Imagem
publicada – foto colorida de uma intervenção com arte e provocação nas ruas de
Maceió, Alagoas, onde performers, pessoas vestidas de ternos enlameados com
argila, com os olhos vendados, ‘com passos lentos e gestos delicados’,
caminharam e provocaram os transeuntes para uma reflexão sobre nossas
instituições. Nessa fotografia de Jonathan Lins, estão perfilados diante do
Quartel Geral da Polícia Militar, batendo continência.
Pode
uma intervenção nas ruas provocar em nós alguma forma de reflexão crítica sobre
nossos mais recentes atos de violência social? Ou estamos tão anestesiados que
a suavidade dessa performance não nos sensibiliza mais?
Acho e espero que sim, pois essa intervenção
que é parte de um evento cultural, o Palco Giratório, promovido pelo Sesc,
intrigou e mexeu com os que puderam ver/assistir estes “Cegos”. A nossa ‘cegueira branca’ (Saramago) nos foi desnudada,
denunciada e tornou-se pública. Deixemos,então, de ser apenas telespectadores (as).
Entretanto,
para além dessas intervenções estamos precisando, urgentemente, de uma resposta
coletiva diante de outros ‘espetáculos’ de horror, racismos e barbárie.
Atiram-se
corpos dançantes em lajes de supostamente pacificadas comunidades UPP, jogam-se
vasos sanitários sobre torcedores supostamente indesejáveis como nossos
próprios dejetos. Arrastam-se corpos de mulheres, ou negras ou nomeadas “bruxas”,
pelos morros e morrinhos, nos Rios ou Guarujás... Corpos ultrajados e linchados
se tornam espetáculo para redes sociais.
Somos,
nesse triste momento, a Sociedade do Espetáculo que se deixa iludir, que pede
mais violações de direitos humanos, que justifica os linchamentos através de
âncoras da TV. Somos alienados, todos e todas, um pouco Sheherazades? Aprovamos a
espetacularização da ‘justiça’ feita com as mãos sujas de sangue ou de
ignorância?
Sim,
não saímos às ruas mais, as aguardarmos nos nossos sofás. Não continuamos,
ainda, o amanhã de Junho de 2013. Não mais nos indignamos, no âmago, com bananas
racistas jogadas sobre e para os campos de futebol.
Associam-nos,
midiática e proveitosamente, a nossos darwinianos ancestrais. Somos todos “macacos”?
Ou somos apenas humanos bem adestrados? Ninguém deixou de ir aos estádios. A
bola rola e o futebol nos encanta... Melhor que a sala ou a cozinha, aguardamos
também nossa Copa das Copas.
Pelo
contrário, daqui alguns dias, estaremos em festa. Nossas ruas, nossos corpos,
nossas casas se enfeitarão. Bandeirolas verdes-amarelas tremularão, inclusive
nas favelas e em outras janelas com vista para o mar. Seremos apenas torcedores
fanáticos que gritarão na hora de nosso gol de supostos campeões?
Esqueceremos,
como de hábito e por história, da turba e das massas arruaceiras. As massas
humanas que podem fazer uma onda nas arquibancadas. As mesmas que irão
violentar e espancar, até a morte, alguém que, por sua cor, sua miséria, suas
marginalidades, ou supostas “maldades”, se tornem a diferença a ser eliminada.
Seriam
esses Outros a projeção encarnada de nossas mais inconscientes monstruosidades?
Dentro ou fora dos estádios, das novas arenas que não são ágoras.
Os
racismos, por exemplo, cada dia mais, são e serão visibilizados/espetacularizados
e difundidos. Espero eu combatidos e erradicados. Há ainda muitas bananas
invisíveis e suas cascas no meio do caminho. Nelas ainda vamos escorregar, não
bastará engolirmos os frutos dos nossos preconceitos.
Entretanto,
para além desses discursos antirracistas, muitos atos continuam enraizados
institucionalmente. São racismos que se definem pela hierarquia suposta da
superioridade de brancos sobre negros. É o naturalizado racismo ambiental ou
institucional.
Racismo
institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em
promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor,
conforme boletim do IPEA.
Porém
o chamado “fio branco” segregador hoje é mais visível nas ações de cunho
ideológico contra mulheres. As Cláudias arrastadas ou as Fabianes de Jesus
espancadas como maléficas proliferam nos mapas de violência recentemente
publicados. Só não ganham notoriedade e manchetes de jornais. As suas mortes
devem ser contabilizadas com outros milhares de corpos banalizados.
Segundo
um documento do Geledés, Racismo Institucional: uma abordagem conceitual, esse
tipo de racismo é “um dos modos de operacionalização do racismo patriarcal heteronormativo”.
Ainda tem os ranços históricos do modelo patriarcal do Brasil Colônia e suas
senzalas.
O
documento nos indica, na proposta de construção de políticas públicas de
proteção de mulheres negras, deve-se, entre outras coisas, se considerar:
1. Que o racismo institucional ou sistêmico
garante as condições para a perpetuação das iniquidades socioeconômicas que
atingem a população negra e outras atingidas pelo racismo.
2. Que o racismo institucional se associa a
outras iniquidades, produzindo ou ampliando as desigualdades experimentadas
pelas mulheres negras e as demais atingidas pelo racismo patriarcal. Da mesma
forma, associando-se a diferentes eixos de subordinação, agrava as condições de
vida e aprofunda iniquidades.
3. Que
o racismo institucional traduz escolhas institucionais atuais ou passadas
reeditadas por decisão ou inércia. E sua destruição requer novos compromissos,
processos e práticas.
Portanto,
como disse outro dia, não bastará superamos os racismos, temos a urgência de
sua erradicação. Muitos ainda se apoiam, fragilmente, na ideia de um país que é
cordial para com sua população de pele escura. Continuaremos sendo confusos
cafusos e mamelucos mulatizados?
Com
certeza sei que não somos orangotangos. Somos negros e negras. Somos os que
ocupam a maior estatística de extermínio de jovens, quando comparados os
números de mortos pela polícia militar em relação a jovens brancos; vejam a Cor
dos Homicídios: “... a tendência geral
desde 2002 é: queda do número absoluto de homicídios na população branca e de
aumento nos números da população negra. E essa tendência se observa tanto no
conjunto da população quanto na população jovem...”.
As
múltiplas violências, em especial as que se praticam, instituem-se e se tornam
mutiladoras, são um campo fértil de multiplicação também do uso da violência do
Estado.
A violência, que se torna um conceito vazio
para o viver em comum, em especial para os jovens tornou-se uma porta de saída,
uma alternativa, inclusive para a sobrevivência. Um menino excluído mata um
professor, negro, incluído, por causa de um celular...
Nesses
tempos de bárbaros, fardados ou em massas ensandecidas, como então esclarecer que
os Direitos Humanos não são apenas de encarcerados? Abriremos as portas da sala
para nos tornar novamente uma multidão contestadora?
O
problema é que essa porta também nos leva a um “beco sem saída”: como educar
para e em direitos humanos e práticas de tolerância, convívio e respeito ao
outro, quando o tornar-se violento é a única opção que resta ou restou?
Vamos,
iludidos pelos boatos ou falsas notícias, atirar também pedras ou balas nos
corpos marcados para morrer? Ou estamos apenas na antevéspera de uma grande
festa, um grande espetáculo dentro nas Arenas, com manifestantes outsiders
sendo massacrados por brucutus e representantes policiais da Ordem e do
Progresso, do lado de fora?
Enfim,
sem respostas definitivas, pergunto-me: como transformar essa transversalidade
dos racismos, das barbáries, das múltiplas violências visíveis e do espetáculo
do futebol em potência de vida, para além de suas funções e finalidades
biopolíticas?
Façam
suas apostas. Seremos e continuaremos os campeões? Ou, então, entrem junto
comigo no beco de muitas saídas e muitas linhas de fuga...
Copyright/left
jorgemarciopereiradeandrade 2014 (favor citar o autor e as fontes em
republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação com e para as
massas)
Matérias
recentes relacionadas com o texto e o contexto:
Intervenção
urbana mexe com o imaginário da população em Maceió http://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2014/05/intervencao-urbana-mexe-com-o-imaginario-da-populacao-em-maceio.html
Mulher
espancada após boatos em rede social morre em Guarujá, SP http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html
Três
em quatro homens que revelam orientação sexual sofrem algum tipo de violência http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/05/de-cada-quatro-homens-que-revelam-sua-orientacao-sexual-tres-ja-foram-vitimas-de-algum-tipo-de-violencia-diz-estudo-7532.html
Vendedora
diz que dois filhos morreram por racismo http://www.correiodoestado.com.br/noticias/vendedora-diz-que-racismo-e-a-causa-da-morte-dos-dois-filhos_215115/
Indicações
para leitura –
Boletim
de Análise Político Institucional – 4 – Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada – IPEA, Brasília, 2011.
Racismo:
uma abordagem conceitual – Geledés, Instituto da Mulher Negra & Cfemea,
Consultoria e redação: Jurema Werneck, 2012.
Waiselfisz,
Julio Jacobo, Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios no Brasil,
Cebela&Flacso¨& SEPPIR/PR, Brasília, DF, 2012 (1ª edição em PDF) – http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf
LEIAM
TAMBÉM NO BLOG –
O
CORPO ULTRAJADO ONTEM SERÁ O CORPO NEGADO AMANHÃ? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/03/o-corpo-ultrajado-ontem-sera-o-corpo.html
O
MARTELO NAS BRUXAS - COMO "QUEIMAR", HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS?
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/o-martelo-nas-bruxas-como-queimar-hoje.html
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/o-martelo-nas-bruxas-como-queimar-hoje.html
RAÇA,
RACISMO E IDEOLOGIA: ZUMBI ERA UM VÂNDALO, UM BLACK O QUÊ? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/11/raca-racismo-e-ideologia-zumbi-era-um.html
INCLUSÃO,
RACISMO E DIFERENÇA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/05/inclusao-racismo-e-diferenca.html
MOVIMENTOS,
MASSAS, MANIFESTOS E HISTÓRIA: POR UMA MICROPOLÍTICA AMOROSA, URGENTE.
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/movimentos-massas-manifestos-e-historia.html
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/movimentos-massas-manifestos-e-historia.html
AS
SELEÇÕES: OS ESTÁDIOS, OS PARADIGMAS E UM NOVO GAME https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/06/as-selecoes-os-estadios-os-paradigmas-e.html
Direto do Facebook : O tema é de extrema relevância. Acredito que as concepções de Freud, em sua Psicologia Social, como também a teoria grupanalítica oferecem subsídios para compreender estes fenômenos culturais. Parabéns pela matéria. Um grande abraço, Profa. Dra. Maria Cristina Zago.
ResponderExcluirCara Prof. Dra Maria Cristina
ExcluirAgradeço sua importante contribuição ao lembrar-me minhas implicações com a Psicanálise, e em especial com Freud, pois com certeza há um olhar da Psicologia Social a ser ampliado nesse tema. Tenho apreço pela visão de Freud em seu Psicologia das Massas e Análise do Ego... já o citei anteriormente, principalmente na associação com nosso permanente e premente estado de Mal-Estar em tempos de barbárie e violências sociais. Espero que possa ainda me estender sobre o tema, buscando inclusive o suporte de um viés sociológico ou psicossociológico para novas interrogações e provocações... e que continuemos buscando saídas e novas cartografias... outros Mundos Possíveis diante do Outro.... um doceabraço jorgemarcio
Lendo seu texto revemos a espetacularização de posturas horrendas, desde os atos de fingir "fazer justiça" com as próprias mãos ao ato de jogar bananas no campo de futebol insinuando a perpetuação do preconceito racial, ou algo como "gritar palavras que violam respeito, direitos e integridade humana!!! Realmente são ações que merecem toda uma reavaliação , visando mudança no comportamento, ora individualizado e ira globalizado, onde a bsnalização parece tão comum, mas essas atitudes não podem assolar o país!!! Avultante, enojante e repulsiva quaisquer postura que pontue o racismo!!! Reflexão aprofundada sobre o comportamento social e a continuidade de ações que ao invés de libertar o homem, em voos de respeito às diferenças, apregoam "Atraso"!!! Docesabraçosafrodescendentes
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