
Imagem publicada - foto do filme Beleza Americana onde uma jovem, loira e com sua nudez recoberta por pétalas de rosas, é o motivo de sonhos e fantasias de um personagem (Kevin Spacey). Ela está, simbolicamente, em um "mar de rosas vermelhas", as rosas americanas que não tem espinhos nem odor, são quase artificiais por isso com muito menos calor humano a transmitir. E me interrogarão: onde é que a encontramos nesse mar as Rosas Azuis?
BIOPOLÍTICA, BIOÉTICA E NOSSOS CORPOS CONTEMPORÂNEOS
"Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no rosto, com uma beleza ainda maior, fora do comum. Os olhos - vislumbre meu - que cresciam sem beira, dum verde dos outros verdes, como nenhum pasto...." Guimarães Rosa ( Grande Sertão: Veredas)
Houve um tempo em que existiram, um jardim, um jardineiro e uma roseira. O jardineiro sabia-se apenas um cuidador das flores e plantas do jardim. O jardim era seu éden, quase perfeito e tinha um único dono.
Coube ao jardineiro tentar uma experiência e pesquisa científica com essa roseira, que em tempos primaveris e com boa rega e adubos, produzia rosas de diferentes cores. Eram como as sexualidades humanas: multicoloridas, múltiplas e sempre mutantes, apesar dos espinhos. Não lhes faltavam rosas com a cor da dor ou do amor e seus variados perfumes sutis.
Como o dono do jardim quis provar, cientificamente, que poderia alterar gênese e função estética, além de seguir um padrão uniforme de toda a vizinhança, solicitou ao jardineiro que ‘normatizasse’ as rosas dessa roseira multicolorida.
Estabeleceu como ideal que ele provocasse uma mutação, um novo enxerto ou "terapia hiper-eugênica" para que a roseira só produzisse rosas com uma nova e intensa cor perfeita: Azul. Como o jardineiro, a moda do jardim de Alice no País da Maravilhas, tentasse obedecer a este amo e senhor, buscou fielmente a realização de seu desejo.
Mas a vida, assim como as rosas, não obedece a todos os nossos parâmetros de perfeição, e as flores antes multicoloridas e de diferentes perfumes, ao serem padronizadas passaram a ser tomadas como um ideal nas redondezas. Toda uma população contaminada e identitária passou a ‘pintar’ suas rosas para que essa nova cor da moda fosse presença em todos os jardins.. Nascia mais um império monocromático.
Como dizem, o que é bom dura pouco. Devido à sua perda precoce de pétalas, sua fragilização dos espinhos e progressivo envelhecimento precoce, surgiu, então, um problema e dilema, para que as rosas se tornassem apenas azuis.
Havia que também passar, necessariamente, por uma modificação genética e uma experiência nanotecnológica com transformação, através de pílulas e injeções, das mãos do próprio jardineiro. Tudo que ele passasse a tocar tornar-se-ia monocromático, apenas uma cor seria visível. E, progressivamente, seu próprio corpo também se tornaria perfeito: azul como aquela propaganda de celular.
Até um arco-iris, se possível de ser tocado, passaria apenas a traduzir em seu espectro luminoso o azul. Desde então o jardineiro está confinado em um laboratório de experimentação de drogas da indústria de pesticidas e invenção de rosas perfeitas e eternas. O jardim vem morrendo pelo aquecimento global, gerado pela hiper-industrialização e comercialização de rosas de plástico, que inclusive, tornaram-se as ‘culpadas’ de um novo tipo de lixo não reciclável, o seu dono está cada vez mais imperial e determinado a criar um ‘mundo global perfeito e sob controle’.
E as rosas? como dizia o doce Cartola: as rosas não falam, simplesmente exalam o perfume que roubam de ti... Por fim surgiram rosas simulacros e de cor única, todas de plástico e imortais. Para sempre azuis. E o mundo continuou a girar e gerar progresso, lucro e alienação.
Será apenas ficção ou cinema quando nossos corpos são utilizados para a experimentação científica? Ou cada dia mais estamos nos tornando cobaias e objeto de pesquisas em nome da Ciência e do Progresso? O quanto de biopolítica poderia se tornar uma ecopolítica bioéticamente "sustentável"?
Meta-parábola interrogante e dilemática do jardineiro infiel: a criação de rosas perfeitas, cuja beleza americana(1) é o paradigma da nossa sociedade pós-hiper-capitalista.... ou ainda podemos diversificar e multicolorir os nossos heterogêneos jardins da subjetividade humana?
Como então não cair nos espaços hipercapitalistas de criação de corpos e vidas nuas que se tornam qual cyborgs, que quando "recoloridos" cairão em um espaço de troca de peças, recall, manutenção preventiva e recauchutagem? Como em Gattaca seremos como novos ‘veiculos’- máquinas impulsionadas pelo modelo biomédico de produção serializada de corpos perfeitos e esteticamente ideais, escolhidos em laboratórios, mas precisando do sangue dos "inválidos"?.
E os olhos de Diadorins se apagarão para sempre...
(copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 - ad infinitum - favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massas)
REFERÊNCIAS NO TEXTO:
1- Beleza Americana - filme do diretor Sam Mendes (1999) - http://pt.wikipedia.org/wiki/Beleza_Americana
2- Gattaca (a Experiência Genética) - filme do diretor Andrew Niccol (1997) - http://pt.wikipedia.org/wiki/Gattaca
3- Ciborgue - Cyborgs - http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciborgue
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