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domingo, 7 de setembro de 2014

PSICANÁLISE, MACROPOLÍTICA, RELIGIÃO E O ‘’PONTO MORTO’’.

Imagem publicada - Sigmund Freud em 1938, já em Londres, após ser resgatado das garras cruéis e mortais do Nazismo, mas mostrando na face o efeito de mais de 30 cirurgias para o tratamento de seu câncer de palato e da mandíbula direita. Está de óculos redondos, de olhar firme e sereno, enfrentando todas as barreiras que lhe foram interpostas.  Está sem o tradicional charuto na boca. A barba  já está totalmente branca e o rosto emagrecido, por "sua" neoplasia. Apenas um homem, um homem visionário e persistente. Entretanto, por sua postura, não foi e nem deveria ser vilipendiado nem pela política e muito menos pela religião. Ambas não responderam ao seu desejo de outro futuro diante do mal estar na civilização da humanidade. (fotografia com a letra de Freud abaixo dela, com sua assinatura junto com a data 1938)

“Se eu governasse um povo de judeus, restabeleceria o templo de Salomão” (Napoleão, citado por Gustave Le Bon – Psicologia das Multidões, 1895).

E, a Universal, que não é a do cinema ou da tv, e cada dia mais utiliza de todos os meios e mídias, mas das salvações histriônicas, reconstruiu e se “fingiu” e mimetizou como se judaica fosse lá em São Paulo... O Napo Edir demonstrou-se ao seu ‘povo eleito’ e ungido. E foi louvado?

Após uma notícia sobre o uso da Psicanálise para fins de “evangelização” fui lançado novamente a um tema que pesquisei. Estas investigações e pesquisas foram a base de minha aprovação no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Lá nos anos 70, mais precisamente em 1979, com a tese: Psiquiatria, Psicanálise e Religião podem coexistir?

Repito agora, nesses novos tempos pastorais, a interrogação. Apenas modifico com a inclusão da palavra POLÍTICA. E insistirei na busca de outra resposta: macro política, psicanálise e religião podem coexistir?

Segundo a matéria publicada recentemente há, para alguns oportunistas e mistificadores, uma nova utilidade dos conhecimentos descobertos e inventados por Sigmund Freud.

 Os pastores evangélicos utilizariam psicanálise para “cativar fiéis”. Digo que gostei dessa provocação, pude retomar um tema já estudado, e, mais ainda demonstrar a ambivalência que o termo “cativar” nos pode significar. Para mim não coexistimos e muito menos compartilhamos quando presos, iludidos, amarrados a quaisquer messianismos.

Torna-se cativo ou cativar fiéis pode ser também aproximado de cativeiro. Um local, que pode se o Templo de Salomão, onde mantem-se aprisionados e seduzidos milhares de pessoas. Uma massa ávida da salvação e de milagres. Um grupo humano que para O Futuro de uma Ilusão (Freud, 1927) pode estar buscando a repressão: “Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de ... coerção e renúncia às pulsões. ".

Não é por menos que alguns Pastores, como Mala&Faia, Marco Feliciano e cia, fazem uma cruzada homofóbica, tornando-se, neuroticamente, histéricos e vociferadores diante dos avanços dos direitos humanos para as diversidades sexuais no país. Como ocupam, cada dia mais, cargos de poder político torna-se necessário buscar o seu utilitarismo presente e futuro, inclusive nos discursos eleitorais recentes.

 Assim as Macropolíticas e a Religião passam a andar de braços dados. Quem sabe não estamos vendo aí “o retorno do reprimido”? Tenho a certeza científica de que, historicamente, desejamos nos nossos âmagos essa forma de controle. Entretanto também, em alguns corpos e mentes, as repudiamos, a elas estamos resiliente e ativamente combatendo.

Uma forma de controle que passa tanto pelas sutis biopolíticas assim como novos micros lugares onde os poderes serão exercitados e produzidos (Foucault). Reprimimos tanto quanto fomos reprimidos pelo Estado, como o caso brasileiro dos Anos de Chumbo, que ainda passam como verdade alguns discursos políticos de salvação da Ordem e do Progresso. Oferecem e prometem um lugar neutro e apolítico.

Este é o discurso que mais temo. Se procurarmos suas raízes histórico políticas encontraremos o “Vital Center” (Arthur Schlesinger, 1948). Um modelo de passeia entre a democracia e totalitarismo, hoje, também próximo dos fundamentalismos, que foi chamado de “meio da estrada”.

O modelo que foi abraçado por Ronald Reagan e Bill Clinton, tentando eliminar as competições entre o liberalismo e o conservadorismo, mas mantendo, para tal, uma postura “em cima do muro”, nem esquerda, nem direita. Muito pelo contrário uma forma de governabilidade que geraria e gerou um “ponto morto”. O ponto que não é de mutação, e, mesmo negando, é conservador e hipercapitalista.

Esse ponto foi também o que gerou algumas das crises econômicas que saíram do bojo do Império, nascente histórica de novas recessões, novos horrores econômicos. Horrores que justificam e justificaram a busca de posturas fascistas ou totalitárias, ou em sua máscara usada e velha com o acréscimo do termo NEO. O Neoliberalismo aí se cultiva, e, a muitos e muitas, cativa. Os “pontos mortos” são areias movediças para a História.

Há, então, que compreender e buscar respostas diante das novas estratégias de controle seja pela política, aqui como bio, das novas ondas de fundamentalismo religioso ou até mesmo pelos usos midiáticos ou evangelizadores da Psicanálise, mais uma vez anunciados.

Freud não teve a pretensão de que a psicanálise pudesse ser uma alternativa à política. Entretanto, deve se sentir ofendido pelos que usurpam sua Terra Psicanalítica com bíblias nas mãos. Ele, com certeza, se sabia e se sentia um judeu, mas não um rabino.

Apropriações ideológicas ou mistificadoras de quaisquer conhecimentos devem ser por princípio rechaçadas. O que faria Sigmund entrando ou participando de uma festa de reinauguração do Templo da Universal? Duvido que muitos achem que ele aceitaria. Eu digo que não. A sua vida e obra caminham em outra direção, buscam solver outros mistérios, outras verdades. Os novos vendilhões seriam expulsos do Templo? Ou com o Tempo?

Segundo Chemouni:”... Freud era um explorador modesto. Elaborou com tanta paixão a ‘sua’ psicanálise  que, mesmo se tivesse desejado, não teria tido tempo para entregar-se a outras tarefas”. E, vivendo em uma virada de séculos, com o recrudescimento do antissemitismo, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Comunista e muitos “ismos” surgindo, não se tornou um ‘sionista’.

Hoje, acho eu, ele não autorizaria um massacre genocida da Palestina para que a Declaração de Balfour (1897) em seu objetivo de “encorajamento da colonização da Palestina por fazendeiros, camponeses e artesãos (judeus)”, utilizasse a guerra e a invasão como recentemente tele assistimos. Freud desconfiava da política. Nós somos treinados para desconfiar dos políticos e sua representatividade.

Ele teria, hoje, que reconhecer os desvios teóricos que a Psicanálise vem, historicamente, padecendo e/ou reproduzindo. O “Pai da Psicanálise” teria que re-conhecer as demolições de conceitos feitas por Guattari e Deleuze. Ambos seriam iconoclastas?  Quem sabe o criador, para além dos freudismos, leria com outros olhos o Anti-Édipo? Aceitaria a afirmação deleuziana “de que não devia considerar o desejo uma superestrutura subjetiva mais ou menos no eclipse”? O desejo e suas máquinas não cessam, não se limitam, podem transbordar, mas podem ser capturados pelas políticas.

Na sua Ilha Deserta, Deleuze, nos lembra, em debate com François Chatelet, Pierre Clastres, Roger Dadoun, Serge Leclaire e outros, a visão Guattari-deleuzeana de que “o desejo não para de trabalhar a história, mesmo nos seus piores períodos. As massas alemãs acabaram por desejar o nazismo...”. E, em nossos debates macro políticos atuais que desejo estamos pressentindo das nossas massas? O do ressentimento?

Ainda somos os mesmos daquelas massas, não-multidões, que foram para as ruas em Junho de 2013? Onde foi parar a nossa indignação e revolta? Guattari e Deleuze no debate citado nos dizem: “- Em certas condições as massas exprimem a sua vontade revolucionária, os seus desejos varrem todos os obstáculos, abrem horizontes inauditos, mas os últimos a se darem conta disso são as organizações e os homens que se supõem representá-las...”.

Repetirei ou não o convite à interrogação, no texto de 14 de junho de 2013: A PRAÇA É DO POVO? AS RUAS SÃO DOS AUTOMÓVEIS E ÔNIBUS? E DIREITOS HUMANOS SÃO DE QUEM? Ou vou convidá-los a uma posição mais ativa e participante, micro e macro politicamente? Vamos retornar, retroceder, ceder e optar pela chamada “Nova Política”?

Um recente manifesto do Clube Militar, que abre os braços para esta “nova política”, afirma que a candidata evangelizadora será a melhor opção para não tocarmos nas feridas abertas pelos Anos de Chumbo.

Vamos realmente reconhecer que são os corpos torturados, destruídos e lançados no Cemitério de Perus? E os responsáveis, inclusive o Governo da época, seus generais, almirantes, comandantes, seus subordinados ou seus algozes autorizados irão ser julgados, para além da Anistia? Por que estes senhores de pijamas com estrelinhas aposentadas estão com o poder de se afirmar os herdeiros da Ditadura Militar?

Acredito que eles desejam a manutenção de um Estado repressor, um Estado que possa ser tão sedutoramente “novo” que suas antigas repressões políticas sejam “esquecidas”. Volto, então, a Deleuze e Guattari que nos indagam: “Se é verdade que a revolução social é inseparável de uma revolução do desejo, enquanto a questão desloca-se: em que condições poderá a vanguarda revolucionária libertar-se da sua cumplicidade inconsciente com as estruturas repressivas e frustar as manipulações do desejo das massas pelo poder...?”

Estamos ávidos de servidão ou de salvação? E os pastores políticos serão nossos salvadores ou nossos “novos” senhores? Na vida política, seja nas macro ou micro políticas, ou nas psicanálises não deve haver espaço para neutralidades, mitificações ou mistificações.

Vamos acordar, ou seja, vamos colocar nossos corações e mentes em sintonia, e aí a Psicanálise talvez possa contribuir, mas nunca poderá substituir nossa busca de vontade política e de outras cartografias para o viver.

Para a resposta sobre a coexistência das práticas políticas, das psicanálises e das religiões, instigo a todos e todas buscarem as implicações que cada campo do viver citado propõem. Olhemos as fotografias ou imagens maquiadas com outras visões e pontos críticos. 

A de Freud, lá em cima, nos traz alguém que resistiu, com determinação, tanto ao Nazismo/Fascismo quanto ao próprio câncer do palato e de mandíbula. Sua memória fotográfica aí é a da re-existência que tanto falo e escrevo. Photoshops, há outros sendo midiatizados, seja de candidatos, candidatas, pastores ou não, mas que nos anunciam ‘novas-já velhas máquinas de Poder’ ou de “Glória”.

Concordo aí com Debray que nos diz que: “Reconhecer que existe algo mais do que a máquina na máquina destinada a transmitir é sugerir que, na arte de governar, há menos arte do que se possa presumir e mais mecanismo do que o próprio artista possa imaginar...”. Somos a Sociedade do Espetáculo, do Controle e da Hipermidiatização do viver?

Por isso, olhando para o nosso futuro sem ilusão, novamente, me/nos pergunto: - somos apenas espectadores televisivos, marionetes midiáticos, fanáticos religiosos ávidos da Salvação e da imortalidade, ou tornamos insondáveis que somos como um Inconsciente Maquínico, apenas criticamente mais e mais humanos que não abrem mão e negociam seus princípios éticos e seus direitos?

Copyright/left – sem estar no centro, muito pelo contrário jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação para e com as massas) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025.

Matérias citadas e “visíveis” da Internet


Vital Center - Arthur Schlesinger, em "Introdução à Operação Edition" de The Vital Center https://en.wikipedia.org/wiki/Vital_Center

FREUD NÃO EXPLICA! Pastores brasileiros usam psicanálise para cativar fiéis evangélicos https://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=6&cid=209189

E para a “revelação” ou “insight” sobre o momento político-pastoral - VEJAM O VÍDEO, REFLITAM E COMPAREM COM VIDEOS DO PASSADO DOS QUE PROPUSERAM O FASCISMO COMO SOLUÇÃO: Pastora Ana Paula Valadão, "muito louca", profetiza a chegada da hora da igreja na política COMO UM EXÉRCITO? ou COM O EXÉRCITO?) https://www.geledes.org.br/pastora-ana-paula-valadao-muito-louca-profetiza-chegada-da-hora-da-igreja-na-politica/#axzz3CdwTGJik

Indicações para leitura crítica e reflexiva –

O FUTURO DE UMA ILUSÃO /TOTEM E TABU/ MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO – Sigmund Freud, Editoras Imago e Companhia das Letras, com edições diferenciadas pelas traduções e pelos tradutores.

FREUD E O SIONISMO (Terra Psicanalítica Terra Prometida) – Jacqui Chemouni, Editora Imago, Rio de Janeiro, RJ, 1992.

A ILHA DESERTA e outros textos – Gilles Deleuze, Editora Iluminuras, São Paulo, SP, 2006.

DIFERENÇA E REPETIÇÃO – Gilles Deleuze, Editora Graal, Rio de Janeiro, RJ, 1988.
O ESTADO SEDUTOR (As Revoluções Midialógicas do Poder) – RÉGIS DEBRAY, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1994.

LEIA TAMBÉM NO BLOG –

A COREIA DO FANATISMO POLÍTICO E O FANATISMO RELIGIOSO DO PASTOR – estamos no Século XXI? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/04/a-coreia-do-fanatismo-politico-e-o.html

FUNDAMENTALISMO, FASCISMO E INTOLERÂNCIA SÃO INCURÁVEIS? E OS GAYS? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/fundamentalismo-fascismo-e-intolerancia.html

Para não se esquecer do Pastor/Deputado - A ILHA DE FELIZ SEM ANO E SEU INTRUSO, E, NÓS TAMBÉM. (apenas um re-conto) 

MOVIMENTOS, MASSAS, MANIFESTOS E HISTÓRIA: POR UMA MICROPOLÍTICA AMOROSA, URGENTE. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/movimentos-massas-manifestos-e-historia.html

O CORPO ULTRAJADO ONTEM SERÁ O CORPO NEGADO AMANHÃ? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/03/o-corpo-ultrajado-ontem-sera-o-corpo.html

sábado, 14 de julho de 2012

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA.

Imagem publicada – uma foto em preto e branco sobre um filme, dos anos 30, sobre a presença e criação de robôs pela ciência. Um cientista se vê cercado pelas criaturas que aparentemente ameaçam ou ameaçarão o seu próprio criador. É a metáfora de Frankenstein que se repetiu em muitos filmes, e hoje é parte de um questionamento bioético sobre os limites de nossas intervenções biotecnológicas e médicas no corpo e na vida dos seres humanos. O que estamos inventando para o nosso futuro: desde robôs nano tecnológicos que tratarão nossos adoecimentos ou adoecidos seres humanos que se tornarão também robôs?

Quando acordei a semana passada de uma anestesia geral, novamente, pensei em quem estava ao meu lado na sala de recuperação. Eram muitos, pois minha pressão arterial caiu, e os meus temores aumentaram o número de leitos ocupados. Somos impelidos a ver múltiplos ou duplos de nós mesmos nas horas de turvamento da consciência Então, semi lúcido, pensei naqueles que nos assistiam e monitorizavam, eram para mim parecidos com robôs...

Por que então o tema dos robôs me foi lembrado? Primeiramente por que eu próprio já me sentira um quando acordei da neurocirurgia no ano de 2009. Não sei se os meus leitores já sabem do que sofri no pós-operatório e da colocação em meu corpo de parafusos e hastes de titânio. Muitos ainda nem sabem das sequelas que adquiri.

Pela dor acrescentada pelo descuido tive uma queda acidental ao ser deixado cair de uma cama para uma maca. Estavam me levando para uma tomografia. E foi um forte homem negro, um “segurança” do hospital que colocou dentro da máquina. Começavam aí minhas ideias sobre a robotização do corpo e da humanidade. Começou minha vivência e experiência de meu duplo com deficiência...

No local onde permaneci dentro de um hospital universitário havia o que já presenciara muitas vezes de outro ponto de vista, também na Saúde Mental: a desumanização do cuidado como Outro. Era o que chamamos de serialização de atitudes e comportamentos. Os profissionais de saúde, assim como outros que lidam com grandes massas ou públicos, podem se tornar autômatos.

Tornam-se ou nos tornamos verdadeiros seres robotizados por um trabalho exaustivo e alienante. Os riscos que deveriam ser um estímulo criativo tornam-se uma ameaça, é o que ouvi de profissionais durante a noite hospitalizada e fria. No quarto ao lado estavam sujeitos amarrados em seus leitos, eram assaltantes perigosos, justificavam os três policiais de colete que passearam noite adentram na porta do meu quarto quase infectado.

Desta lembrança indelével, qual a memória de quem sofre uma tortura, é que restou uma vontade de refletir sobre o que é realmente um robot?

A palavra ROBOT vem do tcheco, que significa trabalho repetitivo, depressa destronou denominações mais antigas como autómatos ou androides, generalizando-se como designação corrente para as “máquinas” capazes de realizar, com algum grau de autonomia, vários tipos de operações.

Na etimologia tcheca oriunda de tempos medievais o termo “robota” significava o trabalho gratuito que um servo devia ao senhor. Ou melhor, era uma das formas de trabalho escravo. A ideia atravessou os anos e ainda temos esse trabalho indigno nas nossas melhores grifes ou roupas, lá os tempos modernos de Chaplin são fielmente reproduzidos. O modelo fordista e serializado obriga aos “neo-robôs” bolivianos, por exemplo, a uma servidão contínua. 

A primeira ideia sobre o termo me foi apresentada pela psicanálise. Em um trabalho de Sigmund Freud em seu trabalho sobre o “estranho, o sinistro, o desconhecido” (Das unheimliche -1919). Este texto é inspirado em outro autor: E. T. Hoffmann, um escritor, músico e desenhista alemão. Foi em seu conto o “Homem de Areia” que inspirou Freud para mais uma teorização a partir da literatura.

Não é a revelação freudiana de que o que nos assusta no desconhecido é também a nossa atração ou desejo de vivenciá-lo, mas como tentamos negar essa relação. É o aspecto de estranheza que algumas formas de “duplos” ou espelhamentos nossos despertam. É o que me faz pensar sobre nossas robotizações em ação, são as máquinas humanoides que me interessam. Vivenciamos muitas angústias diante das máquinas e as recalcamos.

Estamos cada dia mais próximos do que na ficção dizemos temer: um dia o exterminador do futuro estará se liquefazendo, como um homem de areia, na nossa frente. A história que se construiu sobre nossas futuras situações diante das tecnologias e dos robôs é de uma guerra em que perdemos tudo. Inclusive nossa própria capacidade de sermos humanos.

O que já vivencie no corpo e na mente através das minhas próprias fragilizações me mostra o quanto uma deficiência pode ser tratada como uma aproximação de máquinas. O modelo biomédico ainda ativo nas formas de cuidado é a intervenção mais presente, com apenas técnicas ou biotecnologias. Muitas vezes desumanizadas. É o que esperamos de nosso futuro ciborgue? Ou o que esperamos dos ciborgues do futuro?

A revista Info recentemente estampou em sua capa a seguinte chamada: “Superação Ciborgue”, com o subtítulo: “engenheiros e médicos unem-se para criar próteses controladas por chip, sensores e software. Elas substituem pernas, mãos, pés, joelhos e até ouvidos. Entendam como funcionam”.

A capa me suscitou algumas questões. Ela apresenta um homem com os mesmos pés Cheetah. São as pernas de titânio substitutas do atleta parolímpico Alan Fonteneles, parecidas com as próteses de Pistorius. Aquele atleta que quer ser “incluído” nas Olimpíadas dos “normais”, mas se sentou no banco dos réus como eles.

Uma de minhas indagações é quantos são os sujeitos que têm acesso a estas pernas substitutas? Ainda mais o quanto há de aperfeiçoamento destas próteses apenas com a intenção de futuras robotizações checas no hipercapitalismo? Olhamos com temor estes novos ciborgues com deficiência? É o desconhecido futuro que nos espera/assusta?

Sou e serei um entusiasta das novas tecnologias aplicadas como assistivas ou suplementares para pessoas com deficiência. Há, porém esta questão que chamarei de biopolítica da transformação de nossos corpos “hipossuficientes” em corpos plenamente controláveis para a produção serializada de um trabalho alienado.

Há muitos anos venho difundindo e estimulando os avanços que podem ser conquistados com o uso de novas formas de inclusão com uso de tecnologias de reabilitação ou habilitação. Aposto, porém, no futuro da universalização de acesso socializado e não segregado às novas tecnologias.

O que temos de alertar, para além das possibilidades de um homem como Neil Harbinsson, é a quantidade de sujeitos sem nenhum acesso ao que podem estes “aparelhos”, “neo esqueletos”, “próteses eletro-eletrônicas”, enfim, quaisquer das mais avançadas formas de nos tornar mais biônicos. O cinema já naturaliza os “transformers” como a massa do futuro.

Somos hoje uma massa de mais de 600 milhões de pessoas com deficiência. Há uma margem de aproximadamente 20 a 30% destes seres humanos que ainda estão nas chamadas exclusões sociais e pobreza. Calculem quantos anos ou séculos levaremos para sua real inclusão desses não-cidadãos e cidadãs na perspectiva futurista do game Deus Ex: Human revolution, citada na Info?

No Brasil já temos alguns destes avanços, como os implantes cocleares, sendo incluídos no direito universal da saúde e da qualidade de vida. Porém ainda temos também na sua contramão, apesar dos milhões do Viver sem limites, bem como dos investimentos em tecnologias assistivas, uma grande massa de excluídos, micro e macro politicamente, do usufruto destes avanços.

Recentemente visitei um site que demonstra o uso do Kinect, um videogame sem nenhum controle, onde nossos movimentos é que são projetados/controlados, como forma de ajuda tecnológica para pessoas dentro do espectro do Autismo. Mas a pesquisa da Universidade de Minessota se diz servir para “... alertar para que haja uma maior atenção com aquelas (crianças) que mostrarem comportamentos não esperados, como tendência para ser ativo demais ou de menos”.

Nessa área de controlar e identificar as diferenças, sem, contudo, qualificar suas singularidades, é que temo pela promoção de seu uso meramente classificatório e reabilitador. Para além dessa perspectiva devemos buscar a criação de novas cartografias e novos usos micropolíticos dessas “invenções ou descobertas científicas”.

Nessa perspectiva é que entramos em um ano muito importante. Estamos perto de ver paraolímpicos quebrando os mesmos recordes que os ditos olímpicos. Estamos tele ou assistindo e conhecendo o crescimento do número de candidatos com deficiência para cargos representativos em governos municipais ou câmara de vereadores. Aumentaremos a participação política de pessoas com deficiência nos espaços de governo e gestão pública?

Creio e espero que sim. Porém, ainda temos de promover uma ampla conscientização e capacitação sobre os mais elementares direitos e conquistas a que cada cidadão ou cidadã com deficiência têm direito. 

As formas de exercício macro político, apesar do crescimento da presença de pessoas com deficiência em seus espaços de poder, mantêm-se presas à corrupção e ao uso desonesto de recursos públicos. 

Ainda temos muitos representantes robotizados e desumanizados, verdadeiros portadores, estes sim, de muitas “deficiências” ético-políticas. Já naturalizaram a centralização e o abuso do poder. E, sua maioria, atendendo a interesses pessoais, eleitorais ou minoritários, ainda insiste em criar novos artifícios legais antes mesmo de reconhecer o que já foi ratificado e decretado.

Um exemplo é ausência de reais políticas públicas Inter setoriais que estejam garantindo, para além do acesso gratuito a alguns, a verdadeira acessibilidade dos estádios da Copa. E a transparência dos gastos astronômicos desde a demolição às novas arquiteturas que ainda não conhecem o conceito de desenho universal. Eis uma tarefa árdua para os candidatos a participação nesse cenário político...

O que espero, então, de novos e postulantes, como sujeitos com deficiência, à sua participação nos poderes públicos? Espero que possam reforçar a compreensão da indispensável mudança do paradigma biomédico, já que nele considerei um campo fértil para a simples robotização. E que possam, ativamente, propagar e efetivar o que se postula como o modelo social das deficiências.

Ao se manter a visão assistencialista, paternalista, caritativa, excludente e adoecida de sujeitos vivendo e convivendo com deficiências estamos também mantendo um olhar biopolítico de controle e uso de seus corpos. Precisamos buscar o olhar, a visão e a escuta sensível dos Estudos sobre as Deficiências. Precisamos investir na conscientização e apropriação da Convenção e os direitos humanos. Precisamos de políticas públicas que se fundamentem nesses princípios.

Uma plataforma que espero se incluirá nos discursos e nas propostas concretas de quem se investir nos lugares de representação macro política é o exercício micropolítico e revolucionário da re-humanização de espaços de saúde e educação.

O projeto e processo inclusivo, a meu ver, devem alicerçar ações e cuidados, para além do olhar reabilitador, que tornem nossos corpos para além do trans-humano ou robótico. A visão de servidão que está subjacente/significante à nossa protetização hipermoderna, apesar do que se propagandeia oficialmente, é a que equipara não apenas a funcionalidade de um corpo.

É principalmente quando não esperamos, onipotentemente, a sua transformação em um objeto-robô. Primeiramente porque já sabemos, de antemão, que muitos ficaram e ficarão fora do alcance destas conquistas micro, macro ou nano tecnológicas. Como dizia um velho conhecido: quem bancará seu custo? Além disso, podemos apenas atender às pessoas que puderem ter acesso aos recursos ou avanços da sociedade. Ou seja, quem pode pagar.

Um exemplo atual é a notícia de uma companhia de aviação que terá seus banheiros com acessibilidade. Espero que a mesma se recorde das suas inúmeras ações de preconceito com os passageiros considerados prioridade nos aeroportos. Não basta poder fazer xixi sentado com barras de apoio. Precisamos de todos os direitos de acessibilidade, para além das barreiras visíveis, sendo cumpridos e respeitados.

Nem mesmo bastará que a acessibilidade dos aeroportos se torne, por causa dos eventos esportivos futuros, uma realidade parcial. Os espaços de voos ou pouso não são os únicos que garantem a inclusão social e econômica sustentável que irá para mais de 20 anos. 

Estes espaços não podem se tornar os não-lugares. Se como as escolas, se tornarem realmente inclusivos e universais nem teremos então de dialogar com um ponto eletrônico da Anac, do PROCON ou da Infraero no futuro. Ainda existirão, nesse porvir, “trabalhadores” re-humanizados. As formas metálicas ou frias de resposta já terão sido sofisticadas por novos andróides.

Por isso não podemos esquecer que o que alguns homens imaginam outros poderão realizar no futuro. A primeira citação a robôs é de 1920. Faz parte da peça de Karel Kapek: R.U.R (“Rossuns Universal Robots”). Surgida como desencanto após a 1ª Guerra Mundial como um alerta para a humanidade, antevisão de uma guerra com “soldados universais”, metade homem, metade máquina mortífera.

Primeiramente são criadas cópias fiéis de nós humanos. Tornados trabalhadores eficientes, apesar de “deficientes”, tornar-se-ão os futuros robots. Tornam-se, então, capazes de amar o BBB, esquecendo-se de 1984 de Orwell, ou se serializam em um Admirável Mundo Novo, esquecendo que Aldous Huxley bebeu de sua própria literatura, o “soma”, a bebida que surge de cogumelos, para entrar em contato, sem dor ou sofrimento, com seu/nosso lado sinistro: a morte.

Vivemos intensamente os tempos do Hipercapitalismo integrado e excludente, na Idade Mídia. Engolfamo-nos, serializados, em dilemas bioéticos como as clonagens terapêuticas e reprodutivas, as próteses, os implantes, as cirurgias plásticas de total reconstrução e remodelação corporal, com suas diferentes formas de artifícios, lipoaspirações, fertilizações invitro, barrigas de aluguel, cirurgias bariátricas.

Hoje, ontem e amanhã vamos até o limite ético e eugênico das descobertas de meios de “prevenção” de uma Síndrome de Down por exames ultrassofisticados. Tendo a certeza de que todos são e serão muito caros e eticamente questionáveis.

Eu, aqui, sorvendo e sofredor dessas literaturas bioéticas, espero, sonhador de outras utopias, um pouco de humanidade nos autômatos e subjetividades que estamos produzindo, para além de quaisquer de suas deficiências humanas, no campo do exercício dos poderes.

Excelências ou futuras excelências me digam que estou errado. Vocês por nenhum dinheiro do mundo irão esquecer as pontes para o futuro que desejou o criador da Bioética. Como humanos potencializados pelas novas tecnologias nunca irão permitir a edulcoração, o adoçamento, ou a negação de nossos direitos fundamentais.

Não estamos ainda para além das Sírias, dos Sertões, das catástrofes ou massacres. Caminhamos na incerteza, dialogamos permanentemente com a Dona Morte, esquecendo que a atual e moderna felicidade de consumo é apenas dependente dos fatores e poderes políticos.

Quem sabe os próximos tempos nos tragam novas formas de governamentabilidade e sustentabilidade. E, eu, afirmativamente, só votarei em quem souber me dizer com propriedade e crítica o que significam as palavras robô, política e deficiência.


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Notícias na INTERNET:

R.U.R. https://en.wikipedia.org/wiki/R.U.R.


TAM será a primeira no mundo a ter banheiros com acessibilidade em aeronaves narrow body https://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=209856

Revista INFO – Nº 316= Maio de 2012: Superação Ciborgue
https://www.lojaabril.com.br/detalhes/revista-info_superacao-ciborgue_edicao-316_maioe2012-486368
KINECT AJUDA A DIAGNOSTICAR E A TRATAR AUTISMO https://robotica-autismo.com/

Primeiras imagens de robôs de Robocop, que será dirigido por José Padilha, caem na rede https://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2012/07/13/primeiras-imagens-de-robos-de-robocop-que-sera-dirigido-por-jose-padilha-caem-na-rede/

Google pode usar mini-robôs voadores para capturar imagens (1984 – Orwell tinha a antevisão?*) https://googlediscovery.com/2010/08/07/google-pode-usar-mini-robos-voadores-para-capturar-imagens/

7 assustadoras tecnologias de “1984, George Orwell” que existem nos dias de hoje! https://literatortura.com/2012/07/03/7-assustadoras-tecnologias-de-1984-george-orwell-que-existem-nos-dias-de-hoje/

POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO no SUS 

O que é Humanização? https://hitechnologies.com.br/humanizacao/o-que-e-humanizacao/

Um pequeno questionamento – Chain Samuel Katz
https://www.freudiana.com.br/documentos/chaimabf.pdf

Novo exame para detectar síndrome de Down gera discussões éticas https://www.dw.de/dw/article/0,,16091026,00.html

Indicações para Leitura:
Das Unheimliche, Sigmund Freud 1919h, em Gesammelte Werke, vol. XII. Trad. Brasileira,Standard Edição Brasileira, trad. Imago, vol. XVII, Rio de Janeiro, RJ.

Contos Sinistros – E. T. A. Hoffmann – Editora Max Limonad, São Paulo, SP, 1987.

O que é deficiência – Debora Diniz, Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 2007.

Sobre a felicidade – Ansiedade e consumo na era do Hipercapitalismo – Renata Salicecl, Editora Alameda, São Paulo, SP, 2005.

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domingo, 24 de outubro de 2010

QUEM SÃO ELAS? O ABORTAMENTO ´POLÍTICO' DO ABORTO

imagem publicada - Uma mulher indiana, deitada, em uma maca, olha para um bebê branco, caucasiano, que ela gestou por 09 meses, e dele terá de se despedir nesse instante. Esta é uma das cenas do filme, produzido e dirigido pelo cineasta de Tel Aviv, Zippi Brand Frank, que examina as maneiras pelas quais a globalização e o hipercapitalismo da reprodução assistida, difundiu e complicou ainda mais a indústria da fertilização. Google Baby, no entanto, também é a crônica de uma ideia concebida por um empreendedor israelense chamado Doron, que entrou no negócio usando doadoras de óvulos dos Estados Unidos e barrigas de aluguel da Índia para atender aos "sem-filho" do mundo ocidental. A necessidade pode ser a mãe da invenção. Mas quem é o pai de uma criança quando o esperma vem de Israel, o óvulo dos Estados Unidos, e a gravidez de aluguel tem lugar em Gujarat, Índia? Bem vindos ao mundo real e capitalista dos nascimentos de bebês subcontratados no Oriente, via internet, para "fregueses e freguesas" do Ocidente.

Saindo de cena e entrando no debate

Já escrevi e reescrevo "todo mundo é um útero... todo útero é um mundo...". Mas precisamos afirmar que nem toda mulher é apenas um útero. Hoje, em tempos eleitorais, digo: "todas as mulheres são eleitoras, mas algumas podem ser mais que isso...". Elas podem escolher o que gestar e gerar para o mundo, para além de quaisquer macropolíticas, preconceitos ou ideologias. Como dizia poeticamente Walt Whitman: " uma mulher me espera: ela tem tudo, nada está faltando...", contrariando a imposição de uma posição de falta e castração. " Elas não tem um ponto a menos que eu,..."

Tenho estes dias um 'treco' entalado na garganta, ou melhor um "trem ruim", como dizem em minha terra natal. Essa desagradável sensação decorre da exploração política de um tema delicado. Uma questão feminina, que me é muito cara, sendo também importante e, bioéticamente falando, fundamental na vida humana. Para quem acredita na concepção primordial de Van Renssalear Potter que: "A BIOÉTICA É A CIÊNCIA DA SOBREVIVÊNCIA HUMANA", na perspectiva de defesa da dignidade humana e da qualidade da vida.

Aos que desconhecem a realidade vivida por muitas mulheres no Brasil acerca do abortamento, da interrupção da gravidez ou do que chamamos, com nossos reducionismos de "aborto", recomendo: assistam o documentário "QUEM SÃO ELAS", de Débora Diniz.

Usem 20 minutos de suas preciosas horas vividas, e respondam a essa indagação. Depois conversamos e discutiremos sobre o direito das mulheres que estão ou estiveram com fetos anencéfalos como questão de vida. E mais ainda a resposta à pergunta: quem já abortou? quem já tentou? quem são elas, estas mulheres que abortam?

Este documentário conta a história quatro mulheres, no período de 2 anos, tendo como fio condutor histórico de que todas vivenciam "força e resignação diante do luto precoce". E o título desse filme resultou da indagação de um Ministro do STF, que indaga: "quem são elas? eu, nunca as vi...". Foi no Supremo Tribunal de Justiça que a pergunta, com esta "superioridade", foi formulada. Em julho de 2004 a Justiça brasileira havia autorizado que mulheres grávidas de fetos anencéfalos interrompessem a gestação. Após quatro meses essa autorização foi abortada... por pressão e recursos conservadores...

Agora reedita-se uma posição de midiatização e espetáculo em torno da questão do aborto, de forma superficial e semelhante. Ao invés de um debate aberto com as forças conservadoras, o que assistimos é a biopolitização do tema. É a sua retomada como uma questão de opinião ou de convicção religiosa ou ideológica. Enquanto isso, elas continuam sendo mais vítimas que rés. Continuam sendo penalizadas com suas internações no SUS, onde chegam das clínicas clandestinas, ou seu padecimento físico e psíquico por serem impedidas de realizar uma antecipação de parto em casos de anencefalia...

Abortar o aborto do cenário político e introduzi-lo no cenário do debate bioético é imperioso para o momento brasileiro. Já que engravidamos a Mídia do tema Aborto, é a hora de falar, pensar e refletir sobre a interrupção da gestação. Vamos interrogar o dilema bioético: "quando começa a Vida?". Porém com um outro olhar e abordagem. E as respostas que ainda não temos poderá vir de um amplo debate nacional. 

Temos de construir uma visão bioética e não uma reedição conservadora e a falsa ideologização, que, sob o manto da sacralização, continuam a ser gestadas nas entranhas dos mais antigos mitos, as mais antigas tradições religiosas, dos mais reacionários modos gestão e controle biopolítico da vida.

Pela vida não deixei de lutar e isso traduz-se em meu artigo Direito à Vida do livro Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada, onde afirmo: "O Direito à Vida exige a segurança social, a habitação, condições de alimentação e sobrevivência com dignidade, condições, em um mundo de exploração hipercapitalista, necessariamente ligadas aos direitos econômicos, o que nos alerta permanentemente para uma defesa intransigente e aguerrida de que a Vida tem de ser protegida e, é dever de todos os Estados a sua promoção e qualificação"

Não podemos continuar confundidos na questão de um abortamento, com casos de estupro e anencefalia, por exemplo, pois em ambos já há previsão jurídica e penal. Mas ainda, em ambas situações, há alegações de cunho moral ou religioso, e deles devemos retirar quaisquer dos ranços de eugenia ou de seleção do melhores para a vida. E isso já apontei como uma ponte para o futuro no texto Apagar-se uma pessoa com Síndrome de Down.

Os tempos modernos que são vividos pelo corpo feminino, e seu devir, traçam novas cartografias pelos campos da reprodução assistida, das manipulações genéticas, da hiperexposição ou da negação de sexualidades, e, até, da exploração de úteros de aluguel, como nos mostra um duro documentário exibido pela HBO recentemente: //Google_Baby. Nesse documentário, com a imagem reproduzida acima, retrata-se o uso de úteros de mulheres indianas que são "mães de aluguel" da Índia oferecidas ao Ocidente via espermática de Israel pela Internet. O útero foi globalizado...

Recomendo a todos a leitura atenta do texto: Bioética e Aborto, de Debora Diniz (em Tópicos de Bioética), que nos esclarece sobre as diferentes formas de interrupção de gestação, que vão desde a Interrupção Eugênica da Gestação (ieg) até a Interrupção Voluntária da Gestação. Nesse texto podemos reconhecer os direitos reprodutivos das mulheres, as que, em princípio, deveríamos escutar e respeitar quanto às questões que envolvem sua singularidade, gênero, corpo e vida.

A autora nos mostra, com argumentação bioética, que: "...o respeito à autonomia reprodutiva é um princípio inalienável para qualquer decisão...", onde a legitimidade de um procedimento de antecipação, por exemplo, terapêutica é "uma vontade expressa da mulher".

 E, então, podemos responder aos ministros, aos bispos e aos políticos: - ELAS SÃO APENAS MULHERES COM DIREITOS HUMANOS, ONDE A AUTONOMIA E A TANGIBILIDADE DA VIDA SÃO FUNDAMENTOS PARA QUE CONTINUEM SENDO AS DOBRAS DE ONDE SE DESDOBRARAM OS HOMENS.

Quanto á escolha de quem nos dirigirá presidencialmente, se um homem ou uma mulher, afirmo que devemos e podemos escapar de mais um espetáculo macropolítico que se utilizará de dilemas morais para outros fins.

Tenho a esperança de todos brasileiros que olham, micropolíticamente, para o futuro que podemos gestar e parir. E se refluirmos para o paradigma da Exceção e dos Homo Sacer (Giorgio Agamben), tornando-se um grande risco biopolítico para a autonomia e para a igualdade de direitos, seja para a vida coletiva ou para a de cada um, que tenhamos a coragem de abortar..., para além de quaisquer dilemas, quaisquer formas ou práticas de autoritarismos ou ditaduras... Os eugenistas estão de prontidão ainda.

Aos nossos atuais representantes políticos, aos bispos, aos Ministros, aos que chamo de "sinistros" e "falsos" defensores da Vida, com todo respeito, é a hora de lutarmos pela concretização de um Conselho Nacional de Bioética. E, se tiverem coragem, convoquem as mulheres, cuja voz e direito foram cassados, para presidirem esse novo espaço político e ético. Tenho a certeza de que lá elas irão também implantar um novo paradigma estético e amoroso...

Saiamos, urgentemente, do uso banalizado do termo, deixemos o Estado Espetáculo, façamos uma outra cena: vamos, coletiva e individualmente, parar de abortar o aborto de nossas mentes conservadoras, parar de negar suas realidades multifacetadas em um país de muitas ''caras''....

Vamos afirmar que, hoje, vejam a pesquisa abaixo, o aborto não mais apenas uma "opinião", é um grave problema da Saúde Coletiva no Brasil. E ainda podemos criar em breve alguns meios internáuticos de produção de seres serializados, eugênicos e de ''baixo custo", usando o Facebook, o Twitter e até o Orkut, bastando para isso manter a situação de miséria, analfabetismos, exclusões e desfiliações sociais, especialmente de mulheres... Virá, então, o útero cibernético, de mulheres pobres, naturalmente!.

copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar as fontes e autores em reproduções livres pela internet ou meios de comunicação de massa)

INDICAÇÕES, ver, repensar, refletir, recomendar:

QUEM SÃO ELAS? - documentário - Debora Diniz - Imagens Livres - 2006 (20 min)
UMA HISTÓRIA SEVERINA - documentário - Débora Diniz & Eliane Brum - Imagens Livres -
À MARGEM DO CORPO - documentário - Debora Diniz - Imagens Livres - 2006 (43 min)
HABEAS CORPUS - documentário - Debora Diniz & Ramon Navarro - Imagens Livres - 2005 (20 min)
HOMO SAPIENS 1900 -, documentário - Peter Cohen - Versátil Home Videos - Suécia, 1988.
//GOOGLE_BABY - documentário - Zippi Brand Frank - HBO - 2007.

contatos para os filmes Debora Diniz:
www.anis.org.br
Google_Baby:
https://www.hbo.com/documentaries/google-baby/index.html
A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência Comentada - https://www.bengalalegal.com/comentada.php

Fontes bibliográficas -
- Bioética e Saúde- novos tempos para mulheres e crianças - Fermin Roland Scharamm e Marlene Braz, Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, 2005.
- Ensaios: Bioética- Sérgio Costa e Débora Diniz , Editora Brasiliense &Letras Livres, São Paulo/Brasília, 2006.
- Princípios de Ética Médica - Tom Beauchamp & James Childress, Edições Loylola, São Paulo, SP, 2002
- Tópicos em Bioética - Sérgio Costa, Malu Fontes e Flavia Squinca (orgs), Letras Livres, Brasília, DF, 2006.
- Introdução Geral à Bioética- História, Conceitos e Instrumentos - Guy Durand, Edições Loylola/Centro Univ. São Camilo, São Paulo, SP, 2007.
- A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada - Ana Paula C. Resende e Flavia Maria P. Vital - Corde/SEDH, Brasilia, 2008.


PESQUISA NACIONAL DE ABORTO é uma pesquisa nacional desenhada para representar o que ocorre na vida reprodutiva das mulheres urbanas alfabetizadas de 18 a 39 anos no Brasil, cuja pergunta principal é Você já fez Aborto?
Os resultados referem-se ao ano de 2010, no Brasil urbano.
FONTE

*Ao completar 40 anos cerca de uma em cada cinco (mais exatamente, 22%) das mulheres já fez um aborto.

*Contrariamente a uma idéia muito difundida, o aborto não é feito apenas por adolescentes ou mulheres mais velhas. Na verdade, cerca de 60% das mulheres fizeram seu último (ou único) aborto no centro do período reprodutivo, isto é, entre 18 e 29 anos, sendo o pico da incidência entre 20 e 24 anos (24% nesta faixa etária apenas).

*Como abortar é um fato cumulativo, naturalmente a proporção de mulheres jovens que já fizeram um aborto ao longo da vida é menor, mas ainda assim é alta, sendo 6% entre as mulheres com idades entre 18 e 19 anos. Em outras palavras, já no início da vida reprodutiva uma em cada 20 mulheres fez aborto.

*A maior parte das mulheres que realizou aborto teve filhos.

*A PNA também mostrou que há uma distribuição espacial clara sobre a prática do aborto. Sua prática é mais comum nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e tem menor incidência na região Sul do país.

*Os níveis de internação pós-aborto são elevados e colocam indiscutivelmente o aborto como um problema de saúde pública no Brasil. Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto recorreram ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas ao aborto.

*A incidência de aborto entre as mulheres de diferentes religiões é praticamente igual.

*Como a PNA reflete a composição religiosa das mulheres urbanas brasileiras, pouco menos de dois terços das mulheres que fizeram aborto são católicas, um quarto protestantes ou evangélicas e menos de um vigésimo, de outras religiões.

*Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto utilizaram algum tipo de medicamento para induzi-lo. Os abortos ilegais realizados com medicamentos tendem a ser mais seguros que os que utilizam outros meios, em particular quando o medicamento usado é o misoprostol, popularizado no Brasil na década de 1990. Se fossem feitos sob atenção médica adequada, seriam extremamente seguros.

*Os níveis de internação pós-aborto são elevados e colocam indiscutivelmente o aborto como um problema de saúde pública no Brasil. Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto recorreram ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas ao aborto.

*Cerca de 8% das mulheres do Brasil urbano foi internada em razão do aborto realizado.

Se o aborto seguro fosse garantido, a maior parte dessa internação poderia ser evitada.

DIA 28 DE SETEMBRO - DIA INTERNACIONAL PELA DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO NA AMÉRICA LATINA E CARIBE.

DADOS ATUALIZADOS EM 2016 - PESQUISA NACIONAL DO ABORTO-



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RISCOS DE UMA ANENCEFALIA DA/NA  JUSTIÇA SUPREMA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/04/riscos-de-uma-anencefalia-dana-justica.html

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