segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

SHOPPING TAMBÉM PODIA TER UM AVATAR?

ACESSIBILIDADE
Imagem publicada -uma personagem do filme AVATAR (James Cameron), denominada Neytiri, interpretada pela atriz Zoe Saldana, uma princesa do Clã Omaticaya, que representa a visão feminina do mundo em sintonia do planeta Pandora nesta película, a qual, para os amigos e amigas cegos, descrevo-a como uma humanoide de cabelos trançados, como os de negros rastafáris, com o rosto de olhos grandes, vivos e penetrantes, além de orelhas pronunciadas e pontiagudas, com um tipo de cor da pele azulada e brilhante, com uma sequência de pontos brilhantes que distinguem seu rosto como uma pintura indígena)

InfoAtivoDefnet 4325 - ANO 14 - 04 de Janeiro de 2010
ACESSIBILIDADE EM QUESTÃO

Após longo período, alguns meses com certeza, estive afastado das grandes telas. Estive sem poder ir a um cinema, e assistir em tela ampla o que tanto amo. Este fim de semana escolhi um filme e um local para ver uma 'boa fita', como se dizia antigamente. Escolhi a obra de James Cameron que nos traz alguém que também 'anda', ficcionalmente sonhando com outros vôos: a história do militar Jake Sulli, um fuzileiro naval paraplégico que ocupará o lugar do irmão morto em ação futurista de mercenários em um planeta chamado Pandora.

E lhes digo gostei profundamente da experiência do 3D e da mensagem sobre a sustentatibilidade em rede de um planeta, que se interliga com uma rede neural em todos os sentidos, um reverso da caixa de Pandora: quase um paraíso com um povo que ainda usa arcos e flechas. E pedem desculpas ao abater um ser vivo para sua sobrevivência, ou seja os Na'vvi poderiam muito bem ser comparados a aborígenes da Austrália, algumas tribos da África ou alguns dos nossos índios do Xingu..., muito antes da chegada dos seus colonizadores e genocidas.

Mas para ir ao cinema é preciso chegar à sua sala de projeção. E aí começa a minha 'estória' sobre a possibilidade de criar um "avatar", um ser copiado do original mas que poderia ser aprimorado e "humanizado", como no filme. Esta ficção científica sobre corpos geneticamente modificados, porém controlados e monitorados a distância, com a finalidade de invasão de um território florestal de 'nativos' deste planeta, me atraiu para uma aventura em um shopping, que, como na tela, também tem muitas questões e falhas graves no campo da sua acessibilidade.

Fiquei muito aborrecido com a chegada ao Shopping Dom Pedro, que se diz o maior shopping da América Latina. Talvez seja esse gigantismo que explicará o que encontrei de barreiras ainda em ação. Ao chegar no estacionamento me deparo com jovens que, acriticamente e sem serem importunados, estavam 'guardando' para outros jovens as vagas de pessoas com deficiência e de idosos. Estavam, como é comum em outros espaços públicos, estacionando seus carros em vagas que são, por lei, destinadas a quem necessita delas.

Consigo entrar no meio da multidão. Caminho usando meu andador e bengala, na entrada das Águas, que é onde se encontram as cadeiras de rodas e os scooters (cadeiras motorizadas), que poderiam ser as montanhas suspensas e suas cascatas do Avatar. Vamos em busca de uma cadeira de rodas, pois depois de ficar um bom tempo deitado e com dores, ela é indispensável para um espaço como esse. Além do mais ainda estou em reabilitação pós-cirúrgica, aprendendo a conviver com os meus parafusos de titânio. Aí ampliou-se a minha indignação, pois em um dia de sábado, com mais de não sei quantas mil pessoas lá, sou informado, de forma seca e simples, que "não temos mais cadeiras motorizadas... só temos 08... e estão todas ocupadas...".

Após alguma relutância vou procurar uma cadeira de rodas simples, e encontro uma. Nesse momento chega uma pessoa, sentada em uma cadeira motorizada, empurrada por um segurança, pois a bateria do scooter tinha acabado: portanto restavam agora na área do shopping apenas 07 cadeiras motorizadas. E ao retirar a cadeira de rodas, a última, não restavam, àquela hora, 13 horas, mais nenhuma outra para quem chegasse naquele local (o único com estas 08 cadeiras em todo o shopping). Façam uma rápida conta de proporcionalidade da multidão e do número de cadeiras!

Como já havia participado de uma iniciativa importante do CVI Campinas, há alguns anos atrás, com palestras sobre a questão da pessoa com deficiência e sua acessibilidade nesse mesmo shopping, resolvi ir até a Administração. Mais uma surpresa me aguardava no trajeto. O elevador "social" estava em "manutenção", donde termos de andar um bom pedaço até encontrar uma possível solução para descer até a àrea de alimentação e sua praça, assim como a administração e a bilheteria do cinema. 

Cheguei até a pensar nas escadas rolantes... mas como seria útil agora um elevador específico para cadeiras de rodas, daqueles que até alguns clubes, bancos e outros locais públicos já colocaram.
Mais uma vez experimentei a solução de outros locais públicos onde já discuti e/ou falei sobre acessibilidade: a saída do elevador de serviços.

E lá fomos nós, eu, o andador, a bengala e a cadeira de rodas rudimentar sendo empurrados por longos corredores nas entranhas do shopping. Pensei com os meus botões e colete, como seria bom agora se o segurança que nos acompanhava, tivesse sido um dos alunos do tempo das palestras do CVI por lá. Mas para começar tinha sido difícil encontrá-lo lá fora, e sua atitude era apenas de proteção do local. Como disse minha filha: "por sorte acabamos na entrada do cinema...". 

Mas fiz questão de ir até a Administração, para registrar minhas queixas e sugestões. Acabei no Fraldário, não para me trocar ou pegar fraldas, mas porque ele fica em frente à Administração que estava fechada. Deixei por escrito junto à recepção do Fraldário a minha reclamação em papel do S.A.C, já comunicando que iria escrever em outros espaços públicos sobre essa 'carência' de recursos de acessibilidade em um shopping desse porte e de tanta fama.

Diante do ocorrido um pouco da alegria de ir ao cinema se esvaiu. Por sorte, como disse a minha filha, o James Cameron, nos apresenta um belíssimo filme. A 'natureza' criada é realmente paradisíaca, quase um mundo virtual onde todos, se nos tornarem avatares, talvez um dia, gostaríamos de viver aquela aventura. 

Mas a realidade de um mega-shopping e suas barreiras, inclusive as humanas, nos traz de volta à dura realidade: muito embora tenhamos avançado muito no campo dos direitos de pessoas com deficiência ou mesmo com imobilidade temporária, bem como outras situações como a obesidade, o nanismo, as gestantes e os idosos, ainda temos muito a conquistar e afirmar, principalmente na garantia de acesso e uso de espaços públicos como os shoppings.

Ficaram em mim algumas indagações sobre possíveis ações a realizar junto a este Shopping. Outro dia li que pessoas defensoras de direitos humanos estavam protestando ativamente diante do Carrefour, aqui em Campinas, contra a discriminação que duas mulheres sofreram por causa de homofobia. Será que precisamos deste tipo de ação? Como mobilizar as pessoas que administram um enorme 'exército-empresa', como o do filme, que ainda pensam primeiro no lucro e na segurança e depois, quem sabe, na humanização de seus cuidados com seus cidadãos e cidadãs consumidores?

Como sedimentar na cultura de todos nós, dentro desse modelo de avalanche de consumo, com uma massa em deslocamento voraz e individualista, de uma outra forma de convívio, lazer e prazer de uso destas babéis de compras e diversão?

Quantos são, nos 365.900 m² (veja abaixo a área de lojas que os administradores do Shopping Dom Pedro possuem em 10 shoppings, só no Brasil), os milímetros de solidariedade, respeito, afirmação de direitos e de aprendizagem de cidadania, para além das vagas especiais, que conseguiremos implantar e consolidar entre nossos jovens no futuro? Conseguiremos a abertura de espaço junto a estes adminstradores para que os CVIs e outras associações, por todo o país, possam ir tentar e, ativamente, persistir na afirmação e conscientização ampliada da acessibilidade e do desenho universal nos shoppings?

 Não seria interessante lembrar que os carrinhos de bebê que encontrei percorrendo as 'entranhas' de serviço do shopping, serão os futuros jovens nas praças de alimentação, lojas, cinemas e outros locais do shopping? E se esses bebês já estiverem dotados da memória neuro-científica e ficcional dos personagens do filme Avatar, será que eles preferirão o shopping e suas atuais configurações e barreiras ou um outro modo de vida e de consumo?

Por isso sugiro que todos e todas tenhamos menos passividade e mais incômodo ao nos depararmos com estas situações dos locais públicos. Não gosto da ideia de que não temos mais cinemas fora de shoppings, hoje tornados em templos e assembleias evangélicas doutrinantes. Ainda considero o cinema um bom espaço para diversão, para a arte, para o sonho em que o espectador sabe que sonha. O cinema, mesmo dentro dos shoppings, pode ser um excelente espaço para a reflexão e a crítica sobre os tempos em que vivemos, assim como para sonharmos um tempo em que ainda queremos viver: com o máximo de acessibilidade e de respeito às diferenças.

Que tal criar um Shopping, que além de "amigo do meio ambiente", com responsabilidade social, também possa se tornar um "shopping acessível e universal", já que sua economia, segurança e manutenção dependem, no presente e no futuro, desses possíveis consumidores e seus avatares em cadeiras de rodas ou em outras situações de incapacidade ou deficiência, ou mesmo em carrinhos de bebê??

Vamos inventar uma máquina desejante que invada os shoppings e lhes traga uma compreensão não utilitarista e apenas hipercapitalista, pois sem espectadores até mesmo o cinema perde seu sentido... e para se ver um espetáculo há que se remover e demolir quaisquer barreiras que impeçam a beleza... Não se constroem shoppings em 'desertos' de consumo...

Por isso está na hora de ir despertar o Avatar do Parque Dom Pedro Shopping... com apoio da Doutora Augustine, personagem interpretado pela Sigourney Weaver (Ex-Alien), a quase-ecosófica botânica que descortina a rede de sustentabilidade de vida daquele planeta, que poderá lhes apontar a sustentabilidade futura ou a terminalidade, em muitas línguas, dos espaços de consumo e lazer.

AVISO AOS NA'VI-CADEIRANTES - ao ir aos Shopping Centers, bem-humorados, levem suas próprias cadeiras de rodas (não-descartáveis) e comuniquem aos administradores que irão invadir o seu planeta Comércio, com a Companhia Alada dos Na'vi-Cegos que desejam assistir com AUDIODESCRIÇÃO todos os filmes em cartaz, além de invadirem as livrarias em busca de livros acessíveis... ACESSIBILIDADE NÃO É CONCESSÃO É UM DIREITO...

jorgemarciopereiradeandrade copyright 2010-2011 (favor difundir e citar a(s) fonte(s) como socialização de informações)

INFORMAÇÕES de bordo para quem quiser enviar suas sugestões aos administradores de SHOPPING CENTERS, indo em busca de mudanças em seus espaços:
Parque Shopping Dom Pedro - https://www.parquedpedro.com.br/

"A Sonae Sierra Brasil (https://www.sonaesierra.com.br/) é uma empresa especialista em shopping centers com expertise de sócios internacionais: a européia Sonae Sierra e a americana DDR (Developers Diversified Realty). A empresa é proprietária e administradora de 10 shoppings em operação: Penha, Plaza Sul, Campo Limpo e Boavista (São Paulo-SP); Pátio Brasil (Brasília-DF); Franca Shopping (Franca-SP); Tivoli Shopping (Santa Bárbara D'Oeste-SP); Shopping Metrópole (São Bernardo do Campo-SP) Parque D. Pedro Shopping (Campinas-SP) e Manauara Shopping (Manaus-AM), totalizando 365.900m2 de área bruta locável (ABL)".

FONTES SOBRE A SONAE SIERRA:
https://www.sonaesierra.com.br/pt-BR/aboutus.aspxhttp://www.sonaesierra.com.br/pt-BR/pressroom/news/2009/1001/Sonae_Sierra_Brasil_premia_lojistas_por_excelentes_padr_es_de_Seguran_a_e_Sa_de.aspx

Veja(m) matéria,publicada pela Rede SACI, sobre uma reclamação feita em 2004, ao Shopping, por uma pessoa que diz: "Fui ao Shopping Dom Pedro [Campinas/SP], e de quatro cadeiras motorizadas que dizem ter, duas estavam em manutenção, uma estava lá mas quebrada e a outra sendo utilizada por um cliente. Imagino que estavam circulando lá dentro, naquele momento, mais de 10 mil pessoas. Todas as cadeiras convencionais estavam sendo utilizadas..."- no site: https://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=14139

Para quem quiser ler uma boa matéria sobre o filme indico: https://www.educacaoeciberespaco.net/blog/?p=790


PANDORA - segundo a mitologia grega foi a primeira mulher criada por Zeus, que trazia consigo uma 'caixa' que não deveria ser aberta, mas que lá, além de todos os males destinados aos mortais, trazia também uma única qualidade: a Esperança. ver em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandora.


LEIAM TAMBÉM NO BLOG:

ONDE VIVEM OS MONSTROS? SHOPPING NÃO TEM AVATAR...

6 comentários:

  1. Jorge, como sempre, seu texto é impactante, preciso e contundente. E é disso que precisamos para nos mantermos firmes no bom combate.
    O CVI-Campinas esteve dando cursos de sensibilização no Shopping Parque D. Pedro por alguns anos (3 ou 4, não me lembro bem), dos quais você participou algumas vezes. Infelizmente, rompemos nosso convênio no ano passado, pois enfrentamos grande desinteresse por parte da administração em continuar com os cursos. A iniciativa de realizar os cursos partiu do CVI-Campinas depois de algumas denúncias de falta de acessibilidade no local. Procuramos a administração do shopping que, depois de muito relutar, acabou admitindo a necessidade de capacitação dos seus funcionários. Agora, diante de seu relato e de outras manifestações por parte dos atingidos pela falta de acessibilidade, poderemos retomar o fôlego e voltar a entrar em contato com a administração do shopping. Garanto a você que isso estará em pauta na próxima reunião de diretoria do CVI-Campinas. Aliás, já posso lhe adiantar que ACESSIBILIDADE será a principal meta dos trabalhos do CVI-Campinas neste ano. Contamos com você!
    Grande beijo, com carinho e admiração.
    Katia Fonseca
    Presidente do CVI-Campinas

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  2. CARA KATIA
    Espero que possa ser mais um na 'luta' pela afirmação da ACESSIBILIDADE em CAMPINAS, pois eu agora mais que um ativista sou um membro mais que honorário da luta... e se minha coluna, suas dores e os parafusos deixarem estarei presente nas manifestações que devemos realizar para que os AVATARES de todos os locais desta cidade sejam despertados. Obrigado pelos elogios e pelo incentivo a minha escrita e idéias...
    um abraço doce e amigo
    Jorge Marcio

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  3. Olá Jorge como vai,que texto maravilhoso,esse filme um dos melhores que já assisti,colocamos seu texto nosso site Amputados Vencedores.
    Abraços Flávio.
    www.amputadosvencedores.com.br

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  4. Jorge,
    que bom que a Katia se animou em retomar o fôlego.Eu não vou ao D.Pedro e detesto o local, entre outras coisas, pela falta de acessibilidade, diálogo e informação.E sua idéia de um cinema fora dos shoppings é sensacional, uma vez que desvincula a cultura do consumismo.

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  5. Vou encaminhar seu BLOG para http://www.cepe.esp.br:80/

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  6. Olá Dr. Jorge Márcio! Eu desconhecia seu ingresso (temporário?) no universo das pessoas com mobilidade reduzida... se vc já era um militante dos bons, agora vai se tornar dos ótimos! Brincadeiras à parte, é muito bom saber que vc não se cala e bota os dedos nas feridas com precisão! Tenho certeza de que o Shopping D. Pedro havia melhorado MUITO seu nível de atenção às pessoas com deficiência, depois dos cursos promovidos pelo CVI Campinas. Em minhas idas e vindas pela cidade com o Fábio agucei muito esse sentido, e percebi que os funcionários de lá tornaram-se mais atentos e educados no trato com ele e comigo. Não sabia que o curso não é mais oferecido por desinteresse do Shopping, mas creio que seria muito válido dar sequência a essa conscientização: afinal de contas temos que aproveitar o embalo da mídia que traz a bela modelo que tornou-se tetraplégica e que adentra os lares desse Brasil todos os dias em sua cadeira de rodas! Parabéns pelas colocações, sempre precisas e fortes, e tomara essa luta dê ainda muitos frutos! Melhoras, hein? Recebo sempre seu boletim e divulgo no portal do LAB sempre que possível!
    Grande abraço,
    Deise Tallarico Pupo

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