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quinta-feira, 8 de março de 2012

MULHERES, SANGUE E VIDA, para além de sua exclusão histórica

Imagem publicada – foto preto e branco de Sabina Spielrein (Rostov – 1885/1942), uma mulher russa que descobri há muitos anos em um livro: Diário de uma secreta simetria, que foi ocultada e excluída da história da psicanálise. Hoje no dia internacional da Mulher sua imagem me veio como estímulo à reflexão sobre o feminino e suas exclusões, até recentemente em favor de uma historiografia feita para e pelos homens. Há muitas Liliths que foram suprimidas e/ou reprimidas, mas nunca conseguiram apagar os seus marcantes passos deixados para e na história contemporânea mundial.

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
Cada ato que faz, o corpo confessa.

Cuidado, moço
Às vezes parece erva, parece hera
Cuidado com essa gente que gera
Essa gente que se metamorfoseia
Metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
E ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar ...” 
(Aviso da Lua que Menstrua – Elisa Lucinda)

Já disse e repito o mundo é um útero e todo útero é um mundo, se não for seu principal multiplicador plural no feminino... e às vezes precisa sangrar diante do mundo.

Eu conheci essa poesia que nos alerta há muitos anos atrás. Uma mulher me trouxe um livro com uma dedicatória da autora. E nunca mais esqueci este aviso. Porém incauto e curioso não me faltou à memória diversas vezes em que errei junto e com as mulheres que transversalizaram e transversalizam a minha vida.

As mulheres, refleti, hoje, não são mais nem menos. Esta seria uma síntese diante da equação de que todos e todas sempre trazemos um pouco, mesmo que negando, de homens e mulheres. Apenas, como nos diz Luce Irigaray transitamos em discursos linguísticos totalmente diferenciados.

Hoje, no dia internacional da Mulher, analiso que são elas que fazem a verdadeira diferença. E já escrevi anteriormente sobre isso, já afirmei que elas é que são o Útero criativo e incomensurável da vida e do mundo. Podemos tentar substituí-las em possíveis replicantes ou robôs. Ainda assim terão de conservar um indispensável feminino feminista. Mesmo que pelas nanotecnologias...

Vivemos cada dia mais um discurso da igualdade dos gêneros. Irigaray tem, na perspectiva feminista e filosófica, outra visão ao afirmar que: “A igualdade entre homens e mulheres não se pode realizar sem um pensamento do gênero como sexuado e uma reescrita dos direitos e deveres de cada um, enquanto diferente, nos direitos e deveres sociais...”

Hoje se manifesta a afirmação de equiparação de direitos entre homens e mulheres no trabalho. Mas já houve e ainda haverá muitas mulheres que foram, para além da linguagem dominante e machista, excluídas ou negadas em seus trabalhos, principalmente os de origem intelectual. Manifestar nesse dia Internacional é também retirá-las das sombras masculinas.

Mas por que se lembrar da Sabina psicanalista e mulher nessa data? É que ainda persistem as sombras que se projetam em sua histórica e histérica passagem pela vida de Jung. Já foi motivo de diferentes abordagens fílmicas. Recentemente mais uma tentativa foi feita de traduzi-la. 

A mais recente busca de desocultamento é o filme de David Cronenberg: “Um método perigoso”. Advertência no título que revela, em minha opinião, o preconceito contra sua principal personagem: a mulher que se interpôs entre dois titãs da psicanálise. Sabina, entre Jung e Freud, nesse filme está recopiada, mas continuará sendo mulher. Portanto sem a resposta do que deseja uma mulher.

O filme que tentou contar um pouco mais de sua histórica passagem pela Psicanálise na URSS é o Jornada da Alma, do italiano Roberto Faenza (2002), que já assisti e posso afirmar que traz uma visão menos psicopatologizada desta mulher.

O porquê seu nome, assim como de outras mulheres permaneceu na obscuridade por muitos anos? O que levou as Sociedades de Psicanálise levar tanto tempo para reconhecer que as noções primárias de pulsões destrutivas, no caso Thánatos em nós, foram parte de um artigo desta jovem psicanalista, ex-paciente e discípula de Jung, assim como sua amorosa amante, que impregnou e fecundou a mente de Sigmund Freud.

Sabina em 1912 publicou seu artigo "A destruição como causa de vir-a-ser", no Jahrbruch für Psychoanalyse, IV. O seu artigo que era como um aviso da Lua que menstrua; nove anos depois Freud a cita em uma nota de rodapé de seu “Além do princípio do prazer”. 

Ela trouxe importantes contribuições sobre a questão do erotismo, da pulsão de destruição e dos sentimentos de angústia de jovens diante do alvorecer de suas sexualidades.

Por Sabina e por muitas outras mulheres que fizeram parte da história da construção da Psicanálise (Anna Freud, Melanie Klein, Lou Andreas Salomé, Frieda Fromm-Reichmann, Marie Bonaparte, por exemplo), é que revivo esta mulher para meus leitores e leitoras, como ressurgimento do feminino apesar de sua supressão ou exclusão historiográfica. 

Muitas são as mulheres, que como Sabina, em outros campos do saber e da Vida que foram, são e serão excluídas da História. Ao menos por um tempo, principalmente se forem tomadas como perigo ou risco para o discurso hegemônico e instituído.

Entretanto há um campo que escapará sempre das repressões, das caças às bruxas ou neo-inquisições: o campo inexplorado e vasto do desejo feminino. “Não se deveria esperar”, diz Irigaray, ”que o desejo da mulher falasse a mesma linguagem do desejo do homem; o desejo da mulher tem sido(...) abafado pela lógica que domina o Ocidente desde o tempo dos gregos”.

Nesse campo transitou com galhardia e estardalhaço abafado a russa, de origem judaica, que inventou uma ‘‘Casa Branca”, um jardim da infância, um local onde as crianças russas aprenderiam o sentido do amar e da humanidade. Uma casa-berçário onde até Stalin matriculou seu filho, mas de forma anônima, com um nome falso. Tempos depois sua polícia soviética o fechou...

Assim essa discípula de dois homens, Freud e Jung, tentava fazer com se instituísse outro modo de formar e forjar os homens. Mas com ensinar a liberdade de ser e estar em um mundo cinzento e Big Brother do stalinismo cruento e cruel?

Falar sobre, escrever sobre e lembrar o seu nome, que traduzido significava: “tocar no justo tom = Spielrein”. É reintroduzir o seu desejo feminino de que as crianças sejam educadas para e com liberdade. E, que, meninos e meninas possam entender sua principal diferença: o desejo. 

Ainda assim podem construir uma mesma música, um mesmo tom de justiça e igualdade entre os gêneros.

O aprender a aprender a diferença deverá então, se pudermos fazer com que tenhamos o mesmo tom, mas mantendo nossas singularidades, que o feminino em nós se torne uma possível aliança e uma nova suavidade.

E quem são e serão as novas Sabinas? Ou melhor as novas Bruxas e Lilith dos tempos da Idade Mídia?

Alinhemos as principais e ainda resistentes mulheres, como as da Praça Tahir, que, mesmo violentadas, não deixam de denunciar as formas ditatoriais e macropolíticas de cerceamento da vida. Elas falam da destrutividade que os exércitos andam praticando no mundo árabe. E reintroduzem o desejo feminino no campo da liberdade.

São elas as novas Amazonas? Porém, agora não passam mais pelas castrações de seus seios para melhor atirar flechas. Hoje tornam-se ativistas de seus direitos sexuais e reprodutivos, mesmo que para isso retirem, via Internet, as burcas e véus, revelando sua nudez revolucionária.

O que temos de denunciar é a busca um lugar de poder e fardamento das mulheres, principalmente nos modelos de guerra e na lógica hipercapitalista. Elas podem se tornar tão ou mais cruéis que os pequenos ou grandes ditadores. Há mulheres que se tornam de ferro quando poderiam ser da mais fina seda ou puro cristal.

Por isso, ao olhar hoje mulheres no Poder, as Angelas, Dilmas e Cristinas, rememorando as Indiras, espero que possam vir a assistir os filmes, o documentário e lerem sobre a vida de uma mulher que ousou se impor, amorosa e sexualmente, entre dois gigantes masculinos.

Talvez possamos juntos, repensar outra forma de introduzir o feminino nesse mundo engessado e endurecido e, apesar de vocês no Poder, continuar falocrático. Nunca usem nossas fardas e nem nossos fardos masculinos.

Ouçam uma afirmação de Spielrein: “A visão artística do mundo vem somente com a idade, com o despertar do componente sexual. Então a rudeza cede lugar ao feminino...”, em uma carta para o grande mestre Sigmund Freud, no início do século passado.

Ela esteve convicta, até os últimos instantes quando botas nazistas a executaram, que precisamos do reconhecimento de nossas pulsões inconscientes, homens e mulheres, na direção da destrutividade. Mesmo quando queremos e buscamos o Gozo Vital.

ÀS MULHERES, DE TODAS AS ETNIAS, TODAS AS DIVERSIDADES, TODAS AS MULTIPLICIDADES, TODOS OS CANTOS, TODOS OS ENCANTOS, TODAS AS DIFERENÇAS, E, PRINCIPALMENTE AQUELAS SOB TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA, ENVIO MEU MAIS DOCE/TERNO ABRAÇO, e certeza de que ainda não aprendi e nem aprenderei tudo sobre o SER FEMININO...

Que seu sangue nunca seja derramado em vão, mesmo que o da Lua, e a vida continue sendo gaia e uterina, para além de todo nosso desejo e tentativas de excluí-las de nossas histórias.

Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012/2016/ 2022 - ad infinitum Todos os Direitos Reservados  ( favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou meios de comunicação de massa) TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025

Indicações e referências disponíveis na Internet:

POESIA – AVISO DA LUA QUE MENSTRUA – Elisa Lucinda
SABINA SPIELREIN - https://pt.wikipedia.org/wiki/Sabina_Spielrein


My Name was Sabina Spielrein - Ich hiess Sabina Spielrein ( 2002 ) Documentário – Elisabeth Márton https://www.imdb.com/title/tt0333611/

O amor que ousa dizer seu nome: Sabina Spielrein - pioneira da psicanálise (tese de doutorado) Renata Udler Cromberg (USP)

Mulheres desempenham papel fundamental nas revoltas populares do mundo árabe https://www.icarabe.org/entrevistas/mulheres-desempenham-papel-fundamental-nas-revoltas-populares

Leituras Recomendadas - 

SABINA SPIELREIN - UMA PIONEIRA DA PSICANÁLISE (obras completas- volume 1) Org. Renata Udler Cromberg - Editora Livraria da Matriz, São Paulo, SP, 2014.

DIARIO DE UMA SECRETA SIMETRIA - Aldo Carotenuto, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1984.

MULHER DIGITAL – O Feminino e as Novas Tecnologias , Sadie Plant, Editora Rosa dos Ventos, Rio de Janeiro, RJ, 1999

LEIA TAMBÉM NO BLOG: 

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terça-feira, 1 de novembro de 2011

O MARTELO NAS BRUXAS - COMO "QUEIMAR", HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS?

Imagem Publicada - uma gravura de tempos medievais onde, em primeiro plano, duas mulheres são mantidas em fogueiras, sendo alimentadas por um homem, vestido em azul e vermelho conforme vestimentas de autoridades, com outro homem em azul lhe auxiliando alimentar o fogo que queima estas ''bruxas''. Ao alto está representado um dragão com tetas que sufoca uma das mulheres condenadas a arder em chamas. Há outras figuras à distância e por um pórtico vê-se uma outra fogueira onde devem estar sendo eliminadas outras feiticeiras. Bem lá no fundo estão os magistrados, os fidalgos e os inquisidores, que mesmo não totalmente representados nessa gravura compõem o cenário para este genocídio feminino, por mais de 03 séculos.

"Se deseja saber se a acusada possui o poder maléfico de preservar o silêncio, que repare se ela é capaz de soltar lágrimas ao ficar em sua presença, ou quando estiver sendo torturada. Pois aprendemos tanto pelas palavras de velhos sábios quanto pela própria experiência que este é sinal inequívoco: verifica-se que mesmo quando a acusada é premida e exortada por conjurações solenes a derramar lágrimas, se for de fato uma bruxa não vai chorar..." (Malleus Maleficarum - Questão XV - Do prosseguimento da Tortura, e dos Meios e Sinais pelos quais um Juiz é capaz de identificar uma Bruxa... pág. 434)

Ontem estavam voando em vassouras, fálicas e poderosas, espalhando feitiços. Por isso sendo amaldiçoadas. Por isso muitas foram queimadas em praça pública. Hoje quem são e quais são seus encantos, filtros do amor ou ameaças que justificam sua condenação? São apenas as novas Liliths e outras que ainda são chamadas de bruxas, principalmente quando passam a ocupar espaços antes de total domínio masculino.

Ontem, quando nos perguntaram: travessuras ou guloseimas, pensamos nelas? No passado eram apenas as suas ''transgressões'' que contavam, preconceituosamente, para seu extermínio. A elas se destinavam as mais sutis formas de extração de todos os males de seu corpo feminino.

Por essa história é que 31 de Outubro é o All Hallows' Eve? E o que a Eva está fazendo nesse meio? Este novo nome de um "encontro secreto'' das Evas é que resultou na sua repressão? ou foi apenas uma tentativa da supressão de uma festa pagã antes de um feriado considerado ''cristão''? Eis o que encontrei ao procurar responder: por que 31 de outubro foi escolhido para comemorar o 'dia das Bruxas'? 

Uma das explicações históricas é a tentativa da Igreja Católica de erradicar o "Samhain", como a instituição de restrições na véspera do Dia de Todos os Santos. Mas, a meu ver, ao ser traduzido no Hallowen tornou-se apenas uma "festa", com abóboras que não assustam, principalmente as crianças em suas fantasias de terror. O verdadeiro horror foi edulcorado, adocicado, tornou-se um simulacro. E ainda dizemos: não acreditamos nas bruxas, mas que ''las hay, hay.''

Enquanto brincamos com vassouras de plástico e chapéus de magos, podemos nos "esquecer" das mais de 100 mil mulheres que, submetidas à tortura e à os ''autos de fé'' da Inquisição, foram queimadas para o exorcismo de seu desejo ora do conhecimento, privilégio do clero, ora por introduzirem brechas nos tabus sexuais como em o "Nome da Rosa". Ensinamos a magia de transformação das perigosas feiticeiras medievais em modernas babás: "Nanny Macphee".

Precisamos buscar outras fontes e respostas para as bruxas e as feiticeiras do passado? como estímulo para refrescar algumas memórias é preciso lembrar "o mais importante livro jamais escrito sobre o feminino" (conforme sua contracapa). O livro é o Malleus Malleus Maleficarum, ou melhor o "Martelo das Feiticeiras".

Também é conhecido com o "Martelo das Bruxas", daí trazê-lo para este texto e as indagações sobre as ''nossas bruxas que andam soltas por aí"... E também sabermos diferenciar as bruxas das feiticeiras, as segundas devem ter mais proximidade com a beleza e o seu enfeitiçamento para os homens...

Ele foi escrito em 1484, que lhe dá uma antecedência de 04 séculos ao Orwell com 1984 e o controle dos corpos desviantes. Ele, nasce na chamada alta Idade Média, como um manual escrito pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger. 

Tenho o meu exemplar desde 1990, e, à época, já estava na 7ª Edição pela Rosa dos Ventos, com um brilhante texto de apresentação histórica de Rose Marie Muraro, que se complementa pelo prefácio de Dr. Carlos Byington, que o ilustra com sua leitura simbólica e de fundamentação junguiana.

Considero este "manual" um aprendizado crítico sobre as manobras políticas e biopolíticas que já estavam em germinação no século XV. Basta lembrar que nosso ''descobrimento e/ou descoberta'' por Portugal vem a ocorrer apenas 06 anos após seu lançamento para toda a Europa cristã. 

Com ele se fundamentaram as idéias pré-cartesianas assim como os primeiros passos de uma tentativa de controle pelo Estado Teocrático de corpos a serem docilizados e domesticados: os corpos femininos, plenos da sexualidade, assim como dos perigosos úteros, a maior potência invejada pelos homens. Naquele tempo e ainda hoje.

Elas, as feiticeiras, possuiam e possuem uma potência que ainda continuará sendo, por mais que avancemos cientificamente, motivo da chamada ''inveja do útero". Ainda são consideradas capazes de heresias e blasfêmias, ou melhor ''blas-fêmeas", pois sua perseguição foi mais um ato eclesiástico de imputar às mulheres, geralmente as mais ousadas ou as mais ''defeituosas'', com suas deficiências físicas ou mesmo o crime da ''feiúra''. 

Mudamos as fogueiras e os métodos de violentação do corpo feminino, mas suas exclusões permanecem ativas, desde o Papa Gregório IX, que condenou seus ''sabbats", em 1233.

O corpo feminino, assim como a subjetividade produzida sutilmente, ainda é mantida no campo da repressão. Seja o Estado hipercapitalista ou a Nova Igreja, ou mesmo os fundamentalistas, continuam caçando bruxas em seus interiores. Mesmo quando tornado um objeto de exploração ou apelo sexual. Os novos-velhos inquisidores procuram em outros orifícios de seu corpo a presença do Mal ou do Demônio. Sejam Rosas, Salomés, de Salem, de Eastwick ou apenas submissas.

Em tempos de mulheres incluídas nas massas de revolução, há as que sofreram violências no Cairo ou ainda sofrem na Síria. Mas seu papel e gênero continua sendo submetido à visão ''familiar''. Devem abandonar as vassouras que voam na imaginação. Retroceder ao modelo meramente reprodutivo e sem direitos sobre o próprio corpo, eis a norma em atualização.

Não há apenas o reforço de seu papel no ''planejamento familiar", como foi abordado em recente Congresso Nacional promovido pela Igreja. O seu corpo, ora violentado, ora sacralizado, é ainda, apesar de avanços como a Lei Maria da Penha, um campo das diferenças que transgridem algumas normas ou leis. 

Não bastou, nem basta, domesticá-lo. É e era necessário ''purificá-lo'' e dele extrair os direitos, principalmente os sexuais e reprodutivos. Para tal lembremos as questões bioéticas ligadas às antecipações de parto por fetos anencefálicos e as moralizações sobre o aborto. 

Penso que as raízes preconceituosas do Malleus Maleficarum ainda persistem nos discursos moralistas ou conservadores. Em seu Capítulo XIII as orientações dos inquisidores sobre: "De que modo as parteiras cometem o mais hórrido dos crimes. O de matar e oferecer aos demônios crianças de forma execrável", há tantos séculos, ainda as condena como criminosas quando decidem abortar.

O que vivemos hoje é a substituição biomédica das parteiras, mulheres sempre meio bruxas do passado. Em pesquisa sobre os novos padrões para o nascer e o parto no Brasil, publicada pela USP, fica claro que, as mulheres, na atualidade brasileira, se não são cortadas por cima (cesarianas) ainda são cortadas por baixo (episiotomia). Os argumentos, agora re-encarnados sobre seu corpo, são de demanda estética(das próprias mulheres) ou de programação do parto, principalmente para fins privados. 

Mas há também a idéia de que o parto natural e vaginal provoca flacidez dos músculos, e compromete a vida sexual das mulheres. Elas precisam permanecer hipererotizadas. E a mortalidade materno-infantil continua sendo estatística, os traumas de parto naturalizados, os abortamentos clandestinos a norma, tornando a humanização do nascimento e do parto uma urgência e um direito humano imprescindível.

A releitura do Malleus Maleficarum, diante das mudanças que os úteros femininos nos impõem, é e deve ser compartilhada com as neo-bruxas que não podem mais ser queimadas vivas. Não nos esqueçamos das que arderam no passado. Precisamos hoje, refletindo sobre e para o futuro, re-conhecer seus direitos sexuais e reprodutivos. Há uma inserção do feminino em cada mínimo espaço da nossa Gaia. 

O Planeta Terra, que é feminino no nome, precisa de um resgate do prazer, da solidariedade, e de um re-encantamento com o corpo e o devir-mulher. Sem a paranóia e o temor dos inquisidores das Idade Média ou Mídia. Com elas podemos, suavemente, experimentar as revoluções moleculares e a criação de novas cartografias, novos vôos do imaginário, novas poesias, novas e doces amorosidades...

Não acreditamos nas bruxas, mas que elas re-existem, todos e todas, já sabemos...

Em vésperas de Finados não poderia deixar de pensar em mais uma Carta (missiva) para a Dona Morte, mas acho que ainda terei algum tempo para escrevê-la, afinal ela também é uma mulher, muitas vezes bruxa, quase sempre uma feiticeira irresistível... Outro dia, ou noite insone e de lua cheia lhe escrevo.

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet, ou em outros meios de comunicação de massa, todos direitos reservados ad infinitum, para além de todas as Pandemias - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

Sites para consulta e consultados sobre o texto:
Dia das bruxas
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_das_bruxas

- Malleus Maleficarum (o Martelo das Bruxas )
https://pt.wikipedia.org/wiki/Malleus_Maleficarum

Bruxa https://pt.wikipedia.org/wiki/Bruxa

"O status moral do embrião está acima da vida da mulher?” (Dr. Cláudio Lorenzo)
https://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/2011/10/31/campanhas-antidrogas-mentem/

Brasília: Congresso Nacional de Planejamento Familiar https://www.oecumene.radiovaticana.org/bra/articolo.asp?c=533880

PESQUISA NASCER NO BRASIL: Inquérito Nacional sobre o Parto e o Nascimento - https://www.ensp.fiocruz.br/nascernobrasil

Livro analisa resultados da enquete “Sexualidade, reprodução e desigualdades de gênero”

https://correiodobrasil.com.br/livro-analisa-resultados-da-enquete-%E2%80%9Csexualidade-reproducao-e-desigualdades-de-genero%E2%80%9D/321340/

Filmes Indicados:
O NOME DA ROSA - livro e filme (1986) - Jean Jacques Annaud - https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Nome_da_Rosa https://www.adorocinema.com/filmes/nome-da-rosa/

AS BRUXAS DE SALEM - (2003) - Joseph Sargent -
https://www.adorocinema.com/filmes/bruxas-de-salem-2003/

AS BRUXAS DE EASTWICK (1987) - https://pt.wikipedia.org/wiki/As_Bruxas_de_Eastwick

Nanny MacPhee (2005) - https://pt.wikipedia.org/wiki/Nanny_McPhee

LEIA TAMBÉM NO BLOG:

AS BRUXAS RE- EXISTEM? Como manter ou demolir um preconceito - https://infoativodefnet.blogspot.com/2013/11/as-bruxas-re-existem-como-manter-ou.html