segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

UMA PRECIOSA HISTÓRIA? NÃO, UMA HISTÓRIA DURA


imagem publicada - capa e propaganda do filme Preciosa - uma história de esperança, com a personagem Clairecee Precious Jones, uma adolescente negra, obesa, com um casaco preto, calça jeans,caminhando e às suas costas se desenham asas de borboleta simbolizando sua busca de uma outra vida e da sua libertação das privações. Esta vestindo um casaco preto sobre uma blusa mais fina azul, que reforçam a sua condição de pessoa com obesidade.

O cinema faz parte de algumas vidas. E algumas vidas passam a fazer parte da história do Cinema. O filme Preciosa: uma história de esperança, lançado nessa sexta feira, em pleno momento de alegria carnavalesca é um filme para a história das imagens em movimento. Perguntem o porquê após assistí-lo.

"Este filme é 'duro'", foi a única expressão como resposta/silêncio que pude dar ao sair mais que calado desta experiência com a identificação projetiva provocada pela a não-atriz profissional Gaborey Sibide. Guardem esse nome pois ela já foi indicada para o Globo de Ouro, na mesma noite que a Mamma Mia Meryl Streep e Sandra Bullock. Ela e sua mãe, nesse filme realista, e de roteiro baseado na vida dentro do negro Harlem de 1987, surpreendem por sua mútua dramaticidade. A elas faço minha reverência humilde e agradecida.

Mas o que mais surpreende no filme de Lee Daniels é a rudeza com que as imagens se mantêm, até mesmo na Escola Alternativa - Cada um ensina a cada um.

O mundo de Clarecee Precious (Gaborey Sibide) é rude, e as cenas vão nos levando progressivamente a refletir sobre outra forma de aspereza. A câmera nos dá uns closes que só a telona pode transmitir, por isso é melhor ir ao Cinema e deixar a tela do computador. As seguidas agressões e violentações a que a personagem é submetida refletem uma realidade que tentamos afastar de nossos mundos e vidas.

No mundo de Preciosa não há, para além de seus sonhos, fantasias e imaginário, muita compreensão.
No seu mundo sobra incesto, abuso físico ou sexual, zombaria do corpo diferente, dor, privação cultural, analfabetismo, preconceito, e exclusão. Há, nesse mundo tão 'hard', uma presença importante, tocante para mim, da Síndrome de Down, e mais ainda o já naturalizado preconceito sobre esta condição e diversidade humana.


A primeira filha de Preciosa é denominada de Monga, que ela própria diz, na sua vida dura e nua, ser o diminutivo de "mongolóide". Esta criança como um fruto de incesto e disputa com a figura materna, pelo pai abusador/violentador, se torna apenas um trunfo para receberem dinheiro da pensão da Assistência Social.

Fato que não é distante de histórias realistas que vi, ouvi e acompanhei quando médico, nos anos 80, na, também dura, Baixada Fluminense e seu Esquadrão da Morte, assim como na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde atendi famílias de pessoas com deficiência. Depois pude constatar, apesar dos anos passados, esta repetição do preconceito e do abuso da deficiência intelectual em relatos e vivências no cuidado de famílias pobres e desfiliadas de Campinas, trabalhando em um Caps III (Centro de Atenção Psicossocial).

Ao interpretar uma mãe quase fascista, quase, pois haverá sua rendenção/confissão humana diante de uma assistente social (Mariah Carey), a atriz Mo'Nique dá um show de interpretação, e, para mim, já merece mais que um Oscar.

Ela consegue demolir a naturalização da mãe perfeita e boa, que no filme só existe em paródia de Sofia Loren, indo na direção da crueza da alma humana, buscando nos porões do inconsciente as mais diferentes manifestações e sintomas. Uma mãe que ancora uma personagem como esta é capaz, como no evento aqui ocorrido há algum tempo no mundo real, de lançar um bebê ao chão (aqui o bebê foi lançado no vidro do carro no Taquaral).


Ela relembra os anciãos de Esparta, no alto do monte Taygetos, lançando os corpos defeituosos e a mentes imperfeitas, ou seja os sujeitos com deficiência, imprestáveis, no ponto de vista bélico, para aquela sociedade grega. Há também e ainda Medéias pós-modernas.

A atriz Mo'Nique me levou ao teatro grego e não apenas ao cinema. Uma bela dupla de mulheres negras, sofridas e intensas, em dueto e duelo. Ambas levando ao espectador a questão da rejeição e da superação desse desejo filicida que dorme nos mais obscuros sotãos das mentes humanas, transculturalmente.

Enfim, para superar o espetáculo da crua e nua vida nua de Preciosa, em tempos de carnavalização da vida, nos resta sonhar, como ela, que vivemos 'vestidos de dourado, palhaços das perdidas ilusões', pois esta preciosa história é para além de dura: é indispensável para que continuemos no BLOCO. O bloco carnavalesco "EU NUM TÔ SOZINHO", pois existem educadoras, como a Rain do filme, que nos dizem firmente: por mais que sua dor e sofrimento sejam intenso- 

ESCREVA, ESCREVA... escrever é preciso, viver é mais impreciso ainda. Vivam e sobrevivam as Preciosas Clarices e seus diários ou blogs que re-existem no mundo.

Vamos fantasiados e fantasiando, juntos, assitir a Preciosa, mais uma vez? e depois...

copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar a fonte em reprodução, difusão ou multiplicação livre por quaisquer mídias de massa)

Fonte para outra crítica do filme:
PRECIOSA - UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA
- Lee Daniels ( baseado no livro Push de Saffire- 2009)

http://www.omelete.com.br/cine/100025138/Critica__Preciosa___Uma_Historia_de_Esperanca.aspx

*MEDÉIA - (em grego, ΜΗΔΕΙΑ - MĒDEIA ) é uma tragédia grega de Eurípides, datada de 431 a.C. Nessa peça do teatro grego trágico foi apresentado o retrato psicológico de uma mulher carregada de amor e ódio a um só tempo. Medéia representa um novo tipo de personagem na tragédia grega, como esposa repudiada e estrangeira perseguida, ela se rebela contra o mundo que a rodeia, rejeitando conformismo tradicional. Tomada de fúria terrível, mata os filhos que teve com o marido, para vingar-se dele e automodificar-se. É vista como uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal.
LER EM - http://vidraguas.com.br/wordpress/2007/06/19/um-passeio-pelo-mito-medeia/
InfoAtivo DefNet Nº 4344 - Ano 14
LEIA TAMBÉM NO BLOG sobre CINEMA E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - Aos meus "COLEGAS" INTOCÁVEIS E INDENPENDENTES - O Cinema Reverencia as Pessoas com Deficiência - http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/08/aos-meus-colegas-intocaveis-e.html

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