domingo, 27 de janeiro de 2013

HOLOCAUSTO À BRASILEIRA – tudo pela Segurança ou retorno da “eliminação” pelo confinamento...


Imagem publicada – A foto colorida de uma linha férrea, através da qual chegavam os trens lotados de prisioneiros ao prédio ao fundo, uma sólida construção do nazismo: o campo de extermínio e concentração de Auschwitz I Birkenau, na Alemanha. Essa imagem também aponta para o futuro, apesar de ser, como um museu, parte do passado. As linhas de trem também já foram utilizadas pelos manicômios, prisões e campos de trabalho forçado para além dos tempos nazi-fascistas.

Hoje, 27 de janeiro de 2013, me acordaram com um pesadelo. Era a visão cruenta de corpos empilhados, queimados ou asfixiados. É a visão “cáustica” de jovens, a maioria, queimados/asfixiados em uma boate de Santa Maria, RS.

Lembrei, então, que a data é e será, também, tristemente, para lembrar em todo o mundo a Memória do Holocausto.

Um termo que, segundo a Wikipédia, “... (com inicial maiúscula) foi utilizado especificamente para se referir ao extermínio de milhões de pessoas que faziam parte de grupos politicamente indesejados pelo então regime nazista fundado por Adolf Hitler”.

Essa “queimação” transformada e naturalizada no que se configurou como um dos maiores genocídios da história. As novas fogueiras, como as da Inquisição, exterminou, com fornos crematórios, muitos corpos diferenciados e rotulados.

O princípio deste modelo biopolítico de controle e extermínio nasceu, historicamente, junto com os campos de concentração. Construídos primariamente para os trabalhos forçados. “O Trabalho Liberta” anunciava-se em um dos seus portões principais dos cárceres previa e meticulosamente planejados.

Depois foram aprimorados como Solução Final com o surgimento das “câmaras de gás”, com um pensamento e modelo de fábricas econômica e serializadamente produtivas.  E, posteriormente, “re-invenção” da cremação destes corpos descartáveis.

Daí nasce a palavra Holocausto. Holocausto  que é derivado do grego, o “todo” “queimado”.

As chaminés dos campos de extermínio foram e são a mais sombria lembrança dos que sobreviveram a esta indústria mortal de eliminação das diferenças.

Segundo as pesquisas esta trágica marca da História não foi aplicada primordialmente aos judeus e outros elimináveis. Em princípio foram aplicadas nos corpos “degenerados”, feios e matáveis de pessoas com deficiência.

Estes eram colocados em ônibus, com os vidros vedados, e, sob alegação judicial, eram retirados de suas casas, com a impotência e a autorização dos pais. Todos deviam ser submetidos a um processo de higienização. Iam para as “internações” em espaços de “reabilitação”.

Os que se interessarem podem ver estas cenas reproduzidas no filme  Homo Sapiens 1900, do sueco Peter Cohen. Nessa obra prima de cinema é documentada a busca eugênica e purista que atravessou o início do século XX.

A “onda” que fez brotar com sucesso o ovo da serpente nazi-fascista na Europa. A busca de uma suposta beleza para um mundo totalmente uniforme e sem heterogeneidades. A feiura e os defeitos deviam ser erradicados.

A mesma onda, ou melhor, moda macropolítica, de produção de Vidas Nuas (ler em Agamben).

Hoje, nesse suposto Século de novas luzes, assistindo o confinamento como forma de lazer, à moda dos BBBs, temos de reconhecer que, sob a ideologia de Segurança pública ou nacional, ainda podem ser implementadas novas e sutis formas de “paredões/eliminações” de quem for considerado “indesejável”.

Conheçam a memória do Holocausto, não podemos deixá-la cair no limbo histórico. Os métodos nazistas foram apenas o aprimoramento de outras práticas já exercidas em todo o Ocidente. Em 1900 já se aplicavam os conceitos “modernos” de Eugenia. Os alvos principais da limpeza étnico-racial, em massa, ultrapassaram a marca de milhões de pessoas.

Entre os principais “eliminados” estavam: judeus, militantes comunistas, homossexuais, ciganos, eslavos, pessoas com deficiências físicas ou ditas “mentais”, prisioneiros de guerra soviéticos, membros da elite intelectual polaca, russa e de outros países do Leste Europeu, além de ativistas políticos, Testemunhas de Jeová, alguns sacerdotes católicos, alguns membros mórmons e sindicalistas.

E para completar o embelezamento do mundo era preciso eliminar os pacientes psiquiátricos e os criminosos de delito comum...

E, para todas as ações governamentais, sempre houve uma legitimação e aprovação, para além do Judiciário, das massas.  Como bem mostra o filme O Triunfo da Vontade (1935), com a “perfeição”  e a “ordem” criadas, cinematograficamente, da perspectiva e a participação do povo alemão.

Por isso temos de relembrar os tempos de exceção e os seus campos quando mais um Holocausto, à moda brasileira, é produzido.

A tragédia de hoje não menor nem maior que a de ontem. Apenas poderia ser evitada,  no mínimo, se aprendêssemos com a História a não perpetuar nossos piores erros.

O confinamento, mesmo o mais sutil, acaba e acabará gerando uma naturalização da morte. Não nascemos para espaços, inclusive os interpessoais ou redes, que nos tornem escravos ou matáveis.

Em um mundo de Trabalho Escravo mantido, Novas institucionalizações e internamentos compulsórios, Racismos, Intolerâncias religiosas ou étnicas, Horrores econômicos reproduzidos, Estigmatizações, Desfiliações e Exclusões sociais, garantidos pelo Hipercapitalismo, podemos estar legitimando, seja micro ou macro politicamente, novas formas de “cremação coletiva”.

Os corpos humanos passam a serem apenas cobaias ou números. Alguns mais “desejáveis e famosos”, mesmo que por segundos, diante de multidões descartáveis.

Por isso não me perguntem quantos morreram na Boate Kiss de Santa Maria, RS. Espero, com tristeza antecipada, que não nos esqueçamos dos sobreviventes.

Como no Campo de Auschwitz, disse um “mulçumano” como ali eram chamados, segundo o texto de Agamben, ao se tornar mais um sobrevivente: “De minha parte, tinha decidido firmemente que independente do que me viesse acontecer, não me teria suicidado. Queria ver tudo, viver tudo, fazer experiência de tudo, conservar tudo dentro de mim. Com que objetivo, dado que nunca teria tido a possibilidade de gritar ao mundo aquilo que sabia? Simplesmente porque não queria sair de cena, não queria suprimir a testemunha que podia me tornar”. *(H. Laiben)

Assim o fazem e fizemos os que gritarão ao mundo: Tortura Nunca Mais. Assim farão os jovens que, tornados sobreviventes, ensinarão o Futuro a desejar a Vida e não a dança  fatal com a Dona Morte.

Continuaremos reproduzindo e recriando, sem nenhuma crítica, as exceções que justificam novas normatizações e confinamentos a partir de estigmas?

E que se mantenham acesas, não as neo-fogueiras institucionalizadas, mas sim as consciências críticas, de cada um e de todos (as), que aprenderão com quaisquer das tragédias que, humanamente, ainda poderemos gerar.

Em tempo – assista ou revejam e reflitam com o documentário: JUSTIÇA, de Maria Augusta Ramos, sobre as práticas judiciais a que os “infratores”, principalmente os “menores” delinquentes e os “drogados” recebem em nosso país.

AOS PAIS, MÃES, FAMILIARES, AMIGOS E AMIGAS DOS JOVENS QUE RECEBERAM O ‘’KISS’’ DA DONA MORTE, E QUEIMADOS OU ASFIXIADOS, QUANDO APENAS BUSCAVAM DANÇAR A VIDA, E MORRERAM EM NOME DE UMA SUPOSTA SEGURANÇA/GANÂNCIA, MEU RESPEITO E O SILÊNCIO AFETIVO DE QUEM JÁ APRENDEU COM (AR) DOR TENTAR ELABORAR O LUTO E A PERDA DE UM FILHO AMIGO.

copyright/left - jorgemarciopereiradeandrade 2013-2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

INDICAÇÕES E PESQUISA NA INTERNET
Holocausto - http://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto

Enciclopédia do Holocausto - Operações de Asfixia por gás (com as experiências iniciais com pessoas com deficiência)
http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005220

Memorial do Holocausto deve ser advertência constante, diz papa 

Rússia celebra Dia Internacional das Vítimas do Holocausto

SOBRE A TRAGÉDIA EM SANTA MARIA, RS:

Histórico infeliz: relembre outros incêndios trágicos em boates - Antes de Santa Maria, o mais recente havia ocorrido na Tailândia, em agosto do ano passado http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/jsc/19,6,4024452,Historico-infeliz-relembre-outros-incendios-tragicos-em-boates.html

FILMES INDICADOS OU CITADOS:

HOMO SAPIENS 1900 –  , Direção Peter Cohen, 1998.
Video– com legendas em português(áudio em inglês) http://www.youtube.com/watch?v=ObJCkAcLmXw

A ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO, Direção Peter Cohen, 1992.
Video – com legendas em português (em alemão)

O TRIUNFO DA VONTADE, Direção Leni Rienfstahl, Alemanha, 1935.

JUSTIÇA, documentário de Maria Augusta Ramos, Rio de Janeiro, Brasil, 2004. www.justicaofilme.com Prêmio Melhor Filme Anistia Internacional

LEITURAS CRÍTICAS e INDICADAS –

O QUE RESTA DE AUCHWITZ- Giorgio Agamben, Boitempo Editorial, São Paulo, SP, 2008.

HOMO SACER – O Poder soberano e a Vida Nua I – Giorgio Agamben, Ed. UFMG, Belo Horizonte, MG, 2002.

O CORAÇÃO INFORMADO – Autonomia na Era da Massificação - Bruno Bethelheim, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1985.

TEMPOS DE FASCISMO – Ideologia-Intolerância-Imaginário – Maria Luiza Tucci Carneiro & Federico Croci (Orgs.), Editora Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2010.

LEIA TAMBÉM NO BLOG –

EUGENIA – Como realizar a castração e esterilização de mulheres e homens com deficiência? http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/01/eugenia-como-realizar-castracao-e.html

DEMOLINDO PRECONCEITOS, RE-CONHECENDO A INTOLERÂNCIA E A DESINFORMAÇÃO

OS NOVOS MALDITOS E AS NOVAS SEGREGAÇÕES: da Lepra ao Crack

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O MARTELO NAS BRUXAS - COMO "QUEIMAR", HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS? 

6 comentários:

  1. Nilcéia Rolim
    Jorge, tenho lido artigos publicados no blog...e sao extremamente autenticos e passa ao leitor o real sentimento, sem medo do polimento, cor ou contorno. Adorei. Bjs

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  2. Ainda impactada com os acontecimentos trágicos de hoje.Entendo a associação de idéias,entre o ocorrido no confinamento de uma danceteria e os cofinamentos vários,desde o Holocausto,até àqueles que segregam minorias no intuito de uma pseudo proteção.As diferentes formas de se estar no mundo deveriam ser respeitadas e espero ainda testemunhar nesta vida, alguma melhora neste sentido.

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  3. Un enfoque magistral. Gracias JORGE!
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  4. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  5. Muito bom artigo, Jorge! Compartilhei em minhas redes! :-)
    Um abraço!

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    1. oi Imaculada
      muito obrigado por essa força viva que a faz compartilhar o que NUNCA DEVE SER ESQUECIDO PARA NÃO SER REPETIDO...um doceabraçoafetuosonãocaústicoapenasholoamorosocomavida

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