Imagem
publicada – uma pintura que fiz há algum tempo atrás, e a memória me falha, de
uma série a partir da foto que fiz de uma estátua de uma madona clássica,
grega, e seu filho nos braços... Com tons predominantes em azul, violeta, cinza
e fundo em amarelo, o amarelo que usam para simbolizar este mês dedicado à
prevenção do suicídio, ao Alzheimer e outros padecimentos, desesperos ou temas
esquecidos na velocidade em que se apagam as memórias do hoje. A foto, a fiz
nos anos 80 em preto e branco. A memória evocada é a dos filhos e nossos
filicídios praticados desde a Esparta bélica ontem até às praias da Turquia dos
refugiados sírios da guerra suicida de hoje.
Este
texto é dedicado aos que demolem, demoliram e demolirão todas as arrogâncias,
as onisciências e onipotências, mesmo daqueles ou daquelas que o abraçam ou
abraçarão em seu último salto vital... em vão ou não...
Hoje
se fala com maior clareza sobre um tema que já foi negado, proibido e
excomungado: o Suicídio. Nos dicionários ainda o definem como o ”ato de tirar voluntariamente
a própria vida’’. Mas o que seria esse ”tirar’’, ele pressupõe que ela, a Vida,
nos é dada, ou que teria e tem um sentido de valor, seja individual ou
societariamente. Continuamos nos interrogando.
Desde
Albert Camus não mais podemos nos negar a encarar sua relação íntima com outra
palavra e experiência humana: a Dor. Camus, em seu Sísifo mítico, nos diz “que não há mais do que um problema
filosófico verdadeiramente sério: o do suicídio. Julgar que a vida vale ou não
vale a pena ser vivida é responder à questão primordial da filosofia...”. Para
a filosofia, desde Epicuro ou Empédocles, já tínhamos as implicações de dor/felicidade,
viver in-tensamente, superar a dor do viver ou morrer.
Assisti
hoje pela TV a campanha de prevenção de suicídios, e a repórter fez a conexão
dos termos, temos hoje um grande número de suicídios, principalmente de jovens,
que se matam (além dos que são mortos ou 'suicidados) não apenas pela dor, mas “pela certeza de que ela não cessará”. O
que levaria, então, a tantos buscarem o suicidar como saída de algo que não
cessa e nem cessará jamais...
Segundo
a Radio Onu: “...o primeiro relatório
sobre prevenção ao suicídio da Organização Mundial da Saúde, OMS, fez um
alerta: mais de 800 mil pessoas cometem
suicídio por ano no mundo. Isso representa uma morte a cada 40 segundos”. Para a OMS desses 800.000 mil são, na maioria,
jovens entre 15 e 29 anos que se suicidam por ano. Já em matéria daqui crescem
o número para 1.000.000 de suicídios, em estatísticas que merecem atenção, mas
também um olhar crítico e bioético. Publicam que temos 25 suicídios por dia no
Brasil.
Portanto,
não bastará um mês, este setembro. Um dia, uma semana ou uma campanha
internacional vestindo o amarelo alerta para interromper todas as dores que assolam
e se recrudescem globalmente. A produção dos padecimentos, perdas, ruínas,
guerras, desfiliações, migrações forçadas, desamparos, depressões, desempregos,
trabalhos escravos, gentrificações, pauperizações e desastres econômicos
continuam a produzir a serialização de aflitos e de desesperanças no viver.
Morrer
se naturaliza e se torna banal. E há os que ainda pregam e legitimam mais armas
em todas as mãos...
Não
há apenas os que suicidam, na concepção do “tirar” a própria vida, muitas delas
já foram “roubadas, vilipendiadas, extorquidas, humilhadas, miserabilizadas”, e
daí surgem, como diria Artaud sobre Van Gogh, ‘os suicidados pela Sociedade’.
Portanto, repensando a visão ainda condenatória do sujeito, há que repensar a ‘culpabilidade
e irresponsabilidade’ dos que, moralisticamente, se sentem violentados pelas
dores que os suicídios e suicidas causam.
No
Nepal, lá nas alturas, onde se espera que o espiritual seja tão rico como as
neves do Himalaia, após o último terremoto, já meio esquecido pelo Ocidente, de
acordo com a matéria Agencia EFE: “O
número de pessoas que tiram a própria vida subiu no Nepal, com um aumento do
41,24% nos três meses posteriores ao terremoto que castigou o país em abril, em
comparação aos três meses anteriores...”.
A
maioria, pelos mesmos motivos que afligem a Síria, Ruanda, Haiti, Sudão ou
qualquer outro país onde a terra é varrida por bombas, terrorismos ou por
tremores, da Gaia ou dos Homens. Há os que são e serão afogados no Mediterrâneo
ou no Egeu. Fogem de terrores nas suas terras de origem e se afogam nas águas que
podem levar para uma neo escravidão e segregação, quiçá ‘menos’ terrível do que
já viviam. Muitos, depois, não suicidarão...
A
hora é de resgatar o poeta Jonh Donne e repicar os sinos que também dobram por
nós, nós que também somos tão tristemente humanos como o menino sírio na praia
turca. Nós que também somos suicidados embora naturalizemos nossas cotidianas e
quase invisíveis formas de nos matar. Nós que julgamos covardes ou egoístas os
que desistem de atravessar outros mares ou quando não há mares, só desertos e
solidão.
Retomo
aqui o binômio do texto, há sempre dor no suicídio. Seja dos que o cometem,
seja dos que os padecem, experimentam sem tréguas ou dos que a negam tê-la infligido.
Abdulá Kurdi, o pai sírio, assim como eu já o fui, deve ter pensado nesse
último refúgio diante da perda irreparável.
Aos
que não escutam ainda o que é dor do Outro reflitam sobre a frase de uma
enfermeira especializada em cuidar e manejar essas dores: “A dor é qualquer coisa que a pessoa que a experimenta diz que é, e
existe sempre que essa pessoa diz que existe.” (Margo McCafferty). Talvez
isso possa não aliviar e nem diminuir a dor. Com certeza poderá criar o segundo
que preciso ter antes de saltar da ponte ou se imaginar nos braços da Dona
Morte.
Nos
suicídios, nos diferentes suicídios, somos ‘refugiados’ da Dor ou de outras
dores....
(copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-2016 favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de e para as massas)
IN
MEMORIAM de AYLAN KURDI (poema publicado no Facebook 03/09/2015)
NOS
MEUS BRAÇOS, ME DEIXAM NATIMORTO...
(jorgemárciopereiradeandrade 2015)
Nos
meus, nos seus, nos nossos braços
Depositam-nos
mais um natimorto...
Nasceu
como os outros, quase cresceu,
Mas
ao mar dos sargaços e dos sarcasmos
Lançados,
despejados e quase vivos jogaram...
Nos
braços hiper capitais
E
de capitães de econômicas areias movediças,
São
lançadas, como grãos dessas areias, aos milhares, aos milhões,
Muitas
outras, muitos Outros, muitas nuas e re-vestidas
Crianças
apátridas e filhotes de guerras,
Filhotes,
que não são nossos filhos...
À
distância são e serão primeiro Zoé, coisa e bicho,
Depois,
como Homo Belicus, nos dizem que somos Bios, somos gente de bem,
Mas
nos tratam como nosso próprio lixo, escombros de bombas e perdidas balas...
Já
esses/essas que nascem previamente mortos,
Pela
falta de preço e apreço, ou royalties bélicos, tão numéricos,
Nas
margens onde os crio sem os amar, se tornam Mar,
Oceanos
ou barrentos Rios, cheios meninos, meninas naturalmente mortos,
Ou
serão eles seus próprios e futuros ontem assassinos¿...
TIREM URGENTE-MENTE, ESSES MENINOS OU MENINAS
DOS MEUS BRAÇOS!
QUE
AS ONDAS DE NOSSA PUREZA SOCIAL
LIMPEM DE NOSSAS PRAIAS E CONFORMES,
ESSES
INCONTÁVEIS, POLUENTES E INFAMES...
LIMPEM
NOSSOS TELESCÓPIOS, BINÓCULOS,
E/OU
LENTES TELEVISIVAS,
POIS QUE NOSSAS ‘BOAS’ CONSCIÊNCIAS,
SÓ
CHOCAM QUANDO OS ENXERGAMOS BEM DE PERTO...
(COPYRIGHT AD INFINITUM - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO AUTOR)
Matérias
publicadas sobre prevenção de suicídios:
OMS:
suicídio causa uma morte a cada 40 segundos no mundo https://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2015/09/oms-suicidio-causa-uma-morte-a-cada-40-segundos-no-mundo/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
Brasil
tem 25 suicídios por dia. Estado lança campanha de prevenção https://www.bemparana.com.br/noticia/404829/brasil-tem-25-suicidios-por-dia.-estado-lanca-campanha-de-prevencao
Cresce
o número de suicídios no Nepal três meses depois do terremoto http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/09/cresce-o-numero-de-suicidios-no-nepal-tres-meses-depois-do-terremoto.html
Preventing
suicide: A global imperative https://www.who.int/mental_health/suicide-revention/world_report_2014/en/
Pai
do sírio Aylan: "se me dão agora o mundo, de que serve?" https://noticias.terra.com.br/mundo/asia/pai-de-ayla-afirma-que-agora-nao-adianta-o-mundo-oferecer-a-asilo-a-ele,fbdadf430a83ca837a74cc04d106a04e8ehfRCRD.html
Atualização em 2021 - PANDEMIA DE COVID-19 AUMENTA FATORES DE RISCO PARA SUICÍDIO - https://www.paho.org/pt/noticias/10-9-2020-pandemia-covid-19-aumenta-fatores-risco-para-suicidio
O AUMENTO DE SUICÍDIO ENTRE JOVENS É FENOMENO MUNDIAL - https://sinapsys.news/o-aumento-do-suicidio-entre-os-jovens-e-um-fenomeno-mundial
LEIAM
TAMBÉM NO BLOG:
O
SUICÍDIO, ADENTRANDO AO MAR E AO NÃO HÁ MAR... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/08/o-suicidio-adentrando-ao-mar-e-ao-nao.html
OS
NOSSOS CÃES desCOLORIDOS - Nossas "depressões" e o Dia Mundial da
Saúde Mental https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/10/os-nossos-caes-descoloridos-nossas.html
CARTAS
deVIDAs à DONA MORTE https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/08/imagem-publicada-foto-do-ator-al-pacino.html
A
DONA MORTE É GLOBAL, MAS NOSSO TESTAMENTO PODE SER VITAL. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/09/a-dona-morte-e-global-mas-nosso.html
Parabéns pela pintura, pelos escritos e pelo blog, serei mais assíduo, curti muito! valeu pela dica e por dividir conosco sua cultura.
ResponderExcluirBeleza.Gosto muito dele.
ExcluirCarissimo Ramedlav
ResponderExcluirobrigado pelo carinho e estímulo, e lhe envio um pequeno poema escrito ontem sobre o tema: ... o Suicídio, a Dor e a Pedra... O suicídio nega.... a dor renega... e a Pedra que tentamos lapidar é a Vida,,, é a regra e a mesma de Sísifo.... doceabraçovital jorge márcio
Você faz jus ao diploma Jorge Marcio . O ser humano vem em primeiro lugar em todos textos publicados . A experiência mais próxima de suicídio vivida por mim foi com a idade de 9 anos, o pai da minha amiga de infância tirou a vida por enforcamento, eram nossos vizinhos e minha mãe foi a primeira pessoa que os socorreu. O cadáver era o papai noel da vila, mas eu nem desconfiava . Deixou 4 filhos , o menor tinha 2 aninhos . Convivi com a revolta deles e falta de bens materiais necessários para dignidade. Minha amiga na fase adulta casou-se e foi morar em Brasília. Nas visitas anuais para a terra natal, não conseguia visitar o túmulo do pai. Todos julgavam o morto. Eu particularmente nesse vizinho um bom coração, morávamos em um morro e seus pais eram nossos primeiros vizinhos. Percebia que tinha um carinho especial pela minha mana especial, quando nos cumprimentava, a Miriam recebia atenção e cumprimento individual. No dia em que tirou a vida, eu e minha mana estávamos na varanda da frente da casa e desceu com uma corda e disse " boa tarde Miminha " e meio cabisbaixo . O apelido era Mimi. Se imaginasse que a corda fosse tirar sua vida , poderia ter feito algo. Mas eu era uma criança ainda. O que estaria faltando em nossas vidas ? Basicamente apoio e confiança.
ResponderExcluirObrigada Jorge Márcio por compartilhar os teus texto e poemas. Sempre nos chamando à reflexão. Estes dois temas... extremamente forte! Difícil de ler até o final.... Dói muito!!!
ResponderExcluirUma visão humanista, sempre pertinente... ainda mais nesses tempos em que querem fazer do individualismo e do cada um por si a lei máxima. Continue com o bom trabalho.
ResponderExcluirCaro Jorge Marcio.
ResponderExcluirBelíssimo texto, que nos remete à reflexão sobre o estilo de vida criado pelo Capital, que sufoca as pessoas até que não vejam mais saída senão a fuga da dor de ter que viver como estabelecido por esses padrões de lucro e competitividade acima de tudo. A sua abordagem do problema, justamente por apontar o contexto social do suicídio, me parece mais honesta que a da OMS na primeira referência, que fala brevemente de medidas em saúde mental, ou seja, o problema não é da sociedade, é do suicida e de sua família (como também ocorre com o racismo, julgado por muitas pessoas como um problema dos negros, e não da sociedade brasileira). Me parece que em ambos os casos - racismo e suicídio - estamos falando de exclusão da vida digna, com manifestações de morte em vida ou de busca da vida na morte. Falar sobre essas condições que nos sufocam a humanidade, e lutar para transformá-las, é um ato de resistência em prol da dignidade do ser humano! Abraços, Débora.
Querida Debora
ExcluirO seu comentário, ou melhor suas sensíveis observações sobre o texto, me tocaram e me remeteram à necessidade de retirarmos mais ainda a visão de expiação e culpa que se aplicam aos que, no medo forjado e no desespero imposto, desistem de lutar por suas próprias vidas... Cito aí o texto de Epicuro emua Carta sobre a Felicidade (a Meneceu) que nos diz que: "...Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais....''. Sei apenas que tenho re-existido no aprendizado cotidiano com a Senhora Dor a dialogar com a Dona Morte, sem o temor infundido pela lógica capitalística do viver e do morrer... obrigado (e me permito reproduzir seu texto e sensível observação comentada no meu blog e em outros posteriores textos que sonho escrever) obrigado e um DOCEABRAÇORESILIENTE jorgemárcio
gostei muito do texto....
ResponderExcluirCaro Doutor, parabéns! Seu texto causou-me tristeza e ao mesmo tempo reflexão sobre o poder violento do capitalismo. E aí eu me questiono: -Aqui no Brasil esse fenômeno vem aumentando, e o quê fazer de imediato, já que emperramos na condução que estava nos conduzindo à transição para outro modo de produção menos cruel e injusto????????????? Um abração carinhoso.
ResponderExcluirMagnifico texto. Lindo poema. A tristeza toma conta da gente ao ler seu poema.
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