
Imagem publicada- uma ampulheta, o mais conhecido dos relógios marcadores de tempo com areia, que quando escorre entre os dois bulbos de vidro que a compõem sintetiza de forma clara a passagem do Tempo (Cronos). Nessa ampulheta na parte de cima encontra-se um ser humano sentado a uma mesa escrevendo enquanto a areia escorre pelo gargalo para parte de baixo. Eis a vida, que ao nascer, viram de cabeça para baixo as nossas ampulhetas individuais.
InfoAtivo DefNet nº 4400
"Antes de tudo, há o homem só.
Que nasce sozinho, que morre sozinho
e que sozinho vai vivendo, no seu ente mais fundo..." (Mais Profundo que o Amor - D. H. Lawrence - poemas)
Será que muitos dos seres humanos não respondem negativamente, de acordo com as suas condições de vida, a este interrogar sobre a longevidade?
Principalmente, quando suas vidas tornam-se descartáveis e insípidas? Muitos, porém, me dizem que gostariam de viver e comemorar estes 100 anos, ainda mais agora com as possibilidades biomédicas de extensão e prolongamento da vida, esperando-se que, bioéticamente, com dignidade e qualidade. A idade, biológica e cronológica, de todos nós ainda é um dos parâmetros para que façamos a medida da vida. É ainda uma bio-ampulheta...
Porém a sobrevivência não é proporcional ao que chamo de 'supervivência", ou melhor da vida que se viva com intensidade e profundo sabor de vida, como nos sugeriu o título daquele suave-alegre-triste filme: o Tempero da Vida...
A vida precisa de tempero, de bom cozimento, de hora certa para alguns ingridientes, de temperatura adequada para seu preparo, de igualdade e proporcionalidade das diferentes especiarias, uma pitada de ousadia e uma dose de poesia, e mais ainda de muita delicadeza e de arte para sua cozinha política, assim como também um educação do gosto para aprender a valorizá-la em suas diversas apresentações e diversificados odores e sabores, tudo regado por um salutar encontro na mesa grande da família humana e sua diversidade afetivo-culinária. (como o nome grego do filme - Politiki Kouzina, de Tassos Boulmetis).
O Tempero da Vida é uma obra que enternece. E mais ainda pelos ensinamentos do modo educar em cinema que propicia.Trata com suavidade a finitude e a infinitude do viver. Estou estes dias, uns mais dolorosos que outros, pensando/matutando muito o que escrever sobre um acontecimento familiar que me aguarda lá nas Minas Gerais. Há que temperar a vida... e homenagear nossas origens.
No dia 30 de abril de 1910 nasceu o homem que me gerou ao ser afetado por minha mãe, contribuindo para a luz/areia em minha vida com data de vencimento marcada. Ele conseguiu, com nobreza e dignidade, chegar aos 100 anos. Isto muito me orgulha e estimula, pois sua vida e trajetória é marcada por muitos acontecimentos e incidentes, uns trágicos outros cômicos.
Como, por exemplo, o que ouvi em família quando ele, ao passar em frente a casa de sua futura noiva, minha mãe ANA, o jovem motociclista Arnaldo, sofreu um acidente por ficar olhando para a beleza dela. Ele acabou com uma '' fratura amorosa" de seu braço e de seu "coração"...tudo isso pela persistência de sua conquista afetiva. Aos 98 anos por outra paixão, o vinho, fraturou o fêmur, colocou platina em seu corpo, e em dois meses já caminhava com muito mais galhardia que eu e minha coluna e seus parafusos de titânio.
Costumo dizer que a vida de meus pais me ensina com clareza inevitável o entendimento de nossa transitoriedade humana. Ele, o meu pai fará 100 anos, e minha mãe, que já faleceu, só viveu até a proximidade dos seus anos 50-60. Ela faz parte dos episódios e vivências intensas que o velho Arnaldo teve de enfrentar, pois seu fim de viver foi arrastado, de forma irreversível, pela doença de Alzheimer. Por isso digo que já vivi bastante, e, do mesmo modo, diria como Neruda que "confesso" que vivo intensamente.
A Dona Morte já me atormentou, mas depois da última cirurgia e seu pós-cirurgico hiperdoloroso, acho que aprendi um pouco mais de resiliência: nóis inverga mais nóis num quebra, diria o matuto, quando nóis ama profundamente a VIDA.
Eu, por tudo isso, acredito na construção de um sólido alicerce para viver e suportar viver. Viver não é moleza, diziam os meus ancestrais mineiros. E digo que esta vida que ando levando, pois sigo o poeta Fernando Pessoa em seu Dessassossego: "Viva a tua vida, não seja vivido por ela.".., o aprendizado da re-existência e do humor tem sido uma boa saída. A todo dia tem muitas coisas, pessoas ou fatos que lhe ajudam a despejar mais um pouco de areia-vida do outro lado da ampulheta... Mas resistir é preciso, viver não é preciso, além de navegar (hoje na Internet é claro)...
A longevidade tem de ser temperada pela arte-vidade, a amorosidade, a Transitoriedade,,,precisamos buscar, olhando para a imensidão do Universo, qual o astrônomo e astrofísico do filme grego, buscar alguma forma de amor intenso, nascido entre temperos, mas que nos faz ter a compreensão de despedida em cada encontro, em cada paisagem, em cada estação de trem ou local de partida.
E olhando os planetas e o Sol compará-los, poeticamente, com todos as especiarias que um ente querido nos ensina utilizar para uma boa fermentação de nossas vidas. As mesmas vidas que correm o risco de serem transformadas em Vidas Nuas.
Como o velho avô que sonhava retornar a sua terra grega, o astrônomo aprendeu a gastronomia da vida. Eu aprendi com um antigo romeiro, daqueles que caminham a pé, até Aparecida do Norte, que, para superar nossas bolhas nos pés e nossos cansaços físicos, há que buscar alguma transcendência, um além de nossas mesquinhas condiçóes biológicas. Um Zarathustra andarilho que possa estender um tênue fio entre a vida vivida e um além do abismo que nos atrai todos os dias, a tal da pulsão de morte freudiana, mais conhecida como DonaThanatós.
Queria deixar aos meus seguidores e seguidoras, visitantes e leitores do blog um brinde a VIDA e escolher com eles/elas um canto, entre as folhas da relva, de Walt Whitman para homenagear ao meu pai e sua longevidade.
Acho que o Canto à Estrada Aberta seria um bom brinde aos 100 anos de Arnaldo Pereira de Andrade, a quem dedicarei um grande cartaz/banner com os dizeres: "Arnaldo 100 você eu não estaria aqui...". E talvez responda a curiosa pergunta sobre o "segredo" de como ele chegou a esta idade: caminhar, caminhar, caminhar para além do corpo e sua limitações, como diz o poeta:
"A pé e de coração leve
Eu enveredo pela estrada aberta..."
referências no texto:
Ampulheta
http://www.museutec.org.br/previewmuseologico/a_ampulheta.htm
TEMPERO DA VIDA (FILME)
http://www.adorocinema.com/filmes/tempero-da-vida
DAVID HERBERT LAWRENCE - D. H. LAWRENCE
http://pt.wikipedia.org/wiki/D._H._Lawrence
CANTO A ESTRADA ABERTA- WALT WHITMAN
http://epifaniasvirtuais.wordpress.com/2008/02/13/54/
LIVRO DO DESASSOSSEGO - BERNARDO SOARES&FERNANDO PESSOA
http://livro-do-desassossego.blogspot.com/
ASSIM FALOU ZARATHUSTRA - NIETZSCHE
http://pt.wikipedia.org/wiki/Assim_Falou_Zaratustra
LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
O MUNDO ENVELHECE, AS INJUSTIÇAS AINDA PERSISTEM, E ENTRE TANTOS, O MEU PAI FAZ 102 ANOS - http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/04/o-mundo-envelhece-as-injusticas-ainda.html