavra artificial (kunstwort) usada como etiqueta, rótulo, para agrupar um número incerto do que se considerava, à época, uma doença.

Para Freud os nomes das doenças utilizados naquela época seriam equívocos. Em um brilhante filme de John Huston: Freud Além da Alma, podemos ver um momento (mesmo que cinematograficamente ficcional) das divergências de um jovem médico, Freud, com o olhar estigmatizante de um velho professor médico para com uma mulher considerada uma histérica. A cena é reveladora do que iria provocar naquele jovem médico, o desejo de ir além dos preceitos e dos pre-conceitos médicos que o cercavam e cerceavam.

O texto de 1897 de Freud pode e deve ser ' relido' assim como propuseram uma releitura de seus princípios fundadores da Psicanálise. Ao analisar casos de hemiplegia e diplegia, Freud reconheceu, a diferença de Little, nome mais associado à Paralisia Cerebral, que a lesão cerebral que a gerou ocorre em um cérebro que ainda não concretizou todo seu desenvolvimento.

Eis aí mais uma das interelações desse pensar proto-freudiano sobre a neuroplasticidade cerebral. Um século antes das afirmações de neurocientistas, ele afirma que na clínica dos casos estudados não há nunca a expressão direta de uma lesão anatômica. Esta passa por um distúrbio de função, sabidamente pela questão da hipóxia ou anóxia do Sistema Nervoso Central, e serão os neurônios que deverão ser levados em consideração.

Por isso estou fazendo este resgate freudiando do nome próprio que foi inventado por Freud para descrever o que Karel Bobath nos confirmou, e uma das muitas conceituações, ao dizer: "Paralisia cerebral é o resultado de uma lesão ou mau desenvolvimento do cérebro, de caráter não progressivo, existindo desde a infância. A deficiência motora se expressa em padrões anormais de postura e movimentos, associados com o tônus postural anormal. A lesão que atinge o cérebro quando ainda é imaturo interfere com o desenvolvimento motor normal da criança."

Aí se construiu uma conceituação que vem sendo modificada e novos nomes próprios sendo inventados. Lamento que ainda milhares de professores, doutores, especialistas, jornalistas, operadores dos direitos e, inclusive, familiares e pais/mães, continuem nomeando estes sujeitos com ultrapassados/caducos/reducionistas nomes: 'encefalopatia crônica da infância' (eles nunca irão amadurecer e crescer, além de serem 'doentes', com o cérebro lesado, coitados....), ou " portadores de DCO - dismotria cerebral ontogenética" ( 'sofrem' de uma 'doença neurológica' que afeta seus movimentos e lhes limita cronicamente para a vida 'normal', e ainda levanta a possibilidade de heredológicamene ser transmitida, no caso de uma leitura apressada do termo 'ontogenética' por quem não domina estas terminologias).

Procuremos no Google e teremos uma infinidade de nomes para uma única condição humana, de ampla heteronegeidade, e polissêmica na sua origem histórica. Não há uma paralisia cerebral mas milhares de ' paralisias cerebrais'. Daí nasceu o DefNet e o uso no plural desse termo. Só no dia de hoje encontrei 450.000 referências para a pesquisa sobre: conceito de paralisia cerebral. Experimentem pesquisar, pois há muitas 'pérolas' de definição, indo das clássicas às estigmatizantes.

Este texto é uma homenagem a algumas pessoas que são tratadas como 'paralisadas': Luana, Ronaldo, Suely, Edgar, Priscila, Sacha, Cida, Carolina, Guilherme e todos os 'pés esquerdos' que não precisam e nem devem ser tratados como 'exceção'.

E se assim forem vistos, dissociadamente de sua humanidade e diferenças, são e serão apenas Vidas Nuas, portanto inúteis, matáveis. E, para além de nosso olhar de repugnância ou preconceito, reforçados pelos estereótipos, para com seus ''espasmos, alterações neuro motoras, fala e contorções'', serão sempre ''paralisados''... imobilizados por nossa concepção pré-analítica, ou seja, nomeados dentro do modelo biomédico ou reabilitador.

Já dizia, András Petö, criador da Educação Condutiva, lá em Budapeste, nos anos 40, sobre sua principal descoberta, aliada aos seus conhecimentos de Piaget e Luria, que:" tanto a criança como o adulto são capazes de APRENDER e QUEREM APRENDER apesar de seu sistema nervoso poder estar severamente lesado, no sentido anatômico, como no caso das Paralisias Cerebrais", assim como todos e todas queremos aprender. E nós queremos aprender a aprender um novo modo de desconstruir a concepção paralisada no tempo sobre estes distúrbios da eficiência física?

Nomear é, em uma visão puramente clínica, e não klínica, um rémedio médico para que saibamos quem é o paciente, onde está a doença, como dar um nome confortável à este indecifrável e doloroso Outro, essa diferença que insiste em nos incomodar...

"Não desejo suscitar convicções, o que desejo é estimular o pensamento e derrubar preconceitos." Sigmund Freud

Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 (favor citar a fonte e o autor(es) em republicações livres na Internet ou por outros meios de mídia)

Sigmund Freud - Biografia

Referências Bibliográficas -

Freud e o Iídiche - O pré-analítico - Max Kohn - Editora Imago, Rio de Janeiro, RJ, 1994.

Freud: a trama dos conceitos - Renato Mezan - Editora Perspectiva, São Paulo, SP, 1982.
A Deficiência Motora em pacientes com Paralisia Cerebral - Karel Bobath, Editora Manole ltda, São Paulo, SP, 1989.

Freud Além da Alma - filme de Jonh Huston, roteiro trabalhado por Sartre, produzido em 1962, com varias indicações de prêmios.

Sobre Educação Condutiva - http://www.defnet.org.br/pcatu03.htm (atualmente fora do ar por falta de provedor e apoio para o DEFNET  Banco de dados sobre e para pessoas com dEficiências, criado em 1994) InfoATIVO DEFNET  número 4466 - agosto/setembro de 2010

LEIA TAMBÉM NO BLOG - 

O NOSSO MAL ESTAR EM FREUD, EM TEMPOS BBB 

domingo, 4 de julho de 2010

A INCLUSÃO ESCOLAR AINDA USA FRALDAS?


IMAGEM - foto de Dan Keplinger, pintando um quadro com sua cabeça através de um pincel extenso, hoje artista consagrado, que teve sua vida documentada e premiada no filme KING GIMP, Oscar de melhor documentário de 2000, realizado por Susan Hadary e Whiteford William. Dan foi o roteirista de seu documentário e nos dá uma lição de superação e de criatividade, demonstrando a importância da singularização do uso de novas tecnologias no processo de inclusão escolar, revelando-se, humanamente, rico e plural na sua vivência como um sujeito com paralisia cerebral.

INCLUSÃO&ACESSIBILIDADE
VIDA ESCOLAR E AS TECNOLOGIAS ASSISTIVAS AMBIENTAIS

A partir da indagação da Profª Drª Regina de O. Heidrich, uma amiga que trabalha com crianças e jovens com paralisia cerebral, de como resolver uma questão, aparentemente simples: "...como e quem deve levar uma pessoa com paralisia cerebral, jovem com 14 anos, ao banheiro da escola, se ele tem a altura de 1,80, e a temperatura aqui é de muito frio, é Inverno, mas no verão chegamos aos 40º... ?", e, diante dessas condições e dificuldades "muitas escolas estão levando os cadeirantes a usarem fraldas novamente"..., além disserem, aos pais, que: "só na escola especial é que se leva um aluno(a) ao banheiro", reforçando ainda mais uma polêmica sobre o atendimento educacional especializado.

Esta questão envolve a complexidade do processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência. Esse processo, que também ainda engatinha, experimenta seus passos e tropeços. Talvez, pela sua própria heterogeneidade, assim como de cada forma, tipo, gravidade ou complicações dos modos de ser e estar em situação de deficiência, em muitas situações ainda, a educação inclusiva é levada ao uso de suas próprias fraldas novamente.

O tema é instigante, além de vir ao encontro de algumas reflexões que venho fazendo sobre o uso de tecnologias assistivas ambientais, a partir de minha própria vivência pessoal da redução de mobilidade e as barreiras que ando, com meus passos, dolorosamente claudicantes, constatando/enfrentando.

Hoje já estamos até no tempo de uma visão do desenho universal e da acessibilidade ampliada, abrindo-se, na macropolítica, aos espaços urbanos, como o Programa Cidade Acessível. Mas minhas expectativas caminham, mesmo tropeçando, na direção micropolítica.

Primeiramente é necessário esclarecer aos que não sabem o que são as tecnologias assistivas, pois sua introdução no espaços físicos é razoavelmente nova, em especial nas escolas. 

Podem ser definidas, conforme a visão oficial, como: " A tecnologia assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos,n metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social" (Comitê de Ajudas Técnicas, Corde/SEDH/PR, 2007).

Portanto são todos os meios e recursos básicos que devem e deveriam estar à disposição de pessoas com deficiência nos diversos locais onde temos,como cidadãos e cidadãs, o direito ao seu usufruto e participação. Mas as múltiplas realidades que são vividas são bem diferentes.

Ainda encontramos muitos espaços totalmente inacessíveis, com barreiras de todo tipo (das atitudinais às arquitetônicas). Portanto, incluir em espaços de ampla e plural convivência, como as escolas, torna-se cada vez mais uma exigência do cumprimento da lei e um dever com a equiparação de oportunidades, surgem, entretanto, os pequenos entraves que se tornam os 'analisadores' desse processo de institucionalização.

Aparecem os fatos "pequenos" que precisarão de um esforço e de uma determinação micro e macropolítica para sua solução ou resolutividade, como dizem, por exemplo no campo da saúde pública. O simples fato de termos as chamadas AVD (Atividades de Vida Diária) demonstram que um sujeito precisa além de uma cadeira adaptada no espaço onde se come a merenda escolar, junto com todos os outros alunos.

Mas seja aqui ou nos EUA, vimos, diferentemente do que desejamos, em um primoroso documentário,King Gimp, o protagonista, Dan Keplinger, ser levado, por uma auxiliar, para tomar os lanches dentro de um almoxarifado de sua escola. E esta cena já deve ter ocorrido em algum lugar do Brasil, apesar da história Dan ser um sucesso coroado até os dias de hoje. Dan é um renomado artista com paralisia cerebral, que convido a todos e todas ao seu re-conhecimento.

Dentro dessas realidades que vem sendo vivenciadas nas escolas, como a questão da fralda ou do direito de usar um sanitário ou banheiro dentro das normas de acessibilidade, é que irão nos nortear ou desnortear no desejo da chamada "inclusão radical".

Surgem aí os impasses entre o que oferecemos de autonomia ou de assistencialismo, nas políticas públicas educacionais, assim como tem ocorrido no campo da Reforma Psiquiátrica, o que espero deva ter sido uma das constatações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, recém ocorrida em Brasília. As mudanças que devem ocorrer nos territórios são as mesmas que devem ser estimuladas na derrubada de novos muros invisíveis que podemos re-institucionalizar, se esquecermos nosso principal aliado: o sujeito e sua autonomia em direitos humanos.

Mas precisamos responder às indagações de minha amiga. Precisamos ir além do que está previsto em lei ou normatizado. Precisamos da ousadia de acreditar no futuro e na distribuição equitativa de recursos e de políticas públicas que se fundamentem em reais avanços tecnológicos. 

Indo além do que está nos protocolos,indo além do suporte físico a quem dele necessita, ou seja não bastará colocarmos auxiliares para os professores levarem os cidadãos com paralisia cerebral até o banheiro, isso já é indispensável. Precisaremos modificar os banheiros, suas rampas, suas portas ou pias, assim como sua estrutura e proximidade das salas de aula. Enfim, melhorar sua acessibilidade com inventividade e determinação política.

Porém, tudo isso não consolidará uma mudança se, além de um olhar ético sobre o direito de nos sentirmos humanos ao fazermos nossas "necessidades fisiológicas", para não dizer o termo aplicado ao que fazem algumas autoridades, gestores e políticos, estes últimos caso não forem instigados/cobrados a destinar "reais" recursos humanos, econômicos, financeiros e, principalmente, tecnológicos de forma estruturante.

E, quando estes existirem na escola, que seja feita uma aposta em cada um, em cada uma, fazendo, para além do coletivo, uma aposta no sujeito, na singularização e suas múltiplas possibilidades... Aí, novamente vivenciamos a necessidade de uma revolução molecular.

Como então transformar esses analisadores do processo de inclusão escolar em atitudes micropolíticas? é a resposta que estou tentando articular para a Profª Regina. Gostaria que os familiares das crianças ou jovens com paralisia cerebral começassem a se manifestar, pois quase sempre são os que cuidam, convivem e muitas vezes também se distanciam, por diferentes e singulares motivos, fazendo uma confrontação de suas práticas cotidianas no seio das escolas. 

Assim como os especialistas e educadores que se indignam com as condições de atendimento escolar especializado. Mas também que os diretores, professores e todo pessoal das escolas onde se deve dar a inclusão pudessem ser ouvidos, valorizados e capacitados, profissionalmente, entre os muros da escola, no desejo de mudança de paradigmas acerca das pessoas com deficiência.

Tanto os familiares como a escola ainda têm, em muitos lugares desse imenso país continente, uma visão reabilitadora ou adoecedora dos quem vivem uma situação de deficiência. O processo de inclusão ainda esbarra em diferentes interesses macropolíticos. Os jovens, por exemplo com paralisias cerebrais, em muitas situações ainda são tratados apenas como "tetraplégicos, epilépticos ou espásticos", e estas condições são vistas, por força do modelo biomédico, como "doenças" que os mantêm em posição vitimizada e alienada. Passam de potências a desvendar a 'sofredores ou portadores' que precisamos apenas reabilitar. Somente "edureabilitar".

É preciso dizer novamente: as paralisias cerebrais não são doenças... Deve-se afirmar, como na Convenção (2006) os seus direitos com base no direitos humanos, e tentar, individual e coletivamente, construir um novo olhar, uma nova visão, um novo paradigma: eles são sujeito e não objeto de direitos.

Portanto, dêem meios alternativos, suplementares ou tecnologicamente avançados, como os da Comunicação Alternativa, que muitos desses jovens irão, como Dan Klepinger ou Guilherme Finotti, ir além da simples construção de um modelo paradigmático novo, eles se afirmarão como plenos de cidadania e brilho próprio.

E, já se provou, como o trabalho da Profª Regina e muitos outros, que eles e elas estão e estarão se beneficiando, tanto para suas relações sociais significativas  como nas suas subjetividades, com o uso ético das tecnologias assistivas. Estas que precisam ser, urgentemente, universalizadas tanto quanto revistas e recriadas, podem ser socialmente incorporadas para se maximizar os seus efeitos positivos, desde a saúde até a educação.

ENFIM, cabe, por ser um tema inesgotável  indagar sobre como incluir orientações éticas e bioéticas para o desenvolvimento "sustentável" dessas novas tecnologias assistivas, nesse momento, em especial as "ambientais" tão dependentes de "atitudinais e do cuidado".

Desejemos, pois, a inclusão escolar, deixando suas próprias fraldas, ao entender como dignidade tanto o formato de um assento sanitário, ou a altura de uma barra de apoio, dentro do banheiro de uma escola, quanto a uma mudança de atitudes e de suporte humano real para quem tem 'direito' de acesso e permanência com qualidade e respeito na escola, assim como o 'dever' de quem deve, constitucionalmente, criar condições para uma VIDA ESCOLAR com a efetivação plena da cidadania de cada um de nós.

Amiga e professora Regina, aos pais e aos seus alunos ou orientandos, envio meu desejo de que se tornem ativos defensores da INVENÇÃO DE OUTROS MODOS DE EFETIVAR NOSSOS DIREITOS, aguerrida e docemente combativos, lúcidos, amorosos porém sempre críticos e criadores de novas cartografias, novas suavidades e, com elas, novas tecnologias.

Ao buscarmos a inclusão não podemos nos esquecer que a exclusão ainda é o sua principal fonte e usina invertida, fundada e mantida no preconceito.
Vamos aprender a aprender como tirar as fraldas de nossos próprios modos inconscientes de restringir as potencialidades do Outro?

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 (favor citar as fontes e autorias na difusão e republicação livre na internet ou outros meios de comunicação de massa)

Vejam e difudam o BLOG - 
INCLUSÃO UTILIZANDO AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC's) http://inclusodepneesnaescola.blogspot.com/

LEIAM TAMBÉM NO BLOG - 
SEREMOS 300 ? - UM PC PARA CADA PC - A história de Guilherme Finotti
http://infoativodefnet.blogspot.com/2009/11/infoativo.html

DIREITOS HUMANOS COMO UMA QUESTÃO PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVAhttp://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/05/imagem-publicada-uma-foto-de-tres.html

INDICAÇÕES E REFERÊNCIAS:
TECNOLOGIA ASSISTIVA NAS ESCOLAS ( Recursos básicos de acessibilidade sócio-digital para pessoas com deficiência) ITS BRASIL
http://www.itsbrasil.org.br/pages/23/TecnoAssistiva.pdf

KING GIMP - DAN KEPLINGER http://www.kinggimp.com/index_static.html