AS DEFICIÊNCIAS E O KAMA SUTRA
Algumas aproximações e distanciamentos
(imagem - foto de Evgen Bavcar, fotógrafo esloveno, que é cego, que trabalha com a imagem de uma mulher e múltiplas mãos, que nomeou de EROS)
(InfoAtivo.Defnet Nº 4310 - Ano 13 - 03/12/2009)
DIA INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA -
3 DE DEZEMBRO
Todo ano, no dia 03 de Dezembro, devemos comemorar o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Neste ano a ONU sugere um tema: o emponderamento das pessoas com deficiência e suas comunidades em um mundo de desigualdades e multiplas barreiras, através da Metas para o Desenvolvimento Global que devem se tornar mais inclusivas.
Para reforçar este lema, e, estimulando essa comemor-ação coletiva, indo um pouco além, confirmo que o emponderamento precisa começar no mais profundo de cada sujeito em situação de deficiência, ou seja, além de plural, o direito à diferença, deve ser conjugado e apropriado no singular de cada um e de cada heterogeneidade humana.
E que, para uma transformadora postura de defesa dos direitos humanos temos de fazer, qual um leitor do Kama Sutra, um exercício 'contorcionista' de nossos mais arraigados preconceitos.
No título inventado pode parecer que pretendo discorrer sobre as questões da invisibilização da(s) sexualidade(s) das pessoas em situação de deficiência , assim como a negação preconceituosa das multiplas formas de ser e estar amando e vivendo o sexo, independente e ativamente, para além de quaisquer normas ou produções de subjetividade. Talvez seja a primeira aproximação ou melhor o primeiro pré-conceito que teria de abordar ao ligar dois campos que ainda se cercam de tabus, anedotas ou de banalizações.
O título, porém, me veio à mente quando passava por uma estante de uma livraria, nela constatei que ainda há uma relação direta das questões de sexualidade, dentro do modelo Kama Sutra, apenas com os livros de Psicologia, Psicanálise, Psiquiatria e campos afins, ocupando prateleiras contíguas. E ao ver que os livros, como o Kama Sutra, ainda são colocados juntos dos manuais de auto ajuda, conversei com meus próprios preconceitos. Pensei que um dos temas a ser abordado nesse dia em que se comemora, logo após o dia de luta contra a Aids, a necessidade de "um dia para promover os Direitos Humanos de todas as pessoas com deficiência", segundo proposta da Assembléia Geral das Nações Unidas, desde 1992, poderia ser o de sua(s) sexualidade(s).
Refleti, após algum tempo de 'trans-inspiração' e invenção, que a real aproximação temática do Kama Sutra, o famoso livro indiano, popularmente, associado apenas às posições para o ato sexual, transformado no mundo moderno em apenas um "manual" para o sexo, embora possa ser uma constatação reducionista, seria uma boa provoca-ação. Minha reflexão tem mais a ver com a questão da indispensável desmitificação dos dois campos: tanto o das deficiências como o modo indiano de ver o que consideravam seu erotismo sagrado, ou seja a busca da 'kama' ou o gozo dos sentidos.
Ambos, submetidos a um olhar naturalizador, já foram e são motivo ainda de muitos pré-conceitos. Como por exemplo de que o livro possa virar somente nome de Motel e de que todas as pessoas com deficiência, independentemente de sua condição, necessitam de alguém que as tutele por serem "hipo-suficientes ou incapazes''...
Estamos em tempos hipermidiatizados. Supõem, alguns, que a exibição de um corpo humano, desde suas entranhas até a suas hipererotizadas 'partes proibidas', incluam-se aí quaisquer reentrâncias ou concavidades, nos tem tornado pessoas sem quaisquer preconceitos ou falsas moralidades. Muito pelo contrário. Alguns episódios recentes nos mostram que um mero espetáculo de pernas expostas, para além de indumentárias oficiais e uniformizadas, que são exigências de um Exército ou de uma Igreja, quando ocorrem no 'seio' de uma Universidade podem gerar desde as agressões verbais e o escárnio, à transformação de uma estudante em uma nova Bola de Sebo. Seria este uma analisador histórico da uniformização do preconceito de gênero?
Este conto de Guy de Maupassant, que ironicamente veio a falecer em um hospício (1850-1892), nos traz a personagem Bola de Sebo que, por ser 'naturalmente' prostituida, acaba por salvar os seus patrícios franceses da violência na guerra contra os alemães. O conto, aparente e mera ficção, nos traz a história da mulher gorda e excluída que aceita oferecer seu corpo para o oficial prussiano, para ter uma fugaz oportunidade de visibilidade e participação social, oferecendo seu corpo sexualizado em troca da liberdade dos que a convencem de que os seus preconceitos com ela tinham, temporariamente, desaparecido.
Nosso grande Chico Buarque nos mostra em sua música a mesma história com um novo nome: a Geni,nome muito próximo de Geisy, atualizando a trans-historicidade e trans-culturalidade de nossos preconceitos, onde mesmo os que nos salvem de uma horda ou exército invasor, não se descolam de seu estigma e estereótipo. Em nossos espaços instituídos, do domicílio à caserna, da rua à escola,caso seus patrícios ou compatriotas a considerem ainda apenas uma prostituta, gorda, diferente ou então uma grotesta figura..., ou mesmo alguém a ser destaque em uma escola de samba, ao ser carnavalizada , se não a reconhecemos em nossa identidade, de etnia, cultura, língua, gênero, sociedade ou estrato social, vamos todos, como uma massa uniforme, jogar "pedras na Geni", pois ela foi "feita prá cuspir"... e "Viva a Geni"...
Me perguntaram, hoje, se há ainda, em nosso mundo atual, preconceitos com as pessoas com deficiência. Fiquei, então, a pensar sobre os combates que ainda temos de exercitar em nossos próprios corpos e vidas.
Já avançamos muito, e lembrei ao jornalista que me entrevistava, dando alguns liames históricos recentes, que devemos agradecer os esforços para a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e sua condição de emenda constitucional e de Decreto Lei. Disse-lhe, porém, da necessidade, pela permanência e resistência dos preconceitos arraigados às nossas condições de seres humanos e de mortais, de novas e atualizadas leis que nos ajudem em nosso processo civilizatório e evolução ético-político-estético e humanística, tendo como base a utopia e o desejo de ver nossos Direitos Humanos realizados.
Reconhecendo que ainda possuímos em nosso incognoscível mundo inconsciente, antes de Freud, muito de nossos antepassados, é que fiz a conexão, para o distanciamento crítico, do que foi e é um livro como o Kama Sutra, e sua popularidade midiatizada, do que foi e é hoje considerado com um conceito de deficiência, também agora alvo de midiatização. Acho que, talvez, tenhamos mudado algumas de nossas "posições", talvez tenhamos atualizado algumas de nossas "imagens", assim como alguns livros aprimoraram com fotografias as pinturas eróticas hindus, também construímos um novo olhar e uma ' nova imagem' das pessoas com deficiência.
Porém ainda não nos aproximamos de uma leitura crítica e aprofundada do que ainda se reproduz e se naturaliza quando, negando quem nos 'salvou', já que está em seu corpo a diferença e a prova da diversidade humana, novamente e, com a natural hipocrisia, lançamos esse Outro, agora incomodo, desnecessário e "inválido", ao esquecimento ou à repulsa/exclusão.
Daí que, mesmo aplaudindo ou elogiando algumas iniciativas de normalização da diferença, principalmente através das mídias eletrônicas, continuo concordando com o poeta: Ninguém é igual a ninguém.... todo ser humano é um ' estranho ímpar'. E o sujeito com alguma situação de deficiência, por exemplo com Síndrome de Down, mesmo que apareça, por segundos, na telinha da Globo ou da Record, ainda pode ser visto apenas como 01 diferença entre muitos 'normais'...
Ainda somos uma sociedade do espetáculo, ainda há espectadores que gostam de ver 'homens elefantes' ou de 'anormais' para quem destinamos o Mal, o Pecado, o Erro, a Punição e a violência eugênica e purificadora, muito embora este seja o lugar de alienação reservado aos que não tem acesso a outros meios de comunicação e informação, como por exemplo este espaço na Internet. Ainda há uma massa de leitores, espectadores, seguidores que precisamos sensibilizar para um olhar, uma leitura e uma escuta críticos para além do que nos é permitido pelas corporações da Idade Mídia.
Por isso a Acessibilidade Universal a todos os meios e produtos de comunicação é indispensável e indiscutível.
Por isso é que no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência ainda precisamos continuar dizendo: elas e nós, todos e todas, somos sujeitos de Direito e não pedimos caridade... queremos é o Respeito e não a piedade.
Foi um ato piedoso de uma personagem, a Bola de Sebo que salvou as mentes e corpos que depois, superado o medo e o perigo, lhe rejeitaram e segregaram. Podemos retroagir, como dizia Elias Canetti, ao viver a inversão do temor de sermos tocados, viramos uma massa homogênea, uma torcida, um monte de universitários uivantes, um povão ou povinho exigindo o linchamento...
Ainda somos/seremos seres presos ao narcisismo das pequenas diferenças, com muitas posturas estigmatizantes de xenofobia, homofobia, onisciência, onipotência, intolerância, pre-julgamentos e outras formas de discriminação associadas em suas gêneses sociais, teóricas, políticas ou ideológicas, que necessitam ser combatidas.
Primeiro em nossos próprios corpos, ao nos reconhecermos nas Genis, depois em nossas mentes, aos nos despojarmos de nossas "velhas posições", quem sabe lendo de cabeça para baixo o Kama Sutra, e, talvez, quem sabe depois, de nos revelar um outro modo de sentir em nossos corações, ou melhor em nossos novos modos de sentir e re-existir o Gozo, o que este estranho Outro e os Outros nos convocam e provocam na re-ação..., Quem sabe as novas suavidades?
PS- Este texto poderia, talvez, ter como título As nossas Deficiências Amorosas e Sexuais de que somos porta- ardores e o Kama Sutra 2.009... aceito sugestões.
copyright jorgemarciopereiradeandrade 2009-2010 - favor citar a fonte ao retransmitir, ficando aberto o texto à intervenção e à multiplicação livre que deve ser a Internet...
Fontes de referência para o texto:
http://www.un.org/disabilities/default.asp?id=1484
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kama_Sutra
http://www.lendo.org/bola-de-sebo/
http://tramafotografica.wordpress.com/2008/08/05/um-colega-para-evgen-bavcar/
Escutei ontem no escritório, de uma moça que vivia de dieta, que ela vai desistir de emagrecer porque ela escutou uma frase que a fez parar para pensar:
ResponderExcluir" Mulher Gorda é que nem mortadela, quem come, adora, mas não conta".
A mortadela pode não ser tão poética quanto o Kama sutra, mas tem o seu valor numa reflexão sobre o preconceito.
Fantástico! Fantástico! Fantástico! Espetacular! Espetacular! Maravilhoso! Maravilhoso!
ResponderExcluirTexto elucidador, educativo, claro, forte, contundente, perfeito, gostoso de ler, simples, sábio, super bem escrito, e principalmente, extremamente necessário e fundamental!
Parabéns! Mil parabéns!
Continue firme iluminando as mentes humanas cegas de consciência sobre sua finitude, imperfeição, diversidade, e capacidade de evolução!!!!
No embalo de 'Zumbilândia', confira filmes de zumbis que você não pode perder
ResponderExcluirPublicada em 04/12/2009 às 08h43m
Lívia Brandão
RIO - Se uma epidemia de mortos-vivos não assolou a humanidade (ainda, como muitos acreditam), pelo menos na ficção as nojentas criaturas que se alimentam de vísceras humanas estão por todo lado. O divertidíssimo "Zumbilândia" (assista ao trailer) , que será exibido no Rio de Janeiro no sábado no Vale Open Air e entra em circuito em todo o Brasil em janeiro, estreou em primeiro lugar na bilheteria americana e abocanhou elogios da crítica e dos espectadores, contrariando a crença de que filmes de zumbis não fazem um gênero popular.
Passado nos Estados Unidos devastado por zumbis, em "Zombieland" (no original) os poucos humanos que surgem em meio ao caos se unem para tentar sobreviver. Sem revelar seus nomes, conhecidos apenas pelas cidades de onde vieram, o nerd Columbus (Jesse Eisenberg), o malvadão Tallahassee (Woody Harrelson, o Mickey Knox de "Assassinos por natureza"), a bonitona Wichita (Emma Stone) e a fofa Little Rock (Abigail Breslin, a "Pequena Miss Sunshine") têm que se virar para não ter os seus corpinhos devorados por zumbis famintos. E nessa busca, sobra tempo até para visitar Bill Murray, de carne e osso, em sua mansão em Los Angeles.
No embalo de "Zumbilândia", listamos outros filmes inspirados nas terríveis criaturas. Tem zumbi de tudo quanto é tipo, para todos os gostos.
1. "A noite dos mortos-vivos", de George Romero (1968)
"Eles estão vindo pegar você, Barbra!". Considerado o pai de todos os filmes estrelados por seres comedores de miolos, o filme independente que George Romero rodou em 1968 com apenas US$ 114 mil colocou os zumbis no mapa da cultura pop.
2. "Madrugada dos mortos", de Zack Snyder (2004)
3. "Todo mundo quase morto", de Edgar Wright (2004)
Lançado direto em DVD no Brasil, a comédia inglesa faz uma sátira às histórias de zumbis se utilizando de todos os clichês possíveis. .
4. "Extermínio", de Danny Boyle (2002)
.
5. "Fome animal", de Peter Jackson (1992)
Se você tem estômago fraco, fique longe deste filme. Aliás, o zumbi número um é, ironicamente, a sogra.
6 - "Dead snow", de Tommy Wirkoma (2009)
Zumbis. Nazistas. Na neve. Só estas três "tags" foram suficientes para deixar muitos fãs do gênero em polvorosa. 7 - "A maldição dos mortos-vivos", de Wes Craven (1988)
8 - "Zombie", de Lucio Fulci (1978)
Esse filme pode ser resumido por uma das cenas mais impactantes do gênero.
9. "REC", de Jaume Balagueró e Paco Plaza (2007)
CARISSIMO JORGE MÁRCIO,
ResponderExcluirObRASIL DEVERIA TER UNS DEZ COMO VOCE INTELIGENTE, PERSIPCAZ, COERENTE, ENFIM , UMA PESSOAS ESPECIAL CRIADA POR DUS PARA GERENCIAR PESSOAS ESPECIAIS. PARABENS POR TUDO QUE FEZ, FAZ E FARÁ E UM NATAL RICO EM SAÚDE PARA VOCE, SUA FAMILIA E SEUS AMIGOS. PROF SERGIO CASTRO UNIVERSIDADE ESTACIO DE SA - RJ