
imagem publicada - foto de uma mulher negra, da Àfrica, deitada sobre o chão, com uma expressão de dor intensa em seu rosto, com sua mão apoiando seu rosto, tendo ao fundo um filhote de ave, como contraponto a sua situação de sofrimento. Foi publicada na matéria sobre Margaret Somerville que é diretora do Centro de Medicina, Ética e Direito na Universidade McGill e autor de A Imaginação Ética : Viagens do Espírito Humano. Nessa matéria interroga-se se o alívio da dor extrema não é um direito humano?
"O vivido de uma dor é sempre o vivido da minha dor. Cada um sofre à sua maneira, qualquer que seja o motivo de seu sofrimento. Todas as vezes que uma dor nos aflige, venha ela do corpo ou da mente, ela se mistura inextricavelmente à mais antiga dor que revive em nós..." J.-D. Nasio ( A Dor Física)
Enquanto a macropolítica temporariamente, nos inebria, entontece e anestesia, há outras sensações e vivências subjetivas que não podem ser aplacadas com este momento político e social. São as que "vivemos na pele", oriundas de um aprendizado da dor. São as que nascem somente no âmago de quem as experimenta, por longo período. Eu aqui, resilientemente, venho aprendendo com a convivência diuturna do ser e estar com a dor em meu corpo/mente.
Recebi uma matéria de um jornal de Bioética: The American Journal of Bioethics, que me fez refletir sobre minha condição cidadã e meu ser vivo em estado de dor. O artigo é de uma bioeticista, Margaret Somerville, que vivenciou na "pele" como é absurdo o pouco cuidado da dor humana.
E este absurdo se torna ainda maior quando as condições de vida e dignidade não são incluídas no respeito ao ser humano em situação de dor extrema. Principalmente quando isso ocorre com os excluídos. A exclusão, de qualquer tipo ou ordem, também acentua outras dores, outras intensidades.
A própria bioeticista relata sua experiência com seu pai: "Em 1983, meu pai estava doente terminal com câncer de próstata com metástase para os ossos. Eu estava em Montreal, quando ele me telefonou e disse que ele estava prestes a morrer , então entrei em um avião e fui para a Austrália".
Ela relata que teve de criar uma grande confusão no hospital universitário onde ele se encontrava. Ela, após seu estardalhaço, conseguiu um especialista em dor para ver seu pai: o Dr. Michael Cousins, um anestesista australiano. Ele é o médico que ajudou a coordenar uma Declaração em Montreal sobre o Alívio da Dor como um Direito Humano, que apresento uma tradução livre lá embaixo.
O mais interessante é a afirmação do pai desta médica, que ainda sobreviveu por mais nove meses. Ele disse: "Eu quero viver enquanto eu puder, Margo, mas eu não quero viver se isso significar viver com uma dor tão terrível . É ótimo o que você fez por mim, mas nem todo mundo tem uma filha que pode " perder as estribeiras 'para obter -lhes o alívio da dor que eles precisam. Você tem que fazer algo para ajudar outras pessoas com dor". Desde então ela tem procurado ajudar na difusão de uma plataforma de reivindicações dos direitos de pacientes com dor por todo o mundo, em especial nos chamados países em desenvolvimento ou emergentes.
Freud em seu câncer de mandíbula, após diversas intervenções cirúrgicas, também solicitou a seu médico e amigo Max Schur um alívio. Ele recebeu o seu direito humano de morrer com dignidade. O seu médico atendeu a seu pedido "in extremis", ou seja quando nada mais podia ser feito, quando nem os cuidados paliativos já amorteciam a dolorosa e sofrível situação do pai da Psicanálise.
Foi ele que nos legou esse conhecimento: "O eu (ego) é antes de tudo um eu (ego) corporal; não é apenas um ser de superfície (psíquica), mas é ele próprio a projeção de uma superfície[ a superfície do corpor, isto é a pele]... Por longos anos vivenciou dores e sua inexorável insuportabilidade psíquica ao se prolongarem. Em 23 de setembro de 1939 descansou com a ajuda de Max Schur.
Nessa perpectiva de alívio da dor é que devemos, médicos e seus ''pacientes'', buscar um modo ético e bioético de cuidar e diminuir o sofrimento humano provocado pela dor. Não somos todos budistas, mas o somos na sua afirmação da universalidade da dor. Não há ser humano que não a tenha experimentado, física e psíquicamente, sem guardar uma lembrança.
Daí que, teremos sempre dores antigas, dores atuais e até dores ''amigas''. Aprendemos a conviver e respeitar nossa frágil condição humana corpórea quando ela se apresenta e persiste. Aprendemos também que devemos combatê-la quando nos incapacita. Mas ainda precisamos aprender a respeitar a intensidade e o desejo de alívio de quem a sente como insuportável.
'Em sua "Declaração sobre o Acesso a Cuidados com a DOR como um Direito Humano Fundamental", os delegados e participantes do Congresso Internacional da Dor propuseram que todas as pessoas:
1- Têm o direito de acesso ao cuidado da dor sem discriminação.
2- Tem o direito a ser informados sobre como sua dor pode ser avaliada e acompanhada através do registro de um quinto sinal vital, e informados sobre as possibilidades de tratamento.
3- Tem o direito de acesso a um conjuto adequado das estratégias de gestão eficaz da dor, a serem alicerçadas em políticas e procedimentos apropiados para cada quadro particular de saúde pessoal e os profissionais da saúde que os empregam.
4- Tem o direito de acesso a medicamentos adequados, inclusive, mas não limitados, ao uso de opióides, bem como o acesso a profissionais de saúde especializados no uso destes medicamentos.
5- Têm o direito de avaliação e atendimento por uma equipe devidamente instruída e treinada interdisciplinarmente em todos os niveis de atenção
6- Tem o direito à politicas públicas de saúde em cujos quadros possam participar do tratamento da dor, em nível social, econômico e ambiental, baseados na compaixão, na empatia e na informação acessível e clara.
7- Tem o direito de acesso às melhores práticas, aos métodos não-medicamentosos do cuidado da dor ( variando desde métodos de relaxamento ou fisioterapia até o tratamento cognitivo comportamental), assim como a métodos intervencionais por especialistas em dor, dependendo dos recursos de cada país.
8- Temos o direito de ser reconhecido como tendo uma manifestação da doença, exigindo-se o acesso aos mesmos patamares de cuidado de outras doenças consideradas crônicas.
Adicionalmente, a declaração propõe que:
1- Os profissionais da Saúde têm a obrigação de oferecer aos pacientes com dor os mesmos cuidados que seriam oferecidos, razoavelmente, por profissionais atentos e competentes na área da saúde.
2- Os Governos e as instituições de saúde devem estabelecer leis, políticas públicas e sistemas que promovam/estimulem - e não inibir - os cuidados, a gestão e o acesso aos tratamentos da dor".
ESTE TEXTO FOI ESCRITO EM HOMENAGEM A TODOS OS QUE NÃO PODERÃO COMPARECER ÀS URNAS PARA VOTAR, POR ESTAREM SE SUBMETENDO, TALVEZ NESSE INSTANTE, A UM PROCESSO DE TRATAMENTO INTENSIVO PARA DORES EM FUNÇÃO DE UM CÂNCER, UMA RADIOTERAPIA, UM AGUDIZAÇÃO DE QUADRO INFECCIOSO, UMA RECIDIVA DE SEU QUADRO DE IMUNOSUPRESSÃO POR HIV, UMA CONDIÇÃO PÓSTRAUMÁTICA NEUROLÓGICA, OU QUALQUER OUTRA CONDIÇÃO DE VIDA E SAÚDE ONDE A DOR ESTEJA IMPEDINDO-OS DO EXERCÍCIO DE SUA CIDADANIA.
Eu aqui, mesmo como as minhas dores e dissabores, estarei buscando no voto, na urna, e no exercício de minha condição cidadã a esperança de outro modo de cuidar, olhar e respeitar esses Outros que aprendem a dura convivência com a dor. A esperança pode ser um gramática civil de um outro modo de re-conhecer a dor que nos é imposta com a negação de nossas diferenças e singularidades, para além de nossas diversidades e pluralidades.
Espero que nossos representantes políticos, ao serem eleitos, possam entender que: os gastos com o alívio da dor, tanto para os cidadãos e cidadãs, assim como para os Estados têm ocupado a terceira posição dos gastos totais em Saúde (WHO) dos países industrializados. Por que então estes cuidados não tem a mesma atenção que os dedicados às outras formas de adoecimento e sofrimento humano no Brasil e no mundo globalizado?
FONTES DE PESQUISA:
Is Pain relief a human right?
http://www.mercatornet.com/articles/view/is_pain_relief_a_human_right/
13º Congresso Mundial sobre a Dor - Montreal 2010
http://communities.canada.com/montrealgazette/blogs/healthbites/archive/2010/09/03/montreal-declaration-proposes-pain-strategies.aspx
A DOR FÍSICA (uma teoria psicanalítica da dor corporal) - J.-D. Nasio, Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, RJ, 2008.
Indicação para leitura -
Hospital: Dor e Morte como Ofício - Ana Pitta, Editora Annablumme/Hucitec, 5ª ed., São Paulo, SP, 2003.
LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
NENHUMA DOR A MENOS OU MAIS http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/10/nenhuma-dor-menos-ou-mais.html