Imagem publicada – uma
foto colorida que fiz de uma matéria televisiva sobre o uso de robôs e novas
tecnologias a serviço das guerras, de indústrias de ponta nos Eua, onde um manequim
é cirurgicamente operado por um robô, que é teleguiado e projetado para servir
remotamente a cirurgiões, que irão abreviar atendimento emergencial de soldados
feridos em combate. A legenda diz: um robô que pode realizar cirurgias no campo de batalha. Matéria do Discovery Channel onde a robótica é utilizada
para criação de drones, robôs espiões e desarmadores de bombas à distância.
“... Ao final do século XX, o fenômeno que mais se destaca é
que a compra e venda não dizem respeito ao corpo como um todo, mas envolvem as
partes individuais do homem. Assistimos, em outras palavras, à fragmentação
comercial do ser humano. Os limites entre os usos e abusos do corpo tornaram-se
gradualmente mais sutis e imprecisos...” (Giovanni Berlinguer
& Volnei Garrafa, in Mercado Humano, 1996)
In memoriam de Giovanni
Berlinguer (1924- 06/04/2015)
Sempre me perguntam se
faria uma nova cirurgia. Sempre me indagam se não há um ‘’novo’’ tratamento,
para minhas perdas, inclusive da mobilidade física. Sempre se surpreendem
quando digo que estou à espera dos robôs da Nasa ou de alguma invenção das
biotecnologias que irão trocar toda a minha coluna vertebral e não apenas
colocar novos parafusos de titânio. Ainda prefiro a re-existência titânica do
viver.
Assisti, recentemente,
um desses programas de TV, da Discovery, onde um robô estava a ser testado,
como na foto que tirei, para ‘realizar (em tempo recorde e veloz) uma cirurgia
em campos de batalha’. Me vi ali deitado e sendo, então, novamente operado. E o
bisturi, tele manipulado como nossas atuais consciências, me abria novamente pelas
costas.
Hoje uma amiga me
telefona, após muitos anos de distanciamento geográfico, e me sugere que
façamos, visto essa minha tendência robótica de introduzir titânio no meu
corpo, uma campanha para que vá para uma frente de batalha no Afeganistão.
Lógico que só com passagem de ida, pois a volta, após a identificação de meu “sanguíneo
conteúdo” político, pode ser direta para Guantánamo.
Tenho um belo livro
para releitura e reflexão: O Mercado Humano – Estudo bioético da compra e venda
de partes do corpo. É o mesmo citado lá em cima. Nele há interrogações sobre
nossos tempos de transplantes de órgãos, fecundação artificial, engenharia
genética, e, interessantemente, a questão da ‘escravidão ao mercado tecnológico’.
De lá, o livro é de
1996, para os nossos dias de Século XXI posso ter de responder com um sim às
suas indagações: “Pode tudo ser realmente
comprado ou mesmo roubado? Os órgãos para transplantes, o sangue para as
transfusões, os recém-nascidos para as adoções, as meninas para as
prostituições?”. Se alguém tem dúvidas busquem, em separado, as perguntas,
e as respostas, no grande dicionário digital, o Google.
A realidade cruenta,
por exemplo, da questão de tráfico de órgãos veio novamente à tona por causa de
médicos lá no Sul de Minas. Não muito longe de minha terra natal e suas águas
medicinais. Lá na pacata estância hidromineral de Poços de Caldas. Lá ocorreu o
chamado Caso “Paulinho Pavesi”, um menino de 10 anos que teve seus órgãos
retirados, segundo matéria de jornal, “enquanto ainda estava vivo”.
Esses e outros ‘’casos’’
estão relatados em jornais de imprensa local e de outros veículos, dos quais
listei apenas alguns. O que ligou às notícias foi o título do livro de
Berlinguer e Garrafa. Além disso, o surgimento fugaz em redes sociais de
matérias midiatizadas recentemente. Não estou e estarei aqui para o julgamento
da ‘’Máfia dos órgãos’’, mas para tentar compreender de onde nascem as raízes
desse mercado.
Estamos assistindo,
tele e midiaticamente, um recrudescimento de atitudes preconceituosas em
Faculdades de Medicina. Recentemente vimos ‘veteranos’ com as fardas e capuzes
da Klu Khux Khan, estavam em suas ‘fantasias’ e trotes reproduzindo o martírio
de negros nos corpos dos ditos ‘bichos ou calouros’, lá na Unesp. Entretanto já
tínhamos precedentes. Antes tivemos os estupros e as violências dentro das ‘festas’
de iniciação da vetusta Faculdade de Medicina da Usp.
Cito apenas estas duas
ocasiões violentadoras, em espaços de formação acadêmica, uma que foi
naturalizada e outra que passou até por uma CPI, e como “notícias”, em tempos
voláteis, só voltarão quando novos casos surgirem.
No texto que escrevi
sobre o Holocausto brasileiro promovido, historicamente, lá em Barbacena, MG,
já fiz as devidas ligações entre o comércio de corpos do hospício para as mesas
de dissecção anatômica das faculdades de medicina. Eu, lamentavelmente, vi e
tive esses cadáveres anônimos como ‘’lições’’ de anatomia humana, cheios de
formol e de pele totalmente endurecida. Eram os Anos 70.
Creio que a dissolução,
possíveis escrúpulos ou humanidades, no mais profundo de nossos inconscientes
sobre o homem como sujeito, na formação dos profissionais de saúde, em especial
os médicos, ocorrem nessa ‘iniciação’ onde temos uma ‘’oração do cadáver
anônimo’’, mas podemos, no futuro, transplantá-lo a categoria de homem-objeto.
Os primeiros ‘poços’
profundos, ou gênesis, de nossa posterior desumanização dos corpos pode fincar
as raízes nesse solo acadêmico. Afinal o que nos separaria dos médicos nazistas
que, como nos diz Agambem, faziam experimentações com as cobaias humanas, as ‘versuchem
person’, onde os judeus ou pessoas com deficiência eram submetidos às mais
baixas temperaturas, ou extração ‘a frio’ de órgãos para fins dos ‘avanços da
medicina germânica, e a proteção do exército do Reich’? Mas seriam necessárias biopolíticas, leis, e, principalmente escolas da de-formação da Juventude Hitlerista ou das Faculdades de Medicina, ou não?.
Não estou trazendo de
volta o fantasma de Mengele, mas que há um ‘cheiro’ mortal e incômodo de
nazifascismo no ar não há como negar. As banalizações e naturalizações de
violências estão autorizando, mesmo que não explicitamente, a ‘neomercantilização’,
‘neoescravidão’ e ‘neoexploração’ de nossos corpos insurgentes (como filme dos
adolescentes). O Grande Irmão global nos incentiva à neo-guerra. Forjamos novas escolas hipermidiáticas do ódio e de novas Ondas? Ou apenas, neurótica e perversamente, repetimos os nossos passados?
As nossas raízes culturais também se
alimentam de trans históricas posições eugênicas dos médicos e educadores do século XX. Lá
em São Paulo nos anos 20 podíamos ainda ter a contribuição de eminentes
escritores, intelectuais e ‘elites’ sociais que legitimavam a distinção de ‘corpos
válidos’ e ‘corpos descartáveis’.
A Vida Nua pode ser
captada como um discurso de Eugenia e Poder, segundo estudo de Vera Regina
Beltrão Marques, no discurso de Monteiro Lobato, o mesmo das Reinações de
Narizinho, que dizia: “-Muito cedo chegou
o americano à conclusão de que os males do mundo vinham de três pesos mortos
que sobrecarregavam a sociedade- o vadio, o doente e o pobre... A eugenia deu
cabo do primeiro, a higiene do segundo e a eficiência do último...”.
E o escritor tinha
relações muito próximas com os higienistas e eugenistas brasileiros. Para eles,
que se consideravam uma ‘elite’, a eliminação ‘radical’, assim como propõem os
fascismos, é a melhor solução para “a América (incluam o nosso país)
aproximar-se de um tipo de associação já existente na natureza, a colmeia – mas
uma colmeia da abelha que pensa”.
Eis aí um discurso que
estamos sendo obrigados a escutar, ver e ler nos nossos tempos de Idade Mídia.
Arautos do ‘bom combate’ das nossas corrupções, projetadas apenas no socius,
dizem que devemos dar o poder político de gerir o país e a Vida aos que são ‘puros,
imaculados e nascidos em berços esplêndidos das classes mais afortunadas’.
Aos outros, aqueles que
contaminam nossos shoppings ou nossas periferias, cabe a continuidade do
extermínio por ‘golpes brandos’. Mantem-se a alienação, o racismo, as
discriminações e o trabalho escravo como naturais. Esses outros são as nossas
misérias ou serão.
A exclusão social
retoma seus ares de horror econômico e a cultura do medo retoma sua posição a
favor de novas e sutis repressões, inclusive políticas. Os corpos são novamente
Vidas Nuas, homo sacer.
E, aqueles dos quais se
esperava o cuidado com a Saúde, em especial a pública e universal, chamada
ainda de SUS, podem nos submeter às desqualificações e desumanizações que
justifiquem esse novo mercado privado e altamente rentável. Seremos os novos
pacientes doadores espontâneos dos nossos órgãos. E os úteros já estão
alugados.
Portanto, não
estreitando nossos olhares e visões, acredito que temos de buscar urgentemente
uma ressignificação e revitalização de nossos corpos trabalhadores. Já nos
terceirizam e comercializam, até quando nos prostituirão as consciências críticas
e políticas? Até quando nos darão olhos biônicos e televisivos que nos afastam
do Outro e nos dão uma sórdida ilusão de Poder?
A medicalização do
viver tem andado passo a passo no mesmo caminho tortuoso da militarização da
Vida. Os novos casos, sempre meninos ou meninas, que perdem suas partes
fragmentadas, ou por balas de fuzil ou por bisturis eletrônicos, passarão a
categoria perversa de ‘efeitos colaterais’ de nossos progressos? Ou são apenas
vidas descartáveis que atrapalham as novas tanatocracias ditatoriais ou seus
projetos globais, sejam elas nas Áfricas, na Ucrânia, na Síria ou no Brasil?
Portanto, dentro dessa
minha visão, que não desejo ser antevisão, espero não ter o falso gozo de me
tornar mais uma cobaia humana. As alianças das biotecnologias, das engenharias,
das genéticas e das biopolíticas não aliviarão, nem aliviam, os meus mais
profundos e poéticos ardores.
Eu, brasileiro, negro,
e Lobatianamente descartável, prometo me manter na Re-existência e na Resiliência,
política e micropolítica, para além do fato de ser mais um que deseja um envelhecimento
com dignidade para a Medicina, em busca de um aprender a construir, bioéticamente,
novas pontes para o Futuro ...
Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2015/2016 (favor
citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e/ou outros
meios de comunicação para e com as massas)
INDICAÇÕES PARA
LEITURAS CRÍTICAS –
O MERCADO HUMANO –
Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo, Giovanni Berlinguer
&Volnei Garrafa, Editora UNB, Brasília, DF, 1996.
A MEDICALIZAÇÃO DA RAÇA
– Médicos, Educadores e Discurso Eugênico, Vera Regina Beltrão Marques, Editora
UNICAMP, Campinas, SP, 1994.
O QUE É VIOLÊNCIA
SOCIAL – Jorge P. de Andrade et alii, Escolar Editora, Lisboa, Portugal, 2014.
HOMO SACER I – O PODER SOBERANO E A
VIDA NUA, Giorgio Agamben, para dowload – PDF - http://minhateca.com.br/heleno/Documentos/Gr+Pesquisa+Filosofia+Juridica+Contemporanea/Agamben/AGAMBEN*2c+Giorgio.+Homo+Sacer+I+-+O+Poder+Soberano+e+a+Vida+Nua+%281%29,9969003.pdf
Notícias pesquisadas na
Internet –
CRM absolve médicos
condenados por tráfico de órgãos em Poços de Caldas (MG) http://noticias.r7.com/minas-gerais/crm-absolve-medicos-condenados-por-trafico-de-orgaos-em-pocos-de-caldas-mg-14022014 (vejam a quem pertence a empresa MG Sul
Transplantes)
'Eles sabiam que a
criança estava viva', diz juiz sobre tráfico de órgãos http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2014/02/eles-sabiam-que-crianca-estava-viva-diz-juiz-sobre-condenacoes.html
Júri popular dos quatro médicos
acusados no "caso Pavesi" é adiado mais uma vez http://www.difusorapocos.com.br/site/index.php/slideshow/8218-juri-popular-dos-quatro-m%C3%A9dicos-acusados-no-caso-pavesi-%C3%A9-adiado-mais-uma-vez.html
Em 24/03/2015 - Médicos acusados de
retirada ilegal de órgãos são presos em Poços
Alunos da Unesp usam roupa da Ku Klux
Klan para receber calouros http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/03/30/alunos-da-unesp-usam-roupa-da-ku-klux-klan-para-receber-calouros.htm
Estupros na USP expõem omissão de
universidades http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/11/141120_usp_abusos_universidades_rm
LEIAM TAMBÉM AQUI NO BLOG –
POR UMA MEDICINA QUE ENVELHEÇA COM
DIGNIDADE https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/por-uma-medicina-que-envelheca-com.html
A SAÚDE E O SENTIDO PARA A VIDA II - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/04/saude-e-o-sentido-para-vida-ii.html
SAÚDE MENTAL: quando a Bioética se
encontra com a Resiliência.
OS MORTOS-VIVOS DO HOSPICIO QUE
ENSINAVAM AOS VIVOS SOBRE A VIDA NUA... BARBACENAS NUNCA MAIS! https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/10/os-mortos-vivos-do-hospicio-que.html
ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html
OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html
ROBÔS, POLÍTICA E DEFICIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/07/robos-politica-e-deficiencia.html
OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html
TIROS REAIS EM REALENGO - a violência
é uma péssima pedagoga https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html
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