domingo, 10 de setembro de 2017

CARTA (DE) VIDA AOS JOVENS SUICIDADOS.

Imagem Publicada- um poemapictórico meu onde sobre o fundo de cor preta está a frase – Es Cre Ver sobre o Preto  para que o Negro vire Poesia e Não apenas a Capa Preta da Realidade Obs escurecida... Com pequenos ”riscos” em vermelho para nos lembrar dos riscos que corremos quando negamos o quanto somos vulneráveis, e o quanto nos submetem à vulneração hoje em dia. A vocês, mesmos temerosos, a afirmação de novas cartas e cartografias para o Viver, apesar e além de todas as de-pressões ou lutos ou lutas.

“Não pode ser próprio do poeta entregar a humanidade à morte. E, com consternação que ele, que não se fecha a ninguém, percebe o poder crescente da morte em tantas pessoas. Mesmo que  a todos pareça façanha inútil, o poeta vai pôr-se a sacudir esse poder e jamais, em hipótese alguma capitulará...”  
(Elias Canetti, A Consciência das Palavras, pág.322, a última)

Jovens, vocês são, nós somos, e serão, o motivo e o objetivo principal de minha carta subjetiva. É uma 'missiva' dos tempos dos furações, das opressões, dos desfiliados, das violências naturalizadas, das banalizações dos espetáculos do Estado, das farsas macropolíticas  a favor da Sociedade de Controle. Tempos de Vidas Desperdiçadas dirá Zygmunt Bauman.

Como escrever para nossa juventude que passa mais de 04 horas, em média ou mais, conectada a um smartphone? A mesma que tentam compreender, inventar subjetividades, produzi-las, além de prender e tentar matar, principalmente se sua pele for negra?

Talvez, seguindo a máxima do Canetti, tenha que lhes provocar poeticamente. Quem sabe minhas palavras com alguma consciência, vinda ainda do Século XX, quiçá visionárias, possam lhes afetar. Como lhes ajudar a resistir aos mensageiros do Nada?

Não posso ir além dos limites das letras e dos espaços de repetição. A síntese que me pedem é quase impossível para uma mente e um coração poéticos. Não sei se já me excedi aos 140 caracteres ou às frases de efeito das redes sociais.

Só peço então que me acompanhem em uma re-descoberta de um Poeta. Um daqueles que pode ter sido suicidado ainda jovem. Embora, com certeza, alguns só o leiam pelo viés ideológico, lógico que irei seguir meu desejo de lhes dar VIDA e não mais uma pá do cale-se dos tempos de temor e não de amor.

Convido a que leiam comigo este poema. Foi escrito por MAIAKÓVSKI (1894-1930), o poeta russo, dos anos pós-Revolução Soviética, para um amigo: Sergei Iessiênin (1895-1925). Esse amigo, também poeta, suicidou-se num quarto do hotel Inglaterra, em São Petersburgo (Leningrado). Ele, ao se sangrar, escreveu com o próprio sangue seus últimos versos: “Morrer não é novidade nesta vida. Mas viver, com certeza, não é mais novo”.

Como sei que não há palavras soltas, mas que gostaríamos de não aprisioná-las. Escrevendo como um poeta, ou seu arremedo, sinto que preciso das palavras de um poeta revolucionário para tentar essa sensibilização sobre o suicidar-se ou ser suicidado. Não as Cartas a um jovem poeta do Rilke. São apenas como diziam, antigamente, as ‘mal traçadas’ linhas com tinta escorrendo entre elas. E, críticos e descrentes, possam questionar e se questionar com elas.

Deixou-nos o poeta russo essas provocações. Peço que tenham a paciência da degustação de seu modo único de escrita e sensibilidade:

“PARTITES como dizem
Para o outro mundo
O vazio...
Estás planando
Até o céu bordado de estrelas.
Chega de adiamentos e de vodka.
Sobriedade.

Não, Iessiênin, isto não é zombaria.
Na minha garganta
Nada de escárnio
Mas uma bola de tristeza.
Eu vos vejo com uma mão de cera
Hesitando agitar o saco
De vossos próprios ossos.
Parai, deixai para trás!
Que ideia é essa de derramar
No vosso rosto esse giz mortal?
Vós que sabeis escrever coisas
Como ninguém no mundo.

Por quê? E como?
Derramam-se em hipóteses
Os críticos gaguejam:
De quem é a culpa?
Muito a dizer...

Mas, sobretudo lhe faltava ‘conexão’ ou ‘ligação’?
O resultado?
Muita cerveja ou aguardente?
Dizem que se vós deveríeis ter trocado a boêmia
Pela burguesia;
A classe vos teria influenciado,
Fim das lutas.

Mas essa classe a sua sede
Ela sacia com kvas (bebida russa não alcóolica)?
A Classe ela também, para beber
Entende bastante.

Dizem que se houvessem juntado
Alguém de ‘Sentinela’ (vigilância dos escritores ‘proletários’)
Teríeis feito muitos progressos:
Poderia a cada dia
Escrever vossos cem versos,
Enfadonhos e compridos
Como Doronine.        (poeta soviético – 1900 – 1978)

Para mim este delírio
Se tivesse realizado
Vós teríeis muito mais cedo
Sobre vos mesmo se atacado.
Melhor morrer de Vodka
Do que de Tédio!

Nem a forca, nem a faca
Nos darão a chave desta perda.
Talvez se tivessem tinta no Hotel Inglaterra
O Senhor poderia ter evitado
De se cortarem as veias.

Os imitadores se alegram: “Bis”!
Todo um pelotão que faz
Sobre si mesmo, justiça.

Por que aumentar o número de suicídios?
Melhor seria aumentar a produção de tinta!
Para sempre agora esta língua
Fica presa entre os dentes,
É duro e deslocado fazer mistérios
O povo aquele que cria a língua
Perdeu um de seus artesãos
Farristas e sonoros.
E trazem as quinquilharias
Dos versos funerários
Quase os mesmos desde o último enterro.
Deveríamos dispensar o féretro
Com um cajado
Estes versos inexpressivos.

É assim que se homenageia um poeta?
Ainda não vos construíram um monumento;
Onde estão os quilos de bronze
Ou os gramas de granito?
Que diante da grade da lembrança já tragam
As bugigangas das homenagens e dedicatórias.
O vosso nome é colocado em lenços.

O tenor Sobinov baba as vossas palavras
E sob uma árvore magrinha ele agoniza:
‘Nem mais uma palavra, meu amigo,
Nem um suspi-i-ro’
Ah! É de outra forma que deveríamos
Falar de Leonid Lohegrin!

Levantar-se em fulminante escândalo,
-Eu não permito que se mastigue
E se massacre assim os versos!
Assoviar com os dedos até deixa-los surdos
E mandá-los aos infernos!
Que fujam esses detritos sem talento,
Enchendo as velas se seus paletós
Que o crítico Kogan levado em sua debandada
Espete os transeuntes com seu bigode.
A sacanagem  hoje em dia ainda não ficou rara.
A tarefa é grande mal bastamos.

É PRECISO REFAZER A VIDA,
UMA VEZ REFEITA PODEREMOS CANTÁ-LA.
O NOSSO TEMPO, PARA PENA GERAL, NÃO É MUITO FÁCIL.

Mas digam-me os ‘inválidos’, os impotentes,
Onde e quando aqueles que são grandes
Escolheram os caminhos traçados e fáceis?
A palavra capitaneia a força humana.
PARA FRENTE, ANDEMOS,
E que o tempo estoure em bombas
Que o vento sopra para os dias passados
Só de leve mechas de cabelos misturados.
PARA A ALEGRIA O NOSSO PLANETA
ESTÁ MAL PREPARADO.
É preciso extorquir a alegria aos dias futuros.
NESTA VIDA MORRER NÃO É DIFÍCIL
CONSTRUIR A VIDA É BEM MAIS DIFÍCIL ”.

Sim construir vidas é bem mais difícil. É muito fácil para os hipercapitalismos de desastre as destruí-las depois das ondas e dos ventos dos tsunamis, e dos Estados de Exceção. Foram jovens estudantes que levaram, em 1930, ao Poeta, que antes fora consagrado pela Revolução Soviética (1917), em 04 de Abril de 1930, aos 36 anos, nos deixasse também pelo suicídio.  Ele era acusado de usar ‘palavras indecentes’ e de ser “... incompreensível para as massas’’.

Ele replicou aos jovens do LBM da época: “Quando eu morrer, vocês vão ler meus versos com lágrimas de enternecimento”. Hoje, nenhum daqueles jovens insuflados por ideologia e desejo de poder, hoje também por dinheiro, é ou foi lembrado com o poeta.

Por isso vos digo como quem já teve a Dona Morte nos calcanhares, e, hoje a hospeda apenas na varanda de sua/minha verdadeira morada, meu/nosso corpo: “Não neguem o temor de Viver, intensamente, quando for preciso RE-EXISTIR ao caminho mais simples: a alienação de si mesmos” (jmpa2017).

 Um doceabraço a todos e todas que ainda se sentirem afetados e tocados pela e com a Poesia e pelas Artes.

Copyright/left 2017 ad infinitum, com todos os direitos reservados, favor citar o autor em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação e dominação de massas.

LEITURAS CRÍTICAS:
A CONSCIÊNCIA DAS PALAVRAS – Elias Canetti, Companhia das Letras.

VIDAS DESPERDIÇADAS – Zygmunt Bauman, Jorge Zahar Editor.

MAIAKÓVSKI – Vida e Obra – Editora Martin Claret.


Preventing suicide: a resource for media professionals - update 2017 WHO http://www.who.int/mental_health/suicide-prevention/resource_booklet_2017/en/

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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

MULHER (ES), PODER (ES) E O(S) MEDO (S)...

Imagem publicada – uma foto (de uma série) da minha janela voltada para o pôr do sol (da deusa Disis), que intensifiquei como fogo no céu, acentuando os alaranjados, os azuis e os amarelos (próximos do que amo em Van Gogh), tempo visível com a sombra dos prédios que todos os dias posso avistar de minha janela aprisionada pelo tempo visto como passado, mas que se torna uma fulgurante demonstração de como podemos rever e transver nossas próprias horas, e se torna um tempo-vida-imaginação...

...’Esqueço as horas pensando em outras horas de quem tem poucas horas ou muitas horas. Ora Hora!... Não penso nas horas; elas e que me pensam’...

Preciso do silêncio e da negação de todos os sons para tentar pensar. Outro dia fui lembrado, nas ‘altas horas da madrugada’ que precisava me cuidar com a passagem do Tempo. Lembravam-me que, humano ainda, tenho um corpo físico e uma suposta saúde a deixar descansar. Este texto, como parto prolongado, nasceu em horas sem ruídos metálicos ou zumbidos alienantes. Em horas que não cabem nos relógios digitais ou ampulhetas.

Respondi com a frase acima, relâmpago afetivo, mais ou menos, sobre minha relação com as horas. As horas são e serão sempre femininas. As horas, conforme a mitologia grega são mulheres. Seriam as mulheres de Atenas? Aquelas cuja cidadania era negada, aquelas equiparadas apenas aos escravos. Ou seriam e são as guardiãs do Olimpo que organizam a passagem das estrelas? As que trazem a fertilidade da mudança?

Na versão apresentada pela Wikipédia são: - “As horas (em grego:  Ώρες, em latim: horae) constituíam, na mitologia grega, um grupo de deusas que presidiam as estações do ano. Filhas de Zeus e Têmis eram três deusas que personificavam a ordem do mundo. Eunômia (Εὐνομία, "legalidade") representa a legalidade, a boa ‘ordem’, as leis cívicas. Eirene ou Irene (Εἰρήνη, "paz") representa a paz. Dikê ou Dice (Δίκη, "justiça") representa a justiça”.

As horas também têm suas versões latinas. São também o tempo, as estações, as passagens dos momentos, das atividades de um dia ou as épocas. Quais seriam, hoje, as épocas que vivemos ou que nos dizem ou permitem ser vividas?  Vivemos o tempo em que a(s) Mulher (es), o(s) Poder(es) e o(s) Medo(s) encontram-se na(s)  mesma(s) encruzilhada(s)?

Como disse são, hoje, agora, nesse instante fugaz, nesse segundo, quando toco as teclas das letras que elas, as horas, aquelas deusas me assombram. Permitem-me, reles mortal, a aspirar com elas ainda sonhar com utopias, com as outras invenções gregas, tal qual a democracia. Entretanto, nesse mesmo passado do relógio, a História me diz que as deusas passaram a servir a outros ordenadores burocráticos do mundo.

Onde foram parar, pelo menos nesses territórios mais próximos, agora recriadores de novos muros e novas instituições, a legalidade, a Paz e aquela que pendula entre a espada e a balança? Passaram a ser apenas servas do Estado Nação ou de um novo Estado de Exceção?

Porém, se são Mulher (es) como já escrevi nos seus Dez(s) Mandamentos por aqui, não seguem os caminhos predeterminados pelos governantes mortais. Não se tornam, apesar de nossa persistência histórica, em escravas de um Tempo dos temores e dos desamores. Não se deixam capturar, completamente, pelas novas formas sutis de colonização de seus corpos e mentes.

O feminino e seu gozo não são visíveis. Não há e nem haverá a possibilidade de sua total dominação. Nem mesmo pelas armas ou pelos exércitos ou pelas microfascistações do cotidiano e suas falsas horas. São, mesmo as mais humilhadas, ricas de outro modo de devir, outros poderes, outras desterritorializações e fugas. São e serão, mesmos as mais duras, profundamente, como as deusas, inspiradas pelas suavidades, caso contrário seus opostos se tornam soberanos.

As mulheres podem vestir togas, podem usar fardas, podem e devem cair nas homogeneizações e binarizações/dualidades. São sujeitos sociais, assim como todos os gêneros e indivíduos. Mas nenhum de seus uniformes retirará de seus corpos as suas castrações, ao contrário, podem acentuar suas falicidades. Como horas, passantes, mutantes e mutáveis, surpreendem e se surpreendem, como as heterogeneidades de formas de amar, apaixonar ou inventar. Elas são e serão uterinas, mesmo quando histerectomizadas pelos homens ou pelas novas tecnologias. Ou mesmo por outras mulheres in-vestidas de autoridade(s).

Para que continuemos a busca do feminino como liberdade, embora nos tenham levado às ilusões temerosas, cabe à(s) mulher (es) o restabelecimento do equilíbrio que as horas, não mais reificadas ou endeusadas, nos ensinaram e ensinam a desejar ir além dos permitidos. Ir além, dos preconceitos, das discriminações, dos mitos, das falácias, dos podres poderes e, principalmente do Medo.

Como, então, a partir das muitas feminilidades, das muitas multiplicidades, das singularidades e das pluralidades de ser e existir poderemos enfrentar essa Cultura do Medo? A resposta recente me veio de releituras de Espinosa e as novas de Antonio Negri sobre o filósofo polidor de lentes e mentes. De lá extrai o conceito de tempo vida e não de temporalidade. O viver como duração e não durabilidade.

Para A. Negri: “A filosofia de Espinosa exclui o tempo-medida. Ela apreende o tempo-vida. É por isso que Espinosa ignora a palavra ‘tempo’ – mesmo fixando seu conceito entre vida e imaginação. De fato, para Espinosa o tempo só existe como liberação. O tempo libertado se faz imaginação produtiva, radicada na ética. O tempo liberado não é nem devir, nem dialética, nem mediação. Mas ser que se constrói, constituição dinâmica, imaginação realizada. O tempo não é medida, é Ética...”.

O tempo é da ‘hora’ que retoma a Eunomia. Tal como o corpo feminino pode, se for libertado, se tornar o ser da revolução, da contínua escolha ética da produção. Do direito de não ser apenas um corpo reprodutor, mas aquele que enriquece o ser.

Pelos corpos que mesmo negados, ou ainda sob desmandos, ou sob midiatizações espetaculares, é que afirmo que a hora é a do ser-mulher, como forma de potência e transformação. Afirmo que, diante dos nossos desencantamentos coletivos, não nos iludamos com as organizações, mesmo as globais ou globalizantes.

A hora é a do desafio da quebra de alguns paradigmas. Macro e micropolitica-mente. A hora é do afirmar o respeitar as ‘minas’, mas tomando cuidado para pisar nas mesmas que alguns querem, belicosamente, semear em nossos caminhos e passos.

Quando, dos poderes visíveis, das ditas autoridades do alto, nos vem o anúncio de novos muros, novas discriminações, novas guerras, que muitos aqui não vêem como já existentes, as horas se tornam mais urgentes. Precisamos das outras horas, pois há sim outras deusas-horas, como Disis, que era a deusa da finalização do dia, o por do sol.

Este texto não crepuscular é um apelo, não uma alegoria, que convoca/provoca às mais poderosas e destemidas, às que podem abrir as portas de corações, podem encantar avenidas, podem desafiar ditadores, podem lançar foguetes no espaço, podem revelar verdades e desmitificar as ondas de alienação e submissão. À(s) Mulher(es) com o(s) Poder(es) de demolir(em) todo(s) o(s) Medo(s)...

(copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2017 ad infinitum, favor citar o autor em republicações livres pela Internet e outros meios de difusão, comunicação ou manipulação de massas...)

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