
Homenagem ao DIA INTERNACIONAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE O AUTISMO
O amor é azul quando estou com você (L'amour est bleu Quand je suis à toi)
Nos Anos 60/70 surgiu uma música que retoma minha memória. É repleta de boas e intensas lembranças. Vivia a plena era do que chamávamos de ‘’Flower Power’’, ou seja, nos intitulávamos de hippies, roqueiros ou chamados de subversivos. Só escutávamos os Beatles ou Rolling Stones, e, apesar da contracultura, dançávamos ao som de um bom vinil orquestrado. Ainda não tínhamos perdido o Pasquim e o Millôr.
A música que insiste em voltar na minha mente é: L’amour est Bleu. É uma gravação de uma orquestra típica e famosa daqueles anos: Paul Mauriat. Esta canção orquestrada foi o fundo de muitas e românticas histórias de minha geração. Uma geração que vivia entre uma ditadura militar e o sonho de outra liberdade.
“Dançávamos” tristemente também, sob tortura, nas nossas dores físicas e psíquicas, nos interrogatórios e nos pau-de-arara,,, O amor não era então mais azul? Tínhamos de endurecer, pero sin perder la ternura...
Mas os que me leem estão se perguntando o que tem a música de Mauriat com o Autismo? Primeiramente diria que em todos 02 de abril, em todo o mundo, se comemora o Dia Internacional sobre o AUTISMO, uma data criada para que o termo e a condição de saúde possam ser mais bem compreendidos e os preconceitos serem demolidos. E a cor adotada para marcar esta conscientização é o AZUL...
Então por que uma lembrança dos Anos 60 me toma sempre que chegamos perto do dia 02 de abril? É que o AZUL, O love is BLUE, O amour est BLEU também trazem um outro tema junto com a música e sua letra. Trazem-me uma frase do psicanalista Bruno Bethelheim: ‘’ só o amor não basta’’.
Este psicanalista, que também experimentou as agruras de um período de repressão e limitações da liberdade, escreveu um livro que muitos de nós psi utilizamos nas reflexões sobre os autismos: “Love is not Enough: The Treatment of Emotionally Disturbed Children”. Ou seja, para o tratamento de crianças com distúrbios ou desordens emocionais "só o amor não basta".
Bethelheim fez sucesso no mesmo período de Paul Mauriat. Mas suas experiências na Escola Instituto Sonia-Shankman em Chicago para crianças psicóticas, em Chicago, construíram um dos primeiros mitos sobre os autistas e suas famílias. É dele a teoria que as mães do tipo "geladeira", ou seja, estereotipadas e diagnosticadas como distantes e frias, em seus afetos confusos com seus bebês, seriam as responsáveis pelos quadros de autismo ou psicose infantil. Incapazes de amar?
Essa teoria perdurou por alguns anos. Em meados dos anos 80 começou a ser questionada e demolida, por falta de fundamentação experimental e científica. Mas a ideia de culpabilização dos familiares perdurou. Ainda há os que veem nos familiares a principal gênese dos diferentes transtornos invasivos do desenvolvimento.
Bastaria que utilizássemos as ideias de outro psicanalista, no caso Winnicott, para repensar as teorias de Bethelheim, para quem a disciplina era um dos meios e métodos de cuidado com as crianças consideradas autistas. Para o psicanalista inglês as mães não são necessariamente perfeitas ou imperfeitas. E, por sua experiência prévia como pediatra, além dos casos que cuidou, bastaria que fossem "good enough mothers". Ou seja, mães suficientemente boas...
Winnicott indagou, com precisão, se o conceito de autismo não se deu como uma ‘’invenção’’. Foram os conceitos de Kanner, Spitz, Bethelheim que tornados ‘’verdades científicas’’, mesmo sem a devida comprovação, que forjaram sistemas de pensamento que dificultaram ou impediram a construção de novas cartografias sobre os sujeitos submetidos aos diagnósticos de autismos. E daí para suas institucionalizações foi dado um simples e pequeno passo...
É aí que indago sobre a visão romântica que precisa ser desmitificada sobre o universo das famílias e das pessoas com autismo. Já escrevi que uso o termo no plural, ou seja, autismos, para revelar as diferenças e as nuances de cada sujeito que os vivencia. Temos de abrir, da forma mais ampla possível, nossas percepções e conceitos sobre estas vidas e seus transtornos. As pessoas que os amam, ou não, também são plurais...
Mas o nosso amor pode se tornar AZUL no contato com pessoas que vivem e super vivem os autismos? Já expliquei este contágio em texto anterior descrevendo minha experiência em psiquiatria com um jovem com autismo. Ele me ensinou os primeiros passos questionadores da práxis do cuidado de diferentes transtornos invasivos do desenvolvimento.
Na minha experiência guardada com muito afeto ainda tenho aquele artista da água bem fundo no meu corpo e vida. A presença da frustração e dos milhares de sentimentos que um autista nos desperta me ensinaram, e ainda preciso aprender mais, sobre o respeito as sua singularidades. Não é fácil aprender a amá-los em suas multicoloridas formas de ser e estar.
Portanto, retomando o texto de Bethelheim, talvez endurecido por suas passagens por torturas e privações em campos de concentração nazista, criou-se um mito sobre o amor dos autistas, de suas famílias, e, em especial, das mães. Para elas é que escrevo e dedico, também, esta reflexão.
Precisamos lembrar os outros que estão por trás destas mulheres. Parodiando o poeta Whitman diria que estão por detrás delas também "grandes homens". Há hoje os milhares de pais que são suficientemente bons. Estes também merecem nossas homenagens e nossos doces abraços.
Por isso, no dia da conscientização sobre os autismos vamos lembrar também dos que se dedicam de ‘’corpo e alma’’ na defesa dos direitos de seus filhos, assim como dos filhos de outros, independentemente de seus ‘’diagnósticos’’. Estes são os que já compreenderam a necessidade de ir além do amor. Compreenderam que ele é Azul e fundamental.
Mas só o amor não basta, é preciso, hoje o reconhecimento e a realização dos direitos humanos de pessoas com autismo...
Podemos tentar é ampliar a ‘’máquina do abraço’’ de Temple Grandin, reconhecer a multiplicidade etiológica destes transtornos, avançar no reconhecimento de sua pluralidade sintomatológica, não reduzir aos esquemas biologizantes de algumas teorias, não simplificar e naturalizar, retomando as velhas teorias psicanalíticas e seus teóricos, o que é tão vasto como a Terra...
Não é só o cérebro de um sujeito com autismo que é maior. São também maiores as suas formas de comunicação apesar de ainda estarmos engatinhando na sua compreensão e tradução.
Por isso repito mais uma vez: A TERRA É AZUL e o AUTISMO TAMBÉM.... o meu coração anda cantando em azul, e dia 02 estarei vestindo essa ‘’romântica’’ cor.
Por falar em direitos, uma última pergunta: quantos são, como vivem e como vem sendo cuidados/assistidos/educados/tratados/institucionalizados/incluídos ou excluídos, e, principalmente, amados os autistas e os autismos no Brasil?
Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012-2013 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa. TODOS DIREITOS RESERVADOS)
PS - Não podemos esquecer do Dia Internacional de conscientização e "saída das sombras" das EPILEPSIAS - O "PURPLE DAY", pois que os sujeitos com epilepsia também vivenciam os mesmos processos de exclusão, estigma e estereótipos das diversas formas de transtornos invasivos de desenvolvimento. Foi no dia 26 de março, uma data também muito especial para mim...eu nasci, e Beethoven morreu.
SOBRE O TEMA NA INTERNET –
Paul Mauriat: ♫ L'Amour est bleu (Love is Blue) ♫
https://www.youtube.com/watch?v=Z3nzFCESeME
Sucesso de Paul Mauriat e sua orquestra em 1968, "L'Amour est bleu" ("Love is Blue") é uma composição de Pierre Cour e André Popp, que a gravou originalmente em 1967. A canção foi enorme sucesso não só na França, mas também em vários países do mundo, e recebeu inúmeras gravações, como as de Caravelli, Claudine Longet, Clementine, Gabor Szabo, Jeff Beck, Los Indios Tabajaras, Michel Fugain, Michele Torr, Ray Conniff, Richard Clayderman, Sandpipers, Santo and Johnny, The Dells, Vicky Leandros...
Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo https://www.mundoasperger.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=79:dia-mundial-de-conscientizacao-sobre-o-autismo-&catid=38:artigos-&Itemid=55
Bruno Bettelheim https://pt.wikipedia.org/wiki/Bruno_Bettelheim
1 in 88 kids have autism in the US: CDC (1 em cada 88 crianças têm autismo nos EUA: Segundo o CDC) https://theautismnews.com/2012/03/29/1-in-88-kids-have-autism-in-the-us-cdc/
ss
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista - https://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=92246&tp=1
Programação alusiva ao Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo – Fortaleza https://www.inclusaoediversidade.com/2012/03/programacao-alusiva-ao-dia-mundial-de.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+inclusaoediversidade+%28Inclus%C3%A3o+e+Diversidade%29
Purple Day, dia mundial de conscientização da epilepsia no mundo pela primeira vez no Rio de Janeiro https://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=197073
Livros citados no texto e indicados para leitura:
SÓ O AMOR NÃO BASTA – Bruno Bethelheim, Editora Martins Fontes, SP,1976.
AUTISMO – Clinica Psicanalítica , Ana Elizabeth Cavalcanti e Paulina S. Rocha, Editora Casa do Psicólogo, São Paulo, SP, 2001.
LEIA TAMBÉM NO BLOG:
A TERRA É AZUL E O AUTISMO TAMBÉM https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/03/terra-e-azul-e-o-autismo-tambem.html
UM AUTISTA PODE VIR A SER UM ARTISTA COM A ÁGUA? https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/04/um-autista-pode-vir-ser-um-artista-com.html
ASPERGER, UMA SÍNDROME DE MENTES BRILHANTES OU NÃO? https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/11/asperger-uma-sindrome-de-mentes.html
FREUD E A "INVENÇÃO" DA PARALISIA CEREBRAL https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/09/freud-e-invencao-da-paralisia-cerebral.html
O RETORNO DA INTEGRAÇÃO PELA INCLUSÃO: novos muros nas escolas, fábricas e hospitais... https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/12/o-retorno-da-integracao-pela-inclusao.html
ORGULHOS ´MÚLTIPLOS' - no combate a todos os preconceitos https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/06/orgulhos-msultiplos-no-combate-todos-os.shtml