Mostrando postagens com marcador Direitos fundamentais. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Direitos fundamentais. Mostrar todas as postagens

domingo, 6 de novembro de 2011

ONDE NASCEM E MORREM OS DIREITOS HUMANOS?


imagem publicada - A capa do livro A Invenção dos Direitos Humanos, onde dois grupos humanos, em plena batalha se enfrentam. Ao fundo temos um céu azul que é cheio de fumaça branca, talvez produzida pelas armas ou canhões, há homens fardados, de azul e calças brancas, com o vermelho nos ombros. Soldados, que trazem suas armas em riste, ou montados a cavalo ao fundo, representantes do Rei. E há os oponentes, os revolucionários que sustentam uma bandeira, as cores da França, e lutam bravamente pelo que acreditam ser seu lema, sua nova bandeira: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. É a Revolução Francesa e o povo nas ruas.


O Pássaro e o Ovo
"Era uma vez um pássaro que não tinha o poder de voar. Como uma galinha, ele andava pelo chão, embora soubesse que alguns pássaros voavam..." (História dos Dervixes - Idries Shah)


Me vi surpreendido há dois dias pela mensagem de Claudia Grabois (Inclusão Já!) que meu nome já circulava na Internet, novamente ligado aos Direitos Humanos. Era sua indicação para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, hoje um Ministério, de minha história e trajetória nesse campo da defesa e garantia dos direitos humanos de pessoas com deficiência. Era e é a indicação para o 17º Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Retomo então um recuo no tempo para me re-conhecer e re-aprender sobre o que foram, são e serão os direitos humanos, que tanto defendi e defendo.

Digo que fiquei muito emocionado. Estava refletindo sobre um outro tema, estava me preparando para escrever sobre a Dor novamente. Eis que fui tirado de minha imobilização pelas minhas dores, fui novamente arrastado passionalmente para um novo ''combate'', muito mais prazeiroso. Essa indicação me tomou e afetou levando-me à reflexão sobre o tema que me debruço agora: onde nascem e morrem os Direitos Humanos? em mim, em nós?

A sua gênese e genealogia sempre é associada com o pós-2ª Guerra Mundial. Porém há um autora que me despertou para as outras nascentes histórico- literárias dos chamados direitos humanos. Principalmente aqueles que nasceram da "barriga imperialista" com a Revolução Francesa. É o livro de Lynn Hunt: A Invenção dos Direitos Humanos- uma história.

Ele traz já em sua capa, apresentada lá em cima, um preâmbulo visual de seu conteúdo: é a batalha entre as forças imperiais e o povo nas ruas de Paris, em 1789. Sim é a eterna oposição entre o Estado e o seu povo, quase sempre submetido, muitas vezes submisso, e, nos direitos humanos, rotineiramente omisso e violentado. Nele se percorre pelos primeiros passos da Independência dos EUA ( 1776), o engatinhar da Revolução Francesa (1789) para o colocar-se sobre os pés na Declaração Universal em 1948.

Segundo Lynn Hunt, em sua tese, a nascente dos direitos humanos está intrínsicamente ligada à formação cultural e ao nosso cérebro, individual e coletivamente, no século XVIII. Os anos antecedentes da Revolução foram plenos de literatura e romances epistolares. Já se construiam aí, segundo os estudos da autora, uma mudança: os jornais e os romances criaram a "comunidade imaginada" que o nacionalismo requer para florescer. Para ela: "o que poderia ser denominado de "empatia imaginada" antes serve como fundamento dos direitos humanos que do nacionalismo".

O que gerou essa empatia? É que os relatos de tortura e sofrimento, mesmo os mais sutis, nos romances ou contos, geravam a imaginação de que alguma outra pessoa seria como você. É quando se produzia uma empatia imaginada, muito mais que inventada, pois que a crueldade imperial/ditatorial era, é e será o melhor meio de controle das populações. Kadafi que o diga, de seu tempo vivo ou sua morte cruenta.

A violência naturalizada em textos, hoje midiatizada, tratava da dor dos outros,sempre distante. Por exemplo, foi através da idéia de dor e sofrimento, como o que o Estado Inquisidor impôs às mulheres, tornadas "bruxas maléficas e heréticas'', alguns séculos antes dessas "revoluções", que se produziu a domesticação e a ''industrialização'' dos corpos femininos (veja o Martelo nas Bruxas).

Portanto os chamados direitos humanos, hoje universalmente indiscutíveis como valores e princípios, não são provenientes da Natureza. Não nascem apenas da desobediência civil de um Thoreau ou outro pré-ecologista. Estes direitos estiveram em gestação por um processo histórico que atravessou, transversalizou e ''contaminou'' as mentes e os corpos por alguns séculos. Hoje ainda trazem estes traços históricos. Basta pensarmos sobre a involabilidade dos corpos, hoje atravessando um outro modo de legislar, controlar e, biopoliticamente, torná-los Vidas Nuas (Giorgio Aganbem).

Assim nos apresentam o nascimento dos direitos humanos como o ovo de um pássaro que não têm o poder de voar. Repetem que eles precisam da incubação em nossos inconscientes coletivos através da História. Então, o que pensar sobre a sua provável Morte? Digo que, como no sábio conto dos Dervixes, há de aprender que: "Alguém que pode me incubar certamente pode me ensinar a voar.".

Por isso, digo que o antídoto do medo e da dor que paralisa nossos tempos atuais é e será o reconhecimento dos novos direitos humanos que nós podemos incubar e gestar e parir/cuidar/proteger. Principalmente os chamados direitos de 3ª geração. Os direitos que se fundamentem, por exemplo, no caso das deficiências, no re-conhecimento das diferenças. No respeito imprescindível das diversidades, sejam linguísticas, culturais ou étnicas.

Escrevi, junto com afetuosas amigas psicólogas e ativistas, um artigo "Dor ou Ardor nas políticas do cotidiano", publicado em 2002, mas de 1992, onde já me conectava com as idéias de Lynn. Um texto que foi levado para o VI Simpósio Internacional Tortura: um desafio profissional para os médicos e outros profissionais de saúde, promovido pela IRCT (Dinamarca) e a EATIP (Argentina), ocorrido em Buenos Aires ( 20 a 23 de outubro de 1993).

Nesse texto, incluído em livro sobre a subjetividade e a violação de Direitos Humanos, apresentavámos um cenário que parece ainda ocorrer hoje: "As pseudo modernizações neoliberais há muito começaram a ruir concretamente. (vejamos a última Reunião do G20). A manipulação artificial dos índices da inflação emerge, já não como forma de esperança, mas como sinôninmo de produção de mortes. Mortes de variados tipos: por fome, doenças endêmicas e/ou epidêmicas, racismo, exploração do trabalh em condições, não raro, de discutível salubridade e inquestionável escravidão, "Angras" (hoje Fukushimas), filas do INSS (hoje no SUS), desemprego (hoje subemprego) , "denúncia vazia'' (hoje des-ocupação dos sem-teto), assassinato (inclusive de juiza ou qualquer 'autoridade'), crime organizado (hoje milícias e poderes paralelos do próprio Estado), suicídios(como dos Wellington de Realengo)..., formas de desrespeito que explodem megalópoles..." (pág. 73)

Como atravessamos mais de 19 anos e continuamos escrevendo sobre as mesmas violações de Direitos Humanos? De que morte ou desaparecimento nos aproximamos? Porém,não vamos cair no modelo apocalíptico. Devemos reconhecer que, atualmente, as nossas políticas do cotidiano estão mais próximas da dor do que do ardor. Esse ardor que nem mesmo o tempo arrefeceu em meu âmago. Um fluxo à frente na busca de outras formas de viver e re-existir. Um desejo que alimento desde a ECO-92 de novas suavidades e novas alianças, que continuo, como pássaro prenhe de liberdade buscando, nas múltiplas companhias. Um novo jeito para voar.

A morte anunciada/desejada de quaisquer direitos humanos só pode servir, como já diziamos lá trás, às técnicas e discursos que querem armar a sociedade, fomentar preconceitos, como a homofobia, o racismo, o fundamentalismo ou os narciscimos das pequenas diferenças. As formas hegemônicas de exercício da governamentabilidade social estão ainda, no seu âmago, imperialistas de gestão da vida. Falamos e produzimos novos discursos. Hoje fala-se em sustentabilidade, mas não podemos perder de vista que princípios e que formas de viver a alimentam.

Os tempos atuais não deixaram para trás tudo o que escrevemos em 1992. Caberá a cada um reconhecer que urge abalar, nos que não sabem que podem voar, as sua convicções. Afinal a violentação ou vulneração que promovemos dos Direitos Humanos não vive lá longe, no Himalaia ou nos Alpes Suíços, em países longíquos, mora dentro do mais íntimo de cada um de nós.

Eu aqui, que, humanamente, não me considero puro e nem pendendo para o lados anjos, reconheço apenas que já ganhei um estímulo a mais para manter meu ativismo em direitos humanos. Agradeço aos que, reconhecendo minha implicação, me indicaram para um prêmio, que consta de um diploma e uma obra de arte, mas que gera em mim a certeza de que ainda não aprendi realmente a voar. Sozinho.... Em mim e em todos nós espero os direitos humanos/fênix possam sempre re-nascer.

PELA COMISSÃO DA MEMÓRIA e o resgate histórico que nos fará reacender a esperança de longa vida para os Direitos Humanos.


copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa -TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Leitura sugerida -
A INVENÇAO DOS DIREITOS HUMANOS - uma história - Lynn Hunt - Editora Companhia das Letras, São Paulo, SP, 2009.
HISTÓRIA SOCIAL DOS DIREITOS HUMANOS - José Damião de Lima Trindade - Editora Peirópolis, São Paulo, SP, 2002.
HISTÓRIAS DOS DERVIXES - Idries Shah - Editora Roça Nova, Rio de Janeiro, RJ, 2010.

Texto citado -
-CLÍNICA E POLÍTICA - SUBJETIVIDADE E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS, Cristina Rauter, Eduardo Passos e Regina Benevides (Orgs) - Editora Te Corá/IFB, Riode Janeiro, RJ, 2002 (Artigo DOR OU ARDOR NAS POLÍTICAS DO COTIDIANO? - Ana Paula Jesus de Melo, Heliana de Barros Conde Rodrigues, Jorge Márcio Pereira de Andrade, Maria Beatriz Sá Leitão (in memoriam), Cecília Maria Bouças Coimbra (todos ligados e implicados com o GTNM-RJ)

Leia também nos BLOGs

INCLUSÃO JÁ - https://inclusaoja.com.br


A DIFERENÇA NOSSA DE CADA DIA, SEMEANDO A IGUALDADE DE DIREITOS
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/09/diferenca-nossa-de-cada-dia-semeando.html

NOSSAS IN-DEPENDÊNCIAS DA DONA MORTE EM 11/09/11
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/09/nossas-in-dependencias-da-dona-morte-em.html

DIREITOS HUMANOS COMO QUESTÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/05/imagem-publicada-uma-foto-de-tres.html

SAUDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS COMO DESAFIO ÉTICO PARA A CIDADANIA 
https://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/dhjorgemarcio.pdf


TIROS REAIS EM REALENGO - A VIOLÊNCIA É UMA PÉSSIMA PEDAGOGA?
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html