01 Negro + 01 Down + 01 Poeta = 01 dia para não esquecer de incluir
Os olhos ''diferentes'' de milhares de japoneses nunca foram tão vistos como agora. Esses olhos miúdos, puxados, orientais, também são os olhos que foram classificados de ''mongolóides'', e erradamente aplicados a sujeitos com deficiência intelectual por sua condição genética: a Síndrome de Down.
Hoje, quando Hiroxima e Nagasaki retornam na onda nipônica da Tsunami, esses nossos olhos também se arregalam, e trazem novamente o pesadelo nuclear. E nós, olhamos assustados a onda avassaladora e terrível no sol nascente. Há em nossos inconscientes, como ameaça indelével, uma arma invisível e mortal que nos exterminará: um cogumelo atômico?
Telespectadores do Capitalismo de Desastre, inebriados, na distância defensiva, televisivamente continuamos nos esquecendo que o Oriente é aqui. Negamos outros desastres próximo como do Haiti, do Chile e das Serras fluminenses.
As tragédias terminam sendo um passado que esquecemos rapidamente. Esquecemos para não nos mantermos próximos de nossas mais profundas angústias, quiçá de nossa pulsão de morte. Assim como nos esquecemos o pertencimento coletivo à mesma Gaia, o mesmo Planeta.
No próximo dia 21 de março novamente estaremos comemorando datas para não esquecer. Os esquecimentos precisam ser vencidos pelo desejo de viver outras experiências, de podermos traçar novas cartografias, vivenciar outras intensidades. Uma dessas vivências eu trago na minha própria pele. É, por isso, que me lembro do Dia Internacional pela Eliminação do Racismo, que foi instituído para rememorar o Massacre de Shaperville, ocorrido em 1960, em pleno Apartheid, quando negros sul africanos foram massacrados pelo exército.
Estes negros entram para a história, junto com Mandela, no seu movimento de resistência ao modelo racista e eugenista da Africa do Sul. Um modelo que adocicamos na América Latina e, na Terra Brasilis, é o chamado racismo cordial, e permanece ainda negado por muitos.
Por isso precisamos incluir + 1 negro nas comemorações que se farão neste mês. Temos de incluir um Negro com Síndrome de Down, ou seja, uma diferença que denote e conote criticamente a Diferença. Ao pesquisar a soma das palavras negros + síndrome de down na Internet, em busca de respostas, o que encontrei foi a confirmação de um modelo excludente naturalizado: as perguntas são sobre a existência, como anomalia, de presença da síndrome de down entre pessoas da ''raça'' negra. A pergunta que muitos se fazem: " é verdade que a Síndrome de Down não ocorre em pessoas com a pele negra?"
Essa ''inclusão" , que ora faço, é uma afirmação da coincidência de comemorações, pois dia 21 é também o Dia Internacional da Síndrome de Down. E uma pesquisa do CDC dos EUA afirma que as pessoas negras com Síndrome de Down têm sete vezes mais probalidades de morte precoce do que as brancas. Mas não há mais ou menos negros ou asiáticos que pessoas brancas down no mundo. O que há é uma visão medicalizada que transforma as crianças negras em populações mais vulneráveis. E vistas como minoria portanto mais marginalizável, com piores condições de vida, ainda mais por serem negras, reforçando-se a visão biologicista das mesmas.
A trissomia 21 é tratada assim como a ''pele'', dentro da visão puramente médica, e algumas perguntas explicitam a visão preconceituosa: Down como doença, e for negra debaixo de duplo preconceito, com a visão racista. Fala-se de ficar ''imune', ''não ter essa anomalia'', "quero saber se os negros tem alguma resistência a isso", enfim na vox populi, ou seja o senso comum do chamado ''povo'', a noção de prevenção afirma que a ''síndrome'' deve ser tratada como uma ''doença a ser evitada'', e se necessário eliminada por um abortamento eugênico.
No bojo das frases e falas sobre a existência de negros com síndrome de Down está latente a questão da eugenia. A condição genética da Síndrome de Down a coloca inteiramente inserida no campo da medicina por esta óptica. Já temos, por notícia recente, um teste preditivo sobre a existência de um feto com a síndrome ainda intraútero.
Por exemplo, a visão do Dr. Eduardo Fonseca, da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia: "“O nosso sonho é tirar o sangue da mãe e mapear os problemas do bebê. Essa descoberta seria o ‘Santo Graal’ da medicina fetal”. E nessa cruzada pela pesquisa de DNA, como no filme Gattaca, a experiência genética é determinante para a seleção de uma elite humana, dos que ''são válidos", ou seja eugenicamente perfeitos. Um ser humano nascido negro com síndrome de Down seria ''um azar enorme, como se um urubu tivesse feito uma m** duas vezes na mesma cabeça", é o que diria uma médica neurologista que passou e conheci na minha própria história de pai de pessoas com deficiência.
Portanto há, para além das crises e catástrofes que nos englobam e engolfam, visões preconceituosas. São modos de ver, sentir, catalogar, segregar ou discriminar que ainda transversalizam, práticas, ações, reabilitações ou até mesmo as legislações.
Temos a presença de nossos preconceitos, desde os altos escalões da macropolítica, dos bem intencionados das diversas religiões ou crenças, dos magistrados que ainda creem e vêem somente "portadores de necessidades especiais hipossuficientes", das famílias que justificam o isolamento suave ou o encarceramento duro dos seus filhos diferentes, dos profissionais de saúde que ainda andam de braços dados com o "retardo mental", dos políticos que se sentem ''legais'' com os ''deficientes mentais''.
Falhamos, na comemoração, pelo esquecimento de que todos e todas ainda não conhecemos, nem celebramos com a mesma intensidade e dedicação, um outro Dia da Diferença, um dia para a afirmação de direitos humanos que deveria, transversalmente, combater essas concepções. Um dia em que Down, negritude e poesia se misturam sem perder suas diferenças, porém exigem a mesma igualdade em direitos. E esse dia é todos os dias, a cada segundo, a cada rotação da Terra.
O dia 21 de março também tem uma comemoração "esquecida" assim como negros e pessoas com síndrome de down, é o Dia Internacional da Poesia. Essa comemoração também é uma diferença esquecida, talvez por seu potencial e diversidade. E com certeza em tempos de consumo, individualismo, egocentrismo e incertezas econômico-políticas, a poesia "não tem o mesmo valor".
Desde um HaiKai à um verso branco, passando por sonetos e rimas, a poesia pode ser um libelo, uma denúncia de nossos apagões da memória. A história e vida dos poetas que o diga. Por isso deixo como mensagem aos diferentes leitores e leitoras uma poesia de um negro, cubano, que dizia não ser um '' homem puro'', Nicolás Guilhén com suas Palabras Fundamentales:
Haz que tu vida sea
campana que repique
o surco en que florezca y fructifique
el árbol luminoso de la idea.
Alza tu voz sobre la voz sin nombre
de todos los demás, y haz que se vea
junto al poeta, el hombre.
busca el empinamiento de la cumbre,
y si el sostén nudoso de tu báculo
encuentra algún obstáculo a tu intento,
¡sacude el ala del atrevimiento
ante el atrevimiento del obstáculo!
Façamos, com inspiração, a soma de:
01 poeta negro + os atores do fime City Down (* E NO FUTURO, QUE NÃO ESPERÁVAMOS TÃO PRÓXIMO, OS COLEGAS-2013) + um pouco de ousadia e coragem + o desejo de outro mundo possível + ações para que nossas memórias não sejam apagadas ou melhor deletadas e distorcidas, e teremos uma combinação luminosa e rica de criatividade e invenção para a Vida na Terra em convulsão...
Vamos nos atrever na busca de resultados de outras matemáticas do viver?
copyright jorgemarciopereiradeandradedefnet (favor citar a fonte, autores e referências em republicações livre em quaisquer meios de comunicação de massa ou mídia)
Referências do texto na Internet:
"É verdade que a Síndrome de Down não ocorre em pessoas com a pele negra?"
Massacre de Shaperville - UM DIA PARA LEMBRAR. UMA INFÂMIA PARA ESQUECER
FILME - CITY DOWN - A história de um diferente - http://citydown.webnode.com.br/
DIA INTERNACIONAL DA SINDROME DE DOWN
Mais informações: https://fbasd.blogspot.com/
NICOLÁS GUILLÉN - https://www.fguillen.cult.cu/guigale/08.htm
VER TAMBÉM NO BLOG -
O VIGESSIMO PRIMEIRO DIA - CINEMA E SINDROME DE DOWN
A PAGAR-SE UMA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN
* AOS MEUS "COLEGAS", INTOCÁVEIS E INDEPENDENTES - O CINEMA REVERENCIA AS DEFICIÊNCIAS - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/08/aos-meus-colegas-intocaveis-e.html
Bartholo (2007) aponta que, o preconceito supõe um saber prévio e independente a qualquer escuta interpessoal e inviabiliza qualquer possibilidade de diálogo com o outro em sua inteireza e contribui para a negação da alteridade da pessoa que é submetida ao ato do preconceito.
ResponderExcluirAgradeço a oportunidade de ler mais este texto e, sobretudo, por apreciar tão belas e profundas colocações. Seu texto é um presente precioso que recebo na véspera do dia 21/03.
Parabéns pela sua lucidez e sabedoria.
Um super abraço
Ana Floripes
Carissima Ana Flor ipes
ResponderExcluirComo agradecer o complemento de raciocínio e de afeto que seu comentário traz? Realmente Bartholo diz o que é a raiz entranhada no Outro de nossos preconceitos, e se possível fôsse o diálogo talvez pudessemos, reconhecendo em nós próprios essa negação da alteridade, caminhar para o rompimento do ato preconceituoso. Obrigado pelo permanente estímulo ao ato da escrita, onde também devemos tomar consciência de nossos pré-conceitos. Um doceeafetuoso abraço
Olá, Jorge Márcio.
ResponderExcluirMais uma vez, um texto pertinente, lúcido e que fomenta uma constante discussão/reflexão acerca das "deficientes" definições dadas as diferenças, do racismo, da exclusão e da visão contemporânea do mundo. De minha parte, tais escritos são como um incentivo amigo para o aprofundamento no estudo de tais temas.
Um grande abraço.
CARO LUCAS
ResponderExcluirAgradeço suas palavras que indicam a necessidade de continuarmos escrevendo, pensando, refletindo e filosofando sobre as exclusões e segregações que ainda temos de enfrentar com coragem, determinação e muitas parcerias afetivas e micropolíticas...conto com você. um doceafetuoso abraço
Pertencimento e diversidade.
ResponderExcluirVamos todos plantando pequenas sementes.
Já me disseram que trabalho com uma minoria tão pequena, e que deveria focar minhas habilidades para uma parcela mais produtiva.
Quando a unicidade será interpretrada como um bem tão legítimo como os milhares ?
Suas palavras, analogias, questionamentos e propostas devem ser divulgadas e promulgadas.
Agradeço com muita reverência por você estar sempre ampliando nossa visão.
Como sou aprendiza de poesia e fotografia,
anexo uma foto-poema feita há muito tempo lá em Viseu,Portugal, em comemoração ao pertencimento, à poesia, à criança com Síndrome de Down.
http://br.olhares.com/quem_ve_a_deficiencia_nao_ve_a_pessoa_foto1552809.html
Eis a "nossa" maior doença, o perigo mais ameaçador, as vezes bem pequeno quase imperceptível, o preconceito. Essa "arma" usada para excluir. As vezes disfarçado com polidez, ou escrachado grosseiramente, ou nem 8 nem 80, mas está presente. Quando quero entender um pouco mais, passo por aqui e leio suas postagens. Valeu! Abraço, Rosa.
ResponderExcluirCaríssima Gisleine
ResponderExcluirA sua visão com um olhar para além do olhar simplicista e reducionista é um resultado de suas busca de poesia na vida e nas pessoas. Obrigado pelo que vem fazendo, mesmo que te digam ser pequeno, como dizia Saint-Exupery: "o que dá um sentido à Vida também o dá a Morte", mesmo no que dizem ser nossa humilde atividade para com semelhantes tão diferentes e diversos.
um doceabraço
Carissima Rosa da ROSA
ResponderExcluirAgradeço e me congratulo com sua concepção sobre o adoecimento de nossas mentes e corações com o preconceito, onde acrescento ainda o rancor e a estigmatização. Venha sempre ao blog e deixe suas colaborações, idéias e críticas. Lembrei-me muito estes dias da Rosa de Hiroxima, aquela da música. um abraço doce