terça-feira, 19 de abril de 2011

A MORTE DO FANÁTICO NÃO MATOU O FANATISMO

imagem publicada - a foto recente de Charles Manson, um homem branco de 76 anos, com barba branca, de olhar sem expressão e brilho, com uma suástica nazista tatuada no meio da testa; o homem (Man) que é filho (son) das mesmas "des-humanidades" de todos os outros que cometeram, cometem e cometerão assassinatos. Crimes hediondos e extraordinários que geram perplexidade, repúdio e indignação, que quase sempre foram, são e serão fundamentados em fanatismos ou radicalismos que nascem dentro do ventre das Religiões e da Política. E que insistimos em imputá-los à doença mental, à loucura, esse depositário de nossas indagações racionais sem respostas imediatas.
( in memoriam dos que não devem morrer em vão em Realengo)

"Como uma cultura poderia admitir que existem outras que lhe são comparáveis e para as quais, no entanto o que é um alimento, para ela é uma impureza?" (Castoriadis, 1987)

Vivemos há séculos com a ideia de purificação dos Outros. Mantemo-nos banalizando e naturalizando as diferentes guerras santas, as cruzadas e os extermínios dos ''impuros''. E ainda nos chamamos de civilizados. Os bárbaros são sempre os outros. 

Quanto mais somos levados para a homogeneização cultural e sua unificação, mais ainda nos tornamos intolerantes e mais ainda desejamos a morte do Outro e de sua cultura, principalmente se não podemos converter a todos à nossa crença ou ideologia.

Há outros homens, sob a hipnose dos fanatismos, que matam e morrem por não conseguirem, na sua solidão enlouquecida ou imersos nas massas, se tornarem criadores da história. Tornam-se vítimas e vitimizadores. Tornam-se assassinos paranoicos de sua humanidade.

Há um corpo não reclamado e indesejável no Instituto Médico Legal. Ele, apesar de reconhecido e, agora com seu nome inscrito na História, permanece entre os proscritos. O nome Wellington de Oliveira permanecerá em muitas mentes, em muitos corações, como uma lembrança amarga ou um amargo pesadelo. Mas para que ele seja parcialmente esquecido e sua ação criminosa melhor compreendida devemos ''enterrá-lo" com todas as suas ideias e todos os alicerces de seu ato, a meu ver, profundamente revelador. 

Um ato resultante, eminentemente, do caldeirão de ódios e xenofobias que os tempos pós-modernos reproduzem: o cruzamento e a interpenetração de fanatismos religiosos com os fanatismos políticos. Um ato para vir a ser um analisador.

Há quem esteja refletindo ou continuando a repensar o que foi a vida e a obra "maligna" desse criminoso. Hoje li uma reportagem sobre um velho criminoso, que escapou da cadeira elétrica, e agora se reconhece apenas com uma pessoa MÁ e SUJA: Charles Manson. Ele cometeu um dos mais comentados assassinatos nos anos 60/70. Ele e seus seguidores, sua "Família", assassinaram Sharon Tate e mais 6 pessoas. 

Ela, uma linda e famosa atriz, na época a esposa grávida do controvertido cineasta Roman Polanski. Ainda me lembro de sua performance em um dos seus fílmes: a Dança dos Vampiros (1967). A entrevista de Mason nos revela como podem existir e continuar existindo pessoas que respondem às diferentes formas de exclusão, violências, misérias ou dramas com o exercício de atos cruéis baseando-se apenas nos seus fanatismos.

Uma das reflexões que me fez pensar o título deste texto veio deste depoimento à revista Vanity Fair. Charles Manson, que liderava o grupo de assassinos, pregava uma espécie de cruzada para a eliminação dos ''impuros''. Ele propunha uma guerra racial entre brancos, sua gang a moda da Klu Klux Klan, e os negros, com o nome de Helter Skelter. E na mistura de ideias racistas e genocidas propunha, fanaticamente, a morte como redenção religiosa. 

E isso ele ainda defende dizendo: "Todos somos mártires. O amor é um mártir. Por isso é que Cristo chama a atenção. Por isso foi crucificado”, sentencia Manson, que acrescenta que “mais cedo ou mais tarde a vontade de Deus se vai impor sobre todos vós, e a mim condenaram-me por ser a vontade de Deus”.

Foi necessário uma aproximação de fanatismos, típicos dos anos 60, para que o ato de assassinar 07 pessoas, com requintes de crueldade, sendo uma delas uma mulher grávida, no caso Sharon Tate, pudesse ocorrer. E, na minha opinião, aí se encontram as raízes históricas que vem atravessando e transversalizando as diferentes manifestações de violências contra quem é denominado indefeso e objeto de projeção das ''IMPUREZAS". Sejam elas determinadas pelos eugenismos, racismos ou fanatismos religiosos. 

Todas essas ideologias são alimentadas pela mesma fonte: o ódio inconsciente de si é projetado sobre os outros, e esse Outros podem ser desde meu vizinho a um transeunte desconhecido, alguém com outra visão do mundo, de outra religião, outro partido, outra classe social, outras sexualidades, outras línguas, outras etnias ou outras deficiências.

Para que os deixemos de amar basta que estejam, por exemplo, na mesma Escola, no mesmo Bairro, na mesma Cidade, no mesmo Mundo. Pode ser em Realengo ou em Columbine. O meu ódio dos outros, quaisquer que sejam, e ainda mais se parecerem comigo ou com vocês, passam a ser os objetos dos quais nos livramos, do que nos assombra e nos divide. O cadáver e o 'fantasma' de Wellington ainda está repleto dessas percepções em muitas mentes no mundo. A presença de seus adeptos ainda será, tristemente, revista.

Por isso precisamos ir, respeitosamente, ao enterro dos fanáticos, dos racistas, dos fascistas e dos intolerantes. Não será sua morte física que poderá destruir seus vampiros ideológicos. Estes nem mesmo aparecem nos espelhos como na Dança dos Vampiros. E, por mais que a Sociedade do Controle instale câmeras ou grades ou guardas, também não serão detectados a priori.

Ilude pensar que as cercas elétricas ou as vigilâncias os deterá. Eles foram gestados nos campos de extermínio, da Alemanha Nazi-fascista aos campos da morte do Khmer vermelho como o sangue cambojano. Ainda podem ser gestados em Guantánamo, Abu Gharib ou nos presídios de máxima segurança.

Por isso precisamos, indo além das explicações sobre a psicopatologia dos crimes e dos criminosos, buscar a parte que nos cabe deste latifúndio gerador de ódios. Não pendemos inteiramente para os anjos, por mais que a Mídia e sua Era nos tente convencer. Precisamos buscar, individual e coletivamente, outros modos nos educar e re-conhecer. O cadáver insepulto e dissecado do ''chamado monstro de Realengo" não deixou de ser humano, demasiadamente humano. 

Por mais que nos arvoramos a compreendê-lo e, em nossas vãs especializações científicas, determinar a origem psíquica de seus atos horripilantes. Mas ele, como nós todos, é e será mais insondável, obscuro e desconhecido. Mesmo que, como Mason, estivesse apenas encarcerado perpetuamente... Até seus videos, previamente póstumos, são uma produção destes mundos que o cercavam, cercearam e o desprezaram, segundo a sua convicção fanatizada.

A possível única in-certeza é que nos Mason-Wellington, ainda em serialização no mundo hipercapitalista atual, há uma raiz psicossociológica a ser pesquisada, e ser combatida, de forma micropolítica e rizomática. Revelando-se os modos de produção de subjetividade que os clona, talvez, possamos não nos arrepiar de medo de ''seres humanos maus''. 

Iremos buscar as raízes, as fontes, as gêneses e os primeiros passos de de-formação do sujeito, mas não para resolver por meios ortopédicos ou judiciais a sua mudança e civilização. Iremos, transcultural e historicamente, re-existir. Inventamos os Direitos Humanos e podemos inventar novos modos de viver.

Não bastará a criação de punições aos alunos que desafiam, agridem ou são indisciplinados com seus professores, conforme recente projeto de lei em curso na Câmara Federal. A reabilitação da palmatória jurídica não irá produzir, com sua violência, a "prevenção" de futuros serial killers. Talvez, como no caso do Bullying, possa até ser a melhor justificativa dos assassinos. 

Nesse, momento pós-traumático para a Escola Tasso será ideal que possamos nos conscientizar da presença simbólica da dor, da perda, do luto por lá. Mas também do que indelevelmente permanecerá: o ex-aluno que se justificou nas agressões, nos preconceitos e nas discriminações para se tornar o 'exterminador do futuro'.

O assassino Manson e o Oliveira, um vivo e outro morto, se fundamentaram na ideia de pureza de seus corpos e suas mentes, considerando-se primariamente homens "limpos" e "bons", por isso puderam concretizar a projeção do mal, da sujeira e da impureza nas suas vítimas. E, nós devemos reconhecer aí uma outra gênese dos micro fascismos cristalizados e encrustados nos âmagos humanos. Somente com a construção dessa visão religiosa e politicamente perfeccionista é que fundamos nossos primeiros passos do fanatismo rumo à barbárie. Está aí a germinação do suicídio dos ''semelhantes'' do Wellington.

Midiaticamente, falou-se hoje no Twitter, em seu formato sintetizador: " Agora a Escola Tasso da Silveira não tem de que reclamar: colocaram 4 guardas municipais pra vigiar a entrada"... 

Então, há um reflexão para ser feita, qual será a nossa SAÍDA? O cadáver inominável e abominável disse: ..." descobriram quem sou, da maneira mais radical, numa ação que farei pelos meus semelhantes que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais, principalmente em escolas e colégios, por serem diferentes, por não fazerem parte dos infiéis, dos falsos, dos corruptos, dos maus, são humilhados por serem bons.".

Durante a entrevista, para a '' Feira das Vaidades", Charles Mason chegou a usar uma expressão muito típica em Espanhol, aplicando-a à sua pessoa: “La mala hierba nunca muere” [qualquer coisa como ‘a erva daninha nunca morre’]. 

Vamos lenta e vagarosamente, mas com crítica e análise filosófica, em princípio, caminhando com os cadáveres insepultos desses que demoram para se autodenominarem mártires, mas que arrastam consigo muitos outros féretros, mortes e lutos prolongados. Vamos, juntos ou solitariamente, pela estrada aberta, levar uma "rosa azul" para Hiroxima e outra para Realengo. E deixar uma outra naquela sepultura, sem sensacionalismo.

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REFERÊNCIAS NO TEXTO:
Líder de um grupo de assassinos que chocou a América - Charles Manson assume ser um “homem mau” em entrevista à “Vanity Fair”


Consulta e pesquisa nos VIDEOS deixados por Wellington de Oliveira - You Tube


INDICAÇÕES PARA LEITURA-
Psicossociologia - Análise Social e Intervenção - André Lévy, André Nicolaï, Eugene Enriquez, Jean Dubost - organizado e traduzido por Marilia Novais de Mata Machado et al. - Belo Horizonte, MG, Editora Autêntica, 2001.
Massa e Poder - Elias Canetti- Brasília, Editora UNB/Melhoramentos, 1983.

LEIA TAMBÉM NO BLOG -
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8 comentários:

  1. Caro Jorge,

    parabéns pelo texto, com a profundidade de sempre! A sociedade moderna e capitalista, com seus elevados níveis de desigualdade, exclusão e desrespeito ao outro, se não for regulada e mediada pelo Estado, continuará produzindo essas situações.

    Abraços,
    Vinicius.

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  2. Querido Vinicius e seu blog
    Agradeço certo de que sua leitura foi pautada por seu olhar e sensibilidade, mas mais ainda no conhecimento do quanto a Economia transversaliza as nossas vidas no hipercapitalismo... e pode alimentar o que temos de negação da Vida. um doce abraço jorge marcio

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  3. Caríssimo Jorge,
    Pensei, não sei o que comentar.
    (A despeito disso você irá ver que comento).

    Também com certeza o Jorge que todos conhecemos não quer elogios, seriam todos demeritórios.

    Releio o texto, esperando que ele possa ajudar-me num processo contínuo de redefinição de minha humanidade.

    Que possa ajudar-me a elucidar meus preconceitos, meus paradigmas, meus ranços sociais, culturais, minhas xenofobias.

    Tenho uma filha professora municipal em São Paulo. Durante os momentos que se seguiram aos acontecimentos na escola Tasso, ela me disse que infelizmente entrou em sala de aula chorando e não conseguiu controlar-se junto aos seus alunos de 10 anos.

    Relembro também a frase do pai dela, quando ela lhe comunicou que queria ser professora: você vai comer o pão que o diabo amassou.

    Ainda na primeira escola onde trabalhou no ano passado, durante semanas seus alunos jogam cadeiras e mesas. Essa era a única atividade que eles faziam enquanto ela sentada espera para tentar dar aula.

    Depois ela apanhou de dois alunos, foi ameaçada de morte. Alunos com 10, 11, 12 anos.

    Traumatizada, pediu transferência. Naquela escola nenhum professor dá aula. Todos jogam forca, dominó, etc. com os alunos.
    Os pais desses alunos não querem seus filhos educados. São filhos, na maioria de pessoas que maltratam fisicamente seus filhos, e são traficantes e ladrões.
    Por alguns meses minha filha tentou. Por último sucumbiu ( quatro quilos mais magra, abatida, deprimida) à derrota. A ameaça à sua vida lhe causou pânico. Apesar disso chorou imensamente no último dia de aula junto a esses alunos. Havia se apegado aos seus dramas pessoais.
    Gostaria muito de tê-los ajudado.
    Tudo o que ela queria, era ensinar Geografia.

    Todos em casa ficamos chocados. Irmãos, avós, tios, perguntaram-se: o que acontece numa escola na periferia do bairro Butantã em São Paulo?

    Como nenhum diretor, coordenador, seja lá o que for pode garantir àqueles alunos o direito de romper com o ciclo de privações e violências?

    O medo nos imobiliza! Eu fico me ressentindo de não ter feito a minha parte. Qual seria essa parte: escrever para a Secretaria de Educação. Minha filha fez dois B.O.s. Seriam eles suficientes para dar credibilidade às minhas informações de que naquela escola nenhum professor consegue ensinar e que todos têm medo. Quem acreditaria em mim?

    Só fica agora na minha cabeça a belíssima imagem dos japoneses ao ajudarem-se uns aos outros, imediatamente após a tormenta. Sem vitimação, sem vandalismo, todos buscando o melhor para todos. Reduzir o sofrimento, oferecer o abraço, reconstruir.

    Lá aparentemente não a negação da Vida. E me vem as belas imagens de japones nos parques praticando em grupo, trabalhando o corpo e a mente, para a saúde global.

    Muito obrigada por esta enorme viagem neste texto a ser e muito divulgado.

    Grande Abraço

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  4. Querida Gisleine
    Seu comentário texto merecerá também uma releitura e profunda reflexão. O que sua filha esteve fazendo é re-existir no ato de tentar educar e transmitir os conhecimentos, mas em uma Sociedade como a que estamos vivendo, muitas vezes, o educador se depara com estes sofrimentos. O BURNOUT é tipicamente uma situação do trabalho dos educadores no Brasil e ainda vou escrever sobre isso. Espero que possamos persistir em nossas lutas micro para que a macropolítica possa ser modificada... principalmente no campo educacional, única chance de combate mais ativo de nossos fanatismos e preconceitos... um doceafetuoso abraço a você e sua filha e-terna mestra

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  5. Putz. Sociedade alternativa. Ai... quero ouvir uma música do Raul seixas.

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  6. Doutor Jorge estou colocando sei link na barra lateral do blog (IN)PERCEPÇÕES para que meus visitantes possam acessar estas postagens de pura reflexão que encontramos aqui.
    Grande abraço

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  7. Cara Malu
    obrigado pela força e pela difusão do InfoAtivo.Defnet, mais ainda pela busca de ampliação de sensibilidades através de seu blog.... um doceabraço jorgemarcio

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