domingo, 18 de dezembro de 2011

A ARTE DE RE-VIVER - Quando morrem o Teatro, o Carnaval e a Música? Nunca...



Imagem publicada - a capa do livro A ARTE DA VIDA, de Zygmunt Bauman, com uma imagem esmaecida de um rosto feminino que se apoia em um ombro de um homem com um cigarro à boca, sendo sobrepostos por um ponteiro e um relógio, havendo sombras humanas ao fundo. Uma alegoria da nossa passagem pelo ‘’túnel ou máquina’’ do tempo da modernidade líquida e veloz. O fundo é como uma pintura onde o branco predomina, o mesmo que pensamos vestir quando passamos pelo Ano Novo... (Autoria Sérgio Campante sobre fotos de Steve Woods, Leroy Skalstad e Jay Simmons)

Quando é que aprenderemos que sem a Arte a vida é vazia de sentido? E quando é que ela fica vazia de sentido quando perdemos nossos artistas? E quando é que nos descobrimos precisando ser artífices de nossas próprias artes de viver e morrer?

Estas interrogações não parecem combinar com os tempos pré-natalinos e festivos para alguns. Mas o fim de um ano pode trazer um pouco de reflexão... Principalmente se a Senhora Dona Morte nos ceifar alguns intensificadores da alegria do viver...
Nesse pré-Natal de 2011, Dona Morte, mais três poderão alegrar, encantar e musicalizar o chamado “outro mundo”. Morreram Sergio Britto, Joãozinho Trinta e Cesária Évora.

Mas não devemos lamentar ou lamuriar. Devemos evocar e homenagear, pois o que deixaram por aqui é muito diferente do que alguns andam provocando e criando. E esses, também midiatizados e midiatizáveis, parecem imortais como o que causam.


Hoje custosa e cara Senhora mais uma carta tenho de escrever-lhe. A missiva (carta em português arcaico) é para lhe lembrar de que nesse fim de ano muitas coisas andaram mortais pelo Planeta Terra. Muita propaganda, muito estímulo ao consumo e as velhas promessas macropolíticas de erradicação da miséria, ou será dos miseráveis?

A Caríssima Senhora e seu amigo Cronos (o Tempo) nos arrebataram três grandes seres humanos. O Joãozinho, revolucionário e lúcido, que valia por trinta outros. Mostrou-nos, sem destemor, no Reinado de Momo, que a alegria para os excluídos é imprescindível, principalmente na miséria impingida. Agora é carnavalesco em outras bandas... Devia estar faltando humor, beleza e criatividade no seu reinado, Dona obscura e repentina?

A digníssima se lembra de quando ele teve de cobrir o Cristo Redentor? Ainda continuamos tapando com panos quentes as nossas desigualdades... Agora estamos em plena higienização social pré-Copa e Olimpíadas. Nossas periferias e seus diferentes marginais estão ficando “clean”. Nem se parecem com o seu enredo dos “Ratos e Urubus, Larguem a minha fantasia”.

Precisamos, por isso, sim das fantasias, como nos palcos dos teatros. Ali, usando personas (máscaras), escancaram-se para poucos o desnudamento de nossas tristes e confusas humanidades tropicais. Houve este homem teatral, de dedicação ímpar a esta arte: Sérgio Britto.

O Sérgio deverá cuidar agora de outra peça, outro palco, outra plateia, sob sua direção e ato. Talvez agora nos apresente um magnifico espetáculo pós- futurista, com voz tonitruante avisará: na Sociedade do Espetáculo agora vale a verdade e a ética, todas as farsas, principalmente, as políticas não mais nos iludem.

Nesse mesmo instante sonhado e futuro, a Cesária nos lembrará de que a Somália foi liberada da fome e dos mercenários, pois seu sangue é africano. A moda do Cabo Verde, e com seu português típico nos cantará, destoando dos cantos hiperindustrializados, que a ‘sodade’ não é nostalgia, muito menos desejo de viver sempre no passado. É o desejo de lembrar que ainda sonhamos, de pés descalços, com outras formas de amar, existir e re-viver.

Para quem aproveitar estas perdas para uma breve reflexão, a arte do re-viver se tornará um bom aprendizado. Eu, aqui nessas conversas sem resposta com a Senhora Dona Morte ainda não desisti de suas devoluções. Agora mesmo estou lendo e relendo A ARTE DA VIDA do Zygmunt Bauman... É a hora de repensar que ‘’presentes’’ estamos vendendo/comprando?

Para este autor, refletindo sobre nossa incansável indagação, o que é há de errado com a felicidade hoje (?), nos provoca e responde que: - “O caminho para a felicidade passa pelas lojas e, quanto mais exclusivas, maior a felicidade alcançada. Atingir a felicidade significa a aquisição de coisas que outras pessoas não têm chance nem perspectivas de adquirir. A felicidade exige que se pareça estar à frente dos competidores...” (p. 36).

Nós, por aqui como telespectadores, ainda estamos assistindo as Primaveras, e nossas massas povoam os shoppings, vez por outra algumas praças ou linhas de trem. Acho, olhando para o céu das minhas Minas Gerais que entramos em um Verão, a ser mais caudaloso do que o já visto. Não quero rever as velhas enxurradas de explicações sobre os nossos desmoronamentos, ainda mais quando os montes não são mais belos, todos são inundáveis.

Esquecemo-nos depressa demais de nossas tragédias pessoais ou coletivas. Os tempos tão velozes que nos assustam são também nossos melhores lenitivos ou anestésicos para as dores que não se calam ou silenciam rápido demais. A Senhora, Dona Morte, é que se regala e banqueteia com muitos novos corpos, novas Vidas Nuas de tragédias anunciadas.

Novamente Bauman nos abre os olhos, com a liquidez dos tempos em que a arte da vida deveria ser a afirmação de nosso desejo de sermos mais felizes. Ele diz que: -“Num tom um pouco mais sério, o mundo líquido-moderno está num estado de revolução permanente, um estado que não admite as revoluções de uma só vez, os “eventos singulares” que constituem lembranças dos tempos da modernidade “sólida”... (p. 87)

Qual seria, então, o presente ‘’revolucionário’’ singular que nos legaram estes artistas que nos deixaram: Évora, Britto e Trinta?

Talvez uma advertência para além dos comerciais e das propagandas, onde as inovações são sempre “revolucionárias”. Como Bauman nos avisaram com festa, música, teatro e alegorias, que só uma renovada intensidade amorosa em busca do Outro e dos Outros pode alicerçar as mais sinceras criações.

Somos assim artistas do re-viver e da vida, organizando o Caos e sendo organizados pelo Tao. Desiguais, diferentes, diversos, heterogêneos, plurais e múltiplos, mas, singularmente criativos e empáticos. E, lamento informa-la, Dona Morte, que assim nos tornamos artistas como eles.

Eles partiram bem perto de outras festas, como também o fazem poetas e filósofos, e nos deixam mais indagações do que respostas. Em sua memória é que podemos nos tornar verdadeiros artífices de vida, ou melhor, grandes artistas da vida privada ou coletiva.

Para uma parábola zen budista ao ser instigado um homem para que pinte um dragão em um mosteiro, como desafio, um mestre lhe responde:"Torne-se um dragão"... Para nós talvez nesse desejo apenas de alegria, sem encarar também os sofrimentos ou dores, fica um desafio para que, cada um e todos/todas juntos, nos tornemos o ‘’fogo” que alimente nossos Teatros, nossas Músicas e os nossos futuros Carnavais.

Eles morreram, mas seu espírito continua soprando sobre nossas argilas...

QUE O NOVO ANO SEJA REALMENTE INSPIRADOR E CRIATIVO, e que nossas misérias sejam realmente combatidas, com justiça, ética, alegria e determinação... tendo sempre como fundamento os direitos humanos, e o desejo de sermos TRANSMISSORES DE VIDA.


Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

Notícias sobre os Três e suas artes da vida
:

Morre Joãosinho Trinta, carnavalesco polêmico e revolucionário
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2011/12/17/morre-joaosinho-trinta-carnavalesco-polemico-e-revolucionario.jhtm

Morreu Cesária Évora 
http://aeiou.expresso.pt/morreu-cesaria-evora=f694993

Morre aos 88 anos o ator e diretor Sérgio Britto -
http://diversao.terra.com.br/gente/noticias/0,,OI5523165-EI13419,00-Morre+aos+anos+o+ator+e+diretor+Sergio+Britto.html

Indicação de leitura e reflexão: A Arte da Vida - (Zygmunt Bauman) – Download do livro: http://www.baixedetudo.net/livro-a-arte-da-vida Em papel - Editora Zahar, Rio de Janeiro, RJ, 2009.

Leia também no BLOG:
A MÚSICA QUE ENCANTA DEPENDE DOS OLHOS? http://infoativodefnet.blogspot.com/2010/03/musica-que-encanta-depende-dos-olhos.html

SEREMOS TRANSMISSORES EM 2011?  http://infoativodefnet.blogspot.com/2010/12/seremos-transmissores-em-2011.html

5 comentários:

  1. Excepcional..pra dizer o mínimo possível.

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  2. Dr. Jorge
    Veja essa matéria da sua área.
    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,como-apagar-memorias-sem-deixar-tracos-,818726,0.htm
    Abraços,
    Gilberto Lemes

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  3. Natalia Perez npe@jooble.com

    10:27 (8 horas atrás)

    Olá!

    So queria te agradecer por um blog tao legal. infoativodefnet.blogspot.com.

    Quero agradecer pelo um blog maravilhoso. Li o primeiro post "A ARTE DE RE-VIVER - Quando morrem o Teatro, o Carnaval e a Música? Nunca..." e depois passei a hora inteira no blog com muito interesse :) Tudo esta escrito correto, interesante e facil pra ler. Gostei muito do post "O RETORNO DA INTEGRAÇÃO PELA INCLUSÃO: novos muros nas escolas, fábricas e hospitais

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  4. Lindo texto!!! Que consigamos entender que em sua arte os Mestres em seus artífices se tornam "Dragões" e permanecem por todos os Tempos...

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  5. Lindo texto!!! Que consigamos entender que em sua arte os Mestres em seus artífices se tornam "Dragões" e permanecem por todos os Tempos...

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