Imagem publicada – a capa do filme Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, com o personagem sentado sobre uma carcaça de um velho ônibus, que tem o número 142, Christopher McCandless (Emile Hirsch), um jovem que realizou uma jornada solitária em busca de respostas, e que foi encontrado junto a este ônibus no Alasca, seu destino final, e que no filme nos traz uma das mais preciosas conclusões, no seu diário encontrado junto a seu corpo: - A felicidade só é real quando compartilhada... Ele tenta a ruptura das linhas duras e segmentárias que nos ‘’alinham’’ como normais: a família, e depois a escola, e depois o exército, e depois a formatura, e depois o emprego e depois a aposentadoria. Na busca de respostas e de uma suposta felicidade torna-se um eremita, que dá costas a este mundo e seus territórios. Como diz Freud: “... que enxerga na realidade o único inimigo, a fonte de todo o sofrimento, com a qual é impossível viver e com a qual, portanto, devem-se romper todos os laços, para ser feliz em algum sentido”.
“Até agora, nossa investigação sobre a felicidade não nos ensinou muita coisa que já não fosse conhecida. E se lhe dermos prosseguimento, perguntando por que é tão difícil para os homens serem felizes, a perspectiva de aprender algo novo também não parece grande...” (Sigmund Freud – O Mal-estar na civilização (1939)
Estou relendo, pacientemente, pois a minha memória anda falhando, o seu texto sobre o nosso mal-estar no processo civilizatório. Principalmente por suas indagações que nos assolam nesses primeiros e últimos dias de um ano. O ano de 2012 e seus vaticínios já chegou...
Você já se perguntou por que desejamos tanto que o Novo Ano seja feliz? Em minha opinião, que não é erudita ou simplista, mas sincera, é porque temos nesse termo o nosso maior e mais profundo desejo: sermos felizes. Mas o bom e insubstituível Freud colocou uma azeitona em nossa empadinha, e não nos disse como resolver o seu caroço. Não nos deu os números da megasena da virada?
Ele aponta que temos três fontes de onde vem o nosso sofrer: “a prepotência da natureza, a fragilidade de nosso corpo e a insuficiência das normas que regulam aos vínculos humanos na família, no Estado e na Sociedade” (pág. 30). Os dois primeiros têm hoje sua demonstração de força e poder inevitáveis com as catástrofes que se acumulam por toda a Terra.
Quanto a nossas normas de regulação de vínculos humanos, sem ser antevisão, já havia aí uma apreensão freudiana já que “a vida, tal qual nos coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis”. E para suportá-las apelamos, hoje muito mais que ontem, para os paliativos. Para Freud aí já se inseriam nossas ‘’poderosas diversões’’, ou a alienação pelos meios difusores de entretimentos. Paramos, imóveis, diante da TVê?
Hoje o alívio é reality show que diz: seu Bobo, mundano e mortal, não Basta nos ver e tele assistir, entorpecidos e hipererotizados, também é preciso se Bestializar....
O que precisamos refletir, então, a partir dessa leitura freudiana, é que passado e virado o Século XX, ainda estamos presos a um insondável labirinto no processo civilizatório. Hoje mais do que antes nossos vínculos sociais, políticos e amorosos, estão solapados e afetados. Caminhamos sobre o fio da navalha dos interesses pessoais em constante conflito com os interesses coletivos? E, alimentados pelos narcisismos e pelas globalizações estes se tornam inconciliáveis? Somos apenas ‘globais’?
Talvez sim, e aí teríamos de apelar para as reflexões de Bauman ou de Zizek. Estes autores é que mais se aproximam de uma resposta a estas indagações. Mesmo assim, ainda nos dão a via civilizatória que nos ajudaria a ‘‘salvar o Planeta” e, consequentemente, também livrarmos nossas próprias peles da autodestruição e da neo-barbárie.
E, nessa busca frenética do estarmos felizes, não caímos cada dia mais nas artificialidades do prazer ou do alívio de nossas dores? Retomemos o texto de 1939: “Nunca dominaremos completamente a Natureza e nosso organismo, ele mesmo parte dessa natureza, será sempre uma construção transitória, limitada em adequação e desempenho”. Um texto que o jovem Christopher McCandless não leu, leitor influenciado apenas por Tolstoi e Thoreau.
Essa constatação, a ser lida no contexto histórico de um homem do século passado, mais próximo do XIX que do XX, nos impulsiona à sua proposta de que é esse conhecimento que não nos deixaria paralisar, muito pelo contrário seria o que nos impulsiona.
É com Eros(Amor) enfrentando, e se equilibrando com Thánatos(Morte)?. É o pensador que indaga sobre os homens, assim como a finalidade e a intenção de suas vidas. Por isso deve ser contextualizado, mas ainda assim me parece muito próprio para nossas atuais formas de buscar a sonhada e ideal felicidade.
Ainda queremos a ausência da dor e do desprazer. Mais do que nunca precisamos da “vivência de fortes prazeres’’, ou de novas religiões ou culturas descartáveis.
Em tempos de uma cultura do lixo, da banalização, da efemeridade, dos segundos de fama e/ou infâmia, faz sucesso e ganham audiência as vidas envidraçadas de novos Brothers. Mas o velho Big Brother de Orwell não é aposentado. Ele apenas era uma forma de ‘’incluir’’ pela homogeneização e uniformização, como nas fábricas fordistas ou nos campos de concentração.
Como nos mostra Bauman: “O Big Brother do reality show está preocupado unicamente em manter os homens (e mulheres) estranhos – os desajustados ou menos ajustados, os menos inteligentes ou menos determinados, os menos dotados e os menos habilidosos – de fora.” O charme é que ‘nós’ os pagantes televisivos somos os ‘’exterminadores de seus futuros’’. Fora com todas as diferenças ou extravagâncias!
Pensei nessa condição ao ver outro dia um homem, um mendigo, que com aparente ‘felixcidade’ enviava beijos, de sua posição jogada à miséria de uma calçada, para o céu, para o infinito. Estava ele em seu delírio trocando afeto com o Universo? Ele era ou é um homem feliz?
Eu indagava, como Bauman, como desejamos cada dia mais a sua ‘’exclusão’’, para longe dos nossos circuitos de Tv, bem longe do portal de nossas casas ou condomínios fechados. Ele não tem nome e nem nunca terá. Por isso, ficará mais fácil ainda sua exclusão se for ‘incluído’ na Cracolândia. Policialesca=mente, de onde os desviaremos de sua dor ou sofrimento pela nova forma sutil de ‘’incluir pela sua internação involuntária’’.
“Se não podemos abolir todo o sofrer, podemos abolir parte dele, e mitigar outra parte- uma experiência milenar nos convenceu disso”, diz Freud na busca de solução para nossas mazelas. Mas ele também nos lembra de que somos fracassados na prevenção de nossos ‘’males sociais’’, pois as instituições que inventamos não trariam proteção e bem-estar para todos.
Por isso digo que o mestre vienense ficaria muito feliz com o advento da Bioética. Ele exultaria com a proposta de uma ponte que nos levaria a um futuro mais ético, justo e, consequentemente, com maior felicidade. Essa que estaria além das realizações que possamos gozar para além da posse de objetos culturais.
Hoje passamos a condenar e nos escandalizar com os espetáculos que nós próprios patrocinamos. Passamos, envergonhados do falso hedonismo que os Shows de falsas realidades nos proporcionam, para o lugar de falsos moralistas que se locupletam com o que acontece ou acontecerá debaixo dos edredons globais.
Vamos então nos indagar qual é o nosso MAL ESTAR nesses tempos de BBB? A nossa felicidade não será menor ainda quando descobrirmos, isolados como Chistopher, que só nos envenenamos mais ainda em nossos isolamentos defensivos diante de nossas visões à distância do chamado OUTRO? Abraçamos a ideia de que devemos desfrutar de tudo, contanto que este tudo esteja desprovido de sua substância perigosa ou mortal?
Existiria, então, usando o dualismo freudiano, um Viver sem limites, um Eros sem Thánatos?
Eis sua advertência: “A meu ver, a questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelas pulsões humanas de agressão e autodestruição.” Eis a questão que nem mesmo Freud explica...
PS- o termo ‘’felixcidade’’ é a contração de Felix Guattari com a necessidade de criarmos as ‘’cidades subjetivas’’ onde nossas desterritorializações e reterritorializações nos façam construir, individual e coletivamente, novos espaços e novas formas de viver e co-existir, micropoliticamente, novos paradigmas e novas cartografias, enfim novas e efêmeras formas de ser estar felizes...
Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2012-2013 *(favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e nos meios de comunicação de massa) (Sem derramar a SOPA e usando a liberdade para além da PIPA)
Filme citado no texto: INTO THE WILD (Sean Penn- 2007)
Indicações para Leitura, reflexão e crítica:
O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO – Sigmund Freud, tradução de Paulo César de Souza, Penguin Classics/ Companhia das Letras, São Paulo, SP, 2011. (leia-se pulsões onde estiverem os instintos...)
Livro XXI – Coleção Obras completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro, RJ, 1984.
Vidas Desperdiçadas – Zygmunt Bauman, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, RJ, 2005.
Diálogos – Gilles Deleuze/Claire Parnet, Editora Escuta, São Paulo, SP, 1998.
O Mal Estar na Civilização – As obrigações do desejo na era da globalização- Nina Saroldi, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 2011.
Primeiro como Tragédia, depois como Farsa - Slavoj Zizek, Editora Boitempo,São Paulo, SP, 2011.
Leia também no BLOG:
PSICANÁLISE, MACROPOLÍTICA, RELIGIÃO E O 'PONTO MORTO'.
FREUD E A "INVENÇÃO" DA PARALISIA CEREBRAL
NENHUMA DOR A MENOS OU A MAIS
Analisar sob a ótica freudiana as nossas reações/intenções levá-nos a rediscutir valores e a repensar condicionamentos pessoais e coletivos, inclusive quando o comando não está em nossas mãos, apenas agimos comandados por outrem e nos enganamos que ainda estamos na máquina com o controle para mudar as coisas... Mero engano, apenas somos espectadores de um circo grotesco e vil!
ResponderExcluirCara Albea
ResponderExcluirobrigado pela sua inclusão e opinião de nova seguidora do blog... preciso de mais opiniões como a sua, resultado de uma leitura crítica, principalmente nesse modelo de Sociedade do Espetáculo, quando deixamos de espectadores para passagem a espect-atores, como dizia o Augusto Boal... Venha sempre deixar suas impressões aqui, e receba meu doceabraço acessível e profundamente humano
Jorge, fiz um link da sua postagem no meu blog para que as pessoas possam refletir sobre a forma como as informações são divulgadas, pois eu falava sobre a repercussão de alguns fatos nas redes sociais ,e principalmente sobre como reagimos, ou a maioria reage, a isto.Um doce abraço :o)
ResponderExcluirParabens amigo, seuBlog é uma montanha aurífera de bons artigos.
ResponderExcluirCarissima Turmalina
ResponderExcluirsuas observações e apoio continuam sendo "preciosos" alem de estimular para que o árduo exercício da escrita se faça por aqui... muito obrigado e continue enviando noticias no Cartas do Tarot...com meu mais doceabraço
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirComo tudo na vida, a felicidade escapa e há muito deixou de ser um direito e passou a ser um dever. Se somos obrigados a ser felizes permanentemente, a felicidade passa a ser uma tirania. E uma concepção opressiva de nossa fortuna só nos faz desconfiar do acaso, desenvolver o auto-engano em relação ao bem-estar e projetar nosso contentamento para longe de nós.
ResponderExcluirPor a felicidade ter se tornado simultaneamente cárcere e vedete em nossa sociedade, planta-se em nós a base de um duplo tormento. Como estamos praticamente condenados a ser felizes, a ostentar uma alegria, ainda que falsa, para afirmarmos ao mundo a nossa normalidade, silenciamos acerca de nossos sofrimentos. E ao calar sobre nossos males físicos e psíquicos, nos tornamos algozes de nós mesmos. Tal silêncio serve como resposta a um desejo externo, mundano, de nos manter traiçoeiramente felizes.
Obrigado Guto
Excluirsuas argutas e "felizes" criticas a obrigatoriedade do ser ou estar feliz me ajudam na busca doutras interrogacoes. . Um doceabraco
Jorge Márcio,
ResponderExcluirÉ impossível ser feliz sozinho?
Só mesmo um homem pode ter escrito que "é impossível ser feliz sozinho". E olha que o homem era o Tom Jobim...tudo indica que a incapacidade de ser feliz sozinho seja mesmo um problema de gênero. Do gênero masculino. O que acha ?
puxa, eu estou justamente relendo o mal-estar na civilização, do freud... esse texto veio a calhar, principalmente com o paralelo com o filme into the wild... gostei muito do texto, obrigada! em tempo: sempre digo que, para além das questões pessoais (que todos temos), o meu mal-estar é primordialmente causado pelo social.
ResponderExcluirEloisa Maranhão.
CARÍSSIMA e querida ELOISA
ExcluirA matéria da Revista Caros Amigos me tornou menos "infeliz" por algum tempo, pois O MAL ESTAR MODERNO, que com Bauman preferiria denominá-lo PÓS PÓS MODERNO, é que nos mantêm nessa busca incessante de nossas 'pílulas de felicidade' neo-químicas e neo-mayas (ilusórias). Ando lendo e relendo muito sobre os nossos tempos de 'multidões' e, concomitantemente, de 'solidões' no meio dessas re-evoluções sociais. Espero que o Freud lhe traga mais inquietações e provoca-ações do que neo mal-estares... Obrigado por compartilhar das minhas dúvidas e idéias. UMDOCEABRAÇO
JORGE MARCIO
Caro amigo, li faz alguns anos o Mal Estar da Civilização do Freud q lembro me surpreendeu bastante, pois tinha Freud como aquele sujeito q. formulou a psicanálise q tb havia lido algumas coisas pois não sou da área psi nem médica porém sempre curiosa. Pq me surpreendeu? Pq me pareceu um texto mais de
ResponderExcluirreflexão quase filosófica... Das minhas vivências apesar de dolorosas ha alguns anos fiz uma escolha mereço a felicidade. Não a felicidade de possuir, de compreender o outro como gostaria, de consumir qq tipo consumo pois tem gente q consome até obra de arte. Talvez tenha dito não a esse modelo capitalista de viver e passei para um modo do q. realmente me faz feliz. Já acreditei como muitos q a minha felicidade era ter aquela roupa de marca, de ser a bem sucedida, a profissional respeitada.. Enfim foi processo.. claro q sempre li muito, e de td. E tive a oportunidade de ter na vida alguns anos desse tipo de realização. Vc. pode me perguntar como assim? Que felicidade eh essa? A da abnegação? Mística? Nada disso posso estar feliz sem ter vários ítens q para muitos é símbolo de felicidade e não sofro por isso. Eles não representam mais nada pra mim. Amo e, amar ao entorno... enfim é aquele velho papo das pequenas coisas descobri q eh verdadeiro. Às vezes, olhar o céu em seu deslumbrante azul me invade de felicidade. Qdo ando triste um barulho do vento, uma leitura de um belo texto, me remete à outra realidade e fico menos triste. Aceito estar triste, de não poder... Tem dia q eh mais fácil outros mais difíceis e tudo passa. Tudo passa se seu me deixar atravessar... bjs amigo
Cafs Cafaro... Entendo mto vc, pq é assim mesmo que me sinto muuuito feliz. Aceito mto mais o q não posso mudar ou até compreender. Aceito os momentos tristes e alegres, como naturais e passageiros... E que juntos, nos tornam mto mais humanos e aí: felizes! A capacidade de amar tudo: a si e ao outro, os outros...e doar-se é estar mto feliz; é pq estamos em paz e feliz. Não existe, felicidade sem paz...a meu ver e sentir. A capacidade de sentir tudo... É ser feliz tbm... Até a dor, e a dor dos outros.A felicidade é um estado de espírito e uma escolha sempre!
ResponderExcluirSim!Me vejo assim." A felicidade é um estado de espírito e uma escolha sempre". Mas as vezes a escolha fica difícil pelo que priorizo. Preciso da felicidade dos outros (meus filhos), meus netos, aqueles que gosto, o mundo tratando mal o outro aquele que me faz pensar em estar em seu lugar.
ResponderExcluirMuitas vezes quero colo. Difícil!
Prezado Jorge, Gosto deste salto para Guatarri o salto para a Felixcidade, a reinvenção me agrada, não sei porque mas toda vez que penso na estrutura Freudiana me angustia pensando na vida hoje.....gosto das relatividades, das possibilidades, dos pequenos sorrisos, de uma Xícara de café! Vejo que a ideia de felicidade pela otimização , pelos enquadramentos, pela família em posição triangular maçônica, já não mais avança com a Felixcidade, novas formas de comunicação, da palavra, da escrita, da tecnologia que não alcança nossas vidas e de nossas vidas que devéras nos causa a náusea dos navegantes, mas como dizia o Poeta navegante já prevendo milhões de "Fernandos" navegar é preciso!!!! Grata sempre Jorge pela sua eloquência, pelas suas palavras bem escritas e sua alma de artista!!!
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