Imagem publicada – uma fotografia
colorida, que foi tirada com apoio e ajuda de uma jovem de 12 anos, minha filha,
feita em plena manifestação de Junho de 2013, em uma Avenida de Campinas, onde vemos
sentada, em primeiro plano, uma senhora, negra, segurando duas muletas, sentada
no ponto de ônibus, tendo atrás dela, em pé e na rua, diversos jovens, em
destaque uma jovem de costas com a bandeira do Brasil enrolada no corpo. Fiz
essa foto para me lembrar do que poderia ser, além dos vinte centavos, outro
motivo digno de manifestações ou de revoltas das multidões: o ‘esquecimento’ de
nossos velhos, dos que estão sentados em outros bancos, principalmente de
hospitais ou filas da Previdência. Esperando, esperando o futuro que passa,
vestido de nacionalismos, cartazes que passam e rebelião popular que se esquece. Esquece de dirigir seu olhar e respeito para
com esta que poderá vir a ser a sua própria imagem, um retrato que ainda está em seu devir...(fotografia
de meu arquivo pessoal).
“...A memória dos velhos desdobra e alarga de tal maneira os horizontes
da cultura e faz crescer junto com ela o pesquisador e a sociedade onde ele se
insere.... Se alguém colhe um grande ramalhete de narrativas orais, tem pouca
coisa nas mãos. Uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada
numa gaveta como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela
floresceu. A pedra de toque é a leitura crítica a interpretação fiel, a busca
do significado, que transcende aquela biografia: é o nosso trabalho e muito
belo seria dizer, a nossa luta”. (Bosi, 2003a, p. 69)
Hoje, mais um dia de me lembrar,
eis a memória, das minhas dores físicas. Elas se tornaram fiéis escudeiras do
meu viver? Acho que sim, mas me fazem também refletir sobre uma encruzilhada na
qual se encontram três “entidades”, ou melhor, acontecimentos existenciais: nossas
deficiências, a nossa memória e o nosso envelhecimento.
Como diz, humildemente, Eclea
Bosi, no texto de abertura, as nossas histórias de vida não são feitas para os
arquivos, para o mofo ou o esquecimento, aí significando o abandono ou
desprezo. Nossas histórias merecem outro cuidado diante dessa encruzilhada que
o mundo nos apresenta, principalmente por sua lógica do descarte e do consumo.
Ouvimos, falamos, repetimos e
naturalizamos a previsão e o agouro de que todos nós nos tornamos pessoas com
deficiência, no futuro. Nesse momento, pela óptica biomédica, estamos ainda “com
saúde”. Ideal e econômicamente saudáveis, como nas propagandas dos planos de 'saúde'.
Porém o que temos de refletir é como isso poderá ser modificado. Nossa atual concepção/paradigma de uma deficiência depende totalmente do meio no qual se produzem as barreiras, os preconceitos e as limitações que levam um ser humano às denominadas situações de deficiência. É o novo paradigma social que muda nossos velhos conceitos sobre ser, estar e ficar com uma deficiência.
Porém o que temos de refletir é como isso poderá ser modificado. Nossa atual concepção/paradigma de uma deficiência depende totalmente do meio no qual se produzem as barreiras, os preconceitos e as limitações que levam um ser humano às denominadas situações de deficiência. É o novo paradigma social que muda nossos velhos conceitos sobre ser, estar e ficar com uma deficiência.
Não nascemos já com algumas "deficiências"? SIM, não nascemos na perfeição, no modelo eugênico e ideal, além
de racista, de seres sem nenhuma mácula, defeito, imperfeição, falha,
incapacidade ou qualquer estigma. Somos, desde sempre, quiçá para o futuro, os “portadores
da vida imperfeita”. Apenas humanos, demasiadamente humanos. E também "portadores da transitoriedade e da finitude".
Hoje muitos estarão falando dos “velhos”. Senhores e senhoras. Os que recebem nessa data uma comemoração internacional.
Um momento de lhes assegurar seu Estatuto e suas questões de vida e
sobrevivência fundamentadas pelos direitos humanos. Porém, não lhes daremos
nosso espelhamento e nossa re-visão crítica, aquela que a Ecléa nos pede e
ensina. Nosso espelho do futuro está coberto?
Precisamos de outro e novo olhar
para aquilo e aqueles que denominamos “velhos”. Prefiro como sempre disse usar
o termo “antigo” para me referir ao que muitos dizem ser nossa Terceira Idade,
nosso fim e terminalidade. Vejo aí sempre aquele olhar que se reproduz no
símbolo que está nos estacionamentos, metrôs e outros espaços públicos onde
passamos a ser a prioridade apenas com uma bengala. Curvados pelo Tempo.
Todos terão, como eu, de usar
apoios ou meios de locomoção que são também símbolos significantes do nosso
desgaste físico corporal. Serão todos corpos com o significante permanente da
perda, do passado sem futuro, da história a ser esquecida? Não, temos de buscar
essa encruzilhada e conversarmos cara a cara com a Memória, essa amiga próxima
e íntima da Dona Morte.
E é a Dona Morte que nos assusta
que muitas vezes nos rouba o que chamamos de memória. A memória mais roubada é
a dos fatos recentes, a que chamamos de anterógrada. Porém, nessa óptica apenas
neuropsíquica, o que mais temos temor de perda são as memórias do passado. Já que as cultivamos, como uma flor destinada a murchar, as nossas lembranças, nossos
velhos retratos, nossas antigas músicas e amores. Principalmente os amores regados com a nova suavidade dos encontros alegres.
Por isso hoje temos de rever
esses conceitos naturalizados sobre uma época do viver que todos e todas temos
de viver: o tornar-se idoso. Na nossa sociedade, ainda é regida pelo Estado do
Bem Estar e da Saúde Eterna, continuamos na busca alquímica da “fonte da
juventude”. Simbolizamos aí o nosso temor/terror da pele enrugada, dos
movimentos lentos, das falhas e lapsos da memória, dos conflitos
transgeracionais, e, “naturalmente”, nos tornarmos os “rabugentos”.
Uma mão com sua pele encarquilhada,
com suas veias mais visíveis, com sua motricidade fina diminuída, com a
lentificação dos movimentos, independentemente, do poder segurar um pincel e
repintar, finamente, a própria imagem, hoje, pelas novas tecnologias, não
encontrará nenhuma barreira se as puder utilizar sem barreiras. Porém o
tornar-se mais um na deficiência está acompanhado, quase sempre, de uma
probabilidade de não acesso a estes recursos ou tecnologias assistivas.
O pensar o nosso, o seu, o meu e
o de todos, envelhecer em uma sociedade de vidas descartáveis é uma reflexão
indispensável. Ou melhor, deve ser pensável e imprescindível. As vulnerações, ou
seja, a produção de novas vulnerabilidades, em tempos de incertezas, desde o
macropolítico até ao micropolítico, nos apresenta outra encruzilhada: - o aumento
de nossas expectativas de vida, com ele o aumento das ‘deficiências’ dos
sistemas de proteção social e previdenciária, e, inevitavelmente, o incremento
de barreiras que propiciem mais marginalização e/ou exclusão social.
Portanto, ainda estamos nessa busca de
qualificar quem, que mecanismos, que lógicas e que políticas tem produzido os
mitos que cercam essa tal ‘feliz idade’. Os mitos que as colocam como
beneficiárias e não como agentes da mudança de suas vidas. Presas fáceis dos
modelos reabilitadores e biomédicos e suas mitificações, quase religiosas ou
milagrosas. O mito de uma vida de eterna juventude.
Reforçam-se aí os mitos quando estes 'velhos' são excluídos
do mercado de trabalho, com sua retirada para os aposentos domésticos. Os mitos
que as convertem e novos e dependentes endividados dos empréstimos bancários
especiais para estes aposentados. E, finalmente, os mitos, reforçados pelos ideais
de Saúde plena, com sua re-habilitação que se torna exclusivamente dependente dos
avanços da medicina e das biotecnologias. Ficam, então, reféns da visão de que
realmente estão mais próximos da Dona Morte do que da Vida.
É este o futuro que desejamos? É este
o futuro que estamos providenciando e produzindo? Um duro e não harmônico
futuro. Não aprendemos, ainda, ir em busca da velha tradição oral? Que tal
reaprendermos a escutar atentamente os nossos “velhos”. Enfim, para uma escuta sensível e não como uma
escuta que reforce nossos preconceitos ou mitos sobre o envelhecer.
Eu, aqui, como já disse no
início, continuarei meu aprendizado, embora árduo, do conviver com um corpo que
não é mais o dos “vinte anos”. E não usarei o vinho ou outros componentes que
nos embriagam com a ideia fantasiosa de que “quanto mais velho, melhor”. Este é
outro mito a ser superado. Só somos melhores quando nossas qualidades do viver
também o são. Quando a vida é digna e os direitos não são só de papel.
Eis, então, a questão: mudaremos
nossos paradigmas sobre as deficiências, as memórias e os diferentes, diversos,
plurais e humanos envelhecimentos? Um belo fim para alguns pode ser diferente
do que outras pessoas, nas suas diferenças, desejem e aspirem para seu futuro.
O que podemos, então, a elas, humanas, demasiadamente humanas, dizer sobre o
futuro?
Não tenho a sua resposta, não
tenho mais que a permanência na dúvida e na indagação, estas que fazem com que
supere quaisquer das minhas atuais limitações. São as mesmas que fazem que eu
queira ter direito ao meu Testamento Vital. As mesmas que me impedem do afundar
ou desaparecer dentro das areias movediças das certezas científicas ou dos
dogmas religiosos.
Enfim, para não prolongar o
texto, apenas para lembrar este contexto, esta crônica de uma comemoração do
Dia Internacional do Idoso, desejo que nossos corpos, corações e mentes, não
perdendo a paixão e o vigor, busquem, individual ou coletivamente, uma nova
visão micropolítica e cartográfica do viver, mesmo com os limites, sem pedidos
de complacência ou desejos de retorno ao suposto nirvana dos úteros maternos.
Não deixemos apagar a Memória.
Principalmente aquela que exige um respeito e reaprendizagem: a da nossa
História. A mesma, ouvida dos velhos, sobre as nossas naturalizações e
banalizações das violências, das vulnerações e nossa capacidade de destruir, em
segundos, o que levamos séculos para produzir, construir, arquitetar e
transformar em beleza.
Avancemos, com dignidade e luta,
para os braços da Dona Morte, com a certeza de escrevemos, conjuntamente, outra
história sobre o viver e o Super-viver, não apenas o sobreviver. E os de mais
idade, mais tempo cronológico e biológico, estarão entre nós...
E deixaremos envelhecidas
memórias, um tanto ‘deficientes’, mas não escondidas nas gavetas de “velhas
escrivaninhas” neo-tecnológicas chamadas de computadores.
Eu, solidariamente, estarei mais
velho quando o meu pai fizer os seus 104, 105 e 106 anos...
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jorgemarciopereiradeandrade 2013/futuro (favor citar o autor e as fontes em
republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)
LEITURAS CRÍTICAS INDICADAS –
Memória e sociedade: lembranças de velhos. Ecléia Bosi, São Paulo:
Companhia das Letras. (1994 – um texto sempre renovador e implicado com a vida,
sem temor da finitude).
Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de
psicologia social. São Paulo: Ateliê EditoriaI.
SOBRE O DIA INTERNACIONAL DO
IDOSO - Dia Internacional do Idoso comemora expectativa de vida na terceira
idade https://www.jornalnanet.com.br/noticias/7520/dia-internacional-do-idoso-comemora-expectativa-de-vida-na-terceira-idade
Notícia acrescentada em 2015 - Vivemos mais mas isso não quer dizer que sejamos mais saudáveis (diz a OMS) https://www.noticiasaominuto.com/mundo/461954/vivemos-mais-mas-isso-nao-quer-dizer-que-sejamos-mais-saudaveis
LEIA TAMBÉM NO BLOG –
AOS 103 ANOS AINDA SE APRENDE ALGUMA COISA?
O MUNDO ENVELHECE, AS INJUSTIÇAS
AINDA PERSISTE,E, ENTRETANTOS, O MEU PAI FAZ 102 ANOS - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/04/o-mundo-envelhece-as-injusticas-ainda.html
OS RISCOS DA/NA ANENCEFALIA DA JUSTIÇA SUPREMA - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/04/riscos-de-uma-anencefalia-dana-justica.html
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ENVELHE=SER OU TORNAR-SE, + 1, VELHO?
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