sexta-feira, 6 de maio de 2011

ADEUS ÀS ARMAS - Sem Tiros no Futuro ou Cem tiros?

Imagem publicada - uma mulher negra, angolana, de lenço na cabeça, sentada em um banco de madeira, com uma prótese de perna esquerda junto a uma bengala canadense e uma prótese para sua perna amputada, que nos olha e interroga sobre o uso de armas contra civis, já que sua perna direita foi amputada por motivo de mina terrestre ou uma bomba cluster, das que foram e são usadas em guerras colonialistas ou de falsa emancipação, seja na África, seja no Norte ou no Oeste, ou, então, no Afeganistão. Ela tem um par de tênis All Star, um calçado e outro sem, pois calça a prótese que muitos ainda usarão. (foto em preto e branco de José Silva Pinto)
O texto que republico hoje foi uma tentativa em 2005, outubro, de que muitos pudessem refletir sobre a questão apresentada pelo Referendo sobre a proibição de comercialização de armas de fogo e munições, que ocorreu no mesmo mês. Nesse momento estávamos respondendo à seguinte questão: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?".

E minha resposta foi sim na urna eletrônica, mas a maioria disse não (63,4%). Nós tivemos a opção de fazer uma mudança de rumos no campo, nas cidades e no País. Optamos pelo temor e pela cultura do medo, onde é melhor estar armado contra violências físicas com o uso de outras formas de violências.

Eis o que hoje me faz sentir que cumpri a minha parte, e deixo como nova homenagem aos já em esquecimento jovens sacrificados por duas armas de outro jovem na Escola Tasso do Realengo. Os tiros reais não matam os fanáticos, os terroristas e os que acreditam nas armas, nas guerras, e que, com suas máquinas biopolíticas mortíferas, retroalimentam ódios, xenofobias, intolerâncias, racismos, fanatismos e as culturas do terror. Uma das faces do Capitalismo de Desastre.

Com vocês, leitores e leitoras do blog um ''velho-novo" texto meu:

"...Há muitos anos, no interior do Brasil, lá em Minas Gerais aprendi que não se deve portar nenhum tipo de arma de fogo. Mesmo de pequeno porte, e, principalmente estas. A história que me foi ensinada e transmitida, pela minha mãe, transformou-me de admirador de Johns Waynes e outros pistoleiros ou cowboys. Eu me tornei um admirador dos que foram submetidos ao genocídio de uma primeira colonização Oeste Americano: os índios. 

Primeiro me identifiquei com os peles-vermelhas, os apaches (hoje vilipendiados pelo codinome Gerônimo no assassinato de Bin Laden, ou quaisquer Outros que se 'tornem meus inimigos mortais'), depois descobri que era um afrodescendente, em uma miscigenação multicultural e étnica, direto dos nambiquaras e tupis, e outros selvícolas (combinados com portugueses colonialistas e colonos italianos, como meu bisavô Antônio Pompeo).

Eu brincava, como muitos meninos, de faroeste, admirava os ‘colts’ e as ‘winchesters’, até que conheci a história de meu avô, homem de muitas façanhas, pelo menos no meu imaginário. Ele fizera uma viagem de trem, para uma cidade e lá ele comprou uma garrucha, uma pistola de dois canos. No meio da viagem, entre Minas e São Paulo, ele resolveu experimentar sua arma, colocou-a para fora da janela do trem e atirou a esmo. 

A Maria Fumaça que fazia curvas na serra foi despertada pelo barulho desta desastrada experiência, o cabineiro advertiu meu avô, e na primeira estação ele foi desembarcado... Contada a história do Seu Filomeno, a primeira vista, nenhuma coisa de grave ocorreu, porém, na minha consciência a despertar, surgiu uma indagação que até hoje trago comigo.

Minha mãe a semeou muito bem. Ela me indagou o que eu achava que poderia ter acontecido com as balas, os projéteis, que saíram pelos canos da garrucha. A quem ou ao que elas podem, como as balas perdidas-destinadas de hoje, ter ceifado a vida ou dado uma cadeira de rodas de presente. Um detalhe contava também na minha aprendizagem: minha avó, a quem não pude conhecer em vida, usava uma cadeira de rodas.

No dia do referendo vou acordar com a certeza de que já tenho minha definição do voto a favor da proibição do comércio de armas de fogo. Não será apenas a história do Seu Filomeno, será a minha convicção de muitos anos de defesa de Direitos Humanos. Muitos anos convivendo com uma certeza: ainda estamos no meio de um faroeste. Sei que muitos, a moda dos mocinhos e heróis colonialistas, acreditam que as armas são indispensáveis para a ‘segurança’. Sim, respondo a quem me indaga sobre sua existência e permanência na história da humanidade. Porém, devido ao seu uso lesivo, com uma freqüência excessiva, fica cada dia mais claro, que: mais pessoas são mortas ou feridas por armas de pequeno porte do que por armas pesadas.

Eu fundamento meus argumentos em documentos internacionais que discutem o uso legítimo das armas, e questiono aos meus interlocutores com a pergunta simples: de que serviria a garrucha do Seu Filomeno se ele não tivesse as balas para municiá-la? Quem sabe a minha consciência crítica dos bang-bang demorasse mais alguns anos para acontecer, e quem sabe ele teria dado mais cedo o seu adeus às armas, e melhor ainda não teria sido expulso do trem, algo profundamente penoso e vexatório para um mineiro daqueles tempos.

Hoje me preocupo com os discursos fundamentados no medo e não na conscientização. O que teria me acontecido se o discurso de minha mãe fosse somente da punição e do castigo? E não da indagação sobre as consequências da irresponsabilidade e da insensibilidade momentânea do meu velho avó?.

Por esse aprendizado é que lhes darei alguns dados para sua e nossa contínua reflexão (nosso trabalho de desarmamento não acabará com a resultante deste referendo).

Um dos primeiros argumentos que tenho lembrado é a existência de mutilações e de produção de pessoas em situação de deficiência, como a existência (por exemplo) de mais de 80.000 pessoas com próteses de pernas e braços em Angola, sendo uma boa parte desta produção uma resultante de minas terrestres fabricadas no Brasil. Para este país africano ficar com seu solo sem minas terrestres serão necessários 800 anos. Lá há para cada cidadão duas minas enterradas no chão. Pode-se argumentar que lá houve uma guerra civil. ( Minas ainda espalhadas em 68 países, alguns, como o Iraque, motivo de guerras de intervenção norte-americana, veja matéria atualizada sobre Minas Terrestres e bombas antipessoas)

Entretanto tenho de lembrar que aqui em Campinas, SP, Brasil, no intervalo de menos de 24 horas (outubro de 2005), cinco pessoas foram baleadas e mortas, e se esse número permanece, temos pelo menos 35 mortos ou feridos por semana e um total de 140 cidadãs e cidadãos com a possibilidade de óbito por ferimento de arma de pequeno porte, ou possíveis candidatos a um longo, imprescindível e cuidadoso processo de reabilitação física. Hoje mesmo li que mais uma fábrica de armas deseja instalar-se no município, de mais de 01 milhão de habitantes, onde moro, e desejo continuar ‘vivo’, intensamente.

Há aproximadamente 639 milhões de armas de pequeno porte hoje no mundo, sendo mantida por uma indústria de mais de 1135 empresas, uma falsa máquina hipercapitalística da segurança, em pelo menos 98 países. Quantas armas ainda precisamos mais?

Por isso não podemos lamentar ou apenas criticar este movimento da macropolítica pelo referendo. Abriu-se em nosso país uma incomoda questão: continuaremos nos iludindo sobre a violência armada? Continuaremos, agora, hoje e amanhã, aqui, no Haiti, em muitos outros distantes lugares, em Angola, a não ‘dar bola’ e nem se importar com esta morte pelas balas... Não estaríamos no trem da globalização fazendo uma pérfida e silenciosa experimentação de nosso três-oito-tão da negação e da segregação em massa? Afinal o maior número de cadáveres é dos desiguais e excluídos.

Parodiando o Milton Nascimento, outro amante das máquinas a vapor (lá das nossas Minas Gerais), podemos dizer que: o trem que chega (no vagão dos excluídos) é o mesmo trem da partida (no valão do esquadrão da morte), que temos de fazer de nossos encontros uma nova despedida: saudar com um lenço branco, na plataforma desta estação, chamada Terra, dizendo adeus às armas, dando boas-vindas à VIDA".

Tudo isso dito e escrito há 06 anos atrás. Tudo isso sentido novamente e gritando dentro de mim depois dos Realengos, dos Alemães, dos Zona Leste, dos Jardins, dos Nordestes, dos Estes e dos Faroestes cotidianos que inundam e, a mim, incomodam nos nossos noticiários Datenados televisivos.

ENFIM, a todas as mães que militam e ativamente participam das campanhas de não-violência, defesa da Vida, erradicação da miséria e da fome, desarmamento civil, respeito às diferenças e inclusão social com direitos humanos, envio meu mais doce abraço e minha ternura. A essas mães imprescindíveis na luta contra todas as formas de exclusão, pobreza ou violências sociais dedico um novo nome: MÃES CORAGEM. A minha foi assim.

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2005-2017 ad infinitum... (favor citar o autor e fontes na republicação livre pela Internet e outros meios de comunicação de massa, todos direitos reservados)

Indicações para Leitura e Reflexão:

Referendo (do desarmamento) no Brasil em 2005 https://pt.wikipedia.org/wiki/Referendo_no_Brasil_em_2005

Minas terrestres e bombas de fragmentação são um perigo mortal http://br.kindernothilfe.org/Rubrik/T%C3%B3picos/Minas+terrestres.html

Campanha Nacional de Desarmamento é lançada: “Tire uma arma do futuro do Brasil”
https://primeiraedicao.com.br/noticia/2011/05/06/campanha-nacional-de-desarmamento-e-lancada

Parentes das vítimas de Realengo reclamam da facilidade na aquisição de armas
https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/parentes-das-vitimas-de-realengo-reclamam-da-facilidade-na-aquisicao-de-armas-20110506.html

Pesquisa aponta que jovens negros são maiores vítimas da violência no Brasil
https://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/SEGURANCA/196591-PESQUISA-APONTA-QUE-JOVENS-NEGROS-SAO-MAIORES-VITIMAS-DA-VIOLENCIA-NO-BRASIL.html

Nordeste é líder em mortes por arma de fogo e sofre com polícia 'deficitária'
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/05/06/nordeste-e-lider-em-mortes-por-arma-de-fogo-e-sofre-com-policia-deficitaria-dizem-especialistas.jhtm

LEIAM NO BLOG:
A Violência Nossa de Cada Dia Dai-nos Também
https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/11/violencia-ou-melhor-as-variadas-formas.html

Tiros Reais em Realengo

https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html

A Morte do Fanático Não Matou o Fanatismo

https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/morte-do-fanatico-nao-matou-o-fanatismo.html

3 comentários:

  1. Jorjão,
    Se não fecharem as fronteiras para o tráfico de drogas e de armas, toda campanha de desarmamento será um fracasso após o outro e um verdadeiro saco sem fundo para se consumir recursos públicos como aliás também pode se transformar as clínicas de recuperação de drogados. Não se vence essas pragas com esse tipo de programa. Todos sabemos sós os gestores públicos eleitos não sabem.

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  2. Caro amigo
    Seu comentário reforça a necessidade de medidas mais urgentes, em nível nacional, de mobilização da sociedade civil organizada para que cobremos das autoridades, dos governos e dos operadores do direito e da Justiça, para que agilizem o exercício das políticas públicas que coibirão os tráficos, o comércios e os contrabandos de armas e drogas, dentro e fora das fronteiras brasileiras... e cada um, como cidadão e cidadã tem o direito e o dever de fazer parte dessa cobrança e fiscalização... é chegada a hora de sermos mais que espectadores na Sociedade do Espetáculo... onde a violência além de naturalizada é também banalizada cotidianamente... um abraço e façamos parte, mesmo em minoria, de quem acredita em cidadania ativa.

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  3. A Rádio Cultura de Santos Dumont-MG, "TERRA DO PAI DA AVIAÇÃO", cidade de 50 mil habitantes, na Zona da Mata Mineira, região de Juiz de Fora, fundada em 17 de agosto de 1948 é uma emissora administrada pela Sociedade Mineira de Comunicação.

    www.radioculturasd.com.br

    Direção: Sérgio Rodrigues, João Begatti e Carlos Ferreira.

    http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=97354075

    CULTURA ACONTECE: De segunda/sábado, de 08 às 10, com Jorge de Castro e participações de Sérgio Rodrigues, Carlos Ferreira e João Begati.

    FUTEBOL: Sábado, 14/05, América-MG e Botafogo-RJ, direto de Juiz de Fora, com Edson Palma, João Begati, Carlos Ferreira, Evandro Begati, Sérgio Rodrigues e Wellisson Fabrício.

    EM TEMPO:
    O livro "José Braz - uma vida de trabalho" é destaque no BLOG:
    www.carlosferreirajf.blogspot.com

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