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quarta-feira, 8 de abril de 2015

SAÚDE, BIOÉTICA E POLÍTICA – Vendem-se corpos e compram-se consciências?

Imagem publicada – uma foto colorida que fiz de uma matéria televisiva sobre o uso de robôs e novas tecnologias a serviço das guerras, de indústrias de ponta nos Eua, onde um manequim é cirurgicamente operado por um robô, que é teleguiado e projetado para servir remotamente a cirurgiões, que irão abreviar atendimento emergencial de soldados feridos em combate. A legenda diz: um robô que pode realizar cirurgias no campo de batalha. Matéria do Discovery Channel onde a robótica é utilizada para criação de drones, robôs espiões e desarmadores de bombas à distância.

“... Ao final do século XX, o fenômeno que mais se destaca é que a compra e venda não dizem respeito ao corpo como um todo, mas envolvem as partes individuais do homem. Assistimos, em outras palavras, à fragmentação comercial do ser humano. Os limites entre os usos e abusos do corpo tornaram-se gradualmente mais sutis e imprecisos...” (Giovanni Berlinguer & Volnei Garrafa, in Mercado Humano, 1996)

In memoriam de Giovanni Berlinguer (1924- 06/04/2015)

Sempre me perguntam se faria uma nova cirurgia. Sempre me indagam se não há um ‘’novo’’ tratamento, para minhas perdas, inclusive da mobilidade física. Sempre se surpreendem quando digo que estou à espera dos robôs da Nasa ou de alguma invenção das biotecnologias que irão trocar toda a minha coluna vertebral e não apenas colocar novos parafusos de titânio. Ainda prefiro a re-existência titânica do viver.

Assisti, recentemente, um desses programas de TV, da Discovery, onde um robô estava a ser testado, como na foto que tirei, para ‘realizar (em tempo recorde e veloz) uma cirurgia em campos de batalha’. Me vi ali deitado e sendo, então, novamente operado. E o bisturi, tele manipulado como nossas atuais consciências, me abria novamente pelas costas.

Hoje uma amiga me telefona, após muitos anos de distanciamento geográfico, e me sugere que façamos, visto essa minha tendência robótica de introduzir titânio no meu corpo, uma campanha para que vá para uma frente de batalha no Afeganistão. Lógico que só com passagem de ida, pois a volta, após a identificação de meu “sanguíneo conteúdo” político, pode ser direta para Guantánamo.

Tenho um belo livro para releitura e reflexão: O Mercado Humano – Estudo bioético da compra e venda de partes do corpo. É o mesmo citado lá em cima. Nele há interrogações sobre nossos tempos de transplantes de órgãos, fecundação artificial, engenharia genética, e, interessantemente, a questão da ‘escravidão ao mercado tecnológico’.

De lá, o livro é de 1996, para os nossos dias de Século XXI posso ter de responder com um sim às suas indagações: “Pode tudo ser realmente comprado ou mesmo roubado? Os órgãos para transplantes, o sangue para as transfusões, os recém-nascidos para as adoções, as meninas para as prostituições?”. Se alguém tem dúvidas busquem, em separado, as perguntas, e as respostas, no grande dicionário digital, o Google.

A realidade cruenta, por exemplo, da questão de tráfico de órgãos veio novamente à tona por causa de médicos lá no Sul de Minas. Não muito longe de minha terra natal e suas águas medicinais. Lá na pacata estância hidromineral de Poços de Caldas. Lá ocorreu o chamado Caso “Paulinho Pavesi”, um menino de 10 anos que teve seus órgãos retirados, segundo matéria de jornal, “enquanto ainda estava vivo”.

Esses e outros ‘’casos’’ estão relatados em jornais de imprensa local e de outros veículos, dos quais listei apenas alguns. O que ligou às notícias foi o título do livro de Berlinguer e Garrafa. Além disso, o surgimento fugaz em redes sociais de matérias midiatizadas recentemente. Não estou e estarei aqui para o julgamento da ‘’Máfia dos órgãos’’, mas para tentar compreender de onde nascem as raízes desse mercado.

Estamos assistindo, tele e midiaticamente, um recrudescimento de atitudes preconceituosas em Faculdades de Medicina. Recentemente vimos ‘veteranos’ com as fardas e capuzes da Klu Khux Khan, estavam em suas ‘fantasias’ e trotes reproduzindo o martírio de negros nos corpos dos ditos ‘bichos ou calouros’, lá na Unesp. Entretanto já tínhamos precedentes. 

Antes tivemos os estupros e as violências dentro das ‘festas’ de iniciação da vetusta Faculdade de Medicina da Usp. Cito apenas estas duas ocasiões violentadoras, em espaços de formação acadêmica, uma que foi naturalizada e outra que passou até por uma CPI, e como “notícias”, em tempos voláteis, só voltarão quando novos casos surgirem.

No texto que escrevi sobre o Holocausto brasileiro promovido, historicamente, lá em Barbacena, MG, já fiz as devidas ligações entre o comércio de corpos do hospício para as mesas de dissecção anatômica das faculdades de medicina. Eu, lamentavelmente, vi e tive esses cadáveres anônimos como ‘’lições’’ de anatomia humana, cheios de formol e de pele totalmente endurecida. Eram os Anos 70.

Creio que a dissolução, possíveis escrúpulos ou humanidades, no mais profundo de nossos inconscientes sobre o homem como sujeito, na formação dos profissionais de saúde, em especial os médicos, ocorrem nessa ‘iniciação’ onde temos uma ‘’oração do cadáver anônimo’’, mas podemos, no futuro, transplantá-lo a categoria de homem-objeto.

Os primeiros ‘poços’ profundos, ou gênesis, de nossa posterior desumanização dos corpos pode fincar as raízes nesse solo acadêmico. Afinal o que nos separaria dos médicos nazistas que, como nos diz Agambem, faziam experimentações com as cobaias humanas, as ‘versuchem person’, onde os judeus ou pessoas com deficiência eram submetidos às mais baixas temperaturas, ou extração ‘a frio’ de órgãos para fins dos ‘avanços da medicina germânica, e a proteção do exército do Reich’? Mas seriam necessárias biopolíticas, leis, e, principalmente escolas da  de-formação da Juventude Hitlerista ou das Faculdades de Medicina, ou não?.

Não estou trazendo de volta o fantasma de Mengele, mas que há um ‘cheiro’ mortal e incômodo de nazifascismo no ar não há como negar. As banalizações e naturalizações de violências estão autorizando, mesmo que não explicitamente, a ‘neomercantilização’, ‘neoescravidão’ e ‘neoexploração’ de nossos corpos insurgentes (como filme dos adolescentes). O Grande Irmão global nos incentiva à neo-guerra. Forjamos novas escolas hipermidiáticas do ódio e de novas Ondas? Ou apenas, neurótica e perversamente, repetimos os nossos passados?

As nossas raízes culturais também se alimentam de trans históricas posições eugênicas dos médicos e educadores do século XX. Lá em São Paulo nos anos 20 podíamos ainda ter a contribuição de eminentes escritores, intelectuais e ‘elites’ sociais que legitimavam a distinção de ‘corpos válidos’ e ‘corpos descartáveis’.

A Vida Nua pode ser captada como um discurso de Eugenia e Poder, segundo estudo de Vera Regina Beltrão Marques, no discurso de Monteiro Lobato, o mesmo das Reinações de Narizinho, que dizia: “-Muito cedo chegou o americano à conclusão de que os males do mundo vinham de três pesos mortos que sobrecarregavam a sociedade- o vadio, o doente e o pobre... A eugenia deu cabo do primeiro, a higiene do segundo e a eficiência do último...”.

E o escritor tinha relações muito próximas com os higienistas e eugenistas brasileiros. Para eles, que se consideravam uma ‘elite’, a eliminação ‘radical’, assim como propõem os fascismos, é a melhor solução para “a América (incluam o nosso país) aproximar-se de um tipo de associação já existente na natureza, a colmeia – mas uma colmeia da abelha que pensa”.

Eis aí um discurso que estamos sendo obrigados a escutar, ver e ler nos nossos tempos de Idade Mídia. Arautos do ‘bom combate’ das nossas corrupções, projetadas apenas no socius, dizem que devemos dar o poder político de gerir o país e a Vida aos que são ‘puros, imaculados e nascidos em berços esplêndidos das classes mais afortunadas’.

Aos outros, aqueles que contaminam nossos shoppings ou nossas periferias, cabe a continuidade do extermínio por ‘golpes brandos’. Mantem-se a alienação, o racismo, as discriminações e o trabalho escravo como naturais. Esses outros são as nossas misérias ou serão.

A exclusão social retoma seus ares de horror econômico e a cultura do medo retoma sua posição a favor de novas e sutis repressões, inclusive políticas. Os corpos são novamente Vidas Nuas, homo sacer.

E, aqueles dos quais se esperava o cuidado com a Saúde, em especial a pública e universal, chamada ainda de SUS, podem nos submeter às desqualificações e desumanizações que justifiquem esse novo mercado privado e altamente rentável. Seremos os novos pacientes doadores espontâneos dos nossos órgãos. E os úteros já estão alugados.

Portanto, não estreitando nossos olhares e visões, acredito que temos de buscar urgentemente uma ressignificação e revitalização de nossos corpos trabalhadores. Já nos terceirizam e comercializam, até quando nos prostituirão as consciências críticas e políticas? Até quando nos darão olhos biônicos e televisivos que nos afastam do Outro e nos dão uma sórdida ilusão de Poder?

A medicalização do viver tem andado passo a passo no mesmo caminho tortuoso da militarização da Vida. Os novos casos, sempre meninos ou meninas, que perdem suas partes fragmentadas, ou por balas de fuzil ou por bisturis eletrônicos, passarão a categoria perversa de ‘efeitos colaterais’ de nossos progressos? Ou são apenas vidas descartáveis que atrapalham as novas tanatocracias ditatoriais ou seus projetos globais, sejam elas nas Áfricas, na Ucrânia, na Síria ou no Brasil?

Portanto, dentro dessa minha visão, que não desejo ser antevisão, espero não ter o falso gozo de me tornar mais uma cobaia humana. As alianças das biotecnologias, das engenharias, das genéticas e das biopolíticas não aliviarão, nem aliviam, os meus mais profundos e poéticos ardores.

Eu, brasileiro, negro, e Lobatianamente descartável, prometo me manter na Re-existência e na Resiliência, política e micropolítica, para além do fato de ser mais um que deseja um envelhecimento com dignidade para a Medicina, em busca de um aprender a construir, bioéticamente, novas pontes para o Futuro ...

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2015/2016 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e/ou outros meios de comunicação para e com as massas. TODOS DIREITOS RSERVADOS 2025)

INDICAÇÕES PARA LEITURAS CRÍTICAS –

O MERCADO HUMANO – Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo, Giovanni Berlinguer &Volnei Garrafa, Editora UNB, Brasília, DF, 1996.

A MEDICALIZAÇÃO DA RAÇA – Médicos, Educadores e Discurso Eugênico, Vera Regina Beltrão Marques, Editora UNICAMP, Campinas, SP, 1994.

O QUE É VIOLÊNCIA SOCIAL – Jorge P. de Andrade et alii, Escolar Editora, Lisboa, Portugal, 2014.


Notícias pesquisadas na Internet –

CRM absolve médicos condenados por tráfico de órgãos em Poços de Caldas (MG) https://noticias.r7.com/minas-gerais/crm-absolve-medicos-condenados-por-trafico-de-orgaos-em-pocos-de-caldas-mg-14022014  (vejam a quem pertence a empresa MG Sul Transplantes)

'Eles sabiam que a criança estava viva', diz juiz sobre tráfico de órgãos https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2014/02/eles-sabiam-que-crianca-estava-viva-diz-juiz-sobre-condenacoes.html


Em 24/03/2015 - Médicos acusados de retirada ilegal de órgãos são presos em Poços



LEIAM TAMBÉM AQUI NO BLOG –



SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se encontra com a Resiliência.

OS MORTOS-VIVOS DO HOSPICIO QUE ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS! https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html

OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html

TIROS REAIS EM REALENGO - a violência é uma péssima pedagoga https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html


SAÚDE, BIOÉTICA E POLÍTICA – Vendem-se corpos e compram-se consciências?

Imagem publicada – uma foto colorida que fiz de uma matéria televisiva sobre o uso de robôs e novas tecnologias a serviço das guerras, de indústrias de ponta nos Eua, onde um manequim é cirurgicamente operado por um robô, que é teleguiado e projetado para servir remotamente a cirurgiões, que irão abreviar atendimento emergencial de soldados feridos em combate. A legenda diz: um robô que pode realizar cirurgias no campo de batalha. Matéria do Discovery Channel onde a robótica é utilizada para criação de drones, robôs espiões e desarmadores de bombas à distância.

“... Ao final do século XX, o fenômeno que mais se destaca é que a compra e venda não dizem respeito ao corpo como um todo, mas envolvem as partes individuais do homem. Assistimos, em outras palavras, à fragmentação comercial do ser humano. Os limites entre os usos e abusos do corpo tornaram-se gradualmente mais sutis e imprecisos...” (Giovanni Berlinguer & Volnei Garrafa, in Mercado Humano, 1996)

In memoriam de Giovanni Berlinguer (1924- 06/04/2015)

Sempre me perguntam se faria uma nova cirurgia. Sempre me indagam se não há um ‘’novo’’ tratamento, para minhas perdas, inclusive da mobilidade física. Sempre se surpreendem quando digo que estou à espera dos robôs da Nasa ou de alguma invenção das biotecnologias que irão trocar toda a minha coluna vertebral e não apenas colocar novos parafusos de titânio. Ainda prefiro a re-existência titânica do viver.

Assisti, recentemente, um desses programas de TV, da Discovery, onde um robô estava a ser testado, como na foto que tirei, para ‘realizar (em tempo recorde e veloz) uma cirurgia em campos de batalha’. Me vi ali deitado e sendo, então, novamente operado. E o bisturi, tele manipulado como nossas atuais consciências, me abria novamente pelas costas.

Hoje uma amiga me telefona, após muitos anos de distanciamento geográfico, e me sugere que façamos, visto essa minha tendência robótica de introduzir titânio no meu corpo, uma campanha para que vá para uma frente de batalha no Afeganistão. Lógico que só com passagem de ida, pois a volta, após a identificação de meu “sanguíneo conteúdo” político, pode ser direta para Guantánamo.

Tenho um belo livro para releitura e reflexão: O Mercado Humano – Estudo bioético da compra e venda de partes do corpo. É o mesmo citado lá em cima. Nele há interrogações sobre nossos tempos de transplantes de órgãos, fecundação artificial, engenharia genética, e, interessantemente, a questão da ‘escravidão ao mercado tecnológico’.

De lá, o livro é de 1996, para os nossos dias de Século XXI posso ter de responder com um sim às suas indagações: “Pode tudo ser realmente comprado ou mesmo roubado? Os órgãos para transplantes, o sangue para as transfusões, os recém-nascidos para as adoções, as meninas para as prostituições?”. Se alguém tem dúvidas busquem, em separado, as perguntas, e as respostas, no grande dicionário digital, o Google.

A realidade cruenta, por exemplo, da questão de tráfico de órgãos veio novamente à tona por causa de médicos lá no Sul de Minas. Não muito longe de minha terra natal e suas águas medicinais. Lá na pacata estância hidromineral de Poços de Caldas. Lá ocorreu o chamado Caso “Paulinho Pavesi”, um menino de 10 anos que teve seus órgãos retirados, segundo matéria de jornal, “enquanto ainda estava vivo”.

Esses e outros ‘’casos’’ estão relatados em jornais de imprensa local e de outros veículos, dos quais listei apenas alguns. O que ligou às notícias foi o título do livro de Berlinguer e Garrafa. Além disso, o surgimento fugaz em redes sociais de matérias midiatizadas recentemente. Não estou e estarei aqui para o julgamento da ‘’Máfia dos órgãos’’, mas para tentar compreender de onde nascem as raízes desse mercado.

Estamos assistindo, tele e midiaticamente, um recrudescimento de atitudes preconceituosas em Faculdades de Medicina. Recentemente vimos ‘veteranos’ com as fardas e capuzes da Klu Khux Khan, estavam em suas ‘fantasias’ e trotes reproduzindo o martírio de negros nos corpos dos ditos ‘bichos ou calouros’, lá na Unesp. Entretanto já tínhamos precedentes. Antes tivemos os estupros e as violências dentro das ‘festas’ de iniciação da vetusta Faculdade de Medicina da Usp.
Cito apenas estas duas ocasiões violentadoras, em espaços de formação acadêmica, uma que foi naturalizada e outra que passou até por uma CPI, e como “notícias”, em tempos voláteis, só voltarão quando novos casos surgirem.

No texto que escrevi sobre o Holocausto brasileiro promovido, historicamente, lá em Barbacena, MG, já fiz as devidas ligações entre o comércio de corpos do hospício para as mesas de dissecção anatômica das faculdades de medicina. Eu, lamentavelmente, vi e tive esses cadáveres anônimos como ‘’lições’’ de anatomia humana, cheios de formol e de pele totalmente endurecida. Eram os Anos 70.

Creio que a dissolução, possíveis escrúpulos ou humanidades, no mais profundo de nossos inconscientes sobre o homem como sujeito, na formação dos profissionais de saúde, em especial os médicos, ocorrem nessa ‘iniciação’ onde temos uma ‘’oração do cadáver anônimo’’, mas podemos, no futuro, transplantá-lo a categoria de homem-objeto.

Os primeiros ‘poços’ profundos, ou gênesis, de nossa posterior desumanização dos corpos pode fincar as raízes nesse solo acadêmico. Afinal o que nos separaria dos médicos nazistas que, como nos diz Agambem, faziam experimentações com as cobaias humanas, as ‘versuchem person’, onde os judeus ou pessoas com deficiência eram submetidos às mais baixas temperaturas, ou extração ‘a frio’ de órgãos para fins dos ‘avanços da medicina germânica, e a proteção do exército do Reich’? Mas seriam necessárias biopolíticas, leis, e, principalmente escolas da  de-formação da Juventude Hitlerista ou das Faculdades de Medicina, ou não?.

Não estou trazendo de volta o fantasma de Mengele, mas que há um ‘cheiro’ mortal e incômodo de nazifascismo no ar não há como negar. As banalizações e naturalizações de violências estão autorizando, mesmo que não explicitamente, a ‘neomercantilização’, ‘neoescravidão’ e ‘neoexploração’ de nossos corpos insurgentes (como filme dos adolescentes). O Grande Irmão global nos incentiva à neo-guerra. Forjamos novas escolas hipermidiáticas do ódio e de novas Ondas? Ou apenas, neurótica e perversamente, repetimos os nossos passados?

As nossas raízes culturais também se alimentam de trans históricas posições eugênicas dos médicos e educadores do século XX. Lá em São Paulo nos anos 20 podíamos ainda ter a contribuição de eminentes escritores, intelectuais e ‘elites’ sociais que legitimavam a distinção de ‘corpos válidos’ e ‘corpos descartáveis’.

A Vida Nua pode ser captada como um discurso de Eugenia e Poder, segundo estudo de Vera Regina Beltrão Marques, no discurso de Monteiro Lobato, o mesmo das Reinações de Narizinho, que dizia: “-Muito cedo chegou o americano à conclusão de que os males do mundo vinham de três pesos mortos que sobrecarregavam a sociedade- o vadio, o doente e o pobre... A eugenia deu cabo do primeiro, a higiene do segundo e a eficiência do último...”.

E o escritor tinha relações muito próximas com os higienistas e eugenistas brasileiros. Para eles, que se consideravam uma ‘elite’, a eliminação ‘radical’, assim como propõem os fascismos, é a melhor solução para “a América (incluam o nosso país) aproximar-se de um tipo de associação já existente na natureza, a colmeia – mas uma colmeia da abelha que pensa”.

Eis aí um discurso que estamos sendo obrigados a escutar, ver e ler nos nossos tempos de Idade Mídia. Arautos do ‘bom combate’ das nossas corrupções, projetadas apenas no socius, dizem que devemos dar o poder político de gerir o país e a Vida aos que são ‘puros, imaculados e nascidos em berços esplêndidos das classes mais afortunadas’.

Aos outros, aqueles que contaminam nossos shoppings ou nossas periferias, cabe a continuidade do extermínio por ‘golpes brandos’. Mantem-se a alienação, o racismo, as discriminações e o trabalho escravo como naturais. Esses outros são as nossas misérias ou serão.

A exclusão social retoma seus ares de horror econômico e a cultura do medo retoma sua posição a favor de novas e sutis repressões, inclusive políticas. Os corpos são novamente Vidas Nuas, homo sacer.

E, aqueles dos quais se esperava o cuidado com a Saúde, em especial a pública e universal, chamada ainda de SUS, podem nos submeter às desqualificações e desumanizações que justifiquem esse novo mercado privado e altamente rentável. Seremos os novos pacientes doadores espontâneos dos nossos órgãos. E os úteros já estão alugados.

Portanto, não estreitando nossos olhares e visões, acredito que temos de buscar urgentemente uma ressignificação e revitalização de nossos corpos trabalhadores. Já nos terceirizam e comercializam, até quando nos prostituirão as consciências críticas e políticas? Até quando nos darão olhos biônicos e televisivos que nos afastam do Outro e nos dão uma sórdida ilusão de Poder?

A medicalização do viver tem andado passo a passo no mesmo caminho tortuoso da militarização da Vida. Os novos casos, sempre meninos ou meninas, que perdem suas partes fragmentadas, ou por balas de fuzil ou por bisturis eletrônicos, passarão a categoria perversa de ‘efeitos colaterais’ de nossos progressos? Ou são apenas vidas descartáveis que atrapalham as novas tanatocracias ditatoriais ou seus projetos globais, sejam elas nas Áfricas, na Ucrânia, na Síria ou no Brasil?

Portanto, dentro dessa minha visão, que não desejo ser antevisão, espero não ter o falso gozo de me tornar mais uma cobaia humana. As alianças das biotecnologias, das engenharias, das genéticas e das biopolíticas não aliviarão, nem aliviam, os meus mais profundos e poéticos ardores.

Eu, brasileiro, negro, e Lobatianamente descartável, prometo me manter na Re-existência e na Resiliência, política e micropolítica, para além do fato de ser mais um que deseja um envelhecimento com dignidade para a Medicina, em busca de um aprender a construir, bioéticamente, novas pontes para o Futuro ...

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2015/2016 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e/ou outros meios de comunicação para e com as massas. TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)

INDICAÇÕES PARA LEITURAS CRÍTICAS –

O MERCADO HUMANO – Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo, Giovanni Berlinguer &Volnei Garrafa, Editora UNB, Brasília, DF, 1996.

A MEDICALIZAÇÃO DA RAÇA – Médicos, Educadores e Discurso Eugênico, Vera Regina Beltrão Marques, Editora UNICAMP, Campinas, SP, 1994.

O QUE É VIOLÊNCIA SOCIAL – Jorge P. de Andrade et alii, Escolar Editora, Lisboa, Portugal, 2014.


Notícias pesquisadas na Internet –

CRM absolve médicos condenados por tráfico de órgãos em Poços de Caldas (MG) https://noticias.r7.com/minas-gerais/crm-absolve-medicos-condenados-por-trafico-de-orgaos-em-pocos-de-caldas-mg-14022014  (vejam a quem pertence a empresa MG Sul Transplantes)

'Eles sabiam que a criança estava viva', diz juiz sobre tráfico de órgãos https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2014/02/eles-sabiam-que-crianca-estava-viva-diz-juiz-sobre-condenacoes.html


Em 24/03/2015 - Médicos acusados de retirada ilegal de órgãos são presos em Poços



LEIAM TAMBÉM AQUI NO BLOG –



SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se encontra com a Resiliência.

OS MORTOS-VIVOS DO HOSPICIO QUE ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS! https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html

OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html

TIROS REAIS EM REALENGO - a violência é uma péssima pedagoga https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html


sábado, 14 de julho de 2012

ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA.

Imagem publicada – uma foto em preto e branco sobre um filme, dos anos 30, sobre a presença e criação de robôs pela ciência. Um cientista se vê cercado pelas criaturas que aparentemente ameaçam ou ameaçarão o seu próprio criador. É a metáfora de Frankenstein que se repetiu em muitos filmes, e hoje é parte de um questionamento bioético sobre os limites de nossas intervenções biotecnológicas e médicas no corpo e na vida dos seres humanos. O que estamos inventando para o nosso futuro: desde robôs nano tecnológicos que tratarão nossos adoecimentos ou adoecidos seres humanos que se tornarão também robôs?

Quando acordei a semana passada de uma anestesia geral, novamente, pensei em quem estava ao meu lado na sala de recuperação. Eram muitos, pois minha pressão arterial caiu, e os meus temores aumentaram o número de leitos ocupados. Somos impelidos a ver múltiplos ou duplos de nós mesmos nas horas de turvamento da consciência Então, semi lúcido, pensei naqueles que nos assistiam e monitorizavam, eram para mim parecidos com robôs...

Por que então o tema dos robôs me foi lembrado? Primeiramente por que eu próprio já me sentira um quando acordei da neurocirurgia no ano de 2009. Não sei se os meus leitores já sabem do que sofri no pós-operatório e da colocação em meu corpo de parafusos e hastes de titânio. Muitos ainda nem sabem das sequelas que adquiri.

Pela dor acrescentada pelo descuido tive uma queda acidental ao ser deixado cair de uma cama para uma maca. Estavam me levando para uma tomografia. E foi um forte homem negro, um “segurança” do hospital que colocou dentro da máquina. Começavam aí minhas ideias sobre a robotização do corpo e da humanidade. Começou minha vivência e experiência de meu duplo com deficiência...

No local onde permaneci dentro de um hospital universitário havia o que já presenciara muitas vezes de outro ponto de vista, também na Saúde Mental: a desumanização do cuidado como Outro. Era o que chamamos de serialização de atitudes e comportamentos. Os profissionais de saúde, assim como outros que lidam com grandes massas ou públicos, podem se tornar autômatos.

Tornam-se ou nos tornamos verdadeiros seres robotizados por um trabalho exaustivo e alienante. Os riscos que deveriam ser um estímulo criativo tornam-se uma ameaça, é o que ouvi de profissionais durante a noite hospitalizada e fria. No quarto ao lado estavam sujeitos amarrados em seus leitos, eram assaltantes perigosos, justificavam os três policiais de colete que passearam noite adentram na porta do meu quarto quase infectado.

Desta lembrança indelével, qual a memória de quem sofre uma tortura, é que restou uma vontade de refletir sobre o que é realmente um robot?

A palavra ROBOT vem do tcheco, que significa trabalho repetitivo, depressa destronou denominações mais antigas como autómatos ou androides, generalizando-se como designação corrente para as “máquinas” capazes de realizar, com algum grau de autonomia, vários tipos de operações.

Na etimologia tcheca oriunda de tempos medievais o termo “robota” significava o trabalho gratuito que um servo devia ao senhor. Ou melhor, era uma das formas de trabalho escravo. A ideia atravessou os anos e ainda temos esse trabalho indigno nas nossas melhores grifes ou roupas, lá os tempos modernos de Chaplin são fielmente reproduzidos. O modelo fordista e serializado obriga aos “neo-robôs” bolivianos, por exemplo, a uma servidão contínua. 

A primeira ideia sobre o termo me foi apresentada pela psicanálise. Em um trabalho de Sigmund Freud em seu trabalho sobre o “estranho, o sinistro, o desconhecido” (Das unheimliche -1919). Este texto é inspirado em outro autor: E. T. Hoffmann, um escritor, músico e desenhista alemão. Foi em seu conto o “Homem de Areia” que inspirou Freud para mais uma teorização a partir da literatura.

Não é a revelação freudiana de que o que nos assusta no desconhecido é também a nossa atração ou desejo de vivenciá-lo, mas como tentamos negar essa relação. É o aspecto de estranheza que algumas formas de “duplos” ou espelhamentos nossos despertam. É o que me faz pensar sobre nossas robotizações em ação, são as máquinas humanoides que me interessam. Vivenciamos muitas angústias diante das máquinas e as recalcamos.

Estamos cada dia mais próximos do que na ficção dizemos temer: um dia o exterminador do futuro estará se liquefazendo, como um homem de areia, na nossa frente. A história que se construiu sobre nossas futuras situações diante das tecnologias e dos robôs é de uma guerra em que perdemos tudo. Inclusive nossa própria capacidade de sermos humanos.

O que já vivencie no corpo e na mente através das minhas próprias fragilizações me mostra o quanto uma deficiência pode ser tratada como uma aproximação de máquinas. O modelo biomédico ainda ativo nas formas de cuidado é a intervenção mais presente, com apenas técnicas ou biotecnologias. Muitas vezes desumanizadas. É o que esperamos de nosso futuro ciborgue? Ou o que esperamos dos ciborgues do futuro?

A revista Info recentemente estampou em sua capa a seguinte chamada: “Superação Ciborgue”, com o subtítulo: “engenheiros e médicos unem-se para criar próteses controladas por chip, sensores e software. Elas substituem pernas, mãos, pés, joelhos e até ouvidos. Entendam como funcionam”.

A capa me suscitou algumas questões. Ela apresenta um homem com os mesmos pés Cheetah. São as pernas de titânio substitutas do atleta parolímpico Alan Fonteneles, parecidas com as próteses de Pistorius. Aquele atleta que quer ser “incluído” nas Olimpíadas dos “normais”, mas se sentou no banco dos réus como eles.

Uma de minhas indagações é quantos são os sujeitos que têm acesso a estas pernas substitutas? Ainda mais o quanto há de aperfeiçoamento destas próteses apenas com a intenção de futuras robotizações checas no hipercapitalismo? Olhamos com temor estes novos ciborgues com deficiência? É o desconhecido futuro que nos espera/assusta?

Sou e serei um entusiasta das novas tecnologias aplicadas como assistivas ou suplementares para pessoas com deficiência. Há, porém esta questão que chamarei de biopolítica da transformação de nossos corpos “hipossuficientes” em corpos plenamente controláveis para a produção serializada de um trabalho alienado.

Há muitos anos venho difundindo e estimulando os avanços que podem ser conquistados com o uso de novas formas de inclusão com uso de tecnologias de reabilitação ou habilitação. Aposto, porém, no futuro da universalização de acesso socializado e não segregado às novas tecnologias.

O que temos de alertar, para além das possibilidades de um homem como Neil Harbinsson, é a quantidade de sujeitos sem nenhum acesso ao que podem estes “aparelhos”, “neo esqueletos”, “próteses eletro-eletrônicas”, enfim, quaisquer das mais avançadas formas de nos tornar mais biônicos. O cinema já naturaliza os “transformers” como a massa do futuro.

Somos hoje uma massa de mais de 600 milhões de pessoas com deficiência. Há uma margem de aproximadamente 20 a 30% destes seres humanos que ainda estão nas chamadas exclusões sociais e pobreza. Calculem quantos anos ou séculos levaremos para sua real inclusão desses não-cidadãos e cidadãs na perspectiva futurista do game Deus Ex: Human revolution, citada na Info?

No Brasil já temos alguns destes avanços, como os implantes cocleares, sendo incluídos no direito universal da saúde e da qualidade de vida. Porém ainda temos também na sua contramão, apesar dos milhões do Viver sem limites, bem como dos investimentos em tecnologias assistivas, uma grande massa de excluídos, micro e macro politicamente, do usufruto destes avanços.

Recentemente visitei um site que demonstra o uso do Kinect, um videogame sem nenhum controle, onde nossos movimentos é que são projetados/controlados, como forma de ajuda tecnológica para pessoas dentro do espectro do Autismo. Mas a pesquisa da Universidade de Minessota se diz servir para “... alertar para que haja uma maior atenção com aquelas (crianças) que mostrarem comportamentos não esperados, como tendência para ser ativo demais ou de menos”.

Nessa área de controlar e identificar as diferenças, sem, contudo, qualificar suas singularidades, é que temo pela promoção de seu uso meramente classificatório e reabilitador. Para além dessa perspectiva devemos buscar a criação de novas cartografias e novos usos micropolíticos dessas “invenções ou descobertas científicas”.

Nessa perspectiva é que entramos em um ano muito importante. Estamos perto de ver paraolímpicos quebrando os mesmos recordes que os ditos olímpicos. Estamos tele ou assistindo e conhecendo o crescimento do número de candidatos com deficiência para cargos representativos em governos municipais ou câmara de vereadores. Aumentaremos a participação política de pessoas com deficiência nos espaços de governo e gestão pública?

Creio e espero que sim. Porém, ainda temos de promover uma ampla conscientização e capacitação sobre os mais elementares direitos e conquistas a que cada cidadão ou cidadã com deficiência têm direito. 

As formas de exercício macro político, apesar do crescimento da presença de pessoas com deficiência em seus espaços de poder, mantêm-se presas à corrupção e ao uso desonesto de recursos públicos. 

Ainda temos muitos representantes robotizados e desumanizados, verdadeiros portadores, estes sim, de muitas “deficiências” ético-políticas. Já naturalizaram a centralização e o abuso do poder. E, sua maioria, atendendo a interesses pessoais, eleitorais ou minoritários, ainda insiste em criar novos artifícios legais antes mesmo de reconhecer o que já foi ratificado e decretado.

Um exemplo é ausência de reais políticas públicas Inter setoriais que estejam garantindo, para além do acesso gratuito a alguns, a verdadeira acessibilidade dos estádios da Copa. E a transparência dos gastos astronômicos desde a demolição às novas arquiteturas que ainda não conhecem o conceito de desenho universal. Eis uma tarefa árdua para os candidatos a participação nesse cenário político...

O que espero, então, de novos e postulantes, como sujeitos com deficiência, à sua participação nos poderes públicos? Espero que possam reforçar a compreensão da indispensável mudança do paradigma biomédico, já que nele considerei um campo fértil para a simples robotização. E que possam, ativamente, propagar e efetivar o que se postula como o modelo social das deficiências.

Ao se manter a visão assistencialista, paternalista, caritativa, excludente e adoecida de sujeitos vivendo e convivendo com deficiências estamos também mantendo um olhar biopolítico de controle e uso de seus corpos. Precisamos buscar o olhar, a visão e a escuta sensível dos Estudos sobre as Deficiências. Precisamos investir na conscientização e apropriação da Convenção e os direitos humanos. Precisamos de políticas públicas que se fundamentem nesses princípios.

Uma plataforma que espero se incluirá nos discursos e nas propostas concretas de quem se investir nos lugares de representação macro política é o exercício micropolítico e revolucionário da re-humanização de espaços de saúde e educação.

O projeto e processo inclusivo, a meu ver, devem alicerçar ações e cuidados, para além do olhar reabilitador, que tornem nossos corpos para além do trans-humano ou robótico. A visão de servidão que está subjacente/significante à nossa protetização hipermoderna, apesar do que se propagandeia oficialmente, é a que equipara não apenas a funcionalidade de um corpo.

É principalmente quando não esperamos, onipotentemente, a sua transformação em um objeto-robô. Primeiramente porque já sabemos, de antemão, que muitos ficaram e ficarão fora do alcance destas conquistas micro, macro ou nano tecnológicas. Como dizia um velho conhecido: quem bancará seu custo? Além disso, podemos apenas atender às pessoas que puderem ter acesso aos recursos ou avanços da sociedade. Ou seja, quem pode pagar.

Um exemplo atual é a notícia de uma companhia de aviação que terá seus banheiros com acessibilidade. Espero que a mesma se recorde das suas inúmeras ações de preconceito com os passageiros considerados prioridade nos aeroportos. Não basta poder fazer xixi sentado com barras de apoio. Precisamos de todos os direitos de acessibilidade, para além das barreiras visíveis, sendo cumpridos e respeitados.

Nem mesmo bastará que a acessibilidade dos aeroportos se torne, por causa dos eventos esportivos futuros, uma realidade parcial. Os espaços de voos ou pouso não são os únicos que garantem a inclusão social e econômica sustentável que irá para mais de 20 anos. 

Estes espaços não podem se tornar os não-lugares. Se como as escolas, se tornarem realmente inclusivos e universais nem teremos então de dialogar com um ponto eletrônico da Anac, do PROCON ou da Infraero no futuro. Ainda existirão, nesse porvir, “trabalhadores” re-humanizados. As formas metálicas ou frias de resposta já terão sido sofisticadas por novos andróides.

Por isso não podemos esquecer que o que alguns homens imaginam outros poderão realizar no futuro. A primeira citação a robôs é de 1920. Faz parte da peça de Karel Kapek: R.U.R (“Rossuns Universal Robots”). Surgida como desencanto após a 1ª Guerra Mundial como um alerta para a humanidade, antevisão de uma guerra com “soldados universais”, metade homem, metade máquina mortífera.

Primeiramente são criadas cópias fiéis de nós humanos. Tornados trabalhadores eficientes, apesar de “deficientes”, tornar-se-ão os futuros robots. Tornam-se, então, capazes de amar o BBB, esquecendo-se de 1984 de Orwell, ou se serializam em um Admirável Mundo Novo, esquecendo que Aldous Huxley bebeu de sua própria literatura, o “soma”, a bebida que surge de cogumelos, para entrar em contato, sem dor ou sofrimento, com seu/nosso lado sinistro: a morte.

Vivemos intensamente os tempos do Hipercapitalismo integrado e excludente, na Idade Mídia. Engolfamo-nos, serializados, em dilemas bioéticos como as clonagens terapêuticas e reprodutivas, as próteses, os implantes, as cirurgias plásticas de total reconstrução e remodelação corporal, com suas diferentes formas de artifícios, lipoaspirações, fertilizações invitro, barrigas de aluguel, cirurgias bariátricas.

Hoje, ontem e amanhã vamos até o limite ético e eugênico das descobertas de meios de “prevenção” de uma Síndrome de Down por exames ultrassofisticados. Tendo a certeza de que todos são e serão muito caros e eticamente questionáveis.

Eu, aqui, sorvendo e sofredor dessas literaturas bioéticas, espero, sonhador de outras utopias, um pouco de humanidade nos autômatos e subjetividades que estamos produzindo, para além de quaisquer de suas deficiências humanas, no campo do exercício dos poderes.

Excelências ou futuras excelências me digam que estou errado. Vocês por nenhum dinheiro do mundo irão esquecer as pontes para o futuro que desejou o criador da Bioética. Como humanos potencializados pelas novas tecnologias nunca irão permitir a edulcoração, o adoçamento, ou a negação de nossos direitos fundamentais.

Não estamos ainda para além das Sírias, dos Sertões, das catástrofes ou massacres. Caminhamos na incerteza, dialogamos permanentemente com a Dona Morte, esquecendo que a atual e moderna felicidade de consumo é apenas dependente dos fatores e poderes políticos.

Quem sabe os próximos tempos nos tragam novas formas de governamentabilidade e sustentabilidade. E, eu, afirmativamente, só votarei em quem souber me dizer com propriedade e crítica o que significam as palavras robô, política e deficiência.


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Notícias na INTERNET:

R.U.R. https://en.wikipedia.org/wiki/R.U.R.


TAM será a primeira no mundo a ter banheiros com acessibilidade em aeronaves narrow body https://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=209856

Revista INFO – Nº 316= Maio de 2012: Superação Ciborgue
https://www.lojaabril.com.br/detalhes/revista-info_superacao-ciborgue_edicao-316_maioe2012-486368
KINECT AJUDA A DIAGNOSTICAR E A TRATAR AUTISMO https://robotica-autismo.com/

Primeiras imagens de robôs de Robocop, que será dirigido por José Padilha, caem na rede https://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2012/07/13/primeiras-imagens-de-robos-de-robocop-que-sera-dirigido-por-jose-padilha-caem-na-rede/

Google pode usar mini-robôs voadores para capturar imagens (1984 – Orwell tinha a antevisão?*) https://googlediscovery.com/2010/08/07/google-pode-usar-mini-robos-voadores-para-capturar-imagens/

7 assustadoras tecnologias de “1984, George Orwell” que existem nos dias de hoje! https://literatortura.com/2012/07/03/7-assustadoras-tecnologias-de-1984-george-orwell-que-existem-nos-dias-de-hoje/

POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO no SUS 

O que é Humanização? https://hitechnologies.com.br/humanizacao/o-que-e-humanizacao/

Um pequeno questionamento – Chain Samuel Katz
https://www.freudiana.com.br/documentos/chaimabf.pdf

Novo exame para detectar síndrome de Down gera discussões éticas https://www.dw.de/dw/article/0,,16091026,00.html

Indicações para Leitura:
Das Unheimliche, Sigmund Freud 1919h, em Gesammelte Werke, vol. XII. Trad. Brasileira,Standard Edição Brasileira, trad. Imago, vol. XVII, Rio de Janeiro, RJ.

Contos Sinistros – E. T. A. Hoffmann – Editora Max Limonad, São Paulo, SP, 1987.

O que é deficiência – Debora Diniz, Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 2007.

Sobre a felicidade – Ansiedade e consumo na era do Hipercapitalismo – Renata Salicecl, Editora Alameda, São Paulo, SP, 2005.

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