quinta-feira, 28 de abril de 2011

VULNERAÇÃO E MÍDIA NO COTIDIANO DAS DEFICIÊNCIAS


Imagem Publicada - um homem com deformidades físicas no rosto, na cabeça, denominado Homem-Elefante, que esta atrás de uma porta de correr, com uma grade de ferro de porta de elevador, que sugere seu encarceramento e isolamento. Foto, em preto e branco, de divulgação do filme que levou ao público a dramática história de John Merrick(1862-1890), um cidadão inglês, que por ter a maior parte de seu corpo deformado por uma síndrome neurológica, a Neurofibromatose múltipla. Ele foi por longo tempo considerado um "deficiente mental", e viveu exposto, espancado e explorado em um show ambulante, até que um cirurgião, Dr. Frederick Treves, o levou para um hospital, e, dentro das limitações de seu tempo (a chamada era Vitoriana) buscou promover um pouco de dignidade a quem estava sendo motivo apenas do riso e do temor em espetáculo circense. Ele viveu em Londres onde hoje a pompa e circunstância ainda encobrem muitas formas de discriminação, segregação e exploração midiática desses que são chamados de "anormais ou aberrações humanas".

"Assim como o conceito de deficiência é construído e contextualizado, as vulnerabilidades também têm gênese social como um discurso em construção e em questionamento pelos bioeticistas, como faz Macklin, ao indagar: ”O que torna indivíduos, grupos e até países inteiros vulneráveis? E por que a vulnerabilidade constitui uma preocupação da bioética?”. Essas duas perguntas, segundo a autora, devem ser afirmadas e respondidas pela existência de que diante do poder e da exploração de sujeitos vulneráveis, temos de ter uma postura ética. Uma postura de cunho bioético e de proteção.

Essas posturas e questões têm grande amplitude, indo desde a ética clinica, da ética em pesquisas que envolvem seres humanos, e, em especial, na ética em políticas públicas. No campo político, ou melhor, dos biopoderes, ao avaliarmos a condição de pessoas vulneradas, com sua possível posição de exploração, podemos incluir as pessoas com deficiência, que, historicamente, estiveram em situação de vulneração e exclusão pelos estigmas a que foram submetidos".


Esses dois parágrafos acima fazem parte de um artigo que publiquei na Revista Saúde e Direitos Humanos, Ano 6, nº 6, 2009. O tempo passou e cada dia mais me convenço das minhas proposições de cunho bioético para o campo das deficiências.

Me sinto reforçado na indagação de Macklin quando assisto na TV a concepção que vem sendo midiatizada sobre os que são chamados de ''portadores'' de deficiências. Creio que a última atitude bizarra nos foi apresentada por um programa de Comédia onde se ridicularizava, de forma grotesca e proposital, a condição de pessoas com Autismo. A chamada Casa dos Autistas, em seu processo de reprodução dos estigmas, conseguiu gerar indignação, repúdio e ações que incluíram atitudes do Ministério Público e de parlamentares na Câmara Federal.


Ainda não conseguimos demolir alguns dos estigmas que são impostos a PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. Isso mesmo, são sujeitos COM direitos humanos, são cidadãos e cidadãs, e sua nomeação e terminologia são muito importantes. NÃO PODEMOS RECUAR NO AVANÇO CONQUISTADO COM A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. A sua condição humana diferenciada e singular não deve ser nomeada como ''necessidades especiais'' e muito menos como ''invalidez'' ou ''doença'', e com estes paradigmas biomédicos, ainda em ação, promover sua espetacularização pela TV.



Os autistas podem ser também artistas. Mas não sem respeito às suas vulnerabilidades. Não se promovendo sua caracterização como ''alienados'' ou ''bobos da corte''. Muito menos como um grupo que, se confinado, à moda do BBB, possa constituir uma casa da loucura sem racionalidade e comportamentos considerados ''anormais'. O que a MTV promoveu foi a sua vulneração pela esterotipia e pela estigmatização tele-visiva.

Nesse sentido é que a busca de um olhar para além dos discursos vigentes sobre pessoas com deficiência se faz imprescindível. Temos que, pesquisar como se constroem novos paradigmas, agora com a ativa participação dos sujeitos com deficiência, como o que ocorreu na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nações Unidas – ONU – dezembro de 2006). Historicamente este tratado internacional foi antecedido na América Latina, pela chamada Convenção da Guatemala, em 1999, que confirmou a existência primordial de fatores sociais e econômicos como geradores de situações de deficiência.

Esta Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas com Deficiência, proclamada em 1999, foi reconhecida pelo Governo Brasileiro, através do Decreto Nº 3956 (de 08/10/2001), afirma que as deficiências decorrem/surgem da interação das características de cada um com a produção de barreiras na sociedade para as suas diferenças, que ao limitar a suas capacidades de exercer as atividades da vida diária, portanto, são “causadas ou agravadas pelo ambiente econômico ou social”. 

E suas incapacidades tornam-se agravadas com o uso, aético e inconsequente, na socialização de estereótipos ou estigmas impostos aos que são chamados de deficientes, anormais, loucos, autistas ou qualquer outro termo ou diagnóstico aplicável aos fora da norma ou da normalidade científica.

Quando produzimos a hiperexposição midiática, de forma ridicularizada, de um ou mais grupos de pessoas com alguma forma de diferença, para um grande público consumidor, os telespectadores em alienação acrítica, estamos reforçando sua condição deficitária como monstruosidade, como Mal e enfermidade. Estamos os estigmatizando para nos mantermos em busca de uma sacrossanta idealização de pureza, normalidade, sanidade ou perfeição. 

O grotesco e o hilário não podem ficar associados, por mais audiência que provoquem, a uma exploração, hoje hipermidiatizada, das imagens, cenas, situações ou aparências diferenciadas vividas por pessoas com deficiência ou outras formas de incapacidades. A MTV fez isso e me levou de volta ao passado. Retomei, quando vi indignado o que eles chamaram de a Casa dos Autistas, antigos personagens do cinema, do teatro e da literatura. 

Eles voltaram ''assustadoramente'' a minha memória. Eles, por suas ''taras, defeitos, manchas, estigmas ou corcundas", podem ser denominados ''homens e mulheres elefantes'', ou de neo- Quasímodos. É, então a hora de rever e relembrar um filme: O Homem Elefante (David Lynch). Eles e elas, com suas deformidades físicas (que presupõem as mentais) foram, são e devem ser cobertos com burkas ou máscaras que nos ajudem a evitar o olhar espelhado para sua ''feiura e miséria humana''. A nossa visão narcísica pode sofrer profundos abalos com uma possível identificação projetiva com esses seres anômalos.

A eles e elas, historicamente, se destinavam os espetáculos grotescos dos circos dos horrores ou, então, como o médico interpretado por Anthony Hopkins, um pequeno quarto de hospital para que pudessem ser ''examinados'', "diagnósticados", "expostos como um caso clínico aberrante". E, nas boas intenções da medicina da época, "protegidos e cuidados", apesar de terminarem sendo apenas mais um objeto de pesquisa: cobaias humanas.

O personagem real John Merrick consegue, no filme e na sua história de vida, até impressionar uma atriz, mas não consegue ser amado por ela. Não podemos nos encontrar em um Outro tão aberrante de nossa imagem e semelhança. Ainda que ele possa ser também um artista,ou mesmo um poeta. Não aprendemos ainda, bioéticamente, a amar as cobaias. Muito menos os monstros em nós.

Por isso é que seria uma parcial reparação se o "preconceituoso" canal de TV, após suas desculpas públicas e já notórias, pudesse realizar um Ciclo de Cinema e Deficiência, seguido sempre com debates esclarecedores e críticos, a serem conduzidos pelas próprias fontes de ''diversão'', ou seja pelas pessoas com deficiência. 

Quem sabe, como já fez Chaplin, ampliassemos a sensibilização das platéias entorpecidas, em especial dos canais abertos, com o surgimento do direito à diferença, com o direito à audiodescrição, com o direito ao close caption e as legendas (para os surdos), com o direito à provocação do espanto e da indagação diante de outras formas de ser e estar no mundo e na Vida. E para tanto nem precisaríamos nos tornar ''mudos e em preto e branco".

Senhores e Senhoras, Respeitável Público: - agora no meio do palco, no meio do picadeiro, fora das jaulas, dentro do coração e das mentes de nossos telespectadores, novos atores com suas cegueiras, bizarrices, paralisias cerebrais, deficits, transtornos, distúrbios, surdez e incapacidades de toda ordem. As telinhas, ou melhor, todas as telas irão se encher de panorâmicos seres humanos que nos espelharão, nos confrontarão e nos obrigará a buscar outras maneiras de os respeitar, re-conhecer e amar. 

Em cena, os Autistas, que não cabem, por sua pluralidade, nessa mísera casa dos comediantes da MTV, irão nos levar a outras sensibilidades, outras máquinas desejantes, outros devires, outras formas de afetar e sermos afetados, a desejada criação de novas cartografias para o viver e Vida. Para além de todas as vulnerações e suas perpetuações.


Copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o Autor e referências do texto em republicações e difusões livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

Um dos motivos desse texto:
MTV faz campanha depois de polêmica - http://odia.terra.com.br/portal/diversaoetv/html/2011/4/mtv_faz_campanha_depois_de_polemica_160747.html

Abaixo-assinado Contra o Programa da MTV Casa dos Autistas
http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N9211

Indicações de sensibilização e educação pelo Cinema:
O HOMEM ELEFANTE - filme de David Lynch - 1980 - http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Homem_Elefante

“Wretches & Jabberers" - Documentário de Gerardine Wurzburg - 2011 - http://pt.euronews.net/2011/04/18/a-voz-dos-autistas-wretches-jabberers/

TEMPLE GRANDIN - filme biográfico da HBO - 2010 -
http://www.soshollywood.com.br/temple-grandin/

Referências no Texto
VULNERABILIDADE E VULNERAÇÃO, QUANDO AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA SÃO QUESTÕES DE DIREITOS HUMANOS? - Jorge Márcio Pereira de Andrade - Revista Saúde e Direitos Humanos - Ministério da Saúde - Fundação Oswaldo Cruz - Brasília, DF, 2010 (Ano 6, nº 6, 2009)

Leiam, Comentem e reflitam também no BLOG:

EUGENIA - COMO REALIZAR A CASTRAÇÃO DE HOMENS E MULHERES COM DEFICIÊNCIA? 
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/01/eugenia-como-realizar-castracao-e.html

A PERFEIÇÃO RACIAL E A DESTRUIÇÃO NASCEM DO MESMO NINHO...
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/07/a-perfeicao-racial-e-destruicao-nascem.html

Um AUTISTA pode vir a ser um ARTISTA da água? - http://infoativodefnet.blogspot.com/2010/04/um-autista-pode-vir-ser-um-artista-com.html


A Terra é Azul e o AUTISMO também -
 http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/03/terra-e-azul-e-o-autismo-tambem.html

terça-feira, 19 de abril de 2011

A MORTE DO FANÁTICO NÃO MATOU O FANATISMO


imagem publicada - a foto recente de Charles Manson, um homem branco de 76 anos, com barba branca, de olhar sem expressão e brilho, com uma suástica nazista tatuada no meio da testa; o homem (Man) que é filho (son) das mesmas "des-humanidades" de todos os outros que cometeram, cometem e cometerão assassinatos. Crimes hediondos e extraordinários que geram perplexidade, repúdio e indignação, que quase sempre foram, são e serão fundamentados em fanatismos ou radicalismos que nascem dentro do ventre das Religiões e da Política. E que insistimos em imputá-los à doença mental, à loucura, esse depositário de nossas indagações racionais sem respostas imediatas.
( in memoriam dos que não devem morrer em vão em Realengo)

"Como uma cultura poderia admitir que existem outras que lhe são comparáveis e para as quais, no entanto o que é um alimento, para ela é uma impureza?" (Castoriadis, 1987)

Vivemos há séculos com a ideia de purificação dos Outros. Mantemo-nos banalizando e naturalizando as diferentes guerras santas, as cruzadas e os extermínios dos ''impuros''. E ainda nos chamamos de civilizados. Os bárbaros são sempre os outros. 

Quanto mais somos levados para a homogeneização cultural e sua unificação, mais ainda nos tornamos intolerantes e mais ainda desejamos a morte do Outro e de sua cultura, principalmente se não podemos converter a todos à nossa crença ou ideologia.


Há outros homens, sob a hipnose dos fanatismos, que matam e morrem por não conseguirem, na sua solidão enlouquecida ou imersos nas massas, se tornarem criadores da história. Tornam-se vítimas e vitimizadores. Tornam-se assassinos paranóicos de sua humanidade.

Há um corpo não reclamado e indesejável no Instituto Médico Legal. Ele, apesar de reconhecido e, agora com seu nome inscrito na História, permanece entre os proscritos. O nome Wellington de Oliveira permanecerá em muitas mentes, em muitos corações, como uma lembrança amarga ou um amargo pesadelo. Mas para que ele seja parcialmente esquecido e sua ação criminosa melhor compreendida devemos ''enterrá-lo" com todas as suas idéias e todos os alicerces de seu ato, a meu ver, profundamente revelador. 

Um ato resultante, eminentemente, do caldeirão de ódios e xenofobias que os tempos pós-modernos reproduzem: o cruzamento e a interpenetração de fanatismos religiosos com os fanatismos políticos. Um ato para vir a ser um analisador.

Há quem esteja refletindo ou continuando a repensar o que foi a vida e a obra "maligna" desse criminoso. Hoje li uma reportagem sobre um velho criminoso, que escapou da cadeira elétrica, e agora se reconhece apenas com uma pessoa MÁ e SUJA: Charles Manson. Ele cometeu um dos mais comentados assassinatos nos anos 60/70. Ele e seus seguidores, sua "Família", assassinaram Sharon Tate e mais 6 pessoas. 

Ela, uma linda e famosa atriz, na época a esposa grávida do controvertido cineasta Roman Polanski. Ainda me lembro de sua performance em um dos seus fílmes: a Dança dos Vampiros (1967). A entrevista de Mason nos revela como podem existir e continuar existindo pessoas que respondem às diferentes formas de exclusão, violências, misérias ou dramas com o exercício de atos crueis baseando-se apenas nos seus fanatismos.

Uma das reflexões que me fez pensar o título deste texto veio deste depoimento à revista Vanity Fair. Charles Manson, que liderava o grupo de assassinos, pregava uma espécie de cruzada para a eliminação dos ''impuros''. Ele propunha uma guerra racial entre brancos, sua gang a moda da Klu Klux Klan, e os negros, com o nome de Helter Skelter. E na mistura de idéias racistas e genocidas propunha, fanaticamente, a morte como redenção religiosa. 

E isso ele ainda defende dizendo: "Todos somos mártires. O amor é um mártir. Por isso é que Cristo chama a atenção. Por isso foi crucificado”, sentencia Manson, que acrescenta que “mais cedo ou mais tarde a vontade de Deus se vai impor sobre todos vós, e a mim condenaram-me por ser a vontade de Deus”.

Foi necessário uma aproximação de fanatismos, típicos dos anos 60, para que o ato de assassinar 07 pessoas,com requintes de crueldade, sendo uma delas uma mulher grávida, no caso Sharon Tate, pudesse ocorrer. E, na minha opinião, aí se encontram as raízes históricas que vem atravessando e transversalizando as diferentes manifestações de violências contra quem é denominado indefeso e objeto de projeção das ''IMPUREZAS". Sejam elas determinadas pelos eugenismos, racismos ou fanatismos religiosos. 

Todas essas ideologias são alimentadas pela mesma fonte: o ódio inconsciente de si é projetado sobre os outros, e esse Outros podem ser desde meu vizinho a um transeunte desconhecido, alguém com outra visão do mundo, de outra religião, outro partido, outra classe social, outras sexualidades, outras línguas, outras etnias ou outras deficiências.

Para que os deixemos de amar basta que estejam, por exemplo, na mesma Escola, no mesmo Bairro, na mesma Cidade, no mesmo Mundo. Pode ser em Realengo ou em Columbine. O meu ódio dos outros, quaisquer que sejam, e ainda mais se parecerem comigo ou com vocês, passam a ser os objetos dos quais nos livramos, do que nos assombra e nos divide. O cadáver e o 'fantasma' de Wellington ainda está repleto dessas percepções em muitas mentes no mundo. A presença de seus adeptos ainda será, tristemente, revista.

Por isso precisamos ir, respeitosamente, ao enterro dos fanáticos, dos racistas, dos fascistas e dos intolerantes. Não será sua morte física que poderá destruir seus vampiros ideológicos. Estes nem mesmo aparecem nos espelhos como na Dança dos Vampiros. E, por mais que a Sociedade do Controle instale câmeras ou grades ou guardas, também não serão detectados a priori.

Ilude pensar que as cercas elétricas ou as vigilâncias os deterá. Eles foram gestados nos campos de extermínio, da Alemanha Nazi-fascista aos campos da morte do Khmer vermelho como o sangue cambojano. Ainda podem ser gestados em Guantánamo, Abu Gharib ou nos presídios de máxima segurança.

Por isso precisamos, indo além das explicações sobre a psicopatologia dos crimes e dos criminosos, buscar a parte que nos cabe deste latifúndio gerador de ódios. Não pendemos inteiramente para os anjos, por mais que a Mídia e sua Era nos tente convencer. Precisamos buscar, individual e coletivamente, outros modos nos educar e re-conhecer. O cadáver insepulto e dissecado do ''chamado monstro de Realengo" não deixou de ser humano, demasiadamente humano. 

Por mais que nos arvoramos a compreendê-lo e, em nossas vãs especializações científicas, determinar a origem psíquica de seus atos horripilantes. Mas ele, como nós todos, é e será mais insondável, obscuro e desconhecido. Mesmo que, como Mason, estivesse apenas encarcerado perpetuamente... Até seus videos, previamente póstumos, são uma produção destes mundos que o cercavam, cercearam e o desprezaram, segundo a sua convicção fanatizada.

A possível única in-certeza é que nos Mason-Wellington, ainda em serialização no mundo hipercapitalista atual, há uma raiz psicossociológica a ser pesquisada, e ser combatida, de forma micropolítica e rizomática. Revelando-se os modos de produção de subjetividade que os clona, talvez, possamos não nos arrepiar de medo de ''seres humanos maus''. 

Iremos buscar as raízes, as fontes, as gêneses e os primeiros passos de de-formação do sujeito, mas não para resolver por meios ortopédicos ou judiciais a sua mudança e civilização. Iremos, transcultural e historicamente, re-existir. Inventamos os Direitos Humanos e podemos inventar novos modos de viver.

Não bastará a criação de punições aos alunos que desafiam, agridem ou são indisciplinados com seus professores, conforme recente projeto de lei em curso na Câmara Federal. A reabilitação da palmatória jurídica não irá produzir, com sua violência, a "prevenção" de futuros serial killers. Talvez, como no caso do Bullying, possa até ser a melhor justificativa dos assassinos. 

Nesse, momento pós-traumático para a Escola Tasso será ideal que possamos nos conscientizar da presença simbólica da dor, da perda, do luto por lá. Mas também do que indelevelmente permanecerá: o ex-aluno que se justificou nas agressões, nos preconceitos e nas discriminações para se tornar o 'exterminador do futuro'.

O assassino Manson e o Oliveira, um vivo e outro morto, se fundamentaram na ideia de pureza de seus corpos e suas mentes, considerando-se primariamente homens "limpos" e "bons", por isso puderam concretizar a projeção do mal, da sujeira e da impureza nas suas vítimas. E, nós devemos reconhecer aí uma outra gênese dos micro fascismos cristalizados e encrustados nos âmagos humanos. Somente com a construção dessa visão religiosa e politicamente perfeccionista é que fundamos nossos primeiros passos do fanatismo rumo à barbárie. Está aí a germinação do suicídio dos ''semelhantes'' do Wellington.

Midiaticamente, falou-se hoje no Twitter, em seu formato sintetizador: " Agora a Escola Tasso da Silveira não tem de que reclamar: colocaram 4 guardas municipais pra vigiar a entrada"... 

Então, há um reflexão para ser feita, qual será a nossa SAÍDA? O cadáver inominável e abominável disse: ..." descobriram quem sou, da maneira mais radical, numa ação que farei pelos meus semelhantes que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais, principalmente em escolas e colégios, por serem diferentes, por não fazerem parte dos infiéis, dos falsos, dos corruptos, dos maus, são humilhados por serem bons.".

Durante a entrevista, para a '' Feira das Vaidades", Charles Mason chegou a usar uma expressão muito típica em Espanhol, aplicando-a à sua pessoa: “La mala hierba nunca muere” [qualquer coisa como ‘a erva daninha nunca morre’]. 

Vamos lenta e vagarosamente, mas com crítica e análise filosófica, em princípio, caminhando com os cadáveres insepultos desses que demoram para se autodenominarem mártires, mas que arrastam consigo muitos outros féretros, mortes e lutos prolongados. Vamos, juntos ou solitariamente, pela estrada aberta, levar uma "rosa azul" para Hiroxima e outra para Realengo. E deixar uma outra naquela sepultura, sem sensacionalismo.


copyright jorgemarciopereiradeandrade(2011-2012 ad infinitum  todos os direitos reservados ) - favor citar o autor e as fontes em republicação livre pela Internet ou meios de comunicação de massa.

REFERÊNCIAS NO TEXTO:
Líder de um grupo de assassinos que chocou a América - Charles Manson assume ser um “homem mau” em entrevista à “Vanity Fair”


Consulta e pesquisa nos VIDEOS deixados por Wellington de Oliveira - You Tube


INDICAÇÕES PARA LEITURA-
Psicossociologia - Análise Social e Intervenção - André Lévy, André Nicolaï, Eugene Enriquez, Jean Dubost - organizado e traduzido por Marilia Novais de Mata Machado et al. - Belo Horizonte, MG, Editora Autêntica, 2001.
Massa e Poder - Elias Canetti- Brasília, Editora UNB/Melhoramentos, 1983.

LEIA TAMBÉM NO BLOG -
TIROS REAIS EM REALENGO - A Violência é péssima Pedagoga? 

A PARÁBOLA DA ROSA AZUL -

QUAL É A SUA RAÇA? Nada a Declarar -

A TOLERÂNCIA É MAIS QUE UM BACALHAU NO MEU FEIJÃO COM ARROZ? EM BUSCA DA EMPATIA, PARA ALÉM DA ANTIPATIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/07/tolerancia-e-mais-que-um-bacalhau-no.html

sexta-feira, 8 de abril de 2011

TIROS REAIS EM REALENGO - a violência é uma péssima pedagoga


imagem publicada- imagem de braços e mãos, de diferentes cores e matizes, que se estendem para além de uma cerca de arame farpado. Uma alusão as diferentes formas de aprisionamento e cerceamento de liberdades, ou de violações de Direitos Humanos, que vem sendo banalizadas e naturalizadas em nosso mundo globalizado na Idade Mídia. Hoje uma referência às possíveis formas de controle de violência que poderão ser implantadas pela Sociedade do Controle para que a violência não retorne ao interior dos muros da escola.

"Sou contra meu irmão e meu irmão é contra o meu primo, mas meu irmão, meu primo e eu somos contra o vizinho"

(Provérbio libanês - recolhido em recorte de jornal dos anos de guerra no Líbano, com o título: Luxo e morte: em meio à guerra, a mistura surrealista do Líbanoartigo de Charô Saavedra) Esta frase podemos aplicar aos conflitos do mundo globalizado no que chamamos de Oriente Médio, Mundo Árabe, Islã e norte da Àfrica, onde já se naturalizou a presença de fanatismos religiosos e sua implicação nos conflitos armados, que retroalimentam nossas xenofobias.

Escrevo este texto em luto. Eu sei o que é a sensação, os sentimentos e as ''dores'' que a perda de um filho aos 13 anos de idade causam. Não irei fazer ilações ou especulações científicas ou psiquiátricas sobre o jovem franco atirador. Estamos diante da reedição do Tiros em Columbine na Escola de Wellington em Realengo. Espero, desejo e estimulo que se procure uma atenção especial aos que ficaram: os sobreviventes. Estes que, vivendo após um tsunami sangrento na escola, sentem añgústia e desamparo, buscando como enfrentar esse momento de perdas dos meninos e meninas. Estimulo e desejo que busquemos atitudes bio-éticas, para nos revoltarmos com a naturalização das sementes humanas e sociais do que chamamos de violência.

Eu conheci de perto a região onde esta escola está situada no Rio de Janeiro. Trabalhei alguns anos em um bairro próximo: Bangu. Aprendi e cresci muito com as vivências e experiências sócioculturais junto aos que eram chamados de ''suburbanos". Nesse época era apenas um psiquiatra trabalhando em uma clínica de reabilitação psicomotora, de inspiração espírita, cuja clientela era composta pelos moradores desta região: a zona Oeste do Rio, onde o calor e as misérias atingiam seus picos máximos. São vivas, muito embora os seus ''suburbanos'' não se sentissem assim. 

Estavam sempre buscando um outro modo de vida para si e seus filhos quando iam em busca de tratamento e reabilitação. A maioria destes cidadãos e cidadãs sonhava serem incluídas e não mais marginalizadas... Porém continuavam em desfiliação social. Continuavam intensamente conformados às suas pobrezas.

As indagações, amplamente midiatizadas, são hoje sobre a eclosão de uma violência espetacular nessa mesma região. E, apressadamente, nos colocamos nas mãos dos especialistas na loucura humana. Esquecemos de buscar raízes mais profundas. Esquecemos, emocionados, de perguntar o que nos leva a assistir hoje mais um tiroteio. Essa chacina foi embasada, pelo que nos informam, no fanatismo e nas ações suicidas de um jovem em sua ex-escola.

Uma escola no bairro de Realengo, me traz a memória alguns dos jovens autistas, com distúrbios de conduta, deficiências intelectuais e outras condições psicomotoras, psicológicas e psiquiátricas. Todos e todas essas crianças e jovens eram classificados, à época (anos 80), como ''alunos excepcionais".

Nós na posição de tele-espectadores ficamos perplexos e indagando o que se passa na mente de um franco-atirador. Mais ainda quando esse episódio é uma repetição de um modelo importado diretamente de Columbine, nos EUA. E, talvez aí esteja uma possível ''explicação'' do modelo jovem kamikaze que mata, embora premeditamente, outros jovens e crianças no suposto espaço da convivência em harmonia: a escola. Esse é um espaço onde se espera que estejamos todos buscando aprender sobre a paz e não sobre a violência. Lamentavelmente, pelo que estamos tele-assistindo, esse espaço não é mais isolado das outras violências sociais e urbanas que já estavam, como ovos da serpente, sendo gestados nos REALengos que sangram.

O sofrimento que irá afetar os sobreviventes dos Tiros em Realengo é um fato a ser considerado. Talvez consigamos aí buscar ações que nos solidarizem com o enfrentamento das injustiças e as misérias, de toda ordem, que possam ser o caldo de cultura das intolerâncias e dos fanatismos. O sofrimento alheio só suscita um movimento de protesto e solidariedade se resolvemos a clivagem entre pobreza, exclusão social e injustiças. 


Só podemos compreender os que estão vivos e, um dia, precisarão retornar ao cenário dessa escola pública. Só podemos tentar nos empatizar com os sentimentos dos seus pais e familiares que os receberão no retorno das aulas. É que a vida deles todos continuará sendo em um bairro da Zona Oeste. Esses sobreviventes continuarão na ''resignação'' de suas perdas? continuarão, como os que passaram pela tragédia das Serras fluminenses, considerando uma fatalidade, agora resultante da ''natureza humana"?

Percebo, pela intensa espetacularização global, que nos preocupamos com a dissecção da mente do criminoso. Buscamos explicar "o que tinha na cabeça o jovem Welligton" e, explicar sua "loucura" através de seu texto sobre a impureza dos Outros. Esquecemos de dizer que a banalização da violência é decorrência direta da banalização das injustiças sociais. Esquecemos rapidamente dos moradores do Morro do Bumba, das favelas e suas palafitas, das milícias, dos tráficos, das condições sociais e políticas onde vivemos essa violência nossa de cada dia.

Muitos jovens, fora das salas de aula, também são "sacrificados" e muitos mortos nas tristes estatísticas das violências urbanas (sem falar das rurais). Há,nesse momento, apenas a diferença de que olhamos o cenário de uma guerra dentro de uma sala de aula. Um jovem maneja, com destreza, as armas que foram produzidas, guardadas e comercializadas sem nenhum escrúpulo ou sentimento ético de alguns que agora estão escandalizados com seus resultados mortais.

Em 24 de fevereiro deste ano foi lançado o Mapa da Violência - os jovens do Brasil", que já apontava: "A violência entre jovens na faixa etária de 15 anos aos 24 anos cresceu no período 1998/2008. Nesta década, enquanto 1,8% das mortes entre adultos foram causadas por homicídios, no grupo jovem a taxa chegou a 39,7%". Acredito que Wellington e sua família, assim como as famílias enlutadas de Realengo e adjacências, ainda em processo de ''sub-urbanidade" sócio, econômica, política, não consigam ainda realizar que as noções de responsabilidade e justiça concernem à ética e não à psicologia, muito menos à psiquiatria.


Não bastará explicar em um indivíduo toda a insanidade que alicerça nossos ódios inconscientes e violências grupais.

Ficou-me uma pergunta, após um exercício matutino de ajuda a minha filha de 10 anos: como responder a ela sobre os muitos muros das escolas e da sociedade. Ela está estudando em sua escola comunitária sobre a Diversidade Humana. Hoje precisava responder sobre o tema e fazer uma pequena dissertação de como podemos aprender na convivência com a heteronomia humana. Ela finalizou sua resposta afirmando que "somos todos diferentes e iguais, e todos temos ancestrais"...A pergunta deixo-a para todos nós: como podemos aprender com a violência se ela é uma péssima pedagoga?

A triste e lamentável ação mortífera de Wellington pode ser um estímulo para esta reflexão. Isso dependerá de não banalizarmos, mais uma vez, com explicações que nos distanciarmos e nos eximirmos da nossas estranhas entranhas humanas. Temos todos implicações éticas e bioéticas com o que nos vem assombrando. E se não olharmos, com destemor, todos nossos terrores não poderemos, quem sabe, encontrar modos inventivos de escrever outras cartografias, outros modos de educar e nos educar. O que já disse hoje no Facebook aos professores do Rio de Janeiro e conclamo a todos educadores do Brasil: já passou da hora de incluirmos, ativamente, no currículo escolar a educação sobre e em Direitos Humanos.

Dirão alguns retrógrados e reticentes fascistas, a moda de Bolsonaro, que estamos somente cuidando dos Direitos Humanos dos "fora da lei". Já cansei de seu bordão e clichê: e ''onde estão os humanos direitos?". A eles indago agora sua direta implicação com o terror, seja nos Estados de Exceção, seja na legitimação das guerras e das torturas, ou, então, nas suas falsas aceitações da diversidade e da diferença, negando-se a se reconhecerem racistas, segregacionistas e homofóbicos. 


Foram estes que, não olhando no espelho, foram capazes de naturalizar o extermínio de jovens, bastando para isso que eles fôssem rotulados de ''subversivos". Hoje, quem sabe, para estes apenas foram mortos jovens e crianças "suburbanas", ou melhor "sub-humanas", tal qual aquelas que morrem, nesse momento, como milhares de "moscas",como vidas nuas e coléricas, no Triste e Insular Haiti.

Estou de luto. E lutarei com ele, pois aprendi após a perda de um filho jovem o quanto precisamos aprender a aprender a convivência com o Outro. Indo além de todos os narcisismos das pequenas diferenças. Indo além de todas as nossas inconscientes e noturnas ancestralidades brutais, vingativas, bárbaras e cruéis. Há um risco em nós de acreditarmos em nossos próprios fanatismos. 


E, bastando um pouco de ilusão como o cinema, reproduzimos e justificamos qualquer forma de ato violento ou destruidor. Não espero assistir os Tiros reais de Columbine e Realengo novamente, mas sei que posso ter esse dejá vu.

Cuidemos com afeto, suavidade e muito calor humano dos que sobreviveram. E deixemos de "explicar" a loucura do Outro, isso só nos justifica e aliena, além de banalizar todas as injustiças.


copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em reproduções livre pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

INDISPENSÁVEL LEITURA CRÍTICA:
MAPA DA VIOLÊNCIA - OS JOVENS DO BRASIL - http://blog.planalto.gov.br/mapa-da-violencia-2011-aponta-causas-de-homicidios-entre-jovens-no-brasil/

INDICAÇÕES DE FILMES:
TIROS EM COLUMBINE - de Michael Moore, Oscar de melhor documentário de 2003 - http://www.omelete.com.br/cinema/itiros-em-columbinei/

ELEFANTE - de Gus Van Sant - http://www.cranik.com/elefante.html

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA- de Laurent Cantet - Palma de Ouro no Festival de Cannes - http://cinema.uol.com.br/ultnot/2009/03/11/ult4332u1035.jhtm

ALGUNS AUTORES E LIVROS QUE ME INFLUENCIARAM NO TEXTO, MAS NÃO O EXPLICAM:

- A BANALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL - CHRISTOPHE DEJOURS
- A VIOLÊNCIA TOTALITÁRIA - MICHEL MAFESOLI
- MASSA E PODER - ELIAS CANETTI
- OUTONO ALEMÃO - STIG DAGERMAN
- RAZÃO E VIOLÊNCIA - RONALD LAING
- POR QUE A GUERRA? - SIGMUND FREUD
- O QUE RESTA DE AUSCHWITZ - GIORGIO AGAMBEN
- HOMO SACER - O PODER DO SOBERANDO E A VIDA NUA - GIORGIO AGAMBEN

LEIA TAMBÉM
A VIOLÊNCIA NOSSA DE CADA DIA... Dai-nos também http://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Viol%C3%AAncia%20cotidiana


ADEUS  ÀS ARMAS: CEM TIROS NO FUTURO OU SEM TIROS?  http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/05/adeus-as-armas-sem-tiros-no-futuro-ou.html


O CORPO ULTRAJADO HOJE, SERÁ O CORPO NEGADO AMANHÃ? 
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/03/o-corpo-ultrajado-ontem-sera-o-corpo.html