sábado, 3 de dezembro de 2011

DEFICIÊNCIAS E DIREITOS HUMANOS - MAIS UM DIA PARA COMEMORAR?


Imagem publicada- a foto publicada no site de Christopher Reeve de um garoto sem braços e sem pernas: o Charlie. Ele é o personagem de um processo de inclusão escolar reproduzido no documentário Without Pity, A Film About Abilities (HBO-1996), exibido na TV. Charlie é incluído, para além de seu corpo diferente. Ele tem um grande amigo, sem deficiência, que o ajuda nas brincadeiras, fora da sala de aula. Este amigo fiel apenas se incomoda com ter de tirar a areia que se desprende do corpo diferente do amigo com deficiência, após seu íntimo contato com ele.


O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência é uma criação da ONU para celebrar e tentar conscientizar sobre os direitos das pessoas com deficiência? Sim, mas também é um exercício para a afirmação de uma população de mais de 700 milhões no planeta Terra.

Na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) declarou-se - através da Resolução 473, de outubro de 1991 – o dia 3 de dezembro como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, comemorado a partir de 1992 em todo o mundo.

Uma das ações recomendadas, desde essa época, é a máxima visibilização das pessoas com deficiência. A elas, que permaneceram durante séculos, na invisibilidade social, bem como na exclusão, foi estimulado que ocupassem todos os espaços. As ruas, os jornais, as praças e os demais meios de comunicação.

O que passou a ser também uma preocupação dos que promoveram a discussão sobre a presença de um processo de desinstitucionalização e quebra de paradigmas. Há um excelente documento publicado pela ONU em 2002: Derechos humanos y discapacidad - Uso actual y posibilidades futuras de los instrumentos de derechos humanos de las Naciones Unidas en el contexto de la discapacidad.

Este texto sobre Direitos Humanos e Deficiência, sobre o uso atual e as possibilidades futuras dos instrumentos de direitos humanos da ONU, traz as primeiras e mais importantes, na minha visão, mudanças radicais de conceituação sobre as deficiências. É o casulo donde brotou a bela borboleta: as pessoas com deficiência são uma questão de direitos humanos.

Escrito por Gerard Quinn e Theresia Degener (e colaboradores), este livro traz uma questão que devemos aplicar ainda hoje na compreensão do lugar, status, papel e realidade das pessoas com deficiência: a sua saída de objeto de intervenção e cuidados de reabilitação ou educação para o de SUJEITO de direitos.

Para os autores os direitos humanos constituem os alicerces que fundamentam um sistema das liberdades que nos protegem dos abusos de poder. Estes direitos criam um espaço propício para desenvolvimento do espírito humano. E é sobre o ‘’desenvolvimento’’ que agora se tematiza o ano de 2011: “Juntos por um Mundo Melhor: Incluindo Pessoas com Deficiência no Desenvolvimento”.

Mas esta comemoração não poderá se esquecer das diferentes interpretações que a palavra desenvolvimento ganhou nos últimos tempos. Em especial no campo macropolítico brasileiro. Aqui na Terra Brasilis é em nome do desenvolvimento que se faz a redução de investimentos da Educação, ou que se manobram verbas em outras direções mais ‘’desenvolvimentistas’’.

Por isso retomei o livro de 2002, que nos fala de ‘’valores’’ fundamentais em Direitos Humanos para que se possa construir e consolidar a desinstitucionalização e a não segregação de pessoas com deficiência. Que valores são esses que esquecemos quando, politicamente nos aferramos ao desenvolvimentismo atual?

São os que fundamentaram e são eixos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A mesma que está sob atual vulneração legislativa, por alguns interesses particulares e grupelhizados, a AUTONOMIA, A IGUALDADE, A SOLIDARIEDADE e, principalmente, a DIGNIDADE vem sendo deixadas de lado.

Há até quem queira em nome de uma visão ‘’empresarial’’, solicitar a culpabilização da Lei de Cotas, de 1991, como a vilã pelo cumprimento da mesma por parte do mercado de trabalho. São as pessoas com deficiência que não ‘’são encontradas’’ para serem inseridas nos empregos. 

É quando deixamos de afirmar que as pessoas com deficiência devem ser valorizadas como cidadãos e cidadãs. O seu valor é intrínseco de sua dignidade humana. Não devem e nem podem ter valor apenas porque são úteis economicamente, tornar-se-iam mais uma ‘’classe trabalhadora’’.

No livro citado encontramos a confirmação desta posição: “O reconhecimento do valor da dignidade humana nos lembra, com determinação, que as pessoas com deficiência têm um papel e um direito na sociedade, o qual deve ser atendido com total independência de toda consideração de utilidade social ou econômica...”.

Seremos e somos, portanto, enquanto pessoas, fins em si mesmas, não um meio para outros fins. E isso contrasta e conflita profundamente com a tendência atual que trata de classificar as pessoas em função de sua utilidade social. É a presença da visão imperial e de Vidas Nuas que ainda atravessam, capitalisticamente, os corpos anômalos ou deficitários para o trabalho produtivo.

Já em 1998, ao exibir/assistir/difundir o documentário da HBO – Without Pity (a film about Abilities), que traduzia como “Sem Piedade”, apontava para as imagens afirmativas e provocativas da autonomia e a independência das pessoas com deficiência. Ele termina com um protesto, uma marcha de pessoas com deficiência contra o Estado. Este documentário, narrado por Christopher Reeve, afirmava que “a vida tem muito mais possibilidades que limites”.

Vejo agora a apropriação estatal desta frase. Fomos, cidadãos e cidadãs, contemplados com um novo plano estatal: “ Viver sem limites”. A sua formulação atenderá a alguns campos de intervenção em políticas sociais, mas começam a aparecer questões sobre a aplicação dos 7,6 bilhões de reais. Quais serão os limites, ou melhor, barreiras, que realmente serão extintas com políticas estruturais? 

Não poderemos assistir, nesse Dia 03 de Dezembro, apenas a visibilização de nossas marchas ou passeatas. Precisamos também parar um pouco para refletir sobre os retrocessos que todos os avanços legais estão sofrendo. Precisamos perder o medo de uma mudança radical dos paradigmas.

Não será o desaparecimento das entidades que se fortaleceram no vácuo do Estado, seja na saúde ou na educação, que essas mudanças provocadas pelo movimento de inclusão acontecerão. O privado que depende do público, tanto em recursos materiais, humanos e econômicos terá que se ‘’desenvolver’’ e transformar, caso contrário também, como os impérios, irá ruir um dia.

A história que não tem fim irá mostrar a irreversibilidade do tempo e das transformações institucionais. Incluir não diz respeito à desingularizar ou negar as identidades a que nos aferramos, defensivamente. As atitudes, até agressivas, contra o que está em ‘’marcha’’, a quebra do modelo biomédico e reabilitador, são resultado de conservadorismos ou de falsas defesas desta ou daquela visão cultural.

A marcha das pessoas com deficiência, como a Passeata da SuperAção e outras, tem nas avenidas, hoje, outras visibilidades, outras midiatizações, outros efeitos sociais. Os tempos mudaram e mudarão. A areia da ampulheta neo-tecnológica é também nano tecnológica..., e corre por entre nossos dedos tão digitais, tão cibernéticos.

Outros tempos virão, novos, inovadores, includentes. A nós cabe, agora, para além de apenas comemorarmos, manter ativa e acesa uma chama crítica e viva de que não basta recebermos novos direitos em papel. Temos o urgente dever de construirmos, com eles e para além deles, uma re-evolução da Diferença e das diversidades.

Ainda não cumprimos nem mesmo a Convenção da Guatemala. Não erradicamos muitas das misérias e discriminações que deixam apenas 2% dos latino-americanos com deficiência recebendo alguma forma de atenção, ou cuidado, ou escola, nos mais de 85 milhões de pessoas com alguma forma de deficiência. 

E, no Brasil, mesmo crescendo em números estatísticos, ainda não temos os 45 milhões de eleitores/votos com deficiência que, ao reivindicar direitos e voz, sejam realmente ouvidos no seu lema: Nada sobre nós, sem nós...

O novo grito a ecoar, após a leitura atenta de Quinn e Degener, é: Direitos Humanos e Deficiência. Assim teremos, daqui a 09 anos, talvez a inversão do tema: Deficiências têm Direitos Humanos. E, juntos ou não, teremos alguns passos a comemorar... 

E os poderes constituídos entenderão o sentido da palavra ‘’vinculante’’, e o irlandês e a alemã, terão seu trabalho reconhecido através da realização dos artigos da atual, não sei até quando, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU- 2006 – Decreto 6949/2009.

Vamos começar a pensar qual será o tema do Ano Novo? Ou 2012 é o fim da História?


Copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

LIVRO DERECHOS HUMANOS Y DISCAPACIDAD - Uso actual y posibilidades futuras de los instrumentos de derechos humanos de las Naciones Unidas en el contexto de la discapacidad.

http://books.google.com.br/books?id=wJ_saFkDLWQC&pg=PA42&lpg=PA42&dq=gerard+quinn+%2B+ONU+%2B+DERECHOS+HUMANOS&source=bl&ots=pNxg7Oo9A7&sig=ckfAH0cx-Yad3sPKjX5l2jt-i8A&hl=pt-BR&ei=oI_ZTrTRC8j20gHI-8yXAQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CBwQ6AEwADgU#v=onepage&q&f=false

INTERNATIONAL DAY OF DISABLED PERSON – ONU
http://www.un.org/disabilities/default.asp?id=1561

Subtemas de 2011, sugeridos pela ONU no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência:
1 - “Perspectiva da deficiência na corrente principal da sociedade: incluindo essa perspectiva em todos os processos do desenvolvimento”.
2 - “Gênero: incluindo mulheres e meninas com deficiência no desenvolvimento”.
3 - “Incluindo crianças e jovens com deficiência no desenvolvimento”.
4 - “Acessibilidade: eliminando barreiras e promovendo o desenvolvimento que inclua a perspectiva da deficiência”.
5 - “Promovendo a coleta de dados e estatísticas sobre a deficiência”.
Quinn Degener study for OHCHR doc
http://ebookbrowse.com/quinn-degener-study-for-ohchr-doc-d19345561

FILME CITADO – WITHOUT PITY – A Fim About Abilities – 1996
http://www.chrisreevehomepage.com/m-withoutpity.html

OUTROS TEXTOS NO BLOG _
O Surdo, o Cego e o Elefante Branco-
http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/05/o-surdo-o-cego-e-o-elefante-branco.html

A Inclusão Escolar ainda usa fraldas? -
http://infoativodefnet.blogspot.com/2010/07/inclusao-escolar-ainda-usa-fraldas.html

Um dia qual será a nossa CIF? As Deficiências e sua(s) Classificação (ões)
http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/11/um-dia-nos-seremos-qual-cif-as_28.html

Onde nascem e morrem os Direitos Humanos?
http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/11/onde-nascem-e-morrem-os-direitos.html

Um comentário:

  1. Siempre gracias querido JORGE!!! Haces el papel de “reparador de sueños” en la vida de muchos

    http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=STqKvGRN8n0

    Un abrazo,

    Pilar Samaniego (Equador)

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