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publicada – fotografia que fiz de meu pai ao por do sol, em Cambuquira, MG, em contraluz, há muitos,
muitos, muitos anos atrás, pois agora, somente agora, aos 104 anos completos,
sua silhueta começa a apresentar os chamados sinais físicos do envelhecimento.
A sua memória e seu humor continuam os mesmos. Não conhecem esse crepúsculo,
que para mim e muitos se antecipa: o não aprender a ser, apenas ao falso
aprendizado do conformar-se, ao consumir-se a si próprio.
“A liberdade e a lucidez não
servem para grande coisa, se nenhum objetivo nos solicita mais: elas têm um
grande valor se ainda somos habitados por projetos. A maior sorte do velho,
mais que gozar de boa saúde, é sentir-se que para ele, o mundo ainda está povoado
de fins...” (Simone de Beauvoir, A Velhice).
Eu,
aqui indagante, conheço um que ainda nutre projetos, romarias e caminhadas,
rumo a um Norte de fé e solidariedade. E, se lhe for perguntado se teme as
bolhas nas solas dos pés, o frio ou as distâncias, responde lúcido e livre, sem
medo, visível, da Dona Morte: “eu ainda
não morri”.
Tento seguir na sua trilha existencial,
uma vereda imprevisível e sempre tortuosa, vencendo montanhas de temores ou
amores, entretanto, uma pergunta me assombra nos tempos atuais: Envelhe=ser ou
Tornar-se Velho? Essa inevitável pergunta me acompanha há alguns dias. Hoje me
ficou mais próxima e íntima, mais intensa com esse aniversário de meu pai
centenário. Um espelho vivo e intenso no qual tento me admirar.
A filósofa que cito, Simone
de Beauvoir já me trouxe, há muito tempo, a revelação de que: Mulher não se
nasce, Torna-se Mulher... E, usando e abusando dessa interpretação do feminino,
reflui para o questionamento acima apresentado. Tornamo-nos apenas velhos? Velhos
saudáveis sem projetos?
Repasso-lhes, sem respostas
definitivas, a indagação: vamo-nos tornar apenas ‘velhos’, eternamente
rejuvenescidos? Obsoletos? Asilados ou Exilados? Antigos ou “artigos
científicos” de engenharia genética sem éticas que nos prometem a imortalidade
ou a perfeição? Ou seremos, bioéticamente, os que querem re-nascer aprendendo a
morrer?
Somos todos seres em
processo, biológico e humano, em um processo vital chamado de envelhecimento.
Nascemos já mortos. Nascemos já imperfeitos e na incompletude de nos sabermos
mortais, finitos. Essa finitude nos leva a buscar asilo e abrigo na defesa
inconsciente de uma eterna juventude.
Abrigamo-nos sob as asas
obscuras da nossa própria obscenidade, nossos fins como obsoletos. Tudo muda
com o tempo. Tudo se esvai. Somos, todos e todas, dispensáveis, quiçá, como diz
Baumann, somos hodiernamente descartáveis. Poderíamos, ao menos, sermos, no
futuro, corpos recicláveis?
Entretanto, quando nos
defrontamos com nossos próprios estreitamentos daquela vereda e trilha
existencial, o horizonte, que só era para os Outros, se torna mais próximo.
Mais visível na estrada aberta em processo de fechamento, de sol poente. Um
crepúsculo existencial, hora de chegada que também é uma partida, como disse
Milton Nascimento. Um trem ou um treco?
Se formos, mineiramente,
como meu ‘velho’, atrás da linha, atrás das Marias Fumaças, em cada estação, em
cada parada, levando nossos sentimentos- locomotivas, nossos devires. Encontramos
novas linhas, novas fugas, novos túneis. Ao fim deles sempre houve uma curva
nas minhas serras geraes. Aos nossos fins também gostaríamos de saber quem e o
que nos esperará na plataforma das próximas e insondáveis Estações.
O QUE CHAMAMOS, então, de
VELHO, ao nos sentirmos assim?
Aquele jeans que já lavamos
diversas vezes? Contraditoriamente, como a vida, a sua cor desbotada torna-se
por isso mesmo o símbolo de juventude e, como antigamente, a roupa mais ‘cara’,
como sentido de desejada. Já foram até artigo de luxo ou classificação. Hoje,
dentro do modo shopping de ser, se tornam mais caros ainda se forem a farrapos.
Como alguns seres humanos, hora depreciados como velhos e usados, hora
inflacionados como moda.
Aquele que caminha sobre as
três patas, interrogando-se sobre o Enigma da Esfinge, é o jovem ou o velho, o
que decifra ou que é antecipadamente morto? Ambos acabam usando o cajado, a
bengala, o suporte ou a morte. O seu entardecer vital já visível, sobre um
apoio extra para sua caminhada, vira um símbolo da sua dependência, tanto para
a marcha como do mundo, para uma posição curvada que o torna menos nobre, menos
desejável? Não poderia tornar-se uma alavanca?
Ao completar os 60 anos? A idade
que nos permitirá algumas ‘regalias’ ou ‘aposentadorias’? Aquele momento de
encanecimento das mechas de nossos cabelos, pele e pelos, dos mais visíveis aos
mais íntimos? Há, porém aqueles que nos dizem ser a melhor idade, o momento do
sentir-se sábio, experiente e com a vida dos que só descansam, mesmo que o dia
inteiro de pijamas?
Entretanto, pelas minhas
vivências mais próximas e familiares venho aprendendo a desaprender esses
conceitos eivados de preconceitos, de mitos e de falácias. O meu próprio pai,
aqui lembrado e homenageado, com o texto e a poesia que segue, ultrapassa
amanhã, no dia 30, os 104 anos. Ultrapassa muito mais ainda por continuar sendo
querido, respeitado e amado.
E, para os que ainda lhe perturbam,
como os médicos e as medicinas, ele diz, bem humorado: -“amanhã, vou ao consultório e luto boxe com eles... e verão como ainda
estou forte”. Prova não de vigor físico, mas de sua outra força: o humor,
bom e gozado, que não deveríamos jamais esquecer ou perder. Com certeza, hoje
com os seus 104 anos já tem outros diálogos com a Vida e com a Dona Morte.
Quem sabe já encontrou
algumas das suas quase respostas. Eu, aqui, buscador de novas veredas, cartografias e afetos,
tento me/nos alertar ou alegrar com poesia e arte.
ENVELHE-SER
SERÁ APENAS VERBO, RIMA,
DESFECHO,
SABÊ-LO É UMA SINA?
VERBO QUE PODE SE CONJUGAR,
RIMAR OU TER DESCOMPASSO
COM O NASCER...! OU, COM
ANGÚSTIA, APENAS SER...
EM MOMENTOS DE LUCIDEZ FERINA QUE FERE,
ENQUANTO A MUITOS SUBJUGA,
EM OUTROSMOMENTOS, OUTRAS
ÁGUAS LÚCIDAS,
ATORMENTA.
QUEM SABE E ESPICHA PARA
ALÉM DO CORPO,
MUITO POUCOS AINDA ÁVIDOS,
MESMO QUE JÁ PERDIDOS,
OUTRAS BÚSSOLAS, OUTROS
NORTES, OUTRAS SORTES,
ORIENTA-LHES O PERDER-SE
PARA VIVER...
EM-VELHO-SER
UM DITO ANTIGO E BEM DITO
QUIÇÁ EPICÚRICO E NÃO DE
CIANURETO,
A CADA RUGA, A CADA UMA DAS
RUSGAS,
INSISTE E RE-EXISTE, TEIMA E
APRENDE,
A CADA GESTO MAIS LENTO,
NAQUILO QUE PERDE DE MEMÓRIA
E MOVIMENTO,
A LEMBRANÇA DO ÁGIL, DO
RÁPIDO E FORTE,
TORNAM-SE APENAS
PROVOCAÇÃO...
REAPRENDER É SEMPRE
IMPRECISO,
NÃO BASTA NAVEGAR, CARO
POETA,
OS HERÓIS ARGONAUTAS, OS
DESTEMIDOS,
AGORA GERÔNTICOS, SÓ
APRENDEM, NESSAS ÁGUAS,
QUAIS INICIANTES, COMO SEUS
DISCÍPULOS,
QUE SEU NORTE AGORA É DA
DONA MORTE...
E, COMO A AREIA NÃO CESSARÁ
SEU DESPERDÍCIO,
É HORA DE NÃO SE INCOMODAR,
NEM DE SUPLÍCIO,
CONTINUA, CAMINHA, NAVEGA, SE
PERDE
E APRENDE, APRENDE
QUE SÓ SENTE, MENOS SOZINHO,
QUANDO A MÃO QUE É PRÓPRIA
LHE ASSEGURA,
MAS QUE TAMBÉM SERÃO AS MÃOS
ALHEIAS,
MESMO QUE DESBOTADAS, OU ATÉ
FERIDAS,
QUE O REAFIRMAM,
COMO CORPO, COMO
CARTOGRAFIA,
COMO DEVIR, O SEU INVISÍVEL
CORPO, SÓ SEU QUE É NOSSO,
E DO PRÓXIMOPORQUEMPASSO,
O PRÓXIMO QUE NÃO SOU EU...
E A SUA MIRADA AGORA VOLTADA
PARA O FUTURO,
MIOPEMENTE, MIRAGEM QUE
NECESSITAMOS,
ENXERGA, PREFERIVELMENTE
LONGE, UMA FIGURA,
UMA SOMBRA, QUEM SABE UMA
ASSOMBRAÇÃO
PARA OS ASSUSTADOS E
TEMOROSOS,
MAS NÃO MAIS QUE DESATINO,
NEM MESMO DESTINO,
PARA OS QUE NA POPA, NÃO NA
PROA,
DESSE NAVIO, DESSA NAU DOS
SEMPREMENINOS,
AQUELES, NÃO OS AQUILES, MAS
SIM OS POR ELE DESAFIADOS,
NESSE COMBATE CONTRA ONDAS E
HORDAS,
PARA OS SEMPREMENINOS,
EMBORA AGORA SABIAMENTE
ENVELHECIDOS,
NEM SEMPRE AS SOMBRAS SÃO DA
DONA MORTE...
COMO OS MARINHEIROS DE
MUITOS PORTOS,
DE MUITAS SORTES, ENCARAM,
ARREGANHAM OS DENTES,
MERGULHAM NO NOVO VASTO E
INCÓGNITO OCEANO...
POR ISSO NÃO TEMO, NÃO
TEMEREMOS,
ASSIM IMPRUDENTES NOS LANÇAR
DENTRO DESSE REDEMOINHO...
ENVELHE/SER
ESMAE/SER
A NOITE/SER
CONVITE IRRECUSÁVEL DO
HOLANDÊS E SEU TRIGAL,
PARA ESSAS TRÊS PINCELADAS
INTENSAS,
N0 ONÍRICO TEMPO DO QUAL E
AO QUAL PERTENÇO,
SEM ENSAIOS OU ANTEVISTOS,
ESSE NOVO ANTIGO QUADRO
PINTO E FOTOGRAFO,
TRATO E RETRATO O ESMAECIDO,
PARA VIVER COMO NA TELA
DAQUELA NOITE TÃO ESTRELADA,
UMA SÉRIE DE AZUIS
CIRCUNSCRITOS, NOSSSOS CREPÚSCULOS,
NOSSAS MEMÓRIAS DAQUELES
REDEMOINHOS,
SEM NENHUM BRILHO OPACO...
QUANDO DIANTE DESTE VAN GOGH
ESTARRECIDO
IDENTIFICO-ME, E MOLECULAR EU
FICO,
VEJO DE NOVO, SEMPRE O NOVO,
O MOMENTO,
EIS A INTENSA IDADE QUE ME
PROJETO,
UM ANOITECER RENOVADO,
SABIAMENTE TECIDO,
MESMO QUE SOBRE UMA TELA OU
PAPEL ENVELHECIDOS,
É O QUE SE DESENHA E SE
MISTURA COM AS PRÓPRIAS TINTAS,
SUPOSTAS LINHAS, SUPOSTOS
FIOS, SUPOSTAS TRILHAS...
TAMBÉM SUPOSTOS
ENLOUQUECIDOS,
OS QUE ENVEREDAM E SE
EMBRIAGAM COM O PRÓPRIO NÉCTAR,
LUTAM E RE-EXISTEM À SUA
PRÓPRIA VERVE,
ALMA PICTÓRICA, DE
HORIZONTES SOLITÁRIOS,
DE CORVOS QUE SOBREVOAM
NOSSOS TRIGAIS,
ONDE DEVERIA ESTAR EM
REPOUSO, AS AVES NÃO FÊNIX,
PELA SUA FORÇA DE FOGO E
IMPRESSÃO DELE,
SEMPRE RESSUSCITA, MESMO QUE
SUICIDADO,
SEMPRE RENASCE, MESMO QUE
MAL-DITO...
PARA UM DIA, UM DIA AINDA
NÃO PRESCRITO...
AÍ, SENDO COMO SOMOS, SÓS,
SOLITÁRIOS,
NÃO MAIS FINITOS,
SÓ MÁQUINAS OU ROBÔS SEM
MIRAGENS E SONHOS,
ESTAR SÓS NOS ADMIRANDO,
FEITO NARCISOS,
NO VASTO LAGO, APAIXONADOS,
MOUCOS E SEM ECOS,
A MORRER DO PRÓPRIO
ENVELHE/SER...
EM MIM, EM TI INDAGO:
SOMOS APENAS DURAÇÃO OU
DURÁVEL-IDADE...?
(jorgemarciopereiradeandrade
e ciailimitada)
Copyright e left –
jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações
infinitas na Internet, com seu Marco Civil, e em outros meios de comunicação
para e com as massas)
LEITURAS
QUE NÃO ENVELHECEM:
A
VELHICE – Simone de Beauvoir, Editora Nova Fronteira, Rio de
Janeiro, RJ, 1990.
UMA
MORTE MUITO SUAVE – Simone de Beauvoir, Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, RJ, 1984.
LEIA
TAMBÉM NESTE BLOG:
POR
UMA MEDICINA QUE ENVELHEÇA COM DIGNIDADE
O
MUNDO ENVELHECE, AS INJUSTIÇAS AINDA PERSISTEM, E, ENTRETANTOS, MEU PAI FAZ 102
ANOS...
QUEM
NÃO GOSTARIA DE VIVER 100 ANOS? http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/04/quem-nao-gostaria-de-viver-100-anos.html
VIDAFLOR
ResponderExcluirpor Albea Regina
Envelhe-ser,
Envelhecer???
Ainda que ambos pudessem ser flexionados
Ainda que envelhecer fosse algo do tempo dos errantes e dos navegantes
Porque se preocupar tanto com a Dona Morte?
Ela não é pomposa como acredita
Não escarnece, nem é intrépida
Ela é apenas uma senhora de cada história
E enquanto permanece fica perplexa
Quando a resistência violenta o gosto de sua aproximação
As vezes é chegada a hora de ir embora
Na utopia da eternidade
Numa historicidade que afugente o medo
Os turbilhões mentais gritem
Viver é a glória da existência
Não é possível querer SER e envelhe-ser simplesmente????
Além do benquerer
Ou do malquerer?
O que bendizer?
Pra que maldizer?
Viver em êxtase, sendo apenas SER.
Sem pensar em ponto final, em partidas ou chegadas
Apenas manter-se vivo, liberto, sem ser idiota
Com um gosto salífero ou adocicado,
Sem ser insalubre...
Viver com a intensidade de amar a si e aos outros
Sem esmaecer
Redescobrir o gosto do falar e calar
Perpetuar o saber e o rever
Onde os conceitos e valores místicos e míticos
Tenham ardor em momentos de a dor chegar
A quentura da vida não tem finitude
Tem espaços abertos que se vão
Voos ousados de pensadores
Os dissabores sejam apenas capazes de nos revelar passagens
Onde o gosto do sal, salive as lágrimas
O choro acalme os espíritos
A presença do acaso seja preservada...
Querer envelhecer com o gozo de tomar o suco açucarado
Lembrando conscientemente de que há homens caídos no canavial
Crianças exploradas em sua meninice
Jovens exaltados pelo tráfico e pala ausência do poder público
Envelhe-ser com suor no rosto
Com o espaço do espelho que nos mostre a face e o que carregamos por trás dela
Cheiro de famílias encharcadas pelo fardo das obrigações
Pela economia espoliada, exploradora, massacradora e vil
Mas felizes pela partilha das esperanças...
O peso da idade não arrebata os sonhos
Não dizima vontades
Não mediocriza o SER, ainda que envelhecendo
O gerúndio é processo que reina
Sem reis e rainhas, com seres humanos
Letais, fatais, finitos em sua incompletude
Portanto fecundos nos serrados, nos gelados, nas cidades...
A cada estação uma maré, mudando as ondas dos oceanos
E os navegantes são levados pelo mar adentro
O pólen resiste e persiste, com a profundidade
De renascer em outros tempos, por outros ventos
Em flores, em jardins, em vida...
Mesquita, 29 de abril de 2014.
Só um comentário poema. Pois te afianço. Choravam todos mergulhados
ResponderExcluirnas palavras, nos cenários. Nas próprias histórias não contadas. Permanentemente lindo, comunicável.Ao mestre, Gracias.Valéria