'A VERDADEIRA AMIZADE É A OPOSIÇÃO'...William Blake (1757-1827)
Há um ano atrás escrevi um dos posts, texto deste blog, mais comentados e acessados até agora. Ele tratava da Inclusão Escolar. Indagava sobre a utilização de fraldas pelo processo inclusivo. Perguntava sobre os modos e meios de uso das novas tecnologias e cuidados para inventar novos e criativos modos de efetivação do direito à educação. Um ano passou, novos acontecimentos, novas descobertas, novos avanços, mas ainda permanecem questões sobre o que é e como incluir pessoas com deficiência no ensino regular.
Uma das questões que mais me atormentam é a das barreiras educacionais que ainda permanecem quanto às pessoas com Paralisias Cerebrais. Principalmente quando se trata dos chamados ''casos graves e institucionalizados''. Creio que estas são mais intensas e mais sutis que as apresentadas pelas resistências da chamada Comunidade Surda ou pelos demais sujeitos com deficiência que defendem escolas especiais.
A escola enquanto um dispositivo, seguindo o pensamento de Giorgio Agamben, é apenas uma interface entre os seres viventes e o mundo (as substâncias que nos cercam ou cerceiam) que produz, em serialização, o que chamamos de sujeitos. O processo de inclusão/exclusão não ocorre apenas 'entre os muros da escola'.
Depois de Realengo e seus tiros reais não mais podemos crer que possamos tornar a escola e os múltiplos ambientes totalmente responsáveis pela formação de um sujeito. A educação é que precisa ampliar seu campo de atuação e de intervenção na formação de cidadãos e cidadãs, plenos, críticos e amorosos.
Há no campo educacional uma resistência maior provocada, no ato de incluir, quando se trabalha com a heterogeneidade de condições físicas, mentais e de linguagem que um sujeito com paralisia cerebral apresenta. A maioria das mensagens, comunicações ou notícias que leio, e depois retransmito, apontam para uma permanência de um modelo biomédico e reabilitador para as pessoas com paralisias cerebrais. Seja dentro de escolas, onde poucos permanecem ou têm acesso, ou nos centros de reabilitação e, principalmente, nas chamadas entidades que os mantêm em internação ad infinitum.
A mais recente notícia é: "portador de paralisia cerebral escreve livro contando sua história". È a de um homem de 40 anos, Dudu, que, segundo as descrições: " ...nasceu com paralisia cerebral grave (coreoatetóide com quadro de disartria) além de apresentar semi-dependência nas mais simples atividades do dia a dia". Ele conseguiu lançar um livro: "Minha Casa Verde", onde nos conta "ao longo de 47 páginas" a história de uma vida dentro e fora da instituição.
Este sujeito vive e é cuidado em uma entidade filantrópica. No texto diz-se sobre sua condição de paralisia cerebral: "Traduzindo: ele não sabe ler nem escrever e sua fala é desarticulada, o que dificulta a compreensão de quem ouve. Também não consegue realizar as mais simples tarefas pessoais, como tomar banho, trocar de roupa e nem mesmo se alimenta sem ajuda".
Pergunto, então, aos 40 ele ainda usa fraldas? talvez sim ou não. Mas o mais importante é que ele é muito parecido com muitos amigos ditos P.C que conquistei. Segundo a reportagem é "dono de um carisma excepcional e de uma força de vontade inabalável, de levar adiante seu grande sonho...". Os amigos e amigas conhecidos e conquistados na minha história também o são.
Ele nessa busca de realização tem as mesmas características de Ronaldos, de Suelys, de Edgars, de Priscilas, de Sachas, de Carolinas, de Eduardos, de Malus, de mais de um amigo ou amiga que conheci ou vivo tentando re-conhecer. Todos eles e elas receberam o ''diagnóstico'' de Paralisia Cerebral. O que os diferencia de Dudu da Casa Verde?? Eles tiveram a chance de frequentar uma escola, pelo menos por um bom período, de conviver com uma família, completar um curso, terminar uma faculdade ou não, mas todos são amigos de amigos. Passaram e/ou ainda passam por processos de reabilitação, mas não ficaram 'pacientes'.
Eles e elas estiveram buscando com garra sair das imobilidades físicas geradas por seus diferentes quadros neuromotores. Fundamentalmente, também, são tão carismáticos e sonhadores como Dudu. Mas nenhum deles esteve ou está internado em uma instituição de reabilitação. Eles e elas não são menos e nem mais ''paralisados" que o Edu. São e foram apenas mantidos em plena inclusão social, com todas as barreiras e dificuldades que este processo apresenta e re-apresenta para pessoas com deficiência.
O sujeito Dudu está há muitos anos em uma Casa Verde. O mesmo nome que Machado de Assis deu ao local de confinamento dos ''alienados mentais'' do seu Alienista(1882). Ele nunca saiu de lá, pelo menos é o que nos diz a reportagem, assim como os demais 205 pacientes (internos). A sua possível melhor "amiga", Claudinha, está lá há mais de 20 anos. E o que me faz pensar que talvez possamos um dia ter espaços de desinstitucionalização que não se digam amigos de pessoas tão carismáticas, porém mantidas, filantropicamente, tão institucionalizadas como milhares de outros dudus pelo Brasil a dentro.
Retornando a Agamben precisamos afirmar que: "O amigo não é um outro eu, mas uma alteridade imanente na 'mesmidade', um tornar-se outro do mesmo. No ponto em que eu percebo a minha existência como doce, a minha sensação é atravessado por um com-sentir que a desloca e deporta para o amigo, para o outro mesmo. A amizade é essa des-subjetivação no coração mesmo da sensação mais íntima de si."
Aqueles que só têm muitos amigos institucionalizados não "têm" nenhum amigo. Por isso é que o processo de educar para a inclusão irrestrita do Outro, da Alteridade e da Diferença de mim e do meu Eu, pode ser o devir e é o princípio de uma educação fundamentada em Direitos Humanos.
É uma educação potencialmente instituinte que pode subverter os endurecimentos afetivos que alimentam bullyings, rejeições, escárnios, apelidos ou discriminações. É nos corações que perderam a doçura que podemos alimentar os ódios raciais, étnicos, homofóbicos, xenofóbicos ou deficiente-fóbicos. Não há nesses espaços de dis-córdia, como produção de subjetividade, a possibilidade da empatia e do re-conhecimento do Outro.
Por isso defendi, defendo a busca de uma Educação Inclusiva e Diferente da que estamos vivenciando, nesse momento macropolítico, com tantas resistências e discursos de oposição. Cada segmento buscando a defesa de suas conquistas históricas. Cada forma de ser e estar com uma deficiência afirmando suas singularidades e seus direitos. Defendo, e ,docemente, creio, que todos poderíamos aprender muito mais se frequentássemos, com 'phylia', a desinstitucionalização de nossos feudos ou espaços segregados ou segregantes.
Quais são, então, os pilares da Educação no século XXI? Para além do aprender a aprender, há ênfase, entre estes, da amizade e o aprender a ser/estar amigo?
Uma pergunta final: quantos amigos ou amigas, mesmo que como oposição, tinha o jovem Wellington ?? Aquele jovem e futuro serial killer que denunciava o bullying em vídeo, e que aprendeu apenas o desprezo que alguns con-sentem, fanaticamente, pela vida alheia. Aquele mesmo e idêntico escolar que sacrificou 13 jovens alunos em nossa Columbine Realengo. Aquele dos tiros reais, em um local/dispositivo onde se espera que aprendamos a fazer o oposto da exclusão e da Morte: a Escola de e para a Vida.
Assinado: Dr. Simão Bacamarte
Em tempo: lembrar que Paralisia Cerebral não é uma doença, e que os sujeitos com esta condição não são doentes ou portadores de uma encefalopatia,apesar de serem tratados e diagnosticados assim, baseando-se apenas no modelo biomédico. As paralisias cerebrais são as resultantes, diferenciadas, em graus variados, de uma lesão cerebral que lhes causou uma anóxia ou hipóxia antes, durante ou após o parto, sendo um grande número consequência de toco traumatismos no momento do parto.
Hoje 07 de julho há um manifesto de apoio à Educação Inclusiva a ser apoiado, amanhã esperamos haja a manifestação de uma Sociedade indignada e crítica que se lembre desses ''diferentes'' que ainda permanecem em restrição de seu direito humano e inalienável à Educação, para além de quaisquer gravidades ou profundidades de suas sequelas ou incapacidades físicas, sensoriais ou mentais. E, teremos Dudus escrevinhadores com ponteiras eletrônicas e rastreadores de movimentos de pálpebras que se tornarão os livros digitais e acessíveis para todos e todas.
copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 e ad infinitum (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa, com todos os direitos reservados)
Referência no texto:
O que é o Contemporâneo? e outros ensaios - Giorgio Agamben, Ed.Argos/UniChapecó, Chapecó, SC, 2010.
O Alienista - Machado de Assis - http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Alienista
http://www.livrosgratis.net/download/1826/o-alienista-machado-de-assis.html
Matéria citada e fonte:
Portador de paralisia cerebral grave escreve livro contando sua história http://www.ogirassol.com.br/paginaviver.php?idnoticia=27093
Entidades de direitos humanos manifestam apoio à educação inclusiva http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16844
Leiam também no Blog:
A INCLUSÃO ESCOLAR AINDA USA FRALDAS?
https://infoativodefnet.blogspot.com/2010/07/inclusao-escolar-ainda-usa-fraldas.html
O SURDO, O CEGO E O ELEFANTE BRANCO
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/05/o-surdo-o-cego-e-o-elefante-branco.html
INCLUSÃO/EXCLUSÃO - duas faces da mesma moeda deficitária?https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/02/inclusaoexclusao-duas-faces-da-mesma.html
INCLUSÃO, RACISMO E DIFERENÇA
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/05/inclusao-racismo-e-diferenca.html
TIROS REAIS EM REALENGO - A Violência é uma Péssima Pedagoga
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html
Em um mundo formatado e setorizado como o nosso, o conceito de amizade é definido pelo pragmatismo pessoal ou grupal, pequenos feudos que abrigam tribos urbanas monossilábicas que endeusa a exclusão para reafirmarem a sua indiferença com a humanidade.
ResponderExcluirO sentimento passa ser fragilidade e só o poder ou a busca dele uni as pessoas, é uma dança com a morte; que retira dos corpos dos atores, mais do que vida, lava, também, a dignidade.
Não há educação, dentro da esfera terra, há formatação de pessoas para a maquina produtiva do poder: industrial, político, religioso, corporativo de diversos seguimentos sociais.
Educação é negar o conceito da simples carreira, para buscar o humanismo primordial, sem exclusão social, sem racismo pessoal e tendo como objetivo a construção da felicidade coletiva.
Caro Hélcio
ResponderExcluiragradeço por seu comentário e leitura atenta deste texto. Espero que sua visão humanista e crítica realmente venha a ser o objetivo de todo ato educativo, e que sua visão sobre a amizade possa ser aprimorada no vivenciar de novos e intensos afetos, com muitos encontros alegres que produzam, tanto no individual, como no coletivo, novos despertares, novos horizontes e uma renovada vontade de enfrentar todos os preconceitos.... um doceabraço
Doutor, não há obstáculos intransponíveis quando existem mãos dadas, afeto sincero e verdadeiro.
ResponderExcluirTudo torna-se mais ameno e fácil de se tocar com os amigos do lado.
Uma vez uma amiga, que é mãe de uma criança mais que especial disse-me - Malu, quando enfrentamos uma grande dificuldade em nossa VIDA a única coisa que nos é melhor disso tudo é que banimos os amigos falsos e conhecemos novos e mais reais e verdadeiros.
Sim, nas dificuldades que são alheias às nossas vontade é que sabemos que é quem.
E como o artgo nos elucida - A AMIZADE É O ALICERCE PARA SE INCLUIR - seja na escola ou em qualquer canto da VIDA!
Abraços...
Cara Malu
ResponderExcluirHá muito tempo procuro seguir um pensamento de Spinoza que afirma "nada estimo mais que uma amizade verdadeira..." e seu comentário reforça esta visão spinoziana,,,que propõe um caminho para além do poder e das competições, onde os amigos são alicerces mútuos para a superação de quaisquer obstáculos ou barreiras, e, quando se trata de pessoas com deficiência isso é ainda mais verdadeiro e necessário.... um doceabraço e visite sempre o blog