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quarta-feira, 17 de junho de 2015

O MEDO TEM MAIORIDADE!! CRIANÇAS LOUCAS E ABUSADAS OU ADOLESCENTES SELVAGENS, QUEM SOMOS?

Imagem publicada – a foto que tirei do cartaz do filme RELATOS SELVAGENS, com os atores principais na capa do DVD, em especial Ricardo Darin, grande ator argentino, ao centro, no seu papel de um engenheiro, especialista em demolições, dirigido por Damián Szifron, tendo ao lado os outros atores, à direita , três pessoas, duas mulheres (uma com um facão na mão e outra de avental, com o homem de terno) e um homem, à esquerda dois homens e uma mulher, essa com um vestido de noiva manchado, descrito como sendo: - “Diante de uma realidade crua e imprevisível, os personagens deste filme caminham sobre a linha tênue que separa a civilização da barbárie...”. Sob o título a frase tema: QUALQUER UM PODE PERDER O CONTROLE. (cartaz que estava no Cine Topazio no dia de seu fechamento em um shopping aqui em Campinas, SP)

 “... A liberdade vem, como parte de um pacote promocional, junto com a desigualdade: minha liberdade se manifesta e será medida pelo grau em que consigo limitar a liberdade de outros que reivindicam ser meus iguais...” (Zygmunt Baumman)

Tive que ver o filme em meio a uma plateia que ria com tranquilidade das barbáries trazidas à tona pelos “selvagens” relatos sem querer se ver no espelho. Os circunstantes espectadores na sala escura não poderiam se identificar projetivamente melhor do que conseguiam. Possivelmente a maioria daquele dia era de nossa chamada ‘classe média’ ou a que esta em ‘ascensão para seu declínio’. O ‘mocinho’ do Audi nos diz: -‘Sabe que você é um negro ressentido. Animal’, para o ‘bandido’ no seu carro mais que velho e cheio de ferramentas de trabalho manual.

Mantive-me, silencioso e reprimida mente, contendo um grito ou uma blasfêmia muitas vezes, principalmente quando a marca de um automóvel de mais de 100 cavalos legitima uma agressão a um veículo comum que traz um ‘cavalo-humano’ comum. Os desfechos deixarei para a curiosidade dos que ainda não se viram nesses ‘relatos’. Espero que alguns de meus leitores possam ter a chance de assisti-lo na tela grande, pois atualmente é um privilégio dos canais a cabo, caso não retorne em salas ditas ‘Cult’...

Ou o ‘baixamos’ pela Internet?Porque trazemos este filme argentino para este momento em que 'legitimados' pelo medo e pela propaganda muitos aceitam a farsa sobre a ‘maioridade penal’? Direi que são pela presença ativa de velhos e desgastados ressentimentos, agora renovados nessa luta atual e contínua pela redistribuição de poder e prestígio. Nossos ressentimentos estão sendo aguçados pelas ‘perdas de posições econômico-sociais’, e propagandeados ‘empobrecimentos’ de nossa middle class.

Os tempos são de novas biopolíticas, aquilo que Zizek chamou de “biopolítica pós-política”, onde desejosos estaríamos de “deixar para trás os velhos combates ideológicos, para se concentrar, por outro lado na gestão e administração especializadas”. E as biopolíticas terem como principal objetivo a ‘regulação da segurança e do bem estar das vidas humanas’.

Então porque novamente reiteramos na proposta de encarcerar os que fazem parte dessa ameaça à nossa segurança, os chamados ‘di menor’? Aí é que naturalizamos, a 'maioridade' penal, apesar de ser comprovado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de que é baixo o percentual dos crimes que são cometidos pelos ‘menores’. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2011, mostram que 70% dos adultos presos reincidiram na prática de crimes. Enquanto que o percentual de adolescentes reincidentes, em 2010, segundo o CNJ, ficou em 12,8%.

 A paixão desmedida que se midiatiza em torno de seus atos de infração ou de atitudes ditas antissociais, é transformada em aprovação de uma ‘maioria dos brasileiros e brasileiras’. O medo desses ‘perigosos’ e ‘potenciais’ infratores é insuflado e hiper dimensionado. E, nós nas nossas poltronas, de casa até o cinema, “realmente’’ o sentimos. O medo desses desviantes é alimentado e forjado pelo próprio medo de ter medo.

Esses são, pois, os tempos de massas que agem como autômatos guiados pelas mídias. Massas on line, ditas majoritárias, que passaram a crer, por exemplo, que é muito saudável eliminar todos os infratores, principalmente os ditos ‘menores de idade’, com seu neo encarceramento legal. O seu Estatuto vira uma ‘eca’, é tornado criança e adolescente socialmente perigoso, delinquente. E o controle penal nega as origens de todas as violências sociais a eles relacionados.

Criem-se, então, novos espaços de punição e de segregação. Os nossos velhos hospícios ou manicômios judiciários poderão ser reaproveitados, desde sua lógica até a sua arquitetura, na construção de novos presídios, novas técnicas de vigiar ou punir. Rebaixem a maioridade penal e autorizem as judicializações de todos os campos e espaços do viver. Naturalizem-se as ‘leprificações’ e ‘gentrificações’ das ‘cracolândias,’ assim como a prisão compulsória dos que nunca irão à Disneylândia.

Assim os nossos ‘relatos selvagens’, por mais que estejam na tela dos cinemas, podem ser suprimidos e substituídos pelos jornalísticos canais de televisão e sua selvageria por audiência, por espectadores ávidos da violência social banalizada.

Recentemente, muitos espectadores piscaram e acenderão suas luzes sob o comando de Datenas e das antenas, pensaram estar protestando contra as mortes em seu bairro esquecido. Hoje, nesse segundo, nem os que me leem se lembram deles e das ruas sangrentas ao leste de São Paulo. Copiam as panelas das varandas que ainda as segregam e delas querem distância.

Os mesmos distanciamentos gerados pelos racismos, homofobias, discriminações de gênero, intolerâncias religiosas, ou quaisquer dos preconceitos contra os sujeitos e suas diferenças, a exemplo de pessoas com deficiência. Os mesmos que ocupam as classificações e as anomalias sociais. Se não são desviantes ideológicos se tornarão institucionais.

Eles e elas, os anormais ou as ‘doenças’, devem ser, institucionalmente, reificados assim como tornados o alimento invisível das sanhas e dos discursos violentadores e segregadores. Qual então é sua proposta de solução final? O admirável mundo limpo e higienizado dos hospitais e dos ‘reformatórios’ modernos, não os hospícios, serão o ideal, assim como os mini manicômios invisibilizados dessas mentes, no social e nas suas redes oficiais. Ironicamente, chamamos a Fundação para esses menores desviantes de “Casa”, mesmo que seu sótão ainda seja FÉ BEM.

Senão, vejamos como estes dis-criminados, são motivo de ‘postagens’, hiper compartilhadas, no Facebook. Esquecemos, como convém que outro dia amarrássemos jovens negros, infratores, pobres e sem direitos aos postes das ruas. Meninos e meninas que, diz a mídia, precisam ser responsabilizados, criminalmente, a partir dos seus 14/16 anos ou menos, por suas próprias discriminações. E, assim serem ‘tratados’ e ‘ressocializados’, ou então, linchados. Afinal, eles não marginais? Sobre eles só temos os 'relatos selvagens'?

Recente matéria sobre o Mapa da Violência no Brasil nos deu, novamente, a informação confirmada de que são estes os que mais morrem por bala e polícia. São, portanto, os que deverão, segundo nossos imaginários e futuros manicômios pós-modernos, ocupar os novos containers-prisões privadas das neo-terapias das Laranjas Mecânicas. E qual será a estatística da cor de sua pele e da sua classe social? Quem gerenciará e administrará essa nova biopolítica? Quem lucrará com essas vidas nuas tornadas ‘maiores’, por força da Lei, enquanto ‘menores’ em todos os seus direitos humanos?

À espera dos novos bárbaros e das novas barbáries, convivendo com as farsas macropolíticas, assistindo a des-laicização do Estado e sua ‘’evangelização’’ cruenta, onde as pedras e apedrejamento dos tempos bíblicos se tornam ‘comuns’ e cotidianos, continuo sofrendo uma profunda tristeza diante desse grave quadro. Meu cerne continua doce, mas me forjam uma carapaça depressiva e neurótica que, lentamente, se associa com nossas pulsões de Morte e negação de meus ‘narcisismos das pequenas diferenças’.

Nessa Idade Mídia reificada, é que, finalmente, me questiono e os questiono: o que, para quê e no que estamos nos tornando? Regressivamente crianças loucas, sádicas e abusadas, realimentadas de ódios políticos, que desejam uma Ordem Ditatorial novamente?  Ou, fascinados por nossos podres poderes, somos apenas os adolescentes protraídos que selvagemente nos recusamos nossa própria maioridade civilizatória e cultural? Quem queremos nos tornar ou re-existir?

Se abrirmos nossos corpos, como máquinas de destruição do Outro e da Diferença, qual crueldade restará nessa menor ou maior parte/partícula de nossas menosVidas?

Eu, aqui, quase sempre re-existente continuo não aceitando o que dizem ser desejo das maiorias. Elas é que se tornam as massas fascistantes e que acreditam nessa falsa solução das maioridades penais ou das prisões no lugar de escolas, educação laica, em e para os direitos humanos, assim como a não homogeneização dos desejos e sonhos como singularidades.

Copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-2016 (favor DIREITOS RESERVADOScitar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massas e para elas modificados...TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

FILME CITADO – RELATOS SELVAGENS - https://www.adorocinema.com/filmes/filme-221270/
TRAILER LEGENDADO - Relatos Selvagens - Relatos salvajes, 2014

LEITURAS PARA QUE REPENSEMOS NOSSOS ‘’RELATOS SELVAGENS’’-

O QUE É VIOLÊNCIA SOCIAL? VIOLÊNCIAS NO PLURAL SE MULTIPLICAM EM TEMPOS DE BIOPOLÍTICAS – Jorge Márcio Pereira de Andrade - in O que é Violência Social? (Jorge P. Andrade, Antônio Zacarias, Ricardo Arruda e Daniel Santos), Escolar Editora, Lisboa, Portugal, 2014.

VIOLÊNCIA – Slavoj Zizek, Boitempo Editorial, São Paulo, SP, 2014.

A ÉTICA É POSSÍVEL NUM MUNDO DE CONSUMIDORES - Zigmunt Baumman, Editora Zahar, Rio de Janeiro, RJ, 2014. (em PDF https://www.zahar.com.br/sites/default/files/arquivos//t1278.pdf)

Notícias que não se tornam ‘’virais’’ nas ‘’redes sociais’’
O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal: esclarecimentos necessários – IPEA – (documento em PDF) https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150616_ntdisoc_n20




AÇÃO URGENTE: Brasil não deve deixar que adolescentes sejam julgados como adultos (Anistia Internacional) - https://anistia.org.br/entre-em-acao/email/acao-urgente-brasil-nao-deve-deixar-que-adolescentes-sejam-julgados-como-adultos/
Leiam também no blog –

O DIREITO A DOIS CADERNOS, QUAL É A NOSSA PREFERÊNCIA? Incluir e/ou Excluir? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/09/o-direito-dois-cadernos-qual-e-nossa.html

O RETORNO DA INCLUSÃO PELA INTEGRAÇÃO: Novos muros nas Escolas, Fábricas e Hospitais. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/12/o-retorno-da-integracao-pela-inclusao.html


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O DIREITO A DOIS CADERNOS, QUAL É A NOSSA PREFERÊNCIA? Incluir e/ou Excluir?

Imagem publicada – uma fotografia colorida de um mural, em um prédio, no Bairro da Liberdade, São Paulo, SP, com 08 cachorros diferentes, de cores diferentes (azul, laranja, rosa, verde, amarelo, vermelho, laranja com marrom nos olhos), segurando dois grandes cartazes, onde está escrito: EDUCAÇÃO BÁSICA DE QUALIDADE PARA TODOS e ACABAR COM A FOME E A MISÉRIA, com um poste à esquerdade PROIBIDO ESTACIONAR, com prédios desenhados ao fundo e nuvens, na direita um osso desenhado com a autoria do mural -foto de meu arquivo pessoal.)

“... a discriminação negativa não consiste somente em dar mais àqueles que têm menos; ela, ao contrário, marca seu portador com um defeito quase indelével. Ser discriminado negativamente significa ser associado a um destino embasado numa característica que não se escolhe, mas que os ‘Outros’ nos devolvem como uma espécie de estigma...” (A Discriminação Negativa – Cidadãos ou Autóctones? Robert Castel, 2008).

Somos nós, os Outros, como grifei no texto de Castel, que temos a alteridade e a também certa autoridade para forjarmos a exclusão desses diferentes de nós.

Peço desculpas aos meus leitores e leitoras, desde junho não conseguia escrever para vocês. Minha própria auto exclusão se fazia motivo de meu silêncio de escrevinhador. Sim, escrever é um ato doloroso e espinhoso, parece fácil, mas não é como a simplificação do que fazemos diante dos nossos cotidianos como excludentes, não como excluídos.

Resolvi revirar meu baú de textos, estava com a reflexão sobre as multidões que vivemos recentemente. Fui passear há 11 anos atrás, em 2002, quando publiquei um texto, em fevereiro, como o título: O Direito a dois cadernos. Vou reproduzi-lo, parcialmente, e tentar reacender e reviver o momento que o desencadeou. Caso encontrem algumas coincidências é mera responsabilidade de todos nós como autores, atores ou espectadores, ou melhor, se fôssemos espect.-atores.

CENA 1 – Supermercado da Rede SUPER. Uma grande cidade, uma metrópole. Um menino. Uma fila de consumidores. 01 Caderno e uma 01 caixa de ovos. Um olhar.

Há dias, escrevi lá no passado, venho me questionando acerca da literatura, principalmente do uso pouco criativo, na televisão e na vida de todos nós, do visionário e escritor George Orwell (1903/1950). É o conhecido autor do romance ‘1984’. O Grande Irmão (Big Brother) naturalizou-se e foi banalizado. Mas uma vez a Sociedade do Espetáculo e do Controle nos enfeitiça e domina. Outra vez a mais não olharemos para outros monitores ou tele telas que nos seduzem.

Indagava-me há tantos anos o mesmo que agora, diante de um mundo pós-Snowden, sobre os nossos modos de ver e se distanciar do que Bauman chama de “vidas desperdiçadas”, ou seja, o que ele chama de ‘refugos humanos’, ou melhor, os seres humanos tornados descartáveis, como efeitos de nossas novas economias neoliberais do hipercapitalismo.

Voltemos, então, a Cena 1: Eis que estou, como natural que é, numa fila de consumidores, dentro de um supermercado. Obedientemente empurrando o meu carrinho de compras, poucas. Olho em volta e tudo é estímulo para o consumo. Novas marcas, novos marketings, novas seduções, novos e brilhantes produtos embalados.

Lá fora, na porta de entrada, a violência explícita (o olhar fiscalizador dos seguranças). No perímetro do caixa, limite e limitação, meu olhar consumido é despertado. Passa um garoto, sandálias de borracha, calças curtas e olhar vago ou pedinte (ainda não encontrei outros modos de descrevê-los). Visivelmente pobre, visivelmente empobrecido, visivelmente excluído (como o que nos disse Castel).

Ele traz nas mãos: 01 (um) caderno espiral, desses de 200 folhas e uma 01 (uma) caixa de ovos tipo extragrande. Ele passa e pede aos participantes das filas: - “Moço, moça, paga para mim essas coisas...”.

Todos olham, se entreolham, disfarçam, ele passa, o Supermercado está lotado. É dia do pagamento dos assalariados. Como já naturalizamos também nossa permanência em filas (Bancos, Correios, INSS, Loterias, Hospitais, etc...), ele passa... Ele se afasta. Em seguida abandona o caderno numa prateleira de papel higiênico. E continua a sua peregrinação suplicante. Os autorizados na fila enfileirados, ordeiramente, apenas nos entreolhamos de novo.

CENA 2 - A caixa do supermercado, a fila, o olhar desconfiado, a insegurança.

Eis que surge a pérola que me fez pensar sobre os 02 (dois) cadernos: uma mulher, negra como eu, também excluída como alguns ali presentes, mas que não se deu conta, ainda, da sua condição, olha para algumas pessoas enfileiradas e se justifica: -“se ele tivesse apenas pedido os ovos, eu até pagaria...”

CENA 3- 01 (um) Outdoor enorme, uma imagem de um computador e seu processador de dados, uma família reunida em torno dele, felizes.

O outdoor anuncia a chamada para o lançamento da Intel e do novo Windows, com uma frase rica de significados e significantes: “INVISTA NO SEU FILHO, ELE PODE RENDER UM GÊNIO”. Lá estão estampados uma menina, um menino, um laptop e o rosto de Einstein (sem a língua para fora!).

Autorizei-me, e ainda não me arrependi, em ‘compartilhar’ minhas indagações surgidas desse encontro triste. A primeira é: qual é a minha, a nossa dívida para com estes meninos e meninas que estão nessa situação de rua?

Vocês primeiro interrogaram se eu paguei os ovos ou o caderno? Eu também não paguei os ‘dois’ cadernos que o menino (a) trazia na mão. Eu também não retruquei à senhora que falou da sobre a escolha (que não era de Sofia). E, mais ainda, não me indignei, naquela hora, com toda essa situação. Por quê? Temor da atitude grosseira dos seguranças que expulsam essas crianças desses espaços?

Não, apenas era mais um nessa fila dos que pensam: quem sabe isso é uma ‘pegadinha’. Ou pior, no modelo panóptico e paranoico do orwelliano 1984, não agir é porque não estamos em uma gravação feita por uma câmera de segurança, ou uma câmera de televisão que nos mostrará para todo o país. Não me sentia, naquele instante, diante do refugo social, tão ‘global’ ou minimamente solidário.

Era, ou melhor, continua sendo, apenas mais um na fila. Era, lamentavelmente, e continua sendo apenas uma cena ‘local’. Triste, repetitiva e banalizada. Ou seja, natural, comum, rotineira, cotidiana, sempre igual. Mas a visão não é do antigo Big Brother, que estava, segundo Bauman, “preocupado em ‘incluir’ – integrar, colocar as pessoas na linha e mantê-las assim...”.

No nosso reality show pós-moderno estamos aplicando um novo Big Brother. Sua função e eficácia é a Exclusão. Como diz o sociólogo para: “identificar as pessoas ‘desajustadas’ no lugar onde estão, bani-las de lá e deporta-las para o lugar ‘que é delas’, ou melhor, jamais permitir que se aproximem...”.

CENA 4 – A caixa reclama, o segurança age, a fila permanece, e todos e todas pagam suas compras.

Acho que apenas alguns se interrogaram: Meninos e meninas com fome de quê? Eram 22 (vinte e duas) horas e o Supermercado Brasil estava fechando suas portas, para que os telespectadores da vida pudessem assistir ao ‘’Big Brother” da Rede Globo, em dobro. Um último olhar do consumidor me lembra na porta: “Sorria você está sendo filmado”... Estamos, enfim, seguros e vigiados.

Ora, ora, alguém vai perguntar: hoje nessa nossa evolução social e econômica não retiramos esses refugos da marginalidade, da fome e das ruas?
Porém, hoje, estou renascendo de minhas próprias cinzas escrevinhadoras para lembrar que já naquela época estive, também, anestesiado. Mas, entretanto, contudo e todavia tenho que lembrar também que já me indagava sobre as cenas e sua relação com as pessoas com deficiência.

Me perguntei se naquela cena dos pedidos à fila do supermercado, numa nova classificação sobre deficiências, se o ‘menino(a)’ pedinte não poderia ser ‘incluído’ como uma criança em situação de deficiência. Quem sabe, talvez, pela naturalização os ovos seriam pagos por mim ou outro ‘filante’, como manifestação de piedade ou caridade? Quase certo que sim, pois estávamos em um ambiente, como os shoppings de hoje, ‘totalmente seguros e assegurados’.

Não nos encontrávamos, fechando os vidros dos carros, nos cruzamentos das ruas, nos semáforos. E o pedido de pagamento não era um pedido de resgate, apenas, nos gerava aquela repulsa ou preconceito que já deixamos lá no cantinho dos nossos inconscientes.
Afinal para quê alimentar de ‘ luz’ àqueles que só reclamam de um ronco na barriga? Nós, os da fila, não acreditamos ainda na dicotomia entre intelecto, aprendizagem e estômagos?

Enfim, tudo isso que escrevi e refleti são apenas ‘cenários’? Ou seja, será que ele só inventou ou é apenas uma ficção ‘real’? Tudo isso foi, é e continuarão sendo cenários para falarmos de uma exclusão que está imbricada com a inclusão. A existência das fomes, todas as fomes, principalmente aquela que preocupava Paulo Freire, a educação, como um direito inalienável dos cidadãos e cidadãs, acaba sendo denunciada pela a sua ausência.

Recentemente, uma ameaça partida de não sei onde, gerada por interesses que não sei de quem, mas todos, excepcionalmente, sabem, fez um termo velho, ‘preferencialmente’, ser motivo de uma grande e polêmica disputa. Os meninos ou meninas dos Supermercados Brasil, mais ou menos uns 03(três) milhões, fora da escola devem ser ‘incluídos’, preferencialmente, em uma escola especializada em prevenção de futuras atitudes violentas ou transgressoras? A fundação que cuida deles e delas não é chamada também de centro de reabilitação? Essa fundação não é uma escola ‘especial’?

Voltemos, enfim, às cenas e às suas interrogações necessárias. Disse no passado e agora confirmo: - é aí que surgem as exclusões sociais e os discursos que as legitimam. Na pobreza e na miséria, humanas, dizem que quem tem um “ovo” torna-se rei, é soberano. Portanto, para quê os da fila se indignarem com essas exclusões? Para quê precisamos de cadernos de papel? Os direitos não são, também, de papel?

Por essas perguntas que não tenho o dever de responder sozinho, já que a gramática que pode mudar radicalmente os paradigmas não aceita ser apenas preferencial e exclusiva, é que insisto e lanço mais uma pergunta: Porque não damos 02(dois) cadernos, o de papel e o digital, para todos os meninos e meninas, com ou sem deficiências (inclusive as sociais), para que juntos, com todos os recursos e respeito às suas singularidades, exatamente por suas diferenças, eles e elas não tenham de escolher apenas um caderno? Ou não queremos quebrar esses ovos?

 Ou então, para acabar com as querelas e continuar na fila, com os corações blindados e as mentes capturadas, vamos distribuir, preferencialmente, à mão cheia, um único caderno onde se escreve repetidas vezes: - Eu não sou parte daquele show, eu não pertenço àquele mundo, eu sou do time que fica de fora, muito embora me convidem para uma breve passagem pelo grande campo, também excludente, chamado de Inclusão.

Já mandamos restaurar os nossos sofás que recentemente foram parcialmente danificados pelas imagens teleguiadas, porém vandalizadoras daqueles baderneiros que queriam erradicar, radicalmente, essas exclusões?  Não se esqueçam de que a rede social dos Supermercados Brasil está promovendo, com toda segurança, o lançamento do meio de controle de nossas necessidades básicas: o ‘embolsa tudo’. Com satisfação e gozo garantidos, sem ter qualquer dinheiro de volta.

AVISO AOS NAVEGANTES (também chamados hoje, pós tempos de espionagem virtual e até presidencial, after Snowden, de cidadãos e cidadãs de ‘vidro’, ou seja, total e amplamente transparentes para o Estado e o Mercado): quem encontrar um menino ou menina pedintes de ovos e/ou cadernos favor me avisar por meio das nossas redes includentes e cibernéticas, muito embora saiba que ainda resta um grande número deles que não sabe nem o que é Internet.

Copyright/left – favor citar o autor e as fontes, mesmo as inexistentes, em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa (ou serão multidões? TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

INDICAÇÕES PARA LEITURA CRÍTICA –

A DISCRIMINAÇÃO NEGATIVA – CIDADÃOS OU AUTÓCTONES? , Robert Castel, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2008.

VIDAS DESPERDIÇADAS – Zygmunt Bauman, Editora Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, RJ, 2005.

LEIA TAMBÉM NO BLOG –

O RETORNO DA INCLUSÃO PELA INTEGRAÇÃO: Novos muros nas Escolas, Fábricas e Hospitais.


INCLUSÃO/EXCLUSÃO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA DEFICITÁRIA? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/02/inclusaoexclusao-duas-faces-da-mesma.html


A PARÁBOLA DA ROSA AZULhttps://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/05/parabola-da-rosa-azul.html