Imagem publicada: foto de uma mulher negra, coberta de uma fuligem cinza, que se confunde com seus cabelos embranquecidos, emergindo entre os destroços e desmoronamentos provocados pelo terremoto que varreu a capital do Haiti, Porto Príncipe.
Em 1969 o cineasta italiano Gillo Pontecorvo realizou o lançamento do filme QUEIMADA (Burn!), que foi rodado na Colômbia.
Lembro-me desse filme visto nos anos de chumbo, no período Médici. O filme foi censurado e retirado de cartaz por sua crítica política, pois sua base ficcional ocorre em uma ilha do Caribe. Uma ilha colonizada por 'portugueses', com maioria populacional de escravos negros, produtora do ouro branco da época: o açúcar. Este filme seria uma boa maneira de conhecer um pouco do que ocorreu com a colonização e os colonizados nas ilhas do Caribe. Teremos, talvez, a compreensão do que foi o primeiro "terremoto social e político" da terra haitiana.
Este filme tem Marlon Brando no papel de um agente inglês de nome Walker, ele vem à ilha para, primeiramente, insuflar um processo de rebelião dos escravos negros. Ele teria a função de oferecer apoio britânico à massa de trabalhadores escravizados pelos colonizadores, que seriam fora das telas os espanhóis, mas no filme, por questões políticas, são os nossos colonizadores: os portugueses.
Mantenho na memória a imagem do ar de arrogância britânica e colonialista que Marlon Brando empresta ao seu personagem. Era a imagem de um 'suposto salvador' dos miseráveis e incultos escravos daquela ilha açucareira. Na primeira parte do filme ele conquista a confiança de um escravo destemido, Jose Dolores, nome nada português, interpretado por um ator negro não-profissional: Evaristo Marquéz. Marcou-me na época em que assisti o filme a cena que viria próximo do fim do filme: a terra arrasada pelo fogo. A queimada foi a solução para caçar os insurgentes.
O mesmo agente inglês, Walker, teria retornado à ilha para combater os revolucionários. O napalm(1) da época, a queimada, foi utilizado para derrotar e depor quem ele ajudara a combater: os 'colonialistas' portugueses... A ironia feita pelo diretor do filme vem com a indagação de que ética pautaria o personagem de Brando, que de acordo com o momento político-econômico faria dele também um colonialista disfarçado, como alguém que entedia a escravidão como mero comércio e negócio lucrativo, hipocritamente hipercapitalista.
Hoje assistimos e revisitamos a ilha imaginária de Pontecovo. Estamos abalados pelo terromoto e não pelo fogo no Haiti. Aquela ilha sem fantasia, coberta de negrume e de miséria, foi arrasada, mais uma vez, só que agora por forças 'naturais'. E penso se a queimada dos canaviais do período colonialista, retratados politicamente no cinema, não foi prenúncio do que aconteceria com os primeiros negros que se rebelaram, os primeiros que romperam os grilhões torturantes do trabalho escravo nas Américas.
Em um primeiro tempo histórico ficaram cobertos de fuligem e cinzas, hoje experimentam novamente o cinza dos escombros e das tristes imagens de sua terra que treme... Continuam escravos? não sei, mas com certeza continuam sobre o efeito dos "tonton macoutes", os bicho-papões, uma escolta de torturadores que protegia seu ditador: Papa Doc, que hoje se reproduzem em milícias paramilitares que devem estar administrando a nova miséria.
Esta ilha devastada, não somente pela miséria, pelo analfabetismo, pela fome, foi esquecida por longo tempo. Não mais se produzia ouro branco por lá, só foi rememorada pelas recentes e novas rebeliões.
Novamente a ex-colônia precisava de uso da força, mesmo para impor a 'paz', com uma intervenção dos capacetes azuis (Onu) em 2004, capitaneada pelo Brasil. A ilha e seu povo, nesse momento, e quem sabe até agora, era uma ameaça para a paz internacional e a segurança da região. Era a hora de chamar novamente o agente Walker...
Algum tempo atrás vi alguns cartazes na rua que protestavam contra a permanência militar do Brasil no Haiti. Ocorriam concomitantemente à revelação de um suicídio de um militar brasileiro na ilha, o general que comandava a MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti).
Hoje assistimos as famílias de militares brasileiros pranteando jovens que foram soterrados com o uniforme de nosso país. A ilha e sua terra queimada continua tendo suas vítimas de outros países. E ainda tremendo ela poderá continuar sendo objeto de intervenção internacional, só que agora com novo objetivo: a solidariedade humanitária.
Estou entre contente, pensativo e preocupado com a ajuda que dizem ser de milhões de dólares, inclusive do Brasil, para o povo haitiano. Será que agora teremos a possibilidade deste povo e país se tornar realmente livre?
A imprescindível mulher e médica, Zilda Arns, acreditava que sim, mas com um trabalho micropolítico e árduo de revolucionar as condições de saúde materno-infantil, alimentação e de educação básica da população mais pobre do Haiti. Ela tentava capacitar outros que acreditavam como ela na sua Pastoral. Ela estava lá para agenciar outros tipos de agentes, não os que abandonam os revolucionários e negam a revolução molecular quando ela se torna macro politicamente inoportuna.
Se fizéssemos um remake do filme Queimada a Doutora Zilda não poderia interpretar o papel de Marlon Brando, estaria mais próxima do homem negro escravizado e desejante de liberdade e justiça social.
Enfim, como já difundi em sua memória, e também em homenagem a todos os que estão sofrendo, ou sofreram como os brasileiros por lá soterrados e mortos, teríamos de lembrar que: CADA UM PODE SER MAIS UM, SE CADA UM FOR MAIS UM NA BUSCA DE UM MUNDO DE MUITOS QUE OLHAREM PARA UM SÓ MUNDO DE TODOS… O HAITI NÃO É LÁ, JÁ FOI, É, E PODE SER AQUI…
O hino nacional do Haiti, La Dessalinienne, nos diz: "...pour la patrie Mourir, mourir, mourir est beau Pour le drapeau, pour la patrie", ou seja: "Pela Pátria morrer, morrer, morrer é belo Pela bandeira, pela pátria", mas são os nacionalismos extremados, associados aos desejos fascistantes de massas, que geram os piores fascismos.
Há, nos tempos atuais, uma retomada silenciosa de microfascismos e de atitudes conservadoras em nosso cenário macrossocial. Vejamos as resistências, de alguns setores governamentais e do mundo empresarial, que um Plano Nacional de Direitos Humanos está gerando em nosso país.
Não devemos esquecer que a morte de qualquer ser vivo não deve ser justificada ou naturalizada..., e seja em Porto Príncipe ou nos mais longíguos e remotos locais deste planeta, com dizia John Donne( 1572/1631): a morte de um ser humano me interessa e me afeta, "porque sou parte (indivisível) da humanidade, portanto, não me perguntem por quem os sinos dobram... eles dobram por ti...".
Os negros e negras haitianos são, historicamente, tão pardos como a noite global (2) gostaria que fossem, mas seus olhos tristes de hoje são tão produtores de uma paixão humanitária que, esperançoso, desejo que, sensibilizados, possamos resgatar sua dignidade e porvir.
O Haiti como uma fênix negra pode e deve renascer de suas próprias cinzas libertárias e antiescravagistas. Liberté!, mesmo que tardia, seria uma palavra indispensável junto com a frase inscrita na bandeira haitiana: "L'union fait la force" ("A união faz a força") se reconhecermos o direito à Vida desses outros que durante tanto tempo submetemos à força e/ou à alienação do esquecimento. A Terra, depois de queimada, ainda precisa tremer para que lembremos dela?
copyright jorgemarciopereiradeandrade ad infinitum, 2011-2021, todos direitos reservados.
(1) Napalm - bomba incendiária, à base de gasolina gelificada, utilizada pelos EUA na guerra do Vietnã
Fontes:
2) VER MATÉRIA SOBRE FRANTZ FANON neste blog - https://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Frantz%20Fanon
LEIA TAMBÉM SOBRE O HAITI NO BLOG -
OS DESATRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html
O APRENDIZADO DO DESASTRE - O Hai de Ti é em qualquer lugar (é Aqui)
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/o-aprendizado-do-desastre-o-hai-di-ti-e.html
O APRENDIZADO DO DESASTRE - O Hai de Ti é em qualquer lugar (é Aqui)
https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/o-aprendizado-do-desastre-o-hai-di-ti-e.html
Gracias Jorge quería despertar nuestra conciencia y poner en marcha con el ánimo renovado Cumplimiento de la Misión que tenemos en este planeta ronda de elección libre.
ResponderExcluircharles barry
ResponderExcluiraqui a União ja fez açucar, "ouro branco", lá
a união, se desfez e nada se fez. é a mão do homem tentando impor política ,políticas &
politikas.
por falar em Brando, sua fala sobre o horror
no do Coppola esta completamente Haitiano para o momento.
CARISSIMO CHARLES
ResponderExcluirObrigado pela conexão do Queimada com o filme de Coppola, o triste-louco-filme Apocalipse Now, que é temporalmente ligado por mim através do NAPALM...
Transcrevo um texto de análise do filme que acho que demonstra a presença de Brando nos dois filmes: "Este filme tem várias cenas que ficam para a história. Todos os momentos que expressam a loucura de Kilgore são justamente célebres. Entre estas merecem destaque as seguintes cenas: uma em que celebriza a frase I love the smell of napalm in the morning depois de um ataque aéreo, quando obriga as suas tropas a fazerem surf enquanto são bombardeados…Outra cena famosa é a final. Um boi é completamente desfeito com uma catana enquanto Kurtz é assassinado, também com uma catana. Depois desta cena, Willard é observado pelos ex-adeptos de Kurtz como um novo Deus que vinha substituir aquele que fora assassinado. Os seguidores de Kurtz estavam felizes porque este se tornara cruel e começava a abusar do excesso de poder. Então Willard pega na mão de Lance, um dos seus companheiros de viagem (muito mais jovem), e leva-o para fora dali, para um futuro melhor, sem guerras nem conflitos. http://www.cinema2000.pt/ficha.php3?id=2936
um doce abraço
jorge marcio
brandos napalms, brandas queimaduras, veias
ResponderExcluirabertas de nossa américa latina, por onde ecoam as cavalgadas das valquírias...
oxalá, todos nosssos mestres e maestros ressurjam, em voos, fábula em ata.
pero sem guerras e conflitos...