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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

UMA LUZ NO FIM DO LIVRO

Imagem publicada - a jovem Gennet de Corcuera, fazendo um sinal com a mão, que interpretei como um aviso ou pedido de atenção; feito com o indicador, que toca suavemente sobre seus lábios. Ela tem 26 anos e é a primeira pessoa surda e cega desde o nascimento que se matriculou em uma universidade espanhola , mais precisamente na Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha. Nascida em Addis Abeba, capital da Etiópia, foi abandonada quando pequena e deixada aos cuidados de um orfanato dirigido por freiras católicas . Lá, ela passou cinco anos isolada, já que ninguém havia lhe ensinado a língua de sinais para surdos - cegos. Ao ser adotada por uma viúva espanhola e levada para Madrid, entrou para a Escola Antonio Vicente Mosqueta, dirigida pela Associação Espanhola de Cegos (ONCE); daí sua vida e trajetória são marcadas pela equiparação de oportunidades que a levaram a passar para uma Universidade. Ela pode vivenciar um direito humano que devemos promover e ampliar para todas as pessoas com deficiência: a educação.

No Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Deficiência minha homenagem aos que vem lutando contra a privação de informações para pessoas cegas, surdocegas ou com baixa visão, com este semi-conto apresentado e lido para todos os participantes do 16º Cole - Congresso de Leitura do Brasil, em julho de 2007, na Unicamp, Campinas, SP.

UM SEMI-CONTO ou UM MANIFESTO SEMENTE SOBRE UMA OUTRA LEITURA

Noite tempestuosa e escura! No céu não luzia uma estrela.
- Era uma vez, começou a contar o pai à sua filha, bem no início do livro..., Apaga-se a luz, e o pai desconcertado, tateia no escuro e procura o livro que caiu no chão...A filha lhe diz para continuar contando a estória, ela quer saber como se construiu o castelo da princesa Gennet. O pai lhe falou tanto durante o dia, enquanto havia luz...

Então, cansado e exausto de suas prometeicas batalhas do dia, ele silencia. Ele só aprendeu a ler, como todo mundo, quando existe e existia muita luminosidade...
Não tem como a princesa da estória, Gennet de Corcuera, essa outra capacidade, esse outro olhar, essa outra visão e esse modo mirabolante de inventar mundos e soluções. Nunca tinha vivido no apagão eterno. Nunca tinha vivenciado uma noite, sem estrelas, lua ou lampião, afinal, menino criado na roça, não tinha nem mesmo lembrança da luz de velas que seu tio usava para lhe ensinar os primeiros passos no encantado mundo do alfabeto...

Tudo sempre lhe foi oferecido, dentro da ética de seu tempo, às claras, sem meias-claridades, sem penumbra ou meias-luzes, no crepúsculo de sua vida rural. Na hora da Ave Maria, todos iam dormir com as galinhas...

Ele, menino arguto e de olhos brilhantes para o futuro, viveu sempre enxergando coisas onde os outros não viam. Todo mundo, em especial, os tais caipiras pareciam naquele fim de mundo da roça, destinados a nunca conhecer o Fiat lux, o faça-se a Luz...

E, tateando ainda no escuro, continuavam procurando o livro da princesa Gennet... O apagão e a sua escuridão insistiam em continuar...

E sua filha querendo uma estória... Quando de repente, aparece em sua mente uma idéia relâmpago: - e se eu contar como nós inventamos estórias do mundão lá na minha infância.

Ele não pode se levantar mais daquela cadeira de rodas, porém já voou e viajou por muitos planetas e asteróides desconhecidos. A sua janela da alma sempre esteve aberta para o desconhecido.

A menina pede então que ele acenda uma vela. O pai não encontra os fósforos, apesar de tatear nesse escuro visível. Ambos vão lentamente começando a aceitar esta não-claridade, a falta de uma lamparina, esse momento sem estrelas ou quaisquer faíscas ou brilhos, lentamente vão compreendendo esse outro universo, esse outro mundo... 
Ambos começam, como todos nós ao explorar uma perda, uma ausência, um não-sei-o-que-fazer, quando dá o comichão da nossa necessidade de inventar saídas, de inventar um jeito de escapar dessas arapucas...

Eis que a eureca se faz presente. - Que tal a gente ligar aquele treco que o seu tio trouxe lá da cidade grande? Pergunta o pai às escuras para sua filha mais às escuras ainda.
Ela, com sua memória mais fresca, lembra-lhes há um pacote embaixo da cama. A menina tateia, e de tato em tato acaba encontrando um pacote, com um peso danado, cheio de pontinhos, cheio de folhas pontilhadas, que, quando se desliza a ponta dos dedos, estimula-a a uma nova descoberta.

Ambos, por suas singularidades, são chamados de pessoas com deficiência. Ele não anda com as próprias pernas, mas, pelo dito, sempre viajou pelas galáxias. Até o chamam de lunático. Ela nunca vivenciou uma nesga de luz, porém é uma exploradora de imaginários mundos do além. Ambos estão agora esperando, na ante-sala do Srs. Futuros Que Não Chegam, a sua chance de poderem vivenciar outras sensações.

Ambos gostariam de se sentirem parte de um universo onde a ausência de energia elétrica ou outra fonte de luz, não interferisse tanto na sua sacrossanta hora viagem letrada... Esse momento do livro, esse compartilhar dos mundos mágicos da leitura; porém agora só tem um presente estranho, com um peso danado, e ainda para completar com uma linguagem complicada: a tal de Braille.

Afinal nesses cafundós do Judas, além de faltar a água, o pão e, quase todo dia, essa tal de justiça, deu agora de faltar a luz elétrica, porque a outra – luz, que dada aos cegos, continua assombrando a gente de lá. 

Ficam, então, pai e filha, diante dessa encruzilhada, meio paralisados e pouco inventivos. Ela uma criança que nasceu cega, pobre, caipira e latino americana, como na música. Ele que quebrou ‘as espinhas’, as vértebras, que um dia o tal poeta russo Maiakovski transformou em flauta, e não sai mais daquela cadeira de rodas.
Mas eis que o tio, mais lunático e inventor que os dois juntos, aparece como sempre na hora certa, naquelas horas em que todo mundo desistiu de procurar uma saída. Quando voltou de sua viagem trouxe uma geringonça, o tal de “lapintope”, um computador portátil, igual a este onde dedilho, agora no escuro da madrugada, esta história espichada. 
Et Fiat lux!

O tio chama os dois, diz que a menina irá começar a aprender a ler em Braille, afinal já está na hora das letras e do seu universo se apresentarem para ela. Diz ao seu irmão que esse aparelho funciona com uma bateria, que até uma manivela ele tem, para quando faltar a luz, e foi trazido para experimentar na escola rural. Além do mais o tal do “lapintope” funciona com uma bateria (que desse aqui está para acabar).
Eis que o lapintope do tio se abre no meio do sertão, e lá nos cafundó começamos uma nova era...

Mas, entretanto, todavia e, contudo, como costuma acontecer na Terra Brasilis, nem toda estória de gente que vive diferente, e teimosamente insiste em ser igual, acaba bem... Com essa meia-luz do 'lapintope', embora insuficiente, vai dar para o pai tentar contar o resto da história da princesa Gennet, isso se ele conseguir, com a ajuda do tio, achar o livro debaixo da cama.

E nessa meia solução para recomeçar a contação da estória, diante da realidade, vai ficar faltando contar para a menina que a sua cegueira pode e ainda vai ser uma barreira em muitas das bibliotecas do mundo dos videntes, afinal das contas, mesmo com todas as invencionices do tio do lapintope, aqui na nossa terra dos cafundós, além de faltar algumas coisas como foi dito.

Como no resto do sertão brasilis, que vira mar de injustiça de hora em vez, têm faltado muitas coisas, claras como a lucidez necessária do direito à igualdade, do direito a não ficar na exclusão, principalmente sem ser letrado. Tá faltando também quem queira mais uma menina cega em sala de aula.

O tal tio das invencionices modernosas diz que é sabido agora, é uma novidade, está nas manchetes dos jornais, foi ouvido no rádio, além de visto na televisão, lá nas Europa, e anda se espalhando aos quatro ventos pela Internet, uma notícia espantosa (para quem não acredita no além dos limites).

Completando o seu manifesto e intervenção conta, então, sobre uma menina surda, cega, e ainda por cima nascida na Etiópia, lá na África, por isso mesmo uma negrinha retinta, que tinha começado a frequentar uma universidade lá na Espanha, aquela do cavaleiro andante e quixotesco. Isso mesmo, ela entrou no ensino superior!

É gente, disse ele, convencido da sua sabedoria tecnológica de ponta:
- “se a gente retira as pedras, por direito e justiça, do meio do caminho dessa gente que chamamos, pejorativamente, de inválidos, paralíticos, esquisitos, anormais, incapazes, sem jeito, surdos, ceguetas, pretos, menores, índios, pobres, mulheres, marginais e deficientes, talvez eles e elas, unidos, possam construir com essas pedras uma estrada para o futuro”. 

E meio eufórico, embora triste, por ainda serem parte dos cafundós, permanecendo na desigualdade social da maioria, avisa que outra notícia também ele tem para dar:
- “os cegos lá da capital, usando a tal das tecnologias digitais, teimosamente, andam fazendo um manifesto para um tal de livro digital, uma luta de resistência pelo direito à leitura, com um abaixo assinado pelo livro acessível. Eles também querem saber o nome da princesa da Etiópia, e mesmo na sua escuridão decretada (por enquanto), como uma luz no fim do livro, querem ter como contar para os filhos de seus filhos como acabará a nossa História. O que nós todos sabemos foi e será um causo muito comprido. Ninguém sabe onde vai terminar..”

A gente, diz ele, como bons sonhadores de um outro futuro, só esperamos e desejamos prá todo mundo, sem nenhuma forma de discriminação, que seja um final com muita Luz no fim dos livros, que ninguém se lembre do que era o Fahrenheit 451(*). E, independentes, criativos e com um pouco mais de Luz-cidez amorosa provocada pelos outros, diferentes e estranhos a nós, que todo o mundo se encante com e pela princesa Gennet”...

E a luz do fim do livro se fez.

16º Congresso de Leitura do Brasil – Campinas 13 de julho de 2007.
Homenagem a Gennet Corcuera, a primeira surdo-cega a frequentar uma Universidade na Espanha.

Copyright jmpa 2007-2011 - ad infinitum - (para livre difusão pela Internet solicita-se apenas a citação do autor do texto, que acredita em um outro olhar e valor para os direitos autorais na luta contra a privação de conhecimentos) - todos direitos reservados.

Indicações para leitura sobre Gennet de Corcuera

Primeira surdocega em uma universidade

La increíble historia de lucha de una joven sorda y ciega

Movimento pelo Livro e pela Universidade Acessíveis

LEIA TAMBÉM NO BLOG -


O SURDO, O CEGO E O ELEFANTE BRANCO

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A MÚSICA QUE EDUCA NÃO DEPENDE SÓ DOS OLHOS


Imagem Publicada - um dedo vidente desliza sobre um texto em Braille, uma partitura musical, à direita, e na outra metade uma mão desliza sobre as teclas de um piano. Foto Agência Fapesp.

Em TEMPOS DE CARNAVALIZAÇÃO DA VIDA... ELA CONTINUA.... VIDA NUA...

Recebi, em pleno Carnaval, duas notícias importantes, ambas tratam da cegueira, mas são incongruentes. Uma eu já difundi, é a defesa de tese de doutorado, de Fabiana Bonilha, uma jovem cega, sobre Musicografia Braille, aprovada dia 10 na UNICAMP. A ela presto a minha homenagem elogiando sua tese: “Do toque ao som: ensino da musicografia Braille como um caminho para a educação musical inclusiva”.

Mas também terei de homenagear uma outra mulher. Uma mulher cega que conseguiu passar em um concurso público, como pedagoga, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Mas ela passou, venceu esta etapa, mas não levou,como dizem popularmente. Ela foi recusada como pedagoga pois, segundo a matéria, "não poderia,sendo cega, corrigir os cadernos" de seus (im) possíveis e invisíveis alunos. Telma é o seu nome, com sobrenome Nantes de Matos, e já está sendo providenciada a sua defesa, pois foi barrada na avaliação médica, após uma sonora risada profissional.

Ao meu colega médico que barrou a Telma envio minha orientação de que urgentemente se atualize. O que é válido para todos os outros profissionais de saúde do País. Já faz mais de 09 anos que a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, a CIF -2001, foi promulgada pela OMS, Ela deveria já ter sido incorporada pelos responsáveis por perícias, avaliações ou reprovações médicas,em especial nos serviços e concursos públicos. É preciso que o Estado, assim como os seus servidores públicos, assuma a sua posição de primeiro a cumprir e fazer valer as mudanças de paradigmas.

O modelo hoje reinvindicado por todos e todas que vivenciam uma ou mais deficiências é o chamado "Modelo Social". Este paradigma vem substituir o modelo biomédico e reabilitador. É um modelo que considera que as causas que geram as deficiências NÃO são de origem religiosas, míticas, e muito menos médicas. Repito o já dito: Deficiências não são Doenças...

É um modelo que aspira potencializar o respeito à dignidade humana, a igualdade de direitos, a não discriminação, a vida independente, e a acessibilidade universal. É o que faz com que uma pessoa cega, quando respeitada as suas diferenças e a sua diversidade funcional, possa estar em igualdade de exercício de funções sociais, quando rompidas as barreiras que o incapacitam, assim como o restante das outras pessoas consideradas videntes.

Ao afirmarmos o modelo social, ao qual incorporo a necessidade de um avanço estético-ético e político, devemos afirmar também que os direitos, em especial os Direitos Humanos, de todos e todas pessoas com deficiência é o cerne de quaisquer legislações e suas aplicações na vida social, como disse hoje cedo em entrevista telefônica para a Rádio Espaço Mulher, de São Paulo.

A música e a educação não são, e nunca foram, por si mesmas criações humanas ou espaços de aprendizagem excludentes, muito pelo contrário. Por isso uma Doutora em Musicografia Braille é tão importante como uma Pedagoga, dentro de uma visão inclusiva. A professora Nantes de Matos nos provará que, recebendo ajudas técnicas e outros auxílios, por exemplo um bom computador, poderá corrigir todos os cadernos e rabiscos de quaisquer alunos, com ou sem deficiência.

Porém, para que isso ocorra a Inclusão escolar não pode ser uma concessão. Deve ser um processo intrinsicamente ligado às políticas públicas , assim como um exercício de direitos. A educação e a música, sem discriminação ou exclusão, ao se superar a desfiliação social, tornam-se direitos humanos indispensáveis.

Eu escrevi este texto sem ficar todo o tempo olhando para o teclado. Assim como me deixei emocionar pela música de Joaquín Rodrigo, em seu Concerto de Aranjuez, com as cordas de um violão vibrante de Christopher Parkening me provocando. Precisava ouvir e sentir-me afetado, principalmente pelo belíssimo Adagio, tão popular como tema de milhares de propagandas que nos cegam e iludem para o máximo de consumo.

Mas o que me levou a este músico, pianista e compositor? É que Joaquín Rodrigo Vidre era um homem cego desde a mais tenra idade. É o compositor de uma das principais peças de música clássica mais executadas no Ocidente vidente. Ele é para os meus ouvidos e meu coração uma música que não depende só dos olhos, daí ter tentado uma escrita automática saindo direto de meu âmago, sem a vigilância do olhar.

Experimentem a ponta de seus dedos, sensibilizem-se com a possibilidade de tratar um teclado como se tocassem, incorporando um pouco de Joaquin Rodrigo, um piano imaginário. Um piano que a cada tecla tocada gerasse um som esclarecedor para os ouvidos/mentes dos políticos, magistrados, promotores, médicos e demais encarregados de reconhecer o direito de Telma, assim como o de Fabiana, de serem propagadoras de letras, partituras ou músicas que nos transformem em eternos aprendizes.

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2011 (favor citar a fonte em reprodução,difusão ou multiplicação livre deste texto todos direitos reservados 2025) )

Para reflexão com nossas mentes em abertura, Alegro ma non Troppo, recomendo o trecho da matéria abaixo:
Segundo Telma Nantes, quando teve que ser entrevistada pela equipe multidisciplinar da Secretaria de Educação, foi surpreendida pelas risadas de um médico que teria dito: “Como você pensa que vai ensinar desse jeito?”.

“Foi um ato de discriminação devido o preconceito da equipe multiprofissional com pessoa de deficiência”.

“Na hora eu fiquei quieta por medo de não ser nomeada. Eu sei que o prefeito não sabe o que acontece, mas todo professor tem um auxiliar. Eu que crie as minhas metodologias ou seja adequada a um espaço porque tenho certeza que tenho muito o que contribuir ...


Fontes:

Sobre a Pedagoga Telma - Instituto ajuda a cegos construírem a sua autonomia https://www.jfms.gov.br/news.htm?id=2679

Professora Cega passa em Concurso mas é Barrada: https://www.perolanews.com.br/?nav=noticia&n=1852

https://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/noticias/pedagoga-passa-em-concurso-mas-nao-consegue-assumir-a-vaga-por-ser-cega-em-campo-grande-ms-20100212.html

Sobre a Profª Drª Fabiana Bonilha https://www.todosnos.unicamp.br:8080/lab/partituras-em-braille

Partituras em Braille http://www.agencia.fapesp.br/materia/11759/partituras-em-braille.htm

PARA VER, OUVIR OU APENAS SE ENCANTAR - Concerto de Aranjuez - https://www.youtube.com/watch?v=e3_sML4prLE

PS - EM BREVE TRATAREI DA RESPOSTA QUE FOI DADA PELO SHOPPING D. PEDRO.... Aguardem. O Shopping não tem um Avatar.