terça-feira, 6 de maio de 2014

RACISMOS, BARBÁRIES, FUTEBOL... ONDE ENTRECRUZAM AS VIOLÊNCIAS SOCIAIS?

Imagem publicada – foto colorida de uma intervenção com arte e provocação nas ruas de Maceió, Alagoas, onde performers, pessoas vestidas de ternos enlameados com argila, com os olhos vendados, ‘com passos lentos e gestos delicados’, caminharam e provocaram os transeuntes para uma reflexão sobre nossas instituições. Nessa fotografia de Jonathan Lins, estão perfilados diante do Quartel Geral da Polícia Militar, batendo continência.

Pode uma intervenção nas ruas provocar em nós alguma forma de reflexão crítica sobre nossos mais recentes atos de violência social? Ou estamos tão anestesiados que a suavidade dessa performance não nos sensibiliza mais?

 Acho e espero que sim, pois essa intervenção que é parte de um evento cultural, o Palco Giratório, promovido pelo Sesc, intrigou e mexeu com os que puderam ver/assistir estes “Cegos”. A nossa ‘cegueira branca’ (Saramago) nos foi desnudada, denunciada e tornou-se pública. Deixemos,então, de ser apenas telespectadores (as).

Entretanto, para além dessas intervenções estamos precisando, urgentemente, de uma resposta coletiva diante de outros ‘espetáculos’ de horror, racismos e barbárie.

Atiram-se corpos dançantes em lajes de supostamente pacificadas comunidades UPP, jogam-se vasos sanitários sobre torcedores supostamente indesejáveis como nossos próprios dejetos. Arrastam-se corpos de mulheres, ou negras ou nomeadas “bruxas”, pelos morros e morrinhos, nos Rios ou Guarujás... Corpos ultrajados e linchados se tornam espetáculo para redes sociais.

Somos, nesse triste momento, a Sociedade do Espetáculo que se deixa iludir, que pede mais violações de direitos humanos, que justifica os linchamentos através de âncoras da TV. Somos alienados, todos e todas, um pouco Sheherazades? Aprovamos a espetacularização da ‘justiça’ feita com as mãos sujas de sangue ou de ignorância?

Sim, não saímos às ruas mais, as aguardarmos nos nossos sofás. Não continuamos, ainda, o amanhã de Junho de 2013. Não mais nos indignamos, no âmago, com bananas racistas jogadas sobre e para os campos de futebol.

Associam-nos, midiática e proveitosamente, a nossos darwinianos ancestrais. Somos todos “macacos”? Ou somos apenas humanos bem adestrados? Ninguém deixou de ir aos estádios. A bola rola e o futebol nos encanta... Melhor que a sala ou a cozinha, aguardamos também nossa Copa das Copas.

Pelo contrário, daqui alguns dias, estaremos em festa. Nossas ruas, nossos corpos, nossas casas se enfeitarão. Bandeirolas verdes-amarelas tremularão, inclusive nas favelas e em outras janelas com vista para o mar. Seremos apenas torcedores fanáticos que gritarão na hora de nosso gol de supostos campeões?

Esqueceremos, como de hábito e por história, da turba e das massas arruaceiras. As massas humanas que podem fazer uma onda nas arquibancadas. As mesmas que irão violentar e espancar, até a morte, alguém que, por sua cor, sua miséria, suas marginalidades, ou supostas “maldades”, se tornem a diferença a ser eliminada.

Seriam esses Outros a projeção encarnada de nossas mais inconscientes monstruosidades? Dentro ou fora dos estádios, das novas arenas que não são ágoras.

Os racismos, por exemplo, cada dia mais, são e serão visibilizados/espetacularizados e difundidos. Espero eu combatidos e erradicados. Há ainda muitas bananas invisíveis e suas cascas no meio do caminho. Nelas ainda vamos escorregar, não bastará engolirmos os frutos dos nossos preconceitos.

Entretanto, para além desses discursos antirracistas, muitos atos continuam enraizados institucionalmente. São racismos que se definem pela hierarquia suposta da superioridade de brancos sobre negros. É o naturalizado racismo ambiental ou institucional.

Racismo institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor, conforme boletim do IPEA.

Porém o chamado “fio branco” segregador hoje é mais visível nas ações de cunho ideológico contra mulheres. As Cláudias arrastadas ou as Fabianes de Jesus espancadas como maléficas proliferam nos mapas de violência recentemente publicados. Só não ganham notoriedade e manchetes de jornais. As suas mortes devem ser contabilizadas com outros milhares de corpos banalizados.

Segundo um documento do Geledés, Racismo Institucional: uma abordagem conceitual, esse tipo de racismo é “um dos modos de operacionalização do racismo patriarcal heteronormativo”. Ainda tem os ranços históricos do modelo patriarcal do Brasil Colônia e suas senzalas.

O documento nos indica, na proposta de construção de políticas públicas de proteção de mulheres negras, deve-se, entre outras coisas, se considerar:
1.    Que o racismo institucional ou sistêmico garante as condições para a perpetuação das iniquidades socioeconômicas que atingem a população negra e outras atingidas pelo racismo.
2.    Que o racismo institucional se associa a outras iniquidades, produzindo ou ampliando as desigualdades experimentadas pelas mulheres negras e as demais atingidas pelo racismo patriarcal. Da mesma forma, associando-se a diferentes eixos de subordinação, agrava as condições de vida e aprofunda iniquidades.
3.   Que o racismo institucional traduz escolhas institucionais atuais ou passadas reeditadas por decisão ou inércia. E sua destruição requer novos compromissos, processos e práticas.

Portanto, como disse outro dia, não bastará superamos os racismos, temos a urgência de sua erradicação. Muitos ainda se apoiam, fragilmente, na ideia de um país que é cordial para com sua população de pele escura. Continuaremos sendo confusos cafusos e mamelucos mulatizados?

Com certeza sei que não somos orangotangos. Somos negros e negras. Somos os que ocupam a maior estatística de extermínio de jovens, quando comparados os números de mortos pela polícia militar em relação a jovens brancos; vejam a Cor dos Homicídios: “... a tendência geral desde 2002 é: queda do número absoluto de homicídios na população branca e de aumento nos números da população negra. E essa tendência se observa tanto no conjunto da população quanto na população jovem...”.

As múltiplas violências, em especial as que se praticam, instituem-se e se tornam mutiladoras, são um campo fértil de multiplicação também do uso da violência do Estado.

 A violência, que se torna um conceito vazio para o viver em comum, em especial para os jovens tornou-se uma porta de saída, uma alternativa, inclusive para a sobrevivência. Um menino excluído mata um professor, negro, incluído, por causa de um celular...

Nesses tempos de bárbaros, fardados ou em massas ensandecidas, como então esclarecer que os Direitos Humanos não são apenas de encarcerados? Abriremos as portas da sala para nos tornar novamente uma multidão contestadora?

O problema é que essa porta também nos leva a um “beco sem saída”: como educar para e em direitos humanos e práticas de tolerância, convívio e respeito ao outro, quando o tornar-se violento é a única opção que resta ou restou?

Vamos, iludidos pelos boatos ou falsas notícias, atirar também pedras ou balas nos corpos marcados para morrer? Ou estamos apenas na antevéspera de uma grande festa, um grande espetáculo dentro nas Arenas, com manifestantes outsiders sendo massacrados por brucutus e representantes policiais da Ordem e do Progresso, do lado de fora?

Enfim, sem respostas definitivas, pergunto-me: como transformar essa transversalidade dos racismos, das barbáries, das múltiplas violências visíveis e do espetáculo do futebol em potência de vida, para além de suas funções e finalidades biopolíticas?

Façam suas apostas. Seremos e continuaremos os campeões? Ou, então, entrem junto comigo no beco de muitas saídas e muitas linhas de fuga...

Copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação com e para as massas)

Matérias recentes relacionadas com o texto e o contexto:





Indicações para leitura –

Boletim de Análise Político Institucional – 4 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, Brasília, 2011.

Racismo: uma abordagem conceitual – Geledés, Instituto da Mulher Negra & Cfemea, Consultoria e redação: Jurema Werneck, 2012.

Waiselfisz, Julio Jacobo, Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios no Brasil, Cebela&Flacso¨& SEPPIR/PR, Brasília, DF, 2012 (1ª edição em PDF) – http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf

LEIAM TAMBÉM NO BLOG –
O MARTELO NAS BRUXAS - COMO "QUEIMAR", HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS?
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/o-martelo-nas-bruxas-como-queimar-hoje.html

RAÇA, RACISMO E IDEOLOGIA: ZUMBI ERA UM VÂNDALO, UM BLACK O QUÊ? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/11/raca-racismo-e-ideologia-zumbi-era-um.html


MOVIMENTOS, MASSAS, MANIFESTOS E HISTÓRIA: POR UMA MICROPOLÍTICA AMOROSA, URGENTE.
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/movimentos-massas-manifestos-e-historia.html

AS SELEÇÕES: OS ESTÁDIOS, OS PARADIGMAS E UM NOVO GAME https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/06/as-selecoes-os-estadios-os-paradigmas-e.html  

3 comentários:

  1. Direto do Facebook : O tema é de extrema relevância. Acredito que as concepções de Freud, em sua Psicologia Social, como também a teoria grupanalítica oferecem subsídios para compreender estes fenômenos culturais. Parabéns pela matéria. Um grande abraço, Profa. Dra. Maria Cristina Zago.

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    1. Cara Prof. Dra Maria Cristina
      Agradeço sua importante contribuição ao lembrar-me minhas implicações com a Psicanálise, e em especial com Freud, pois com certeza há um olhar da Psicologia Social a ser ampliado nesse tema. Tenho apreço pela visão de Freud em seu Psicologia das Massas e Análise do Ego... já o citei anteriormente, principalmente na associação com nosso permanente e premente estado de Mal-Estar em tempos de barbárie e violências sociais. Espero que possa ainda me estender sobre o tema, buscando inclusive o suporte de um viés sociológico ou psicossociológico para novas interrogações e provocações... e que continuemos buscando saídas e novas cartografias... outros Mundos Possíveis diante do Outro.... um doceabraço jorgemarcio

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  2. Lendo seu texto revemos a espetacularização de posturas horrendas, desde os atos de fingir "fazer justiça" com as próprias mãos ao ato de jogar bananas no campo de futebol insinuando a perpetuação do preconceito racial, ou algo como "gritar palavras que violam respeito, direitos e integridade humana!!! Realmente são ações que merecem toda uma reavaliação , visando mudança no comportamento, ora individualizado e ira globalizado, onde a bsnalização parece tão comum, mas essas atitudes não podem assolar o país!!! Avultante, enojante e repulsiva quaisquer postura que pontue o racismo!!! Reflexão aprofundada sobre o comportamento social e a continuidade de ações que ao invés de libertar o homem, em voos de respeito às diferenças, apregoam "Atraso"!!! Docesabraçosafrodescendentes

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