domingo, 28 de novembro de 2010

A VIOLÊNCIA NOSSA DE CADA DIA... Dai-nos também.

Imagem Publicada - uma montagem em foto com o Cristo Redentor, com um jato de combustão saindo de sua base, como se este ícone do Rio de Janeiro,em sua base no Morro do Corcovado, estivesse sendo lançado ao espaço sideral. Uma alusão aos tempos de "fogo" cruzado vividos recentemente na cidade "maravilhosa", e sua posterior pacificação naturalizada através da combinação de forças armadas e ações governamentais. (imagem publicada no jornal The Economist)

A violência, ou melhor, as variadas formas de violência institucionalizadas e naturalizadas tornaram-se banalizadas. Então, cabe a todos nós, e não apenas para alguns o dever de questioná-las, analisá-las e propor saídas e soluções coletivas, para que, ao sermos novamente paralisados, não tenhamos nossas asas cortadas, pois como diz uma estória: o passarinho, aparentemente frágil, quando entra em pânico, é a melhor vítima do bote de uma serpente, sempre que ele se esquecer de sua diferença desta, ou seja: alguns pássaros podem voar...

O texto abaixo foi publicado em Maio de 2006 - edição especial do InfoATIVO DefNet Nº 2531, republicado na Internet e em outras mídias...

O reapresento com algumas inclusões e atualizações, que surgiram após o tempo de exposição prolongada às notícias das recentes soluções militares para a chamada "guerra urbana" na cidade do Rio de Janeiro contra o narcotráfico, e a ocupação hoje do chamado "complexo do Alemão"... relembrando a atemporalidade da Violência e de nossas medidas de extermínio ou controle social do que re-produzimos incessantemente...

A VIOLÊNCIA URBANA: Ontem, Hoje e Sempre?
Jorge Márcio Pereira de Andrade

“A violência sendo instrumental por natureza, é racional até o ponto de ser eficaz em alcançar a finalidade que deve justificá-la...” (Hannah Arendt)

Dai-nos a violência cotidiana de cada dia... é o pedido que a Idade Mídia eleva em preces ao Estado, à Sociedade e ao Mundo Globalizado. Segundo Zygmunt Baumann, em Vidas Despedaçadas, brilhantemente identifica a presença de um Estado que se retroalimenta de nossa vulneração cotidiana. Diz o autor:“A vulnerabilidade e a incerteza são as principais razões de ser de todo poder político. E todo poder político deve cuidar da renovação regular de suas credenciais...”.

Nossos tempos não estão mais nem menos violentos que os de nossos ancestrais. Hoje a violência, chamada urbana, pois as outras não têm tanta midiatização, tornou-se um espetáculo.

Segundo a óptica de Arendt, esses recentes atos de terror e pânico promovidos pela criminalidade, podem ser vistos como uma tentativa de atração de olhares e de mentes apavoradas, pois: “a violência não promove causas, nem a história nem a revolução, nem o progresso, nem a reação, mas pode servir para dramatizar reclamações trazendo a atenção do público...”.

Abaixo reproduzo, na íntegra o que já pensei, escrevi e agora tenho de repensar:

Fiquei muito incomodado, ainda estou com a paralisação que todos tivemos de exercitar nos dias de maior intensidade das ações de pressão do crime organizado, quando São Paulo entrou em pânico. Chegava a Campinas, à noite, vindo de Brasília, da 1ª Conferência de Direitos das Pessoas com Deficiência,(maio de 2006) onde defendi ativamente os Direitos Humanos. 

Lá somente os ecos distantes, dentro das televisões e jornais, me mostravam ônibus incendiados, rebeliões em presídios, atentados a polícia, etc...., não me assustaram tanto. Parece que, quando estamos no ‘planalto do Poder’, ficamos atravessados pela geopolítica, meio distantes das agruras que acometem os que a ele e ela estão submetidos.

Fiquei, então, perplexo ao ver a cidade onde moro em total silêncio e toque de recolher. Pensei ao trafegar em um automóvel quase solitário, como se pode produzir tamanha comoção social? Estávamos no que se chama de Estado de Sítio? Havia um silêncio amedrontador e triste nas ruas da cidade. Todos os locais de comércio noturno, bares, postos de gasolina, supermercados 24 horas, etc..., estavam de portas cerradas, desde às 20 horas. 

Senti uma profunda preocupação com o futuro de minha filha de 05 anos, naquele momento cidadão e morador de uma cidade vazia, como o futuro de todas as crianças brasileiras, principalmente as que não têm como escapar destes momentos de terror e de violência organizada. Não era o meu corpo e a minha integridade física que estavam sob ameaça, estávamos atravessando uma ‘cidade fantasma’, sem ‘viva alma’, sem Vida em público, com praças e ruas totalmente desertas. Uma cidade transpirando o medo e o pânico paranoicos. Nem os 'camburões' trafegavam.

Sim a violência de hoje e dos poucos dias atrás continua sendo alimentada, embora não tenha outra finalidade que a de criar pânico e estagnação, a meu ver. Concordo, então, que ela não é produtiva, mas sim um 'produto', quiçá uma mercadoria, a ser pensado(a), refletido(a) e analisado(a) com todos os recursos possíveis, em especial por parte dos cientistas políticos, sociólogos e analistas institucionais.

Pelo clima generalizado de insegurança consequente aos recentes ataques, embora as ruas paulistanas já tenham sido reconquistadas pelos seus legítimos donos: os chamados cidadãs e cidadãos, não há como negar a existência ou o aumento de violência, tanto do crime organizado como das forças instituídas para sua repressão, nesse momento político social brasileiro. Porém não podemos cair na armadilha fácil de elaborar ‘propostas imediatistas’ e soluções apenas macropolíticas, ouvindo-se inclusive o pedido enganoso de uso das ‘Forças Armadas’ ou da “pena de morte”. 

Não há como negar a imprescindível análise crítica do que está subjacente a esta violência espetacularizada, pois como nos diz Lorenz: "o homem que cessa de refletir corre o risco de perder todas as qualidades e realizações especificamente humanas". Ele próprio experimentou a crítica a suas ideias e seus escritos, principalmente os que se aproximaram das ideologias fascistantes.

Chego perto de afirmar que os provocadores do recente pânico social estiveram sendo orientados por quem já leu, ou eles próprios tem a intuição e prática sobre o que escreveu Carl Von Clauzewitz, em seu livro Da Guerra, ao nos dizer que: “o êxito estratégico é a preparação favorável da vitória tática...".

..."Quanto mais a estratégia puder, graças às suas combinações, depois da aquisição de sua vitória, incluir acontecimentos nos seus efeitos, mais ela se libertará das ruínas completas, cujas fundações terão sido sacudidas pela batalha; quanto mais ela arrebatar grandes massas o que tem de ser penosamente ganho, pedaço a pedaço, no decurso da própria batalha maior será seu êxito.” Cito Clauzewitz para datar a longevidade da questão de enfrentamento da guerra e o problema da paz. Este tratado teve a sua primeira publicação em 1832.

Ele já demonstrava que os atos de guerra, quando violentos, são “destinados a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, que para “defrontar a violência, a violência mune-se com as invenções das artes e das ciências”. Entra em cena então o nosso modelo de Estado Espetáculo, e nada mais eficiente para a construção do medo e do pânico do que a sua espetacularização, de ambos os lados da “guerra urbana”.

Portanto há alguma coisa ainda sem resposta sobre as recentes ‘explosões com Molotov’. Principalmente quando a finalidade destas é a conquista de uma “surpresa”, que já fora anunciada aos órgãos oficiais com antecedência, empregando forças de ataque a partir de várias bases, buscando o apoio da população com sua histeria coletiva, para um possível efeito moral, criando um ‘teatro de guerra’, reproduzindo o modelo de territórios, fatiando a cidade em pedaços, apoiado nas comunicações de massa a fim de promover possíveis e inconscientes mecanismos de defesa coletivos, onde a crença de que o poder destes agressores é muito maior do que nossas possibilidades de reagir ou atacá-los.

Afinal estes agressores estão em “segurança máxima”, e nós? na “insegurança infinita”?

Encontrei, porém, no passado, mais uma vez, alguns indicadores para a leitura crítica que deveremos empreender. Em um artigo intitulado: “Violência: reflexões sobre a banalidade do cotidiano em São Paulo”, de Luciano Kowarick e Clara Ant, de 1981, que nos afirmam: O grave é que, ao se focalizar o problema exclusiva ou preponderantemente sobre o crime, mobiliza-se a opinião pública sobre este aspecto importante, mas não único, da violência urbana, que caracterizam o cotidiano da vida e do trabalho nas cidades”.

Os autores nos fazem interrogar sobre o papel dos meios de comunicação de massa, que antes dos acontecimentos recentes, centram suas atenções no campo da delinquência, dos crimes e das violências físicas, em especial das classes mais desfavorecidas, minimizando, segundo os autores, o arbítrio policial e omitindo que, na realidade, os acidentes de trabalho, a desnutrição e a miséria vitimam um número muito maior de habitantes de nossas grandes cidades”. (Ruben George Oliven).

Falando na possibilidade de uma impostura com a hipermidiatização da violência podemos lembrar de perguntar onde é que estão nossos impostos? Em recente matéria do Jornal do Senado, ano IV, nº. 121, 8 a 14 de maio de 2006, diz-se que os “Brasileiros estão de olho no imposto”, e ficamos sabendo que: “a soma de todos os bens produzidos pelos brasileiros, o chamado produto interno bruto (PIB), foi de R$1,94 trilhão em 2005, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os impostos pagos pelos brasileiros à União, aos estados e municípios totalizaram 37,82% do PIB, de acordo com o IBPT... Os tributos devem retornar ao Cidadão em forma de benefícios, como educação, saúde, SEGURANÇA, previdência...”.

Esta matéria ainda informa que: “Cada cidadão trabalha pelo menos 04 meses e 25 dias por ano para o Fisco”, mostrando em estatística comparativa que nos Anos 70, os Anos de Chumbo da Ditadura Militar, se trabalhava apenas 2 meses e 16 dias para pagar todos os impostos, e que, com certeza, a “impostura” oficial através das mídias era muito maior, e a violência do Estado também, com consequente desrespeito aos Direitos Humanos de todos os brasileiros e brasileiras.

Ainda não pagamos todas as nossas dividas pela defesa de nossa Constituição de 1988? Mas o que é que tem esta história com os acontecimentos atuais? Perguntará algum céptico das possibilidades de uma participação cidadã na busca de uma aplicação transparente e fiscalizada por todos nós de todo esse dinheiro arrecadado dos trabalhadores (as), exigindo-se que o Estado faça a sua parte. Deveríamos responder que têm a ver com nosso desejo de um futuro diferente entre os diferentes, com respeito e justiça para todos e todas, um tempo com o mínimo de sofrimento ético-político.

¨*Reconheço, que hoje em 2010, passados os anos o panorama social e econômico mudou. Mas mudou a situação da fome, onde ainda 11 milhões encontram-se na "insegurança alimentar", segundo o IBGE. Os tempos passam mas algumas das misérias que retroalimentam as diferentes e sutis formas de violência social perduram. Como, então responder a velhas e repetidas indagações sobre nosso futuro?

E o futuro? O de sempre? A violência, ou melhor, as variadas formas de violência institucionalizadas e naturalizadas tornaram-se banalizadas. Então, cabe a todos nós, e não apenas para alguns o dever de questioná-las, analisá-las e propor saídas e soluções coletivas, para que, ao sermos novamente paralisados, não tenhamos nossas asas cortadas, pois como diz uma estória: o passarinho, aparentemente frágil, quando entra em pânico, é a melhor vítima do bote de uma serpente, sempre que ele se esquecer de sua diferença desta, ou seja: alguns pássaros podem voar. 

Você que conseguiu ler até aqui este texto me responda: quem são os verdadeiros ‘engaiolados’, com a máxima segurança, dessa história dos tempos de cólera e impostura criminal e neoliberal?

copyright Jorgemarciopereiradeandrade 2006/2011(em caso de republicação solicito citar a fonte e o autor(es))

Referências bibliográficas--
Ant, Clara & Lucio Kowarick , Violência e Cidade – in Violência : Reflexões sobre a banalidade do cotidiano em São Paulo, Zahar Editores, Rio de Janeiro, RJ, 1982.

- Arendt, Hanna, Da Violência, Editora Universidade de Brasília, Brasília, DF, 1985.

- Bauman, Zygmunt, Vidas Desperdiçadas, Jorge Zaha Editor, Rio de Janeiro, RJ, 2005.

- Clausewitz, Carl Von, Da Guerra, Martins Fontes Editora, São Paulo, SP, 1979.

- Lorenz, Konrad, Os oito pecados mortais do homem civilizado, Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 1991.

- Oliven, Ruben George, Violência e Cidade – in Chame o ladrão: as vítimas da violência no Brasil, Zahar editores, Rio de Janeiro, RJ, 1982.

TEXTO ORIGINAL publicado em https://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1461&Itemid=2

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12 comentários:

  1. Olá Dr Jorge !
    Parabéns pelo blog.
    Um despertar para novos olhares!

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  2. CARA ANNA KARINA
    OBRIGADO pelo estímulo para continuar escrevendo apesar de todas as adversidades, contratempos, violências ou dissabores... despertar novas idéias e reflexões é muito gratificante. um doceabraço jorge marcio

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  3. MUITO BOM MEU CARO AMIGO,
    SEMPRE CRÍTICO/ESCLARECEDOR
    GD ABÇ

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  4. Carissimo guerreiro Jefferson
    Sei do seu amor pelo Rio e pela luta por direitos das pessoas com deficiência, espero que estas últimas sejam cada dia mais emponderadas no Rio... e que as violências sutis e invisíveis a que são submetidas sejam combatidas, com ternura e determinação... um doceabraço jm

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  5. Caro Jorge!

    Descobri o seu blog por acaso e gostei bastante. É muito interessante e esclarecedor, os meus parabéns!Continue sempre a escrever e a lutar pela igualdade de direitos.

    Um abraço de Portugal

    Magda

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  6. CARA MAGDA
    Seu abraço ultramarino me faz crer nas infinitas conexões em prol dos direitos humanos e das liberdades... venha e conheça os outros textos,e difunda em nossa Portugal as idéias e perguntas que continuarei a escrever, para além de todas as limitações que vivencio. um doceabraço jorgemarcio desde o Brasil

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  7. PERDEMOS O KTT :

    http://cambuquira.blogspot.com/2011/02/perdemos-o-ktt.html

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  8. É Jorge, boa essa sua provocação no final do texto "...quem são os verdadeiros ‘engaiolados’, com a máxima segurança, dessa história dos tempos de cólera e impostura criminal e neoliberal?"

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  9. É meu caro Jorge, boa essa sua provocação apresentada no final do texto, "...,... quem são os verdadeiros ‘engaiolados’, com a máxima segurança, dessa história dos tempos de cólera e impostura criminal e neoliberal?" é uma pergunta que ecoa e não pode se calar!...

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  10. OBRIGADA Jorge Marcio PELO TEXTO TÃO NECESSÄRIO QUE NO FAZ PENSAR, REFLETIR SOBRE VIOLÊNCIA. Essa violência gerada, estimulada, difundida pelo estado atavés da mídia e de toda forma de difusão cria outra violência, O MEDO! O medo é uma violência silenciosa que transforma os cidadãos em prisioneiros doentes que geram outras vioêlncias.

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  11. Caro Jorge,descobri seu blog e já gostei muito do seu texto. Sou policial militar no Estado do Maranhão e suas ideias e referências ajudarão significadamente nos meus estudos!

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  12. Excelente, dr Jorge Márcio! Tese bem fundamentada na realidade incontestavel do Rj a quem tanto amamos! Somos prisioneiros da violência endêmica e da incapacidade de reagirmos, as consequências dos maus gestores que atuam com medidas curativas, sabendo perfeitamente que "devemos atuar preventivamente, nas raizes dos problemas, como dizia Leonel Brizola. Parabéns, "sem perder a ternura, jamais" ! A luta continua!

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