
IMAGEM PUBLICADA - um grupo crianças agrupadas em uma escola mostram alguns golfinhos feitos de papel multicolorido, estão sorridentes, e, quem sabe, empáticos, após uma aula sobre as relações que são nutridas pelos golfinhos, baseadas na Empatia, em sua capacidade de viver e aprender em grupalidade sobre a construção de um respeito às diferenças e aos seus semelhantes. Um caminho que ainda estamos trilhando no mundo globalizado em busca da reinvenção do Outro e o re-conhecimento do mesmo.
Tudo em tudo
Cada homem em todos os homens
Todos os homens em cada homem
Todos os seres em cada ser
Cada ser em todos os seres
Toda distinção é mente, pela frente, na mente, da mente
Sem distinção não há mente para distinguir. (Laços, Ronald Laing, 1970
Hoje acordei com as minhas dores, aliás dormi com elas apenas um pouco. Logo ao acordar já apresentei a minha filha a solução de uma tarefa escolar do dia anterior. A Isadora recebeu como lição de casa desenvolver uma ideia que envolvesse a "criação científica" de uma tecnologia ou recurso que NÃO existe ainda. Além disso teria de desenhá-la e explicá-la, em texto livre, de como funcionaria este invento. O objetivo seria que esta tecnologia pudesse ajudar uma pessoa no dia a dia ou nosso planeta. Eu lhe sugeri a criação de uma "máquina da empatia".
Mas como explicar para uma criança de 10 anos a Empatia? E a minha tarefa conjunta matutina desdobrou-se em milhares de exemplos. Primeiramente, como um pai sonhador e ativista de direitos humanos, lembrei-lhe como tentar vestir a "pele" de crianças do mundo. Passei pelo Haiti e acabei pousando, de forma sensata, nas relações de bullying no meio escolar que ela conhece melhor do que eu. Ela se apropriou da ideia e foi além. Assim poderá constituído e vir a ser um processo 'metadialógico' entre um pai e uma filha.
A Máquina da Empatia já passeia na minha mente há muitos anos. Em 2005 tive a honra de fazer uma conferência no XV COLE (Congresso de Leitura do Brasil, da ALB), com uma apresentação de um artigo: TELEPATIA, EMPATIA, ANTIPATIA: POR ONDE CAMINHAMOS NAS TRILHAS DA DIFERENÇA. Nessa ocasião disse serem "três palavras ao léu ou três movimentos que podemos realizar no tabuleiro das relações humanas, quando nos aproximamos/afastamos do Outro? Este encontro de três palavras nos empurra na direção de uma encruzilhada de labirintos teóricos e de práticas ligadas aos sujeitos e à diferença".
Nesses tempos Idade Mídia, atualmente labirínticos, quando os Morros são ocupados militarizadamente, a Cólera é transmitida por soldados no Haiti, o controle biopolítico justifica novos e aperfeiçoados métodos de esquadrinhamentos e controle populacionais, a homofobia e outros modos de negação das diversidades humanas justificam novos microfascismos, afirmo que as práticas educacionais e filosóficas de construção de conceitos se tornam, bio e eticamente, indispensáveis.
Tenho de retomar meu discurso de 2005, e, como no texto sobre a Violência nossa de Cada Dia, me sinto ainda mais futurista, pois ainda precisamos, urgentemente, de: "...para além das hecatombes e violências do cotidiano precisamos buscar um 'metadiálogo’, ou seja uma conversa acerca deste problemático caminhar nas trilhas da diferença em um tempo de homogeneização e de produção serializada de subjetividades"
Meus caminhos pela estrada do empatizar são antigos... Vem da Psicanálise. Para o psicanalista vienense, Heinz Kohut, o termo EMPATIA é indispensável ao exercício da psicanálise. Em 1959 publicou um artigo que enfatizou o papel do narcisismo e da empatia na teoria e na clinica psicanalítica. Ele alinhavou algumas aquisições no desenvolvimento das formas de narcisismo que vivemos e da integração de personalidade de um sujeito.
Kohut indica uma série de aquisições que culminariam com a Sabedoria em nossa jornada rumo ao autoconhecimento, e uma visão mais humanitária de nossas relações, indicando-nos que: “ a empatia é o modo pelo qual coletamos dados psicológicos acerca das outras pessoas e pelo qual, quando elas dizem o que pensam ou sentem, imaginamos sua experiência interior, mesmo que não esteja aberta à observação direta".
Minha interlocutora Isadora me colocou novamente diante de Heinz Kohut. Ela perguntou se: ..."as pessoas,mesmo passando pela Máquina da Empatia, continuassem sendo e fazendo o que antes acontecia...", ou seja não tivessem mudando um pingo na sua posição egoísta e narcisista Kohut, concorda com ela, e nos adverte que, desejando empaticamente o melhor para todos os nossos semelhantes, deveríamos para atingir uma incerta/insegura sabedoria.
Ele alinha como outras aquisições indispensáveis a criatividade dos homens, seu senso de humor e sua capacidade de encarar a sua própria transitoriedade, enfim de saber e reconhecer-se finito e mortal, atingindo a integração e “superar nosso narcisismo inalterado”, aceitando e reconhecendo nossas limitações físicas, intelectuais e emocionais.
Dedico, pois, este texto a todos e todas que estão nas escolas brasileiras, trilhando as veredas do campo da inclusão e da reinvenção do Outro, com especial carinho e orgulho à minha filha, nos seus 10 anos de vida.
Em sua Máquina da Empatia, no seu texto escolar, ela escreveu: "a máquina da empatia faz (trans-forma) as pessoas que não são empáticas serem pessoas melhores, mais agradáveis, que dão valor aos sentimentos das outras pessoas. Bem, se pelo menos 10 pessoas, em uma cidade, fossem empáticas ela poderia ser até mais alegre..."
E, transversalizados por esta máquina inovadora e renovadora, mais empáticos, quem sabe, até nos tornemos um pouco mais telepáticos e menos televisivos.
Portanto, e enfim, para que não me torne "antipático", sem desejar a simpatia, reapresento o texto final da conferência apresentada no XV COLE:
UM METADIÁLOGO COM A POÉTICA DIFERENÇA DO FOGO
Imaginemos, então um diálogo entre um pai e sua filha, que prepara com sua mochila para uma viagem através do mundo, aos dezoito anos, sobre as três possíveis trilhas, ou a possibilidade de seu inevitável entrecruzamento:
Filha – Como é que medimos as distâncias entre as pessoas?
Pai – é incomensurável o que nos distancia, assim como o que nos aproxima... Mas podemos dizer que há três movimentos em direção a uma outra pessoa ou coisa, que diríamos está em Empédocles??
Filha – em Empédocles, o filósofo grego, pré-socrático, aquele do Etna?
Pai – é aquele que nasceu no século V antes de Cristo, que segundo o Dicionário Oxford de Literatura Clássica, era: filósofo e cientista natural de Acragás (Agrigento), na Sicília...; pertencia a uma família abastada e ilustre, e, segundo constava, foi-lhe oferecido várias vezes o trono de sua cidade, mas o filósofo recusou-o... era um gênio extremamente versátil, e interessou-se pela biologia, pela medicina e pela física (deve-se lhe a descoberta de que o ar é uma substância, distinta do espaço vazio)...
Filha – Então ele aprendeu-ensinou que as substâncias, assim como nós, tem diferenças?
Pai – Ele nos ajudará a entender que podemos, segundo a sua filosofia, tentar reconciliar a percepção dos fenômenos cambiantes com a concepção lógica de uma existência imutável subjacente...
Filha – Como ele chegou a esta ideia?
Pai – Ele desvendou/descobriu o que o poeta-Prometeu D. H. Lawrence nos anunciou alguns muitos séculos depois, que somos, basicamente, ‘elementares’, ou seja, há quatro elementos inalteráveis – a terra, o ar, a água e o fogo – de cuja interação, associação ou dissociação se produzem as mutações do mundo como o conhecemos...
Filha – É aí que ele afirma a existência de forças antagônicas, como nós entendemos o que chamamos de AMOR x ÓDIO?
Pai - Sim, não apenas como antagônicas, mas muito próximo do que os filósofos do TAO chamaram de yin e yang, com a CONCÓRDIA disputando com a DISCÓRDIA, construindo, destruindo e reconstruindo infinitamente...
Filha – Mas pai, o que afinal tudo isso tem a ver com aquela conversa metadialógica sobre a Telepatia, a Empatia e a Antipatia?
Pai – para esta resposta teria que ter tido a ousadia de Empédocles que se atirou no vulcão Etna, e, segundo Bachelard, em seus “fragmentos para uma poética do fogo”: Empédocles é uma das maiores imagens da poética do aniquilamento. No ato empedocliano, o homem é tão grande quanto ao fogo. O homem é o grande ator de um cosmodrama verdadeiro...!”
Filha – Então o que teremos de fazer é nos deixarmos levar pelo fogo essencial que há dentro de todos nós. Mas a chama que me abrasa é a mesma que abrasa o cerne de todos os outros? Seria isso que nos fez ficarmos próximos apenas quando acendíamos o fogo há milênios, e diante dele nos colocávamos em roda, invertendo, nesse preciso momento, nosso temor de sermos tocados pelo Outro?
Pai – quem sabe a poesia do Lawrence possa nos ajudar? Posso lê-la?
Filha – melhor seria se nos empatizarmos com ele, mas pelo menos poderemos nos forçar a sermos transmissores de sua poética do fogo, aquele poema em que ele diz ser “mais profundo que o amor...”, o fogo primordial ... conectado ao ingnoscível fogo mais remoto de todas as coisas...
ELEMENTAR
Por que é que as pessoas não param de ser amáveis
Ou de pensar que são amáveis, ou de querer ser amáveis,
E passam a ser um pouco elementares?
Como o homem é feito de elementos, do fogo, chuva, ar e barro
E como nada disso é amável
Mas elementar,
O homem não pende inteiramente para o lado dos anjos... DH Lawrence
Aos que buscam como tirar as fraldas do processo de inclusão escolar envio a minha sugestão de que promovam "metadiálogos" provocativos em seus relacionamentos mais próximos, bem antes de levá-los às salas de aula, pois os nossos narcisismos das pequenas diferenças começam, primordialmente, e ainda na intimidade de nossos territórios afetivos ...
copyright/left jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 ad infinitum após 2021 (favor citar o autor e as fontes em republicação livre pela Internet, todos direitos reservados... 2025)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _
Laing, R. D ( 1982). – Laços – Petrópolis, Editora Vozes.
Kohut, Heinz, Self e Narcisismo (1984) – Rio de Janeiro, RJ – Zahar Editores
Bachelard, Gaston ( 1990) – Fragmentos de uma poética do fogo – São Paulo, SP – Editora Brasiliense.
Lawrence, D. H ( 1985) – Poemas ( edição bilíngue do centenário) – Rio de Janeiro, RJ – Editora Alhambra.
Leia também no Blog: