Imagem publicada – imagem de modelo de Enfermaria e leitos do novo hospital, o futuro IAD (Instituto de Álcool e Drogas, a se
construído na região da Pompéia, em São Paulo, SP. Segundo a matéria do Jornal
da USP, com o endereço (link) citado ao fim desta publicação, “com investimento de
R$59 Milhões, o Instituto de Álcool e Drogas (IAD) da USP terá atuação multidisciplinar
e oferecerá atendimento à sociedade em geral e à comunidade universitária...”.
Um espaço que abrigará uma Unidade de Internação, o Centro de Atenção
Psicossocial/Álcool e Drogas (CAPSad), o Ambulatório especializado em
dependência química, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(Creas), além de programas de capacitação a profissionais que atuem com
dependência química no interior do Estado de São Paulo e nas Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste.
Esta notícia está circulando em
minha mente há dias. Li pela primeira vez o texto, ao pesquisar sobre o tema
tão falado atualmente chamado de epidemia: o Crack. Minhas situações de
afastamento das atividades da Saúde Mental me fazem buscar a manutenção do
conhecimento sobre todos seus campos. E, quando, como dizia Nietzsche, nos
afastamos da cidadela é que podemos re-conhecer os seus muros...
A construção de um novo hospital,
quando existe esse apelo compulsório e biopolítico de internação de todos os “viciados”
é sempre uma boa e uma má notícia. E por que existiria e existirá essa
ambivalência e ambiguidade?
Primeiro olhamos a notícia do
investimento de muitos recursos e de busca de um “enfrentamento” da alardeada e
visível situação da drogadição em nosso país. Mas se relemos e repensamos a
notícia vamos encontra os seus avanços e seus retrocessos. O que poderiam ser
avanços com a estrutura, deste novo edifício de cinco andares, com a ‘’inclusão’’
de um CAPSad ocupando um de seus andares, pode ser a reinserção arquitetônica
de um modelo que contraria, por exemplo, a ação dos chamados “consultórios de
rua”.
A pergunta sobre a internação dos
Centros de Atenção Psicossocial vem desta proposta, com apoio do Governo
Federal, da Secretaria Estadual de Saúde e do renomado Instituto de Psiquiatria
da USP. Não estaremos ativamente restringindo ao modelo biomédico o cuidado dos
cidadãos (ãs) marginalizados, quase sempre sob pontes, à margem de trilhos,
ferrovias ou beiras da cidade?
Estes que vivem drogados e, permanentemente,
desterritorializados passam a ser, agora denominados craqueiros, muito embora
muitos sejam primariamente alcóolatras e pessoas em situação de rua, alvo de
uma reterritorialização e novos cuidados, que podem até ser terapêuticos, mas
apenas sob a ótica da internação involuntária ou compulsória?
Estas perguntas são geradas pela
minha experiência passada no convívio diário de um CAPS III, os espaços de
cuidado e tecnologias de atenção em Saúde Mental. Estes Centros são a proposta
da Reforma Psiquiátrica que surgiu, cresce e existe em centros urbanos com mais
de 200.000 habitantes, institucionalizados a partir da Lei 10.216/2001, que
também abriga, cuida, atende, por equipes multidisciplinares,oferecendo, nas crises, os "leitos noite".
Neste espaço físico e territorial dos CAPS convivem, em intensidades/cuidados diferentes, os usuários que além dos transtornos mentais severos e prolongados, como as esquizofrenias, formam uma heterogênea população que também é usuária das drogas, quiçá uma boa maioria do álcool.
Neste espaço físico e territorial dos CAPS convivem, em intensidades/cuidados diferentes, os usuários que além dos transtornos mentais severos e prolongados, como as esquizofrenias, formam uma heterogênea população que também é usuária das drogas, quiçá uma boa maioria do álcool.
Esta Lei que tramitou por muitos
anos nas veredas de uma resistência conservadora e de modelo hospitalocêntrico
nos afirma a contradição de um CAPS inserido no “ventre” de um hospital, Basta
que leiamos os artigos: “VIII - ser
tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser
tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental”.
Estes e os artigos antecedentes
foram proclamados para garantir os direitos e a proteção de pessoas acometidas
de transtorno mental. O que precisamos lembrar é que também, como já foi feito
com pessoas com deficiência, foi deixada aberta à interpretação, que digo
anti-inclusiva, com o termo “preferencialmente”.
Nessa brecha é que nascem as
atuais modelizações de higienização e reinstitucionalização dos “loucos de toda
sorte”, ou melhor, os que tornados loucos e perigosos para a sociedade serão
tolhidos de quaisquer sortes... E nossos governantes, prefeitos e
representantes legislativos, com apoio de “novas” leis, buscam o controle desta
epidemia sem vacinas ou tentativas de “cortar o Mal pela raiz”, optando-se pelo
método mais antigo: a exclusão dos já excluídos e desfiliados socialmente.
Há, porém formas de tornar mais
receptivas e massificadas do que afirmar que um CAPS dentro de uma estrutura
hospitalar, como o proposto pela USP, do que dizer que: “está prevista a criação de um ambiente humanizado e INCLUSIVO,
adequado ao seguimento da proposta terapêutica interdisciplinar de usuários de
diferentes substâncias, portadores ou não de comorbidades psiquiátricas e
CLÍNICAS...?”.
A maioria da população, e ousaria
dizer até dos que se consideram bem informados e cultos, considerará esta
proposta muito apropriada aos tempos que vivemos. Dirão que dentro de um
ambiente hospitalar os dependentes serão “melhor” desintoxicados e
estabilizados. Mas o projeto terapêutico que está subjacente é o que apontava
Foucault em sua desmontagem genealógica dos asilos: é preciso dar uma “direção”
aos asilados.
O texto da matéria, muito claro e
preciso, nos diz que: “... Pela natureza
dos tratamentos a que se destina, o projeto CAPSad estabelece, ainda, a
prevenção de violência, suicídio e uso de substâncias nas dependências do IAD.”
Ou seja não serão permitidos estes graves desvios do regime de
funcionamento hospitalar. E, então, quais serão os dispositivos, tecnologias,
regimes e domínios a serem instituídos ou inventados para controlar essas
transgressões?
Somos informados que a sua construção se iniciará em 2013. E que a infraestrutura desta edificação será e "foi projetada para abrigar enfermarias destinadas à internação de pacientes adultos e adolescentes". Serão alvo do cuidado de equipes multidisciplinares os usuários de crack e outras drogas. Estes serão abrigados (obrigados) em 62 leitos de internação, sendo 12 para cuidado de CRIANÇAS E ADOLESCENTES usuários de drogas e 10 leitos exclusivos para o tratamento de funcionários e alunos da comunidade da USP.
Por não saber como serão estas
práticas intra-hospitalares, conhecendo a necessidade de um outro modo de
cuidado em rede, com políticas Inter setoriais e práxis localizadas em espaços
territoriais comunitários, é que deixo minha dúvida em aberto.
Serão estes pavimentos novos que reabilitarão os “usuários de drogas”? ou serão estes “usuários” que passaram a ocupar os leitos crônicos, que lembram o mito de Procusto, se não se deixarem dirigir, ordenar e submeter, melhor será aumentar o tamanho das camas ou do chão, e, se preciso além de Vidas Nuas também expor, como no passado, ao frio e ao jejum (vale a abstinência forçada)?
Serão estes pavimentos novos que reabilitarão os “usuários de drogas”? ou serão estes “usuários” que passaram a ocupar os leitos crônicos, que lembram o mito de Procusto, se não se deixarem dirigir, ordenar e submeter, melhor será aumentar o tamanho das camas ou do chão, e, se preciso além de Vidas Nuas também expor, como no passado, ao frio e ao jejum (vale a abstinência forçada)?
Enfim, digo que a proposta deste novo Hospital
me trouxe, com a “internação” de um CapsAd, a lembrança triste e envergonhada
dos velhos e rotos pijamas uniformizantes do passado manicomial de nossa
psiquiatria brasileira e mundial. Por esta lembrança é que convoco à reflexão
crítica da “urgência” de novos espaços fechados para o cuidado de quem já vive
em situação de isolamento, sofrimento, desconstrução da autoestima,
depressões, violentações, vulnerações e, consequentemente, a negação de seus
direitos, principalmente aqueles que inventamos em 1948: os direitos humanos.
Não precisamos apenas demolir os
muros visíveis de velhos projetos de hospitalizações. Estes fantasmas afligem
os que criam as Casas Verdes (O Alienista -Machado de Assis). Também devemos ter o desejo de
demolição de nosso mais antigo temor: a invasão de nossos protegidos, limpos,
seguros, moralizados e, aparentemente, civilizados territórios por essa nova
horda de bárbaros. É o nosso temor de sermos tocados novamente, sem nenhuma
autocrítica sobre nossa participação na sua gênese social.
E toda nossa suavidade e respeito ao Outro
continua em des-aparecimento.
PS – Neste mês de novembro
completam-se os três primeiros anos do Blog INFOATIVO. DEFNET, e, com a
conquista de mais de 100.000 (cem mil) acessos, e a proximidade dos 500 (quinhentos)
amigos/amigas seguidores, envio meu agradecimento aos que comentaram, mesmo que
silenciosa ou por outros meios, os meus textos. Espero continuar, dentro das
minhas atuais limitações físicas, usando este espaço cibernético e digital para
tentar “contaminá-los” afetiva e afetuosamente com minhas idéias e sonhos, já
que até minha saúde mental também passa, pelas agruras a que todos/todas
estamos expostos, pelo RISCO que é viver In-Tensamente...
UM DOCEABRAÇO
Copyright/left – jorgemarciopereiradeandrade ad infinitum / todos direitos reservados (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou
quaisquer outros meios de comunicação de massa - TODOS DIREITOS RESERVADOS 2025)
Notícias na INTERNET –
HC terá centro para tratar dependência em álcool e drogas
Centro Multidisciplinar sobre crack, álcool e outras drogas (Jornal da USP 13/21 Outubro de 2012) https://www.usp.br/imprensa/?p=25186
LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm
Reforma Psiquiátrica e política de Saúde Mental no
Brasil https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf
Indicações para Leitura (e crítica) –
O Poder Psiquiátrico – Michel Foucault – Editora Martins
Fontes, São Paulo, SP, 2006 (Aula de 9 de Janeiro de 1974 – Poder psiquiátrico e
prática de “direção”)
El Sufrimiento Mental – El poder, la ley y los derechos –
Emiliano Galende & Alfredo Jorge Kraut – Lugar Editorial, Buenos Aires,
Argentina, 2006.(pág. 244 – Acerca de los derechos de los pacientes mentales)
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RESILIÊNCIA https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/10/saude-mental-quando-bioetica-se_11.html
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